Por DANIEL AFONSO DA SILVA*
A altercação de Trump versus Zelensky, na casa Branca, na sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025, causou mal-estar nos quatro cantos do mundo. Especialmente em Kiev, que perderia instantaneamente o apoio financeiro norte-americano, e essencialmente nas principais capitais europeias, que passaram a sentir-se desprotegidas e isoladas frente a Rússia.
Mas nem tudo nesse mal-estar foi negativo. Muito do contrário.
Seu lado positivo foi finalmente evidenciar a todos que o America First e o Make America Great Again de Trump estão mais atualizados que nunca. Sendo o primeiro dirigido à reorganização social e econômica do país. E o segundo visando reposicionar todas as forças para conter a ascensão da China.
Isso tudo estava previsto desde o resultado das presidenciais norte-americanas do ano passado.
Entretanto, a posse nem as primeiras ações da nova administração sob Trump convenceram a maioria mundial. Precisando, desse modo, o lamentável espetáculo do dia 28 de fevereiro para chamar a atenção de todos.
Trump e seu vice-presidente J. D. Vence encurralaram Zelensky ao vivo e às claras para demonstrar a sua diferença de princípios vis-à-vis de Biden. E por razões evidentes: parte expressiva de seus eleitores segue contrária ao apoio financeiro norte-americano ao país eslavo assim como a organismos multilaterais como a OTAN.
Trump e Vence deixaram, assim, clarividente, que, dependendo dos Estados Unidos – o que depende de fato –, o contencioso russo-ucraniano vai ter fim urgentemente. Não nas vinte e quatro horas prometidas na campanha de Trump. Mas em breve.
E por razões estratégicas profundas.
Sem o apoio financeiro e bélico norte-americano, os ucranianos não conseguem continuar a sua “resistência” a investida russa. E, por outro lado, sem a manutenção desse apoio, Trump pode reverter a cifra de bilhões de dólares para o fomento da economia interna do país norte-americana.
No plano externo, o fim da tensão euroasiática vai permitir à administração Trump focar numa solução eficaz para o mal-estar de Israel versus Gaza. E, em seguida, avançar para o único assunto que interessa: a China.
O grande trunfo chinês continua sendo a sua resiliência na manutenção de projetos de crescimento e desenvolvimento de longo prazo feito a iniciativa One Belt, One Road. Com perto de 150 países envolvidos, essa iniciativa parece ser a maior ameaça ao poderio norte-americano nos próximos anos.
Sem a Ucrânia nem os médio-orientais para se preocupar, a administração Trump vai poder investir energia integral na contenção dos chineses. Que, ao fim das contas, depende de saltos de qualidade no plano tecnológico e saltos de eficiência na aquisição de soberanias tecnológicas.
Olhando com calma e sem emoções a altercação de Trump versus Zelensky fica bem clara estratégia norte-americana.
Ao forjar uma humilhação sem precedentes do presidente ucraniano, Trump impôs a todos os envolvidos negociar em seus termos. Forçando a Ucrânia a, no curto prazo, admitir todas as imposições de Washington. Sendo a mais importante, a cessão de imensas jazidas de terras raras. O que vai fornir os norte-americanos com vantagens relevantes para o seu embate tecnológico com a China. O único embate que verdadeiramente lhe interessa.
*Daniel Afonso da Silva é Pesquisador no Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e professor na Universidade Federal da Grande Dourados.
Foto da capa: Agência Lusa/EPA/Aude Guerrucci