Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã
Gilberto Kassab nunca escondeu o que pretendia quando criou o PSD. Afirmou de cara que fundava um partido que não seria “nem de esquerda nem de direita”. Ou seja, estava pronto sempre a aderir a qualquer governo, fosse qual fosse sua matriz ideológica. No fundo, mirava bem a sigla original. Queria ser o que fora antes do golpe de 1964 o antigo PSD: um partido de centro, democrático, pronto para dar sustentação a qualquer governo e manter a estabilidade política. A cientista política Lucia Hippolito, que escreveu importante livro sobre o antigo PSD, explicava como foi importante para manter a democracia e adiar por vinte anos o arreganho dos fardados. A declaração de Kassab na quarta-feira (29) é típica do animal político que é.
Sangue
O presidente do PSD sentiu cheiro de sangue na floresta. Sabe que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está ferido. Sente, portanto, que o PSD pode talvez vir a passar de linha auxiliar de sustentação de governos para, de fato, alternativa de poder, fora da atual polarização.
Eleição
A eleição municipal já tinha dados sinais dessa possibilidade. Na maioria das cidades, os eleitores preferiram candidatos de centro, fugindo dos nomes mais marcadamente alinhados tanto ao PT quanto à direita radical do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas e Haddad? O ministro é mesmo fraco?
Gleisi premiada por criticar Haddad? | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Há quem avalie que a intenção de Kassab teria sido mais mandar um recado a Lula no sentido de evitar os ataques que enfraquecem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nesse sentido, talvez até tenha dado algum resultado. Na entrevista na manhã de quinta ao setoristas do Planalto, Lula saiu em defesa de Haddad. E também fez um mesmo um nome da esquerda do PT, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. Lula disse que Kassab foi “injusto” com Haddad, mas o recado chegou. Até onde o governo de fato reforça o que Haddad conquistou de bom, como o crescimento do PIB e a redução do desemprego?
Prêmio
Lula fez elogios a Haddad. Mas, ao mesmo tempo, sinaliza que levará para dentro do governo a hoje presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a autora do termo “austericídio” para definir a política de Haddad. No fundo, parece um prêmio às críticas, embora haja uma leitura contrária.
Disputa
Para alguns, Gleisi no governo neutraliza a possibilidade de seguir com críticas contundentes. O argumento é que esse tipo de disputa política sempre houve e sempre haverá no PT. Na presidência do partido, ela verbaliza, o que não poderá fazer como ministra.
Haddad
Mas como fica Haddad? Na quarta, ele pôde respirar aliviado porque, de fato, conseguiu cumprir a meta fiscal. Uma situação que impôs sacrifícios, cortes em áreas sensíveis do governo. Fica para ele o ônus desses sacrifícios? Se não investiu mais, a culpa deve-se a Haddad?
Caminho
No fundo, Kassab segue seu caminho com um pé em cada canoa (embora tenha pisado mais firme na canoa de fora). Se Lula corrige rumos por onde Kassab deseja, pode haver nova correção de rota no futuro. Mas se a popularidade do governo continuar ladeira abaixo…
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade
Publicado originalmente no Correio da Manhã
Foto de capa: Kassab sente a chance de ser alternativa de poder | Wilson Dias/Agência Brasil
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