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Opinião

Quem terá a coragem de se desculpar com o Renato Freitas?

Quem terá a coragem de se desculpar com o Renato Freitas?

Artigo por RED
30/11/2022 17:49 • Atualizado em 02/12/2022 00:01
Quem terá a coragem de se desculpar com o Renato Freitas?

De EVERTON RODRIGUES*

“Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio” Conceição Evaristo, pesquisadora e escritora.

Enquanto houver RACISMO que é responsabilidade das pessoas brancas, não haverá DEMOCRACIA. Minha gratidão ao povo negro brasileiro que elegeu Lula presidente!

Esse texto é um sincero pedido e não um julgamento, nem condenação da história das pessoas ou instituições que erraram ao condenar Renato Freitas.

É, também, dirigido ao Partido dos Trabalhadores da cidade de São José dos Campos (SJC), São Paulo, onde atualmente a minha filiação partidária está localizada, e que, infelizmente, sua representação na câmara municipal de vereadores votou na moção contra Freitas.

A moção “manifesta repúdio ao ato praticado pelo Sr. Vereador Renato Freitas, PT de Curitiba, que invadiu templo religioso cristão católico, interrompendo a cerimônia religiosa e acusou a Igreja de ser conivente com atos racistas, inclusive com o assassinato de pessoas como o caso de Moïse Mugenyi.” Tal moção, com desinformação, foi aprovada por unanimidade e pode ser lida aqui.

Silvio Almeida, professor, advogado e filósofo que integra o Gabinete de Transição do governo Lula, escreveu: “Consciente de que o racismo é parte estrutural social e por isso não necessita de intenção para se manifestar, por mais que se calar diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado, ou responsável, certamente o silêncio o torna ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo.”(ALMEIDA, 2018, p. 40)

Portanto, esse pedido para as pessoas e instituições de esquerda que relativizaram, ou condenaram, ou acusaram, ou que de alguma forma somaram no processo de perseguição racista contra o jovem, negro, morador da periferia, vereador de Curitiba, eleito deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores do Paraná, Renato Freitas, possam ter a humildade para reconhecer que erraram.

O erro de se posicionarem precipitadamente com base na desinformação que há séculos mantém pessoas brancas, algumas ricas, outras de classe média e a ideologia burguesa nos espaços de poder onde “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Admitir tal erro que reforça a cultura do racismo, que poderia ser através de um pedido de desculpas ao Renato Freitas, não será 100% reparação, mas sim, seria uma importante contribuição para o debate sobre a urgente e necessária destruição da cultura do racismo que é estrutural.

“Sejamos realistas, exijamos o impossível.” Renato Freitas, com amplo apoio popular, nas redes sociais e nas ruas, venceu duas cassações de seu mandato de vereador. Além de vencer perseguições racistas e fascistas, Renato Freitas foi eleito deputado estadual no estado do Paraná com 57.880 votos. A voz de Ranato Freitas não foi silenciada, ao contrário, foi ampliada, através do seu envolvimento e outros milhares de pessoas.

Muitas pessoas de esquerda que o condenaram ou fizeram pouco-caso da perseguição que Renato Freitas sofreu, afirmaram que ele seria o responsável pela derrota de Lula. Talvez esse tenha sido o entendimento que orientou as condenações, a indiferença e o silêncio.

Precisamos vencer a indiferença e o medo que promovem o silêncio. Nosso principal objetivo precisa reforçar apoio ao Renato Freitas e a todas as pessoas negras, perseguidas diariamente. É relevante provocar diálogo antirracismo para compreender como e porque inúmeras pessoas brancas e instituições de esquerda, cometem esse tipo de erro.

Primeiro, é preciso dizer: não cabe silêncio diante do racismo ou de erros injustificáveis que contribuem com a cultura do racismo. O silêncio significa apoiar mesmo que indiretamente a manutenção do racismo estrutural.

Segundo, é importante entender que o racismo foi criado por pessoas brancas para beneficiar exclusivamente pessoas brancas e o silêncio das pessoas brancas é a engrenagem da perpetuação do racismo, por isso, o racismo é responsabilidade das pessoas brancas. Assim, as pessoas brancas que usufruem de privilégios construídos durante 350 anos de escravidão, que permanecem até hoje, tem o dever moral, ético e político de enfrentar e desmantelar a cultura do racismo.

Terceiro, faz-se necessário destacar que São José dos Campos é a cidade mais rica do Vale do Paraíba, região conservadora onde existem altos índices de pessoas negras escravizadas. A estrada imperial, criada para escoar o saque das pedras preciosas, a produção de Cana de Açúcar e Café de MG, RJ e SP para enriquecer a coroa portuguesa, passou pelo Vale do Paraíba.

Quarto, a cidade de São José dos Campos foi fundada por Bandeirantes a partir do extermínio do povo indígena tupi-guarani.

Diante destes quatro pontos, penso que a ideologia da colonização ainda está presente na cidade de São José dos Campos e na região Vale do Paraíba, talvez por isso, o debate sobre como enfrentar o racismo é realizado exclusivamente por pessoas negras, que não ocupam os espaços de poder.

É possível que a ausência de pessoas brancas, tanto nos debates como nas ações antirracismo, facilite que parte da esquerda erre o cálculo eleitoral ao abandonar o relacionamento com as periferias e priorizar relações e pautas com a classe média. A maioria das pessoas de classe média de São José dos Campos e Vale do Paraíba não se importam com o racismo, já que, são pessoas brancas e se beneficiam do racismo. Assim, privilegiar o relacionamento com a classe média, me parece um erro além de político, é também erro de cálculo eleitoral, já que, todos os números da vitória de Lula mostram que quando mais precisamos, é justamente na periferia com quem podemos contar.

Por exemplo: Em 2021 a Polícia Federal resgatou mulher negra escravizada por 20 anos em São José dos Campos. Manifestações foram organizadas e 99% das pessoas que participaram eram negras. Apenas 1% eram brancas. Por que as pessoas brancas não participaram? Por que não se interessam?

Se as pessoas brancas que ocupam os espaços de poder, acabam por ter benefícios do racismo estrutural, não debatem formas de superar o preconceito e não se envolvem em ações antirracismo, fortalecem a cultura do racismo.

A vitória da esquerda brasileira que elegeu Lula presidente do Brasil e enfraqueceu o neofascismo comando por bolsonaro, parte das forças armadas, parte do sistema de justiça, parte dos empresários e a totalidade das milícias, traz uma importante mensagem: A nossa luta teve êxito porque foi um processo realmente coletivo e solidário com principal protagonismo de pessoas negras, maioria no nordeste e nas periferias dos centros urbanos.

Em São Paulo, maior estado brasileiro, LULA perdeu com 44% para 55% do fascista Bolsonaro. Mas, na capital paulista, onde se tem maior concentração de pessoas negras nas periferias, Lula obteve 53% dos votos, contra 46% do ultradireitista Bolsonaro.

Vejamos alguns exemplos das periferias no estado de São Paulo.

Na cidade de São José dos Campos, Lula teve 37,42% dos votos válidos e o fascista bolsonaro 62,58%. No bairro Pinheirinho dos Palmares, onde a maioria da população é negra, Lula teve 62,9% dos votos válidos e o fascista bolsonaro fez 31,4%.

A vitória de Lula no bairro Pinheirinho dos Palmares não é por acaso. Não é mágica. Mesmo sem apoio, as lideranças locais, principalmente, o Marrom, negro, com longa e importante história de luta popular, primeiro na luta pela terra junto ao MST, depois na luta pela moradia e na ocupação Pinheirinho, que levou a construção do bairro na gestão da presidenta Dilma, são responsáveis por essa importante vitória.

Fica a pergunta: E se a liderança Marrom, tivesse apoio para desenvolver um trabalho contínuo e melhor estruturado, qual seria o percentual da votação de Lula?

Na cidade de São Paulo: Na zona sul, em Piraporinha, Jardim São Luís e Jardim Ângela, LULA somou 66,58% dos votos. No Grajaú atingiu 66,06%, em Parelheiros 63,80% e Valo Velho 65,34%. Na Cidade Tiradentes, Lula teve 64,41% dos votos.

O nordeste tem 39 milhões de eleitores e destes, 22 milhões, que significam 69,34% dos votos válidos da região no 2º turno, foram para LULA. É a região com a maior população negra do Brasil, especialmente a Bahia, onde 80% é preta.

Em 2010, no estado de São Paulo, segundo a Fundação Seade, o IBGE contabilizou, um total de 34,6% de pessoas pretas ou pardas no Estado, enquanto os brancos são 63,9% do total. No entanto, a Assembleia Legislativa de São Paulo, terá, a partir de 2023, 76 deputados que se declararam brancos (80,8%), 9 pardos (9,6%), 9 pretos (9,6%) e nenhuma pessoa indígena.

Na região Vale do Paraíba Paulista, a esquerda teve apenas duas candidaturas negras ao cargo de deputada(o): Erika Cândido: Professora, candidata pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), integrante do Movimento Negro, MTST, cozinha Solidária em Pindamonhangaba e Marcelo Ribeiro: candidato pelo Partido dos Trabalhadores. É técnico contábil e diretor-presidente do SEAAC São José dos Campos. Atua também como professor de dança de salão.

Se por um lado temos poucas candidaturas negras e poucas pessoas negras eleitas, por outro temos pessoas negras como principais responsáveis por retirar o fascista bolsonaro da presidência do Brasil.

Sem dúvidas, pós-eleições, já na transição do Governo Lula e durante todo o governo, a nossa principal tarefa será apoiar lideranças dos movimentos populares nas periferias, principalmente as negras, com objetivo de defender e apoiar as políticas públicas que o governo Lula vai fazer. E para isso, erros como os cometidos contra Renato Freitas, não podem se repetir. Para evitar tais erros, é preciso debater e construir processos de educação, formação política, antirracismo, inclusive, para pessoas que já ocupam cargos nos espaços de poder. Esse não é um debate menor. Esse é um debate estratégico. Enquanto existir racismo, não haverá democracia.

Além disso, o desafio de sustentar o governo Lula passa também por eleger pessoas negras para as prefeituras e câmaras de vereadores em 2024. O movimento antirracismo significa ações afirmativas.

Por isso, o debate sobre racismo e ações antirracismo precisa ser realizado desde agora. Não podemos perder tempo.


*Integrante do Movimento ANTIfascismo e do Time Lula.

Foto de Conceição Evaristo – Brasil Escola.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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