A Transamazônica e sua estratégia equivocada de ocupação

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Foto de Daniel Giovanaz para o Brasil de Fato.

De LUIZ RENI MARQUES*

A construção da Transamazônica rasgando a principal floresta tropical do planeta, com os seus 4.260 quilômetros, foi uma das obras mais emblemáticas da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Tornou-se, também, um dos maiores erros de estratégia logística de todos os tempos. As máquinas ainda abriam clareiras na cidade de Lábrea, nas proximidades da fronteira com o Equador e o Peru, e diversos trechos da estrada já eram engolidos pela selva no Maranhão e no Pará. Esse sonho megalômano desprezou o Rio Amazonas e seus afluentes, que formam a maior hidrovia natural do mundo.

A BR230, nome oficial da rodovia que consumiu cerca de US$ 3 bilhões (valor provavelmente subestimado, segundo especialistas) até a sua inauguração, em 1972, pelo presidente Emílio Médici, jamais permitiu o trânsito direto de uma ponta a outra. Pude comprovar isso nos anos oitenta, produzindo reportagem para verificar a situação da estrada, projetada para facilitar a vida dos agricultores e unir o Norte com o resto do pais. Havia, ainda, um outro objetivo, nunca admitido pelos governantes, que visava a aumentar a centralização e o controle de todo o território nacional.

Nas quatro semanas em que viajei pela rodovia, andei mais de barco e avião do que de carro. Os trajetos eram interrompidos de uma hora para outra. Em alguns lugares, a estrada desaparecia coberta pela mata, em outros, faltava uma ponte, ou, havia a travessia, sem a continuidade da estrada do outro lado dela. A camada asfáltica na maior parte havia sumido. E, quando chovia, uma constante na Floresta Amazônica, o que restava do leito da via ficava intransitável. Desde então, a situação se agravou e, na sua maior parte, a faraônica rodovia se reduziu a restos de estruturas degradadas, sem serventia, como esqueletos perdidos em meio à densa vegetação.

O erro seria ainda maior, porque o projeto original previa uma rodovia asfaltada de 5.662 quilômetros, conectando o Porto de Cabedelo, na Paraíba, a Benjamin Constant, perto da fronteira do Amazonas com a Colômbia e a Venezuela. A parte nordestina acabou se restringindo ao Maranhão, começando na região de Carolina, no sul do estado. Esse é um dos raros trechos em que a rodovia de fato existe e está, até hoje, em boas condições.]

Cinquenta anos após a sua inauguração, a Transamazônica, na verdade concluída apenas dois anos depois, absorvendo outros milhões de dólares, é um exemplo de obra pensada e decidida de forma autoritária, sem uma democrática discussão e avaliação da sua necessidade. Hoje, os moradores dessa imensa região locomovem-se utilizando o meio de transporte que sempre usaram, o barco. Em embarcações que vão de minúsculas pirogas a grandes navios, a população e as empresas da região, viajam e transportam seus produtos por meio das aguas, um canal natural que sempre esteve a sua disposição.


*Estudou Direito e História. Formado em Jornalismo. Foi repórter em Zero Hora, Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Senhor e Isto É, e correspondente free lancer da Reuters, entre outros veículos de comunicação. Redator e editor na Rádio Gaúcha, diretor de redação da Revista Mundo, professor de Redação Jornalística na PUCRS e assessor de imprensa na Câmara dos Deputados durante a Assembleia Nacional Constituinte. Atualmente edita blog independente.

Foto de Daniel Giovanaz para o Brasil de Fato.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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