Por ADROALDO QUINTELA*
Ubaldo morava na zona rural de Andaraí. Era trabalhador, festeiro e responsável. Tinha um defeito sério: bebia demais. Ficava bêbado e se metia em confusão. Depois de uma festa brigou com um meganha. Levou balaço de 38 no peito esquerdo. Salvou-se por um triz, porque usava medalhão de São Francisco de Assis.
Um feiticeiro benzeu e fechou o corpo de Ubaldo com reza forte, folhas, espinhos e raízes da Caatinga.
Ubaldo deixou de beber. Porém, ficou mais brigão. Fez fama e se deitou em várias camas. Jurado de morte por dezenas de maridos cornos, sempre se dava bem quando era caçado por pistoleiros de aluguel e pela polícia. Segundo Rogério, motoboy em Itaberaba e tocador de violão nas missas da Igreja de Nossa Senhora da Cruz, Ubaldo do Corpo Fechado se salvava porque virava bicho. Perto de lagoa ou riacho virava sapo cururu. Na rua se transformava em vira lata. Quando perseguido no mato se transformava em onça parda. Assim, seus perseguidores perdiam a pista e Ubaldo se safava.
Porém, um dia a casa cai! Má sorte de Ubaldo do Corpo Fechado contou Rogério, com aprovação de Zuzu, vendedor de banana e umbu na parada de ônibus interestadual de Itaberaba. Em 1975 o Capitão João da Canhotinha de Ouro, campeão de tiro na Academia da Policia Militar da Bahia, assumiu o comando do policiamento de Andaraí com a missão de capturar Ubaldo, vivo ou morto Capitão João foi muito esperto. Estudou as façanhas de Ubaldo. Ouviu muito e falou pouco. Matutou, matutou e concluiu que Ubaldo tinha pacto com o diabo. Somente trabalho forte de rezadeira famosa poderia retirar as manhas e encantamentos de Ubaldo.
Soube que a Mãe Tonha do Terreiro dos Cafundós do Paraguacu poderia ajudá-lo a cumprir a missão.
Mãe Tonha fez muitas rezas. Benzeu o corpo do capitão, fumou o cachimbo da adivinhação e descobriu o rumo certo da missão. Ubaldo do Corpo Fechado nunca seria capturado vivo. Portanto, foi necessário benzer o revólver e as balas de João. Foram 3 dias de ritual de benzedeira e oração para selar o destino de Ubaldo do Corpo Fechado.
O capitão João seguiu as pistas de Ubaldo. Soube que estava fazendo arruaças e ameaças no Vale do Capão. Encontrou o bandido perigoso num forró. Com seus policiais deu voz de prisão. Ubaldo virou um gambá. Peidou forte pra cá e pra lá. O povo esvaziou o salão, mas o capitão não fugiu do recinto. Botou um lenço molhado no nariz e descarregou o três oitão no falso gambá. O primeiro tiro atingiu o olho esquerdo. A cada balaço Ubaldo voltava a ser gente. O capitão João foi festejado como herói ao arrastar o corpo de Ubaldo do Corpo Fechado todo desfigurado, em seu cavalo alazão nas ruas e becos do Capão.
No ano em que a Polícia Militar da Bahia fez 100 anos, João Canhotinha de Ouro foi promovido a major. Também ganhou medalha de honra ao mérito.
História recriada a partir dos causos de Rogério do Mototáxi.
*Adroaldo Quintela é Economista.Diretor-Executivo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (IDESNE) Fundador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED).
Foto de capa: Reprodução
Uma resposta
Excelente. Gostei muito. Leitura de histórias populares através das lentes do realismo mágico.