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Guaíba, o lago dourado  e a “experiência exclusiva”

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Guaíba, o lago dourado e a “experiência exclusiva”
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Por FABIO DAL MOLIN* O texto a seguir foi transcrito de uma propaganda veiculada no intervalo comercial de um telejornal do Rio Grande do Sul. Os destaques são do autor do texto. Golden Lake apresenta “Lake Eyre”, segundo condomínio do ÚNICO bairro PRIVATIVO de Porto Alegre. Um lugar para viver experiências EXCLUSIVAS. onde o cotidiano é repleto de momentos UNICOS. Espaços projetados para cuidar DO CORPO E DA MENTE. Você tem TOTAL CONTROLE sobre o que realmente importa: o seu bem-estar. Um lugar sofisticado e DIFERENTE de tudo que você já viu. Que torna cada instante ESPECIAL. Com ambientes para a família toda viver experiências memoráveis. Onde O TEMPO SE ALINHA AO SEU RITMO e cada dia se transforma em uma nova Oportunidade para você se conectar com o SEU PROPÓSITO.. Com elevadores panorâmicos inéditos e  vista deslumbrante. Os apartamentos foram projetados para oferecer conforto incomparável e um estilo de vida EXCLUSIVO. A sala de estar, equipada com lareira e churrasqueira cria a atmosfera ideal para momentos ESPECIAIS. Onde você tem um lugar RESERVADO para o espetáculo mais belo da cidade. Lake Eyre, viva DIFERENTE, viva o EXCLUSIVO. Observação discursiva: em inglês a palavra exclusive denota tanto exclusivo no sentido de privado quanto “excludente”, que é mais usado no português para exclusão social.  Em 1997 o diretor Phillipe Rousselot lançou o filme “O beijo da serpente”, estrelado pelo jovem Ewan MacGregor (Trainspotting, Cova Rasa, Star Wars) que interpreta um jardineiro farsante chamado Meneer Crown, contratado por um riquíssimo fabricante de  canhões do período entre as revoluções Francesa e Industrial para uma tarefa aparentemente banal mas singular: projetar um jardim. Não qualquer jardim, este teria sido receitado por um alienista para curar sua filha  emotiva, sensível, que flertava com a bruxaria na pequena floresta adjacente a seu palácio, que outrora pertencera a um nobre medieval.  A ideia seria um projeto paisagístico que representasse o total domínio do homem sobre a natureza, da razão sobre a emoção, um jardim sem plantas, sem fontes naturais, e cujas únicas plantas seriam importadas das colônias e seriam cultivadas em estufas. O plano do médico era que, ao passear pelo jardim, este conduziria a mente do caos a ordem, e traria a cura.  Em sua tese de doutorado que originaria “A história da loucura na idade clássica”, Foucault faz a genealogia da passagem entre a loucura mística, espraiada pelas comunidades humanas e folclorizada para a cisão moderna entre razão e desrazão em um mundo que se convertia de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna, urbana e industrial. Foucault chama de “grande confinamento” o processo de “governo dos vivos”, onde, da dicotomia dos castelos e igrejas vs camponeses a europa vai se constituindo em cidades e a vida social subjetiva vai sendo gerida pela fábrica, o exército, a escola, o hospital, o manicômio, a prisão. Foucault enfatiza a figura de Phillipe Pinel, considerado o grande libertador dos loucos, o pai da psiquiatria como conhecemos hoje. Do encarceramento herdado dos leprosos, os desarrazoados de Pinel serão tratados como “humanos”, sendo o conceito de humano oriundo do iluminismo. Em vez de torturas e correntes, um ambiente geometricamente organizado, dividido, limpo, organizado no tempo e no espaço irá aplacar a desmedida da loucura. E o saber médico irá definitivamente adentrar as portas dos manicômios de onde nunca mais sairá.Alguns anos mais adiante, depois de publicar “O nascimento da Clinica”, “As palavras e as coisas”  e constituir a Clínica como o conjunto de aparatos físicos, técnicos e morais de verificação para o governo dos corpos vivos, Foucault lança sua obra mais popular “Vigiar e Punir” onde faz a genealogia dos modos de governar os corpos dóceis que tem início com as estratégias disciplinares para o modelo panóptico, que representa a individualização e molecularização do poder.  A revolução industrial não representa apenas o predomínio das máquinas de metal, mas também o domínio das máquinas do corpo e da mente. Os tempos cartografados por Foucault representam o que os sociólogos chamam de Modernidade.  A Modernidade é um conceito que procura dar conta da ideia de sociedade como um conjunto de instituições disciplinares e de controle e gestão da máquina humana do capitalismo europeu. As sociedades modernas são coletivos de indivíduos governados pelo estado, a ciência, a moral e seus agentes, operadores da medicina, da engenharia e do direito. A sociedade moderna europeia foi financiada pela brutal exploração escravocrata das colônias, e seu corolário filosófico e científico serviu de suporte ideológico para as noções de higiene, eugenia, raça e pureza integradas a de “humano”. “Liberdade, igualdade, fraternidade” são atributos humanos, direitos humanos são para humanos. Na medicina normativista e eugenista loucos,  mestiços, pobres miseráveis,negros, mulheres rebeldes e devassas, pederastas,  eram considerados desvios , não humanos, objetos de estudo e governança da ciência e dos operadores do direito.  As duas grandes guerras mundiais e a depressão econômica de 1929 representaram o auge ideológico (os ideais nazistas) e o colapso econômico do sistema capitalista moderno e duas grandes revoluções comunistas ameaçavam o “mundo livre”. A injeção de recursos dos EUA na Europa e os incrementos científicos e tecnológicos da Segunda Guerra Mundial deram novo fôlego à Modernidade, e os anos pós 1945 são chamados de “os 30 gloriosos” pela sociologia. Foi quando começou a Europa que os turistas brasileiros amam, onde visitamos museus, usamos o trem como transporte, andamos seguros nas ruas e cujos autores das humanidades predominam até hoje nas bibliotecas universitárias (Foucault entre eles). Contudo, todo esse desenvolvimento se deu em uma sociedade que se tornava cada vez mais complexa, comunicativa, questionadora, alfabetizada, transgressora, que produziu maio de 1968, Black Panthers, feminismo, Stonewall, Woodstock, Angela Davis, protestos contra a Guerra do Vietnã. O grande aparato social e tecnológico da modernidade dos 30 gloriosos não era unânime: nos EUA apenas negros eram presos e “ressocializados”, os filhos e filhas passaram a se revoltar contra a repressão sexual das familias heneronormativas, os estudantes não queriam ser mais tijolos de um muro. Chegamos ao conceito de Modernidade Tardia. Ele é muito caro à sociologia contemporânea e surge em oposição ao de Pós Modernidade.  A Modernidade tardia representa a queda do sonho moderno, pela não sustentação do trabalho, da ciência e das instituições modernas como sustentáculo do laço social, e mais:representa a noção de que esse laço jamais existiu, um enorme contingente da população mundial, mesmo habitando os chamados países centrais, jamais experimentou a chamada Modernidade.   Da Modernidade vem o conceito de “inclusão social”: o sujeito moderno é aquele que é socializado pelas instituições modernas, o emprego, a medicina, a saúde, a habitação, todas as promessas que ressurgem na campanha eleitoral. Mas por outro lado o mundo é cada vez mais governado pelos detentores dos meios de produção e logo em seguida pelos especuladores financeiros e acionistas das Big Techs, nunca experimentamos um período de tanta desigualdade social. O conceito de “inclusão” da modernidade gera o que o sociólogo Jock Young em 2002  chamou de “sociedade excludente” (exclusive society). Quem não tem acesso aos mecanismos ideológicos e tecnológicos da inclusão, está excluído. E a ideia de sociedade excludente é que a de um mecanismo permanente de exclusão. Hoje, seis meses após o desastre ambiental vivido pelo Rio Grande do Sul, onde cidades inteiras foram varridas do mapa, um enorme contingente de pessoas perderam tudo o que tinham a estão até hoje vivendo na casa de parentes ou moradias provisórias,Porto Alegre  não possui parque industrial e cuja economia depende do trabalho precário e do setor terciário de serviços, e também uma enorme crise  urbanística e ambiental.  Os eleitores da cidade, em sua maioria pobres e trabalhadores precarizados, insistem em eleger gestores que privilegiam a devastação do patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade e grandes empreendimentos imobiliários voltados a um público restrito, mesmo após ter vivido as piores consequências desta gestão na enchente.  E agora como sintoma social surge a propaganda de uma empresa chamada “Golden lake”, um lago dourado, referência ao Guaíba iluminado pelo sol, o mesmo rio que transbordou e inundou a cidade de fezes, que agora está mais raso ainda pelo assoreamento e encalha navios e prejudica mais ainda sua pobre economia. O primeiro bairro “privativo”, onde é possível ter controle total sobre viver experiências únicas e desfrutar de uma vida exclusiva, onde há espaços projetados para o bem estar do corpo e da mente.  A gestão “exclusiva” do bairro privativo, às margens do “lago Guaíba” mas que possui seu próprio lago artificial, se dá pela exploração privada da força de trabalho precária dos operários da construção civil, da limpeza, segurança, comércio, alimentação e entregas. Todos pauperizados e precarizados e que jamais poderão morar onde trabalham, vivem justamente “do outro lado do rio” em Eldorado do Sul, no Sarandi, Humaitá, Navegantes. Ali onde o lago dourado transborda realmente em uma “exclusive experience” já que as pessoas gostam de nomes em inglês.   *Fabio Dal Molin, psicólogo, psicanalista, doutor em sociologia, professor da FURG e pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicanálise, Clínica e Cultura da UFRGS. Foto de capa:   Alex Rocha/PMPA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Politica

Bolsonaro tem medo de ser preso e admite se refugiar em embaixada

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Bolsonaro tem medo de ser preso e admite se refugiar em embaixada
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Em entrevista para o site UOL, realizada por Raquel Landim e Letícia Casado o ex-presidente Jair Bolsonaro se diz perseguido e não descarta se refugiar em uma embaixada caso tenha sua prisão decretada ao final do processo penal. "Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá", disse ao UOL. "Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado." Ele admite ter conversado sobre "artigos da Constituição" com os comandantes das Forças Armadas para "voltar a discutir o processo eleitoral" após o pleito de 2022, mas diz que a ideia logo foi "abandonada". Bolsonaro nega ter ciência de plano para prender ou matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Leia a seguir trechos da entrevista de Bolsonaro ao UOL, concedida nesta quarta-feira em um restaurante em Brasília. A PF afirma que o senhor tinha ciência do plano para matar ou prender o ministro Alexandre de Moraes. O senhor sabia disso? Para mim, é uma grande estória. A PF faz aquilo que o senhor ministro [Alexandre de Moraes] assim deseja. Basta você ter conhecimento dos áudios do Airton Viera [juiz instrutor de Moraes] para o Tagliaferro [Eduardo Tagliaferro, funcionário do TSE]: "Tenha criatividade" [expressão usada por Airton para Tagliaferro ao pedir investigação contra uma revista]. Aí o que fazem são suposições. Que plano era esse? Dar um golpe com um general da reserva, três ou quatro oficiais e um agente da PF? Que loucura é essa? Ali no prédio da Presidência trabalham mais ou menos 500 pessoas. E eu sei o que cada um tá fazendo? A condenação do presidente Lula na Lava Jato considerou a "teoria do domínio do fato". No seu caso, parece praticamente impossível que o senhor não soubesse que um golpe estava sendo elaborado. O senhor acredita que o Judiciário pode aplicar a mesma teoria no seu processo? Não. Lá atrás teve desvio. Foram devolvidos R$ 5 bilhões. Tinha o sítio de Atibaia, o apartamento do Guarujá, delações do Palocci [Antonio Palocci], depoimentos, delações. Agora tem uma única delação [de Mauro Cid], que ninguém mostra. Por que não mostra? A investigação não tem só a delação de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. Tem documentos, provas, a agenda do general Augusto Heleno. O que é esse plano [Punhal] Verde e Amarelo [apreendido com o general reformado do Exército Mário Fernandes, que previa a morte de Lula, Alckmin e Moraes] de que você fala? É de 2022. Não tenho a menor ideia do que seja isso. Começou a colocar em prática esse plano? Pelo que eu sei, não. Outro ponto importante da investigação da PF é a chamada minuta do golpe. Tem os depoimentos do comandante do Exército e do comandante da Marinha dizendo que o senhor apresenta a minuta e propõe a eles que seja declarado estado de defesa ou estado de sítio para anular as eleições. Minuta do golpe é baseada na Constituição. Para que serve a Constituição? É a nossa lei máxima. Eu entendo que ali é um norte para você seguir. Se tem um remédio ali, por que não discutir? Discutir um dos artigos da Constituição é algum crime? Foi levada avante alguma dessas possíveis propostas? O comandante do Exército falou sobre isso. Foi discutida a hipótese de GLO, de 142, de estado de sítio, estado de defesa. Qual é o problema de discutir isso aí? O senhor tem medo de ser preso? Bem... Vivemos num mundo das arbitrariedades. Corro risco, sem dever nada, corro risco. [O STF] Vai fazer a arbitrariedade, vamos ver as consequências. O que eu tenho a ver com o cara do rojão [do atentado na frente do STF]? Caiu na minha conta. O próprio Alexandre no dia seguinte: pau em mim. E o senhor cogita se exilar numa embaixada? Embaixada, pelo que eu vejo a história do mundo, né, quem se vê perseguido pode ir para lá. Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado. O senhor vai se manter candidato a presidente em 2026? Eu vou. Sou um cidadão. Sou um réu sem crime. Fui condenado [tornado inelegível pelo TSE] sem crime nenhum. E quem vai ser seu vice? Talvez um nordestino, um pau de arara, um cabra da peste. Originalmente publicado no site do UOL, em 28/11/2024 Foto da capa: EVARISTO SA/AFP Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Economia

É só um PIX…

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É só um PIX…
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Por  GUSTAVO AROSSI * Há mais de um ano facilitaram nossas vidas com o chamado PIX. A vida dos brasileiros está muito melhor no que diz respeito a transferências diretas, instantâneas de dinheiro. Segundo dados, por dia são milhões de transações. O Pix até virou – “não há o que não haja” – em “emendas parlamentares PIX”. Atentem que nada passa despercebido do astuto e rápido Congresso Nacional. Deixando de lado a questão tecnológica e facilitadora da forma como nos relacionamos com nossos proventos e ou recursos financeiros, não posso deixar de mencionar o que hoje veio à lume sobre a chamada “Operação Capa Dura”, na prefeitura de Porto Alegre. Trata especificamente de esquemas de corrupção dentro de uma das mais importantes secretarias de qualquer município: Secretaria de Educação. Há quem ainda ouse dizer que o futuro é a educação! Deitados os fatos, cumpre ainda destacarmos: a dita investigação já prendeu secretários municipais; afastou por força da lei pessoas ligadas umbilicalmente ao governo Melo. Hoje, pasmem, soubemos que a Polícia Civil do Rio Grande do Sul escancarou que mais de meio milhão de reais cruzaram por “Pix” e saques em espécie –  moeda sonante – entre contas bancárias de pessoas consideradas peças-chave dentro do governo reeleito. Ainda e em tempo: não bastasse apenas que R$ 43,2 milhões teriam sido desviados (dados da Polícia Federal); nomes de pessoas com trânsito mais do que livre dentro das colunas da prefeitura foram citados. Com a quebra de sigilo bancário, soubemos que o vereador e filho do prefeito movimentou – transferiu – R$ 391 mil numa plataforma virtual de apostas e posteriormente resgatou R$ 287 mil, da mesma entidade de jogatina. Apenas para informação: o salário líquido de um vereador em Porto Alegre é de R$ 13,3 mil reais. Para algum desavisado e ou para o último crente na história da Velhinha de Taubaté, os fatos não são nada bons! É fato que a corrupção chegou no limite. Aliás, não deve existir linha limítrofe quando se trata da corrupção! Até porque desviar dinheiro da educação não é apenas um crime. É um crime lesa-pátria e sem chances de qualquer tipo de tergiversação. É necessária coragem, caro prefeito reeleito de, no mínimo apoiar impreterivelmente e tomar como finalidade primordial as investigações na SMED da capital dos gaúchos. Não fica e não é de bom tom deixar no ar apenas a ideia de que “as investigações devem ser realizadas”. Coragem e vergonha na cara para sim – se necessário – entregar o cordeiro para que seja imolado! O povo de Porto Alegre não merece assistir a  tudo o que está acontecendo sem uma resposta à altura. A democracia também não tem tempo para tal. Tome tenência, prezado prefeito Melo! Afinal de contas, sua reeleição contou com mais de 60% de participação popular e para a festa da democracia que hoje está rengueando. Por derradeiro, lembro de uma máxima latina que vem a calhar neste momento triste da história de Porto Alegre: “pecunia non ollet”.   *Gustavo Arossi é professor de Filosofia e Secretário de Educação em Anta Gorda/RS. Foto de capa: Marcello Casal JrAgência Bras Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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O Que é Centro Político?

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O Que é Centro Político?
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Por LINCOLN PENNA* À Luiz Werneck Vianna. In Memoriam.  Logo após as eleições municipais escrevi um artigo sobre os resultados eleitorais em virtude de avaliações segundo as quais o centro seria o grande vencedor do último pleito na maioria das cidades. Entendia ao escrever que para mim essa avaliação nada dizia dado que não reconheço no centro algo que signifique ou configure uma visão de mundo, logo um projeto político fundado em propostas consistentes, senão em práticas das mais corriqueiras de acomodação e conciliação convenientes aos seus executores. Relendo as análises políticas de Luiz Werneck Vianna, que nos deixou faz nove meses, um dos mais lúcidos intelectuais de minha geração e das que com certeza nos sucederam, percebi que o que escrevera por ocasião das eleições de 1989, guardadas as evidentes circunstâncias políticas e eleitorais, tem muito a ver com que observo em nosso panorama político. Em seu livro “Esquerda Brasileira e Tradição Republicana”, publicado em 2006 pela editora Revan, Werneck se ocupou de uma análise de conjuntura política no Brasil da virada do século e que se encontra reunidas nesse livro. No capítulo em que examina a disputa eleitoral do ano de 2002 e especificamente no item relativo ao que denominou “A atração pelo centro” escrito em coautoria com José Eisenberg, seu diagnóstico já antevia o que hoje me parece mais evidente, quando ambos afirmam o descompasso em virtude da inexistência de propósitos geralmente ausentes nesses arranjos que evitam a tomada de posição. Assim sentenciam os seus autores: “A convergência de todos rumo ao centro político, falso lugar comum da política brasileira, não os faz mais inteligíveis em razão disso, bem ao contrário: torna-os mais opacos. Pois há divergências táticas quanto aos modos de alavancar a estratégia de radicalizar a democratização em curso e de dar maiores consequências ao modelo de desenvolvimento no contexto, ora vigente, de aprofundamento da dependência externa da economia.” Houve um tempo em que Werneck ressaltava a importância de um centro democrático para fortalecer os protagonistas que se batiam contra a ditadura que teimava em permanecer mesmo após a decisão de Ernesto Geisel em promover a abertura lenta, gradual e segura. Esse centro democrático nada tem a ver com a figura do centro político. É bom desde já esclarecer para não confundir quem porventura tenha guardado na memória essa denominação, que estava direcionada às forças políticas democráticas de distintos partidos e de visões de mundo nem sempre convergentes, mas que se colocavam objetivamente contra a continuidade do regime ditatorial. Em relação ao agora, a conclusão apressada de alguns analistas ao considerarem que o resultado das eleições na maioria das cidades brasileiras favoreceu o centro é o mesmo que dizer que o eleitorado não quis se posicionar ou na melhor das hipóteses não pretendeu dar a nenhum dos lados, seja à direita ou a esquerda, o seu voto por razões que demandam uma mais consistente avaliação. Mas, daí a proclamar como vencedor o centro é a rigor nada dizer, pois não existe projetos ou visão de mundo naqueles que se assumem como centristas. Trata-se, na verdade, de uma abdicação da política enquanto expressão de interesses ditados por forças sociais representativas do espectro político e ideológico de uma comunidade de interesse. As conclusões que Werneck nos apresenta em sua análise compartilhada com Eisenberg tem uma atualidade que chama a atenção de qualquer leitor que esteja presentemente atento ao que se passa em nosso processo político pós-eleitoral e já vislumbrando antecipadamente o que pode acontecer daqui até 2026. Cabe, portanto, recorrer de novo ao intelectual orgânico do qual tratamos aqui para constatar a coetaneidade de seu escrito há cerca de vinte anos. Reeditá-lo em parte ilustra bem o que teríamos de concluir. Senão vejamos: “Há algo a lamentar nessa atual convergência de todos ao centro: a perda de um elemento vital à dinâmica política do Brasil moderno, uma vez que, presentemente, nenhum partido ou candidato disputa as eleições para firmar uma posição ofensiva, centrada em uma agenda efetivamente transformadora e mobilizadora dos interesses e das expectativas das grandes maiorias. (...) Nada ilustra melhor essa perda do que o fato de o maior movimento social agrário do país, o MST, encontrar-se ausente das interpelações realizadas pelos partidos que representam a esquerda nessas eleições.” (página 197 do referido livro referente a parceria de Werneck e Eisenberg). Pouco a acrescentar senão a me juntar a esse lamento, sobretudo no momento de mais uma eleição municipal onde as cidades deveriam estar conectadas com as atividades do MST, cujo papel é tão importante e, no entanto, secundarizado pelas candidaturas de esquerda, que caberiam estar juntas aos sem terras e às suas demandas reprimidas historicamente.   *Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). Foto de capa: IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Internacional

A Europa prepara-se para a guerra

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A Europa prepara-se para a guerra
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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros. O governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês disponibilizou uma publicação online. Embora o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestre com a Rússia de 1.343 km. Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e Finlândia passaram a integrar. Tanto na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se proteger caso seja impossível chegar até eles. Logo no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica: “Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em contrário é falsa”. Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de preparação para uma guerra. Para engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras coisas o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN - norteamericanas e outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito. Outras informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes. Para compreender o impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e alguns antecedentes. Concomitante a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk por tropas ucranianas. Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em território russo, em apoio a Moscou. O governo Biden autorizou a utilização pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de levar uma ogiva nuclear, contra seu território. Moscou relaxou as normas para utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O exemplo pode ser seguido por outros países. Os Estados Unidos anunciaram o restabelecimento de mísseis em território europeu. A TV russa divulgou uma reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por mísseis de longo alcance. Não faz muito o governo Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120 mil, maior do que, por exemplo, todo o Exercito do Reino Unido. Autoridades civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra com a Rússia em cinco ou seis anos. Em suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra. Políticos que admitem o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto lembremos que o  currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos. Da Rádio França Internacional especialmente para a Agência Rádio-Web, Flávio Aguiar, direto de Berlim. *Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Foto de capa: AFP 2021/Anatolii Stepanov Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Pelo fim do Arcabouço Fiscal!

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Pelo fim do Arcabouço Fiscal!
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Por PAULO KLIASS*    Alguns dos problemas mais graves que vêm afetando a sociedade brasileira ao longo das últimas décadas podem ser condensados em um binômio de natureza bastante perversa: a desindustrialização combinada à financeirização. Ao contrário do que afirmam aqueles que defendem o ocorrido, não se trata de um processo natural e inevitável, decorrente apenas de uma tendência geral observada em quase todos os países do mundo. A forma como o fenômeno tomou corpo no Brasil demonstra que foi algo estimulado e induzido a partir de decisões tomadas no âmbito do aparelho de Estado e que foram implementadas sob a forma intencional de políticas públicas devastadoras. O movimento de redução do espaço do setor que mais produzia valor agregado tornou-se viável a partir da liberalização generalizada das importações, que teve início em 1990 com o governo Collor. A abertura comercial ampla de forma unilateral e sem um programa que estabelecesse a exigência de contrapartida dos países parceiros comprometeu de forma aguda a capacidade de concorrência da indústria brasileira. Além disso, a prática de uma política cambial sem intervenção governamental - a conhecida ilusão neoliberal nas tais das forças de mercado - levou a processos de valorização da moeda brasileira de forma artificial e irrealista, agravando ainda mais a sobrevivência do setor secundário nacional. O processo de aprofundamento da financeirização tem lugar ao longo de período semelhante ao caso anterior. A hegemonia consolidada do sistema financeiro se beneficia também de decisões implementadas no âmbito da institucionalidade da política econômica na administração pública federal. Esse foi o caso da recusa sistemática do Banco Central (BC) em cumprir com suas funções precípuas de órgão responsável pela regulação e fiscalização do sistema bancário e financeiro. Assim, ao longo de décadas a sociedade assistiu de forma passiva à permanência de mecanismos de espoliação da grande maioria da população aos agentes econômicos do financismo, por meio de “spreads” elevadíssimos, de tarifas escorchantes e de práticas de cartel por parte dos grandes bancos. Por outro, a manutenção da taxa oficial de juros em patamares estratosféricos praticamente inviabilizava qualquer empreendimento no campo produtivo. O custo financeiro tornava proibitivo esse tipo de inciativa no setor real da economia. Desindustrialização, financeirização e os riscos do arcabouço fiscal. Os dois casos acima descritos deveriam servir como alerta para que seja construída de forma urgente uma barreira à continuidade de outro processo igualmente prejudicial - a permanência ao longo de décadas de medidas de austeridade fiscal. Esta se apresenta também sob a forma de uma narrativa enganosa, em que haveria uma necessidade inelutável de redução dos níveis de despesa pública observados em nosso País. Seja pelo lado de um combate a um “setor público gastador” por natureza, seja pelo discurso catastrofista de uma quebra iminente do Estado por conta de níveis elevados do déficit e do endividamento, o fato é que a solução sempre se apresenta por meio da faceta reducionista. A saga empreendida pelos representantes do financismo em prol da austeridade fiscal remonta à crise da dívida externa da década de 1980. Ali tem início a implementação de medidas concretas daquilo que depois passou a ser conhecido como Consenso de Washington. A tríade composta por orientação para a liberalização generalizada das economias, propostas de privatização das empresas estatais e medidas de austeridade fiscal atravessa os continentes e fixa raízes profundas também em nossa terra. Ainda que com certo atraso, no ano de 2000 o governo Fernando Henrique Cardoso promove a introdução de uma peça estratégica em nossa estrutura institucional e legal das finanças públicas: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por meio da Lei Complementar nº 101. Os princípios da austeridade passam a fazer parte das regras jurídicas. Mais à frente, em 2016, na sequência do golpeachment perpetrado contra a Presidenta Dilma Roussef, o governo Temer introduz em nossa Constituição o dispositivo do Teto de Gastos, por meio da EC nº 95. Com essa inovação, os propósitos nem sempre transparentes de redução do Estado brasileiro à sua dimensão mínima têm a seu favor o próprio texto constitucional. A intenção explícita da regra austericida era de impedir qualquer crescimento das despesas orçamentárias por longos 20 anos. Mas sua natureza severamente draconiana e impeditiva do crescimento do PIB nos níveis necessários fez que com esse regime fiscal tivesse uma vida mais curta do que o previsto. Revogação do teto de gastos e a armadilha do arcabouço. No período mais recente, em 2023 o Ministro Haddad convence o Presidente Lula a adotar uma estratégia igualmente equivocada no trato da questão fiscal. Tratava-se de substituir o Teto de Gastos por um novo dispositivo de austeridade. Assim, o Brasil passou a contar com a Lei Complementar nº 200, que trata do Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Apesar de não estarem mais inseridos na Constituição, os princípios austericidas seguem orientando as ações da política econômica, promovendo um achatamento relativo dos níveis de despesa orçamentária e impedindo a retomada do protagonismo do Estado e da recuperação de padrões minimamente aceitáveis dos programas de políticas públicas. A concepção do NAF foi articulada pelo Ministro da Fazenda em negociação bastante restrita, envolvendo apenas o Presidente bolsonarista do BC e presidentes de bancos privados. Ao recusar as contribuições e os alertas dos economistas do campo progressista, Haddad convenceu Lula a respeito da necessidade de um dispositivo que atendesse plenamente aos interesses do financismo. Os resultados passaram a ser sentidos no dia seguinte à promulgação da nova lei. Autoridades da área econômica iniciaram um processo de divulgação de propostas visando a flexibilizar as despesas ditas engessadas. A imprensa começou a divulgar diariamente sugestões de retirar os pisos constitucionais para saúde e educação, além de apresentar a ideia de desvincular os benefícios previdenciários do valor do salário-mínimo. Assim, tem sido quase 2 anos com ataques permanentes às conquistas do movimento social cristalizadas na Constituição Federal. Correndo por fora, o Ministério da Fazenda implementa uma política fiscal arrochada, com contingenciamentos, bloqueios e cortes de despesas. Tudo em função da obstinação injustificável de Haddad com uma meta de zerar o déficit primário em um curto prazo de tempo. Para atender a estes dois parâmetros de natureza austericida, o governo termina por não contar com recursos orçamentários para implementar o programa que levou Lula à vitória eleitoral em outubro de 2022. As últimas semanas foram objeto de muita pressão das entidades e forças políticas do campo progressista, de forma que aparentemente as ideias mirabolantes e maximalistas de Haddad não contarão com o aval do Presidência da República. Mas permanece o foco no corte de gastos a qualquer custo e os dias passam para que a equipe apresente o desenho final das propostas contracionistas para o exercício fiscal de 2025. Pelos números até agora divulgados, tudo indica que a montanha realmente pariu um rato, como diz a sabedoria popular. Para quem afirmava com todas as pompas perante a banca privada que haveria medidas estruturais de redução de despesas, o titular vai ter de se contentar com um corte de “apenas” 30 ou 50 bilhões de reais. Lula: não haverá teto de gastos em meu governo. No entanto, há quem considere mais adequada para o caso a analogia com a parábola do “bode na sala”, uma vez que os cortes em sua versão definitiva serão bastante prejudiciais em termos políticos, sociais e mesmo econômicos. Para o momento atual, ao invés de ficar amealhando bilhões aqui e acolá com medidas pontuais e casuísticas de cortes nas despesas, bastaria editar uma Medida Provisória eliminando o absurdo da isenção tributária para lucros e dividendos. Na verdade, é importante lembrar que os governos do PT tiveram desde o dia 1º de janeiro de 2003 para editar tal norma. E nada foi feito até o momento. Da noite para o dia o governo terá sua receita tributária anual elevada em valor superior aos R$ 50 bilhões que tanto esforço está sendo realizado para alcançar. Lula deve ter plena consciência dos efeitos nefastos que tal estratégia de insistir na tese da austeridade fiscal pode provocar para o País e para a avaliação popular da segunda metade de seu terceiro mandato. Tanto é assim que, ao longo da campanha eleitoral de 2022, ele nunca deixou de mencionar sua recusa ao princípio do teto de gastos e sua intenção de abandonar tal restrição. Abaixo seguem algumas das declarações do então candidato a esse respeito durante aquele ano:   (...) “O teto de gastos foi criado para que se evitasse dar aumento na saúde, na educação, no transporte coletivo, na renda das pessoas que trabalham neste país. É importante saber que não é nenhuma bravata. Vocês sabem que eu não sou de fazer bravata, não sou de rasgar nota de dez, não sou de dizer coisas que eu não acredito, mas não terá teto de gastos em lei no nosso país” (...) (GN)   (...) "Vou acabar por que o teto de gastos representa os interesses do setor financeiro" (...) [GN]   (...) "Não vai ter teto de gastos no meu governo. Vamos investir em educação, porque é o que dá mais retorno ao país. O que vai resolver a relação dívida/PIB é o crescimento do PIB" (...) [GN] As pessoas que compartilham de uma maior simpatia ou dose de tolerância por Haddad poderão argumentar: “Ah, Paulo não seja injusto, pois o teto de gastos não existe mais, ele foi substituído pelo NAF”. Na aparência, isso até pode ser verdade. Mas na essência o mecanismo da austeridade não é lá muito diferente. Tanto que a expressão é utilizada pelo próprio Ministro da Fazenda. Veja o que ele afirmou em entrevista recente: (...) O que fizemos? Nós estabelecemos um teto de gastos determinando que a despesa não pode crescer acima de 70% da receita. (...) [GN]   A situação atual até pode ser contornada com a conhecida habilidade de Lula em evitar conflitos e buscar soluções de consenso em que os interesses das classes dominantes e da maioria da população não sejam assim tão prejudicados. Mas o ponto a reter aqui no raciocínio é que a permanência do NAF apenas adia o problema para alguns meses à frente. Isso pelo fato de que a aritmética não permite que o bolo total dos gastos orçamentários cresça tão somente a um ritmo de 70% da elevação das receitas, enquanto rubricas relevantes continuem vinculadas ao total das receitas (saúde e educação) e os benefícios previdenciários cresçam acima da inflação, acompanhando o valor do salário-mínimo. Essa é espada de Dâmocles que permanecerá sobre a cabeça do governo enquanto o NAF não for alterado de forma substancial ou simplesmente abandonado. A cada nova conjuntura voltarão as baterias do financismo e das elites endinheiradas para que as chamadas “medidas estruturais” da austeridade sejam adotadas. E o governo deverá enfrentar uma nova crise política e muito desgaste. Mais uma vez, a palavra final está com Lula, o Presidente da República.   * Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.   *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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