Os cinemas da capital gaúcha

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Por NORA PRADO*

Por incrível que pareça, Porto Alegre já teve cerca de quatorze cinemas de bairro, todos com uma ótima e diversa programação. Parece mentira, mas já fomos uma cidade menos provinciana e amante da sétima arte. Descobri isso, ontem à tarde, depois que visitamos a exposição da Bienal do Mercosul no Santander Cultural. Na volta para casa, no carro, contei aos meus filhos como eu ia no cinema Vitória quando eu era criança e a minha mãe nos levava a mim e ao meu irmão, mais velho, Fernando. No Cine Vitória, ali na esquina da Salgado Filho com a Borges de Medeiros, eu assisti Branca de Neve, Bambi, O Mágico de Óz, A Bela Adormecida, Dumbo e Pinóquio. Que alegria adentrar no saguão do cinema e ir direto para as grandes vitrines cheias de balas, chocolates e guloseimas, e escolher qual delas levaríamos para sessão. Adorava as Balas Azedinhas, Balas de Gomas, Balas Gasosas e Frumelo, mas o meu preferido era o Bastão de Leite. Um chocolate delicioso com base de uma pasta firme de leite banhado com chocolate. Sabor inesquecível. Ainda peguei o tempo dos “Lanterninhas”, homens ou mulheres que te guiavam com uma lanterna, justamente, até um lugar na plateia, depois que o filme já tinha começado. Adolescente, nesse mesmo cinema me acabei de tanto chorar em Love Story, adorei Blow Up, fiquei impressionada com Apocalipse Now e comovidíssima com Sonata de Outono, do diretor sueco Ingmar Bergmann.

Mais adiante, ali mesmo no Centro Histórico, havia os Cinemas Carlos Gomes, na Vigário José Inácio e o Imperial, na Rua da Praia. No Imperial, lembro-me de assistir, Dona Flor e Os Seus Dois Maridos, Yentl, com Bárbra Streisand cantando lindamente, me debulhar em lágrimas vendo A Escolha de Sophia e me revoltado contra o estado da Turquia, assistindo ao Expresso da Meia Noite. Pertinho do Vitória, na Av. Salgado Filho, havia também um outro, cujo nome não me lembro, onde assisti Excalibur e Nove e Meia Semanas de Amor.

No Cinema Marabá, quase defronte ao Cine Capitólio, ali na Borges de Medeiros, minha mãe me levou para assistir Roma e Satyricon do diretor italiano Federico Fellini. Para poder assistir Romeu e Julieta, no Cine Baltimore da Oswaldo Aranha, proibido para menores de dezoito anos, vesti saia comprida, blusa de mangas bufantes e usei maquilagem. Nem preciso dizer que borrei a maquilagem toda. Ali também assisti ao belo A Filha de Ryan de David Lean e um dos meus favoritos de todos os tempos, Cantando na Chuva, de Gene Kelly.

Tinha um cinema que não me lembro mais o nome, pertinho do Colégio Santa Inês, em Petrópolis, onde assisti ET de Steven Spielberg. Outro mais longe, o Cine Marrocos, ali no Menino Deus, na Av. Getúlio Vargas, era imenso e lembro-me de ter assistido Era Uma Vez no Oeste, de Sérgio Leone, com quase três horas de duração. Tinha um intervalo no meio para a gente tomar água e ir ao banheiro.

Um dos cinemas mais bonitos era o Cine Coral, na Av. Vinte e Quatro de Outubro, quase em frente ao Parcão. Suas escadarias de mármore banco davam para um saguão elegante com grandes fotografias de astros de Hollywood como Audrey Hepburn, que eu amava. A sala era imensa, como quase todas, e ali assisti Meu Tio da América, de Alain Renais, O Posteiro da Noite, de Liliana Cavani, Da Vida das Marionetes de Ingmar Bergmann e A Pequena Vera, de Vasili Pichul, um filme russo, belíssimo.

No Cine Vogue, que posteriormente passou a se chamar Cinema 1 – Sala Vogue, ali na Av. Independência, assisti ao memorável Nós Que Nos Amávamos Tanto, de Ettore Scola, Face a Face e Fany e Alexander de Ingmar Bergmann, Jonas Que Terá 25 Anos no Ano 2000, de Alain Tanner, e a comédia romântica de grande sucesso, na época, Uma Linda Mulher, de Gary Marshall.

Sou do tempo do primeiro cinema dentro de um Centro Comercial, o da Azenha, mas nem me lembro do nome, onde fui assistir Horizonte Pedido com uma das minhas atrizes prediletas, Liv Ullmann. Ali também assisti Jesus Cristo Super Star e mais alguns filmes catástrofes, muito comuns na década de 1980. Havia também o Cinema Avenida, ali na Av. João Pessoa onde assisti ao notável Dersu Uzala, de Akira Kurosawa e, ali pertinho, o Cine ABC onde assisti ao formidável Mefisto, de István Szabó.

De todos eles, vive no meu coração e no meu imaginário de cinéfila adolescente o Cine Bristol, pequena sala localizada em cima do cinema Baltimore, na Av. Oswaldo Aranha, para onde eu ia, mais de duas vezes por semana, entre os meus dezesseis e vinte e três anos; sozinha, com minha amiga Vera Lúcia Berttoni ou algum namorado. Era um cinema de arte, cuja programação, maravilhosa, tinha curadoria do jornalista e crítico de arte, Romeu Grimaldi. O competente profissional promovia ciclos de cinema em homenagem a diretores ou atores fundamentais da sétima arte como Jean Renoir, Françoise Truffaut, Alfred Hitchcock, Woody Allen, Alain Resnais, Federico Fellini, Ingmar Bergmann, Stanley Kubrick, Orson Welles, Akira Kurosawa, Luis Buñuel, Jean-Luc Godard, Andrey Tarkowsky, Sergei Eisenstein, Roman Polansky, Werner Herzog, Louis Malle, Bernardo Bertolucci, lina Wermuller e Billy Wilder, além de cineastas brasileiros como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Anselmo Duarte, Carlos Reichembach, Rogério Sganzerla, Silvio Tendler, Neville de Almeida e Carlos Manga entre outros. Frequentar essa sala com a sua programação de altíssima qualidade foi um divisor de águas na minha vida. Quanto aprendizado em filmes como Cenas de Um Casamento, Gritos e Sussurros, Casablanca, A História de Adele H, Pasqualino Sete Belezas, Intriga Internacional, Ladrão de Casaca, Psicose, Ladrão de Bicicletas, A Mulher do Lado, Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Bandido da Luz Vermelha, Toda a Nudez Será Castigada, Pixote, Tudo Bem, Bye, Bye Brasil, O Homem de Ferro, O Homem de Mármore, O Desespero de Verônika Voss, Amarcord, Noites de Cabíria, Os Boas Vidas, La Strada, A Doce Vida, Casanova, Um Dia Muito Especial, 2001 Uma Odisseia no Espaço, Barry Lyndon, O Iluminado, Taxi Driver, Touro Indomável, O Bebê de Rosemary, O Discreto Charme da Burguesia, Bela da Tarde e Jules e Jim, entre tantos outros. Minha formação cinematográfica se deu naquela sala bem-dita, onde, depois de certo tempo, eu e Vera Lúcia, ganhamos até uma carteirinha de frequentadores assíduos, com entrada gratuita liberada pelo próprio Grimaldi.

Hoje em dia, com exceção das salas da Cinemateca Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana e do Cine Capitólio, com a sua bela arquitetura restaurada, a cidade não possui mais cinemas de bairro. Uma lástima, pois ficamos à mercê dos cinemas de Shopping, tendo que pagar pelo estacionamento e aturar aquele fedor de pipoca e os frequentadores comendo baldes delas acompanhados de Coca-Cola, o suprassumo da cafonice e da falta de educação. Enfim, perdemos todos nós com esse neoliberalismo decadente que usurpa a nossa cultura e as suas melhores qualidades.


*Nora Prado é atriz e poeta.

Foto de capa: Reprodução

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Respostas de 9

  1. O cnema pertinho do Colégio Santa Inês, em Petrópolis era o Cinema Ritz. Fechou em 1994.
    O do Centro Comercial João Pessoa acho que chamava Center.

  2. Faltou falar do cinema Guarani, quase ao lado do cinema Imperial. Tinha tbm o cinema Brasil, no Partenon… cinema q frequentava mto pois era bem perto da minha casa…. Belas lembranças

  3. Amei a crônica sobre os cinemas de rua de Porto Alegre, parabéns por me lembrar de tantos cinemas que a gente acaba esquecendo! Morei algum tempo no bairro Auxiliadora e me lembro de ter frequentado, além do Coral, defronte o Parcão dois cinemas um na esqina da Cristóvão Colombo com Benjamin Constant e outro na mesma quadra, porém já na Benjamim. O cinema da Salgado Filho se chamava São João.

  4. Que lindo Nora!
    Emocionante mesmo.
    Minha “primeira vez” foi com o Kubrick no Bristol…
    Aos dez anos de idade e morando nos arrabaldes de Porto Alegre, meu pai se deu conta que eu nunca tinha ido a uma sala de cinema. Ele mesmo escolheu o filme, 2001 Uma Odisséia no Espaço. Acertou em cheio, amei e nunca mais fui o mesmo.
    Mas desse dia também guardo na memória o “Canal 100”. Um programete de noticias infame produzido pela ditadura militar. Mas que tinha umas imagens de futebol em câmera lenta e num enquadramento impensáveis para a televisão da época.
    Realmente inesquecível.

    1. Alexandre, eu também fui fã do Canal 100. As reportagens esportivas eram ótimas e o que mais impactava eram as imagens, num formato não usual naquela época, inclusive com tomadas das torcidas. Por isso mesmo, quero retificar uma informação que tu fizeste, de que ele era um “programete de notícias infame produzido pela ditadura militar”. Na verdade, ele foi criado bem antes da ditadura e nunca serviu a ela. Ele era exibido na sequência do noticiário exibido em todos os cinemas do país em exortação à ditadura, mas o Canal 100 não fazia parte dele.
      Veja o que encontrei no Google: “Criado em 1959 por um flamenguista doente, Carlos Niemeyer (1920-1999), o Canal 100 adotou um formato de cinejornal que já era utilizado por americanos e europeus, mas tornou-se essencialmente brasileiro ao eleger o futebol como seu carro-chefe.” Veja no link o Canal 100, com a música que o imortalizou. https://www.youtube.com/watch?v=5uCPo6p97Pw

  5. Me lembro de ficar na fila para ver o 1o filme dos Beatles no cinema Victoria.
    Bem mais tarde, assistir o Avatar em 3D foi uma experiência especial.
    Hoje com as enormes televisões muita gente prefere ficar em casa.
    Mas não é a mesma emoção. No cinema a gente fica mais focado no filme.

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