Imigração alemã e italiana no RS: celebração com memória dos horrores

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Por NANDI BARRIOS**

Ouvindo no radinho de pilha notícias e falas sobre celebrações dos 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, lembrei do que não pode ser esquecido nos eventos das imigrações alemãs e italianas. Estes empreendimentos, ocorridos no século 19 e primeiras décadas do 20, foram patrocinados pelo Império do Brasil e, posteriormente, também pela iniciativa privada. Os alemães começaram a chegar às terras sul-rio-grandense em 1824, ocupando o vale do Rio dos Sinos e encostas da serra, e os italianos em 1875, direcionados para as terras altas e acidentadas da serra.

A historiografia oficial e as empresas de comunicação já dedicaram farta abordagem sobre os contextos europeu decorrentes da Revolução Industrial e das grandes guerras, que motivaram as imigrações de contingentes empobrecidos, trabalhadores desempregados e sem terras, da Europa para América em busca de melhores condições de vida e de prosperidade. Já relataram as dificuldades da travessia atlântica e da chegada aos lotes coloniais com matas densas e de promessas não cumpridas. Já discorreram sobre os objetivos do império e da nascente república de povoar o sul do Brasil com europeus, proprietários de minifúndios fornecedores de alimentos, contingente para o exército e, até admitiram, a intensão de “branqueamento” da população. Por fim, já destacaram e continuam divulgando com fervor a contribuição dos colonos e seus descendentes como trabalhadores persistentes, poupadores, empreendedores, religiosos, formadores de famílias prósperas, que muito concorreram para a construção econômica, sociocultural e étnica do Rio Grande do Sul.

Sem dúvida, tirando o ufanismo, estas abordagens historiográficas e comunicacionais são pertinentes, mas não podemos esquecer dos horrores no mato praticados durante a implantação das colônias. Os imigrantes alemães e italianos chegaram à uma terra habitada com territórios pertencentes a grupos indígenas chamados pelos colonos de “bugres”. Não era um vazio, não era terra de ninguém, menções recorrentes em muitas manifestações, eram terras com matas habitadas notadamente por Kaingang e Xokleng. Para invadir, construir, picadas, estradas e ferrovias, ocupar e formar colônias o mato foi “limpo” por matadores de bugres, contratados pelo governo imperial ou por companhias colonizadoras privadas e, até mesmo, por grupos de famílias de imigrantes, que passaram a ser conhecidos como “bugreiros”.

Estes compunham grupos, no geral de 15 a 30 homens, que adentravam o mato para caçar e matar indígenas, utilizando armas de fogo, facões e machados. Era comum receberem por bugre morto, assim, cortavam as orelhas dos nativos e colocavam em um arame, formando um colar macabro destinado a comprovar as mortes. Crianças e mulheres sobreviventes eram aprisionadas e levadas para serem adotadas forçadamente por famílias brancas.

Na época e em narrativas posteriores, estas chacinas eram justificadas como ação de proteção a “roubos” de produtos agropecuários, como milho, mandioca, galinhas, porcos e ferramentas (principalmente de metal) e de ataques (“correrias”), com episódios de mortes e raptos (crianças e mulheres) de imigrantes. No entanto, para os Kaingang e Xokleng, que não reconheciam propriedade privada, eram reações às invasões, expropriação de territórios, confinamentos forçados em reservas e massacre de seus povos.

Mas, porque lembrar destes horrores no matoem meio aos festejos dos 150 anos de imigração italiana? Na minha intenção, para sensibilizar e reforçar frente aos descendentes de imigrantes e de todos os cidadãos gaúchos e brasileiros da importância da MEMÓRIA, VERDADE, REPARAÇÃO E JUSTIÇA para os povos indígenas, principalmente o direito à terra.

Para não parecer que é uma quizila de um pelo duro, sugiro pesquisar em aplicativos de busca na internet por trabalhos sobre imigração italiana e/ou no sul do brasil ou Rio Grande do Sul e bugreiros, vão aparecer trabalhos de pesquisadores/acadêmicos, com sobrenomes de origem italiana e alemã, dedicados ao tema. A maioria dos trabalhos é sobre eventos ocorridos em Santa Catarina, poucos focados no Rio Grande do Sul, o que demonstra a necessidade de pesquisas em fontes com relatos da época, como registros de religiosos, do exército, policiais, de construção de estradas e ferrovias, das colônias, oralidade indígena e dos imigrantes, entre outras.


Nandi Barrios ´é engenheiro florestal, com trabalhos em comunidades indígenas e quilombolas.

Foto de capa:Bugreiros, artesanato e crianças indígenas capturadas. Fonte: “Retorno de uma batida. Troféus e prisioneiros” (1883). P. Brunello, Pionieri. Gli italiani in Brasile e il mito della frontiera, Roma 1994.

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Respostas de 4

  1. Uma verdade esquecida,comemoram a imigração alemã e italiana mas os nativos sempre ficaram fora da História.Com certeza os imigrantes não sabiam o que os esperava na América, mas isso não justifica o esquecimento daqueles que eram os donos desta terra e foram praticamente exterminados.

  2. Muito bom, muito bom. E muito necessário este estudo. Este texto. IMPRESCINDÍVEL! Muitos estóicos empreendedores que fivaram ricos com seu “esforço individual” já vinham municiados de heranças, vide Sandra Jatahy Pesavento.

  3. Aconselho o autor ler o livro “ Invisíveis”. O lugar de indígenas e negros na história da imigração alemã, da editora Carta, autores Gilson Camargo e Dominga Menezes.

  4. Duas observações :
    1-O autor precisa urgentemente fazer um curso de português e redação.

    2- Foram “pelo duros” (para usar a expressão utilizada pelo autor) como o autor do texto que organizaram esses genocídios e não os imigrantes, que vieram fazer o que a elite luso- brasileira odiava: trabalhar.
    Se quer fazer esse tipo de “reflexão” – que na verdade é um desejo que os outros, e só os outros, se engagem num exercício de autoflagelacao psicótico – o autor deveria começar pelos seus próprios antepassados. Que ,além de genocidas ,foram escravizadores, ao contrário dos imigrantes .

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