Por CELSO JAPIASSU*
Nos primeiros anos do Século Vinte a possibilidade de uma guerra tornou-se assunto das conversas do dia a dia e do noticiário dos jornais em todos os países da Europa. A ponto de dominar o pensamento social e todos passarem a esperar um conflito visto como inevitável. Era o fim da “belle époque”. Deu-se o que o historiador americano David Fromkin chamou de “o último verão europeu”, que o título do seu excelente livro e também deste artigo. A guerra passou a ser um acontecimento consciente ou inconscientemente desejado. E veio a guerra que destruiu o mundo como ele tinha sido até então. Um conflito que se estendeu por duas guerras mundiais, pois muitos historiadores, entre eles o próprio Fromkin, veem a primeira e a segunda guerras como uma só, travada em dois tempos e que deixou o seu legado de sangue e destruição.
Algo parecido torna a ocorrer na Europa um século depois. A possibilidade de uma guerra está a cada dia mais presente na mídia e os países do Ocidente assistiram e incentivaram a expansão da OTAN até as fronteiras da Rússia estabelecendo um perigoso confronto. Acusam o que enxergam como uma política expansionista da Rússia que não vai parar na Ucrânia. Começaram a reintroduzir o serviço militar obrigatório e do seu lado Vladimir Putin assinou um decreto que determina uma campanha de recrutamento alargando a idade de convocação para os 30 anos, o que significa mais 150 mil soldados para as forças militares russas. A Suécia tornou-se o 32° membro da OTAN e encerrou 200 anos de neutralidade.
Tempos perigosos
O primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, foi explícito quando declarou “eu sei que parece devastador, especialmente para a geração mais jovem, mas temos de nos acostumar ao fato de que uma nova era começou: a era pré-guerra”. O almirante Gouveia e Melo, ex-chefe do Estado Maior da Armada de Portugal e virtual candidato a presidente nas próximas eleições, disse que “iremos viver tempos perigosos, ignorá-los não é solução”. A ministra espanhola da Defesa, Margarita Robles, disse que a Europa tem de estar consciente de que o perigo da guerra está muito próximo. “Não é pura hipótese, é real”. A Polônia, a Suécia e a Finlândia, vizinhas da Rússia, aumentaram os gastos militares até 3,9% do PIB. Portugal, que acabara com o serviço militar obrigatório porque tinha deixado de fazer qualquer sentido, discute agora a sua reintrodução. O ministro da defesa alemão, Boris Pistorius, pediu ao seu ministério para apresentar opções para um modelo de serviço militar “em linha com o nível de ameaça”.
A União Europeia viu seu receio concretizar-se com a volta de Donald Trump à presidência estadunidense. A nova política dos EUA enfraquece a OTAN e o suporte militar com que a Europa contava até agora.
Existem também tensões geopolíticas com disputas por influência e poder entre as principais potências europeias – Rússia, Alemanha, França e Reino Unido. A expansão da OTAN, a crise na Ucrânia e as divergências sobre a política externa têm aumentado o risco de confronto direto, além da instabilidade econômica, pois a pandemia de COVID-19 e a crise energética provocada pela guerra na Ucrânia têm gerado uma grave recessão na Europa.
O aumento do desemprego, da inflação e da dívida pública podem exacerbar as tensões sociais e políticas, tornando os países mais propensos a adotar posturas belicosas.
O fortalecimento de movimentos nacionalistas e populistas de extrema direita em diversos países têm contribuído para a polarização política e a erosão do consenso em torno de instituições multilaterais, como a própria União Europeia, o que pode dificultar a coordenação de esforços diplomáticos para evitar um conflito.
A diversidade de interesses e perspectivas históricas entre os Estados-membros dificulta o desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum.
A possibilidade de um conflito na Europa está, portanto, relacionada a tensões geopolíticas, instabilidade econômica, ascensão de movimentos nacionalistas e populistas de extrema direita, bem como desafios na formulação e implementação de uma política externa e de segurança comum da União Europeia.
Perigo atômico
Segundo o índice Global Firepower, os países europeus mais bem preparados para uma guerra são a Suécia, Finlândia, França, Reino Unido, Itália, Alemanha, Espanha e a Ucrânia. A Suécia alertou sua população para se preparar para uma possível guerra.
Putin já afirmou existir uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada pelas potências ocidentais sob pena de uso de armas nucleares. Os países europeus que possuem armas nucleares, além da própria Rússia, são o Reino Unido e a França. O Reino Unido possui 225 ogivas nucleares, com 120 prontas para uso. A França, por sua vez, tem em seus arsenais 290 ogivas. Alemanha, Bélgica, Itália, Países Baixos e Turquia não possuem ogivas nucleares próprias, mas têm acordos para armazenar armamento nuclear dos Estados Unidos. Segundo a Federação dos Cientistas dos EUA, a Rússia detém 5.580 ogivas nucleares.
Uma só dessas ogivas é bastante para o mundo qualquer dia desses despertar para viver a aurora do Apocalipse.
Publicado originalmente em Fórum 21.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Foto de capa: A possibilidade de um conflito na Europa está relacionada a tensões geopolíticas, instabilidade econômica, ascensão de movimentos nacionalistas e populistas de extrema direita, bem como desafios na formulação e implementação de uma política externa e de segurança comum da União Europeia. (Foto: OTAN)