Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
A relevante participação de capital estrangeiro nos setores de serviços como Educação, Saúde, Tecnologia e outros no Brasil decorre principalmente de uma estrutura sistêmica e histórica de financeirização dependente, e não apenas da ausência de tecnologia local ou de um mercado de ações capitalizado. Compreendemos esse processo com base em eixos analíticos interconectados.
O primeiro diz respeito à estrutura financeira subdesenvolvida e dependente. O mercado de capitais brasileiro é concentrado, pouco profundo e fortemente especulativo (curto-prazista), com baixa participação de investidores institucionais nacionais de longo prazo.
Fundos de pensão e bancos públicos, em princípio, poderiam atuar como âncoras nacionais de “capital paciente”, mas foram desmobilizados na Era Neoliberal. Isso abriu o espaço para o financiamento de longo prazo no mercado de capitais ficar à mercê de fundos estrangeiros, Private Equity global e bancos internacionais, especialmente após a liberalização financeira dos anos 1990.
O resultado do neoliberalismo foi a desnacionalização de quase todos os setores de atividade no Brasil com a atração de capital estrangeiro como substituto estrutural diante a ausência de um ecossistema nacional de poupança e financiamento produtivo de longo prazo.
Com os neoliberais no poder, a economia brasileira integrou-se à globalização financeira e estratégias de expansão transnacional. Grandes conglomerados e fundos globais (BlackRock, KKR, Carlyle, Softbank etc.) buscam ativos rentáveis em países emergentes, onde setores como Educação e Saúde foram abertos ao capital privado e desregulamentados.
O Brasil oferece demanda reprimida por serviços essenciais e massa populacional escalável. Quando as instituições públicas foram enfraquecidas, abriu espaço para oferta privada. Essas características tornam serviços antes públicos (ou parcialmente públicos) atrativos para operações rentistas e de valorização de ativos.
O resultado é o capital estrangeiro entrar não apenas por falta de alternativas locais, mas por estratégia global de captura de serviços essenciais financeirizados. A carência de tecnologia e know-how entram na narrativa neoliberal como justificativa, mas não pode ser vista como a causa estrutural. O argumento de o capital estrangeiro trazer tecnologia ou inovação ausente no Brasil é mais retórico em vez de factual nos setores de serviços.
Em Educação, as plataformas EaD aplicadas no Brasil não são tecnologicamente superiores ao possível de ser desenvolvido localmente. Em saúde, o avanço se dá mais por gestão e escala corporativa em vez de ser por inovação clínica.
Muitas tecnologias são comoditizadas ou adaptáveis via aquisições locais. O diferencial está no modelo de negócios, padronização e financeirização da operação, não na tecnologia em si. Esta serve mais como justificativa para aquisição em lugar de ser uma necessidade real para modernização.
Os próprios governantes e seus tecnocratas partidários, pressionados pela maioria do Congresso Nacional em defesa (ou lobby) de interesses particulares, estimularam a financeirização do Estado e das políticas públicas com a entrada de capital estrangeiro, por meio de leis de abertura ao capital estrangeiro em Saúde, Educação etc. Adotaram a desoneração fiscal e forneceram subsídios indiretos, por exemplo, FIES, Prouni, SUS conveniado, isenções tributárias.
Em paralelo, houve a fragilização de empresas estatais e redes públicas de atendimento como universidades federais e hospitais públicos. Isso transforma os setores sociais em ativos rentáveis, com demanda quase garantida, regulada pelo Estado, mas operada pelo mercado.
O Estado passou a atuar como garantidor de receita para serviços privatizados e financeirizados, reforçando a dependência de capital global.
A economia brasileira tornou-se um sistema adaptativo de financeirização subordinada. A entrada de capital estrangeiro em serviços no Brasil não se deve prioritariamente a uma carência técnica ou tecnológica, mas sim à estrutura sistêmica da economia brasileira, marcada por:
- fragilidade da poupança interna e da intermediação de longo prazo;
- modelo de crescimento baseado em consumo financiado;
- vulnerabilidade externa e liberalização irrestrita da conta de capitais;
- substituição de políticas públicas por mecanismos privados financiáveis.
Essa trajetória histórica expressa características típicas de um sistema adaptativo dependente, nos moldes de um capitalismo tardio, com caminhos de dependência de trajetória (path dependence), retroalimentações cumulativas, auto-organização setorial sob dominância externa, e resiliência institucional da subordinação.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Foto de capa: Reprodução