Religiões cristãs eliminam nossas práticas, denunciam mulheres indígenas

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De EDELBERTO BEHS*

O corpo indígena é político e ele não está separado do território, frisam militantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Elas reivindicam terra demarcada, rio sem garimpo, comida sem agrotóxico e respeito aos corpos-territórios em sua diversidade. Para dar continuidade a essa luta, está sendo organizada, para setembro, a Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.

Para a Semana dos Povos Indígenas, de 16 a 22 de abril, a Fundação Luterana de Diaconia (FLD) editou caderno elaborado pelas antropólogas Braulina Baniwa, do bioma Amazônia, e Joziléia Kaingang, do bioma Mata Atlântica, mais a especialista em saúde indígena Giovana Mandulão, do povo Macuxi/Wapichana do Estado de Roraima. O caderno destaca a ancestralidade e a potência dos corpos-territórios das mulheres indígenas.

“O primeiro ataque violento à nossa existência foi a chegada dos não indígenas e das não indígenas dentro dos nossos territórios, não respeitando esse espaço enquanto corpo de conhecimento, de múltiplas práticas e vivências”, denunciam as autoras.

“O contato com essa violência – afirmam – aconteceu sob os diferentes formatos e pretextos, seja com a mentira de ‘salvação da alma’ que nos discriminou de forma silenciosa, até deixar de falar as línguas indígenas nesse processo”.

Quando se reportam ao “nosso corpo-território indígena” elas vão além do que se entende por corpo físico. “Nós, mulheres indígenas, nascemos em um lugar que se constrói a partir de um ambiente, de um bioma. Então, quando falamos de corpo-território, estamos falando que nós carregamos heranças ancestrais, que carregamos heranças espirituais nos nossos corpos e, além das heranças, carregamos a sabedoria dos nossos povos”, explicam Braulina, Joziléia e Giovana.

Daí a denúncia da interferência de outras religiões, um desrespeito às práticas de espiritualidade de comunidades indígenas. “A imposição de igrejas cristãs, que muitas vezes se dizem ‘salvadoras de almas’, silenciaram nossas práticas, nossos conhecimentos. Instituições religiosas que adentraram em nossos espaços com intuito de evangelização acabam, muitas vezes, ferindo nosso corpo-território e nossa ancestralidade”, apontam.

Elas admitem que em alguns momentos povos indígenas foram inocentes e silenciados nesses contatos com outras religiões, que acabaram praticando essa religiosidade e deixando a sua de lado. Reconhecem, contudo, que em alguns contextos essa foi também uma prática de sobrevivência. “A intolerância religiosa tem sido uma violência constante em muitos corpos-territórios, como no caso do povo Guarani e Kaiowá, que tem suas casas de reza atacadas e queimadas”, arrolam.

Também a educação nos moldes oficiais, voltada “para todas e todos” num sistema que é para indígenas e não indígenas, “silencia e inviabiliza as culturas dos povos indígenas e de outras populações. “Na proposta da educação oficial tem que caber a educação específica e diferenciada”, onde a ciência e a pedagogia indígenas precisam ter lugar, assim como os costumes, a cultura, a identidade, e as línguas que formam o corpo-território dos indígenas, definem.

Com a sabedoria e o ensinamento das pessoas mais velhas as comunidades indígenas fortalecem a aprendizagem das crianças, e com as crianças, “que também ensinam”. “Quando nascemos, já fazemos parte de um coletivo, nascemos numa comunidade e é a partir dali que vamos nos formando”, explicam.

Pensar o corpo-território indígena não se limita a um espaço livre e saudável, mas envolve também a espiritualidade. “Entendemos a espiritualidade como as nossas águas que correm em nossos territórios”, como “parte que nos compõem enquanto seres humanos”. Elas destacam que a espiritualidade “está em tudo, está além de um discurso”, ela é “feita de nossa ancestralidade”.

As autoras do caderno da Semana dos Povos Indígenas 2023 da FLD querem alcançar esse material a professoras/es, educadoras/es sociais em seus espaços de atuação, para que sirva de material de apoio e que ajudem a combater preconceitos voltados aos povos indígenas, trabalhando para uma educação antirracista.

O caderno está disponível aqui.


*Professor, teólogo e jornalista.

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