Destaque
Sílvio Almeida merece uma nova chance na história da luta contra o racismo brasileiro
RED
Por EUGÊNIO BORTOLON*
Demitido, boicotado em universidades e editoras, o ex-ministro dos direitos humanos virou pária social.
Para virar um dos piores sujeitos do Brasil foi questão de dias. A reputação de um dos maiores intelectuais negros do país e do mundo foi para a lata do lixo da história. Acusado de abuso ou importunação sexual e assédio moral, Silvio Luiz de Almeida perdeu o cargo de ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, foi demitido da universidade onde lecionava, a editora Record deixou de publicar seus antigos e novos livros e ele foi visto na rua como uma figura abjeta, desprezível e evitável. Não é convidado mais para palestras e talvez “nem para reunião de condomínio”. Está refugiado em casa e lutando para se defender das acusações que sofreu. Tem filho pequeno e mulher, que estão ao seu lado.
Filósofo, advogado, escritor e professor, Sílvio foi um dos raros negros brasileiros que chegou e galgou postos importantes e fundamentais na vida brasileira. Chegou a lecionar na Columbia, uma das universidades americanas mais respeitadas globalmente, em razão do seu nível intelectual e do seu ativismo político antirracista. Era filho de Barbosinha, um ex-goleiro de futebol que passou com certo destaque pelo Corínthians de São Paulo.
O que até agora Sílvio conseguiu para aliviar a dor de ter sido achincalhado e destruído depois de todo um passado de lutas e vitórias? Muito pouco. Terminando o ano e quase quatro meses da sua derrocada – em 6 de setembro de 2024 –, o 15º ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil por 20 meses vive à margem de tudo e quase todos.
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou na 2ª feira (25.nov.2024) um processo contra o ex-ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida. O caso analisado não tem relação com as acusações de assédio e importunação sexual que levaram à sua demissão do governo em setembro, segundo informou a Casa Civil....
Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/poder-governo/comissao-de-etica-arquiva-processo-contra-silvio-almeida/)
© 2024 Todos os direitos são reservados ao Poder360, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia são proibidas.
Silêncio
As investigações da Polícia Federal não avançaram ou não se tem notícia de que estão em andamento, conforme diz o jornal Folha de São Paulo. O ex-ministro afirmou no dia da sua demissão que todas as denúncias são “mentiras” e “ilações absurdas” sem provas. Agora, não recebe mais a imprensa. Prefere o silêncio até o fim do processo.
Amiga muito próxima aqui de Porto Alegre – que prefere não se identificar – continua acreditando na sua inocência. “Ele, como intelectual, jamais foi pedante, desrespeitoso, arrogante e grosseiro com os funcionários do ministério como chegaram a insinuar”, diz ela, integrante do Movimento Negro Gaúcho. “E quanto ao assédio sexual não se tem prova nenhuma.”
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou na 2ª feira (25.nov.2024) um processo contra o ex-ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida. O caso analisado não tem relação com as acusações de assédio e importunação sexual que levaram à sua demissão do governo em setembro, segundo informou a Casa Civil....
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Um processo da Comissão de Ética da Presidência sigiloso e sem relação com as acusações feitas pela ONG Mee Too, segundo a Casa Civil, foi arquivado em novembro. A ministra pouco falou na ocasião, mas não negou nada. E a Mee Too ficou quieta depois disso. Também arrolou outras supostas vítimas de Almeida na universidade onde lecionou em São Paulo – Mackenzie, na Fundação Getúlio Vargas, na Universidade São Judas e na Universidade Zumbi dos Palmares, na Universidade de Columbia, em Nova York, e na Universidade de Duke, ambas nos Estados Unidos.
Com 48 anos e ainda uma longa carreira pela frente, quem seria o responsável pela destruição de sua reputação e de sua vida? Ele próprio por achar que podia tudo dada à sua posição ou a imprensa através de denúncias e mais denúncias – muitas exageradas – naquela época da demissão, em setembro. O site Metrópoles foi o primeiro a lançar as notícias. A partir daí foi uma cachoeira de destruição da sua imagem em todos os veículos. O governo teria embarcado no mar de insinuações e acusações? A notícia ficou em destaque alguns dias e depois foi para o limbo da história, como tantas outras coisas. A velocidade do noticiário e a busca da verdade é fugaz. Sílvio hoje é passado para quase todo o país. Não se fala mais nele e nem na sua luta feroz contra o racismo. Foi abatido como tantos outros.
Questão específica
Estas questões se referem apenas a Sílvio, não estou aqui analisando o possível sofrimento de Anielle Franco. O abuso e assédio moral que teria sofrido são outras situações, merecem outras análises, e aconteceram em 2023. Só estou falando do benefício da dúvida que Sílvio merece. Não pode ser executado. Ele esperneou, mas foi massacrado impiedosamente. Alceni Guerra, um médico branco, também foi execrado no governo Collor por possível envolvimento em corrupção na compra de bicicletas para agentes sanitários. Foi demolido pela imprensa da época, mas pouco depois foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Ganhou notinha de rodapé, nenhuma desculpa depois de manchetes espalhafatosas.
Com notória reputação acadêmica, primeiro presidente do Instituto Luiz Gama – ONG que carrega o nome do abolicionista e que tem por objetivo a luta contra o preconceito racial, Sílvio vive dias de solidão social, conforme relato de amigos ao jornal Estadão. A chegada dele ao Ministério dos Direitos Humanos, em 2023, foi comemorada por ativistas devido ao seu reconhecimento como um dos principais nomes do movimento negro no país.
Em seu discurso de posse como ministro, comprometeu-se a “não esquecer os esquecidos” e a lutar por um país que ponha a vida e a dignidade em primeiro lugar. Ele citou um ditado iorubá, os rappers Emicida e Mano Brown, Mandela, Pelé, Zumbi, Marielle Franco, Luiz Gama e Martin Luther King, entre outras referências negras, para exaltar a ancestralidade e também o futuro. Fez muito e poderia fazer mais.
Em suas obras, trabalha com conceitos de autores como Jean-Paul Sartre e György Lukács. Em seus textos, trata de questões como direito, política, filosofia, economia política e relações raciais. Foi responsável por popularizar o conceito de racismo estrutural (proposto desde os primeiros estudos raciais críticos ainda nos anos 1960), em que o racismo é concebido como decorrente da própria estrutura da sociedade. Em seu livro, que leva o mesmo nome do conceito que aborda, Almeida aplica essa noção às mais diversas áreas, como o direito, a ideologia, a economia e a política.
Não se trata de absolvê-lo por eventuais fraquezas, mas será que Sílvio, por toda a sua trajetória antirracista, merece passar para a história como um verme irrecuperável? Não. Acho que ele ainda tem um grande papel a desenvolver no movimento negro e na formação de uma sociedade mais igualitária. Nada é impossível, mas é preciso admitir que será muito difícil.
É preciso justiça e política nesta história. O seu expurgo da política, de universidades, editoras e da vida como cidadão não podem ser jogadas nas sarjetas da história.
Publicadp originalmente em Brasil de Fato.
*Jornalista
Publicado originalmente no Brasil de Fato.
Foto de capa: Rovena Rosa/Agência Brasil
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