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O Vírus da Teocracia no Brasil Atual

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O Vírus da Teocracia no Brasil Atual
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Por Leonardo Lucian Dall’Osto* O ano é 1766. Na católica França, após a profanação de um crucifixo, uma histeria coletiva toma conta da cidade de Abbeville. Por intrigas e de forma caluniosa, um jovem Chevalier (Cavaleiro), portanto pertencente a nobreza local, chamado François-Jean Lefebvre de La Barre, foi acusado de cantar músicas blasfemas e de não ter tirado o chapéu diante de uma procissão pública. O juiz local o condenou a ter a língua perfurada, a mão direita cortada e a ser morto. O famoso filósofo e crítico eclesiástico, Voltaire interviu, tentando mostrar a monstruosidade e a inaplicabilidade de uma pena assim desproporcional ao Chevalier. Não obteve sucesso. O jovem teve sua pena comutada: não lhe foram perfuradas a língua nem teve a mão cortada, no entanto teve as pernas quebradas e após ser decapitado, teve seu corpo queimado juntamento com uma cópia do Dicionário Filosófico de Voltaire. Ele tinha 19 anos de idade. Esse é um fato, ocorrido há 258 anos trás. Muito tempo? Será? O pêndulo da história está mostrando que o fanatismo religioso está em pleno vigor no século XXI e não apenas nos países islâmicos, como geralmente se veicula. Durante séculos o ocidente viveu sob a égide do fanatismo religioso, que regrediu, mas que nunca foi debelado totalmente. A religião perdeu os espaços de poder, isso trouxe oxigênio para as mentes dos teólogos e das lideranças religiosas, dando ao Estado a liberdade de afastar-se das armadilhas religiosas para assumir o cuidado da sociedade na sua totalidade. Houve muitos avanços nesse sentido. O retrocesso, no entanto, se sente, se faz audível. O atual parlamento, lotado de fundamentalistas religiosos católicos e evangélicos é um reflexo de parte considerável da sociedade brasileira. Gente de parca formação, baixíssima capacidade cognitiva e de rompantes religiosos, se empossou do parlamento, tentando impor pautas religiosas a uma sociedade plural. E eles têm conseguido. Se não há mais retrocessos é porquê a magistratura atual, muito melhor formada e mais pautada pela laicidade do Estado e pelas linhas da Constituição de 1988, têm impedido retrocessos maiores. Porém, até quando? Logo mais esses grupos fundamentalistas estarão também nos espaços jurídicos, aliás, já estão entrando e com projetos reacionários. O vírus da teocracia sobrevive na atual e frágil democracia ocidental. Quando parece que o ser humano não consegue mais pôr ordem na casa, volta-se a chamar a religião para colocar “cosmos no caos”, impondo à sociedade como tal pautas que pertencem a uma parte desta. Alguns dizem, frequentemente, que a sociedade é religiosa, apesar de o Estado ser laico. Verdade. Porém, o Estado deve governar, legislar e julgar para todos os cidadãos, não importando-se com os vínculos religiosos da maioria ou da minoria. O Estado laico deve pensar políticas públicas para o cristão e para o ateu de forma igual, sem dar mais peso a um que a outro. Somente um Estado fortemente laico pode defender o direito dos religiosos de viverem sua fé e dos ateus de viverem sua descrença. Urge sustentar a laicidade do Estado! O passado já provou que quando a religião governa, o sofrimento é garantido. A teocracia é uma patologia da organização social, faz com que o Estado assuma a agenda religiosa como sua, imponha essa agenda, e ainda justifica a perseguição e o mal da forma mais perversa possível: é a vontade de Deus! Aliás, quando das cruzadas, entre os séculos XI e XIII, a expressão Deus vult (Deus o quer) era usada para justificar a morte dos “infiéis” muçulmanos. O filósofo Blaise Pascal advertiu que “os homens nunca fazem ao mal de modo tão completo e animado como quando fazem a partir de convicção religiosa”. E a razão é simples: se uma “pauta” está explícita na vontade de Deus, ela é norma também política para toda a sociedade. Que risco se corre no Brasil do século XXI se o fundamentalismo não receber um freio por parte do Estado? É algo para ser refletido com seriedade. O fanatismo religioso é perigoso, ele se organiza, se estrutura, cresce e domina. Fanatismo religioso é um problema de saúde pública, não dá mais para negar isso. Se a parcela da sociedade mais progressista e plural e o Estado não estiverem atentos, em breve poderemos ter que discutir não apenas retrocessos, mas também imposições causadas pela religião que se faz política. *Possui graduação em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul (2007) e graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pela Pontificia Università Lateranense de Roma (2012). Atua como sacerdote na Paróquia de São Francisco de Paula - RS.  Charge do cartunista Latuff- Pinterest

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A natureza é o limite da economia

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A natureza é o limite da economia
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Por Jorge Barcellos* Ao alertar as pessoas a respeito dos perigos da mudança climática, você é chamado de santo. Ao explicar o que precisa ser feito para parar com isso, chamam-no de comunista. George Monbiot, “Wha tis Progress?” Circula nas redes sociais o mapa comparativo dos limites de Porto Alegre antes e depois dos diversos aterramentos que provocaram, ao longo do tempo, a conquista do Guaíba pela cidade. O fato de que o limite das águas ser correspondente as terras conquistadas em sucessivas administrações ao longo do século XIX e XX têm significado. Por dezenas de anos, os porto-alegrenses, em nome da necessidade de expansão econômica, aterraram a cidade. Esse aterramento foi feito em 3 regiões. A primeira corresponde a região central, onde a Rua da Praia deixou de ser beira da praia e se transformou na terceira rua contada do cais para cidade após a Mauá, Siqueira Campos e 7 de setembro, que surgiram como ruas produto de aterramentos ao longo do século XIX. No século XX, duas regiões tiveram seus aterramentos: a primeira, em direção à zona sul que envolve a região que antes ficava na beira do rio onde localiza-se o Asilo Padre Cacique. A segunda, em direção à zona norte é o litoral do rio até a região de Navegantes. No centro, o motivo da expansão da cidade era porque sua geografia é marcada por um morro ou promontório. Para expandir o comércio local, o caminho natural foi aterrar, o que possibilitou a construção da Praça da Alfândega e da Praça XV de Novembro. O primeiro mercado, demolido, cede lugar ao segundo mercado, o atual, na região aterrada. Em direção à zona sul, a expansão possibilitou a construção do estádio beira rio e, na zona norte, os bairros em direção a Navegantes. O motivo neste último foi a industrialização da região.  Quer dizer, sempre em nome da expansão da economia, a cidade se expandiu para regiões do ecossistema natural original. As enchentes nos colocam o seguinte dilema: ou modificamos nosso modelo de desenvolvimento econômico ou as futuras gerações terão de arcar com nossa irresponsabilidade. A enchente atual é o que estamos pagando pela irresponsabilidade das gerações passadas? É verdade que não havia o conhecimento de que hoje dispomos de avaliar a importância da preservação das áreas de enchente porque, em seus primórdios, a ideia de planejamento urbano não existia. Mas é sabido desde a antiguidade a importância de uma relação com o meio natural, com as proximidades dos rios. É o modo como foi organizada nossa economia incipiente no passado que exigiu o modelo de expansão tradicional que avançou sobre os ecossistemas. Para Andrei Cechin, em A natureza como limite da economia (Senac, 2010), obra em que recupera o pensamento de Nicholas Georgescu, o dilema ainda é: nesse ritmo, o impacto do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente será ainda pior. Portanto, é necessário que a economia deixe de crescer e até decresça. No Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, onde nossas lideranças políticas veem o crescimento econômico como virtude, sugerir o decrescimento parece ser algo inviável. Quando Cechin recupera as ideias de Georgescu elas são uteis para fundamentar o argumento que diz que reduzir o nosso desenvolvimento econômico não só é necessário, como urgente. O Decrescimento (do francês: décroissance) é um projeto que se espalha em diversos movimentos, econômico, político e social pelo mundo afora.  Compõe-se de um conjunto de teorias que criticam o pensamento econômico dominante e que propõem alternativas a ele como a economia ecológica, ecologia política feminista e a justiça ambiental. Todos eles são movimentos que propõem a necessidade de reduzir o consumo, a produção, o ritmo de vida em defesa de uma sociedade de bem estar sustentável.  Uma de suas bandeiras é substituir o produto interno bruto (PIB) como indicador de prosperidade. As políticas dominantes em nosso estado e cidade são neoliberais, o que significa também que a atuação do estado é feita visando a criação de condições para o crescimento econômico desenfreado. Se, no século XIX, a expansão da cidade em direção ao Guaiba era um imperativo de “progresso”, hoje a ocupação de regiões como a Fazenda Arado frente a maior enchente gaúcha beira a insensatez. Tanto Georgescu como José Lutzemberger foram verdadeiramente ecologistas, o que significa que ambos partilhavam a ideia de que “a natureza é a única limitante do processo econômico”, nos dizeres de Cechin. No processo de globalização a todo o custo, com o primado da expansão da economia, esquece-se que o objetivo é sempre a felicidade humana “o fluxo imaterial de bem-estar gerado pelo processo”. O ponto de Cechin, ao recuperar as ideias de Georgescu é apontar que, no ritmo atual, estamos tirando o futuro sem precedentes das próximas gerações “o problema ambiental global mais discutido atualmente, as mudanças climáticas e o imperativo de cortar as emissões de gases de efeito estufa, causadas pela combustão de combustíveis fósseis, que diminuem ainda mais a margem de manobra da humanidade”, diz Cechin.  Do jeito que está nosso modelo de desenvolvimento econômico, caminhamos para incompatibilidade entre crescimento econômico e conservação dos recursos da natureza.  Não podemos mais permitir o crescimento ilimitado da produção material. Com a enchente, aprendemos que nosso modelo de crescimento material e consumo crescente não cabe num mundo de clima normal. Nossas enchentes não se repetem num curto intervalo de tempo, somente por acaso. Elas confirmam a transformação capitalista do mundo natural do Rio Grande do Sul pois nos atingem com grande intensidade. Veja a dificuldade que temos de processar os resíduos dos milhares de cidadãos que perderam tudo com as enchentes. A incapacidade de processar o lixo dos bairros Sarandi e Humaitá em Porto Alegre é outra prova do nosso consumo crescente “o fato [é] que a humanidade precisa começar a se preparar para a estabilização das atividades econômicas”, diz Cechin. Precisamos explorar de maneira bem diferente as regiões próximas dos rios, mas também a forma como utilizamos as florestas e o ritmo da expansão imobiliária. Não podemos mais impermeabilizar as cidades nem concretá-las como fazemos com o lançamento excessivo de grandes empreendimentos imobiliários, o desenvolvimento humano dependerá da retração econômica, ou decrescimento do produto, e não de seu crescimento”. Cechin afirma que Georgescu (1906-1994) foi um pensador esquecido na universidade pois um grande número de economistas de todas as linhagens age como se ele jamais tivesse existido. Sua perspectiva de limitações biofísicas ao crescimento da economia é uma crítica direta ao paradigma hegemônico da economia onde o sistema econômico é visto como circular e isolado da natureza. É circular porque o processo econômico relaciona de um lado, os cidadãos com suas famílias e de outro, as empresas. Os primeiros oferecem sua mão de obra no mercado de produção enquanto os segundos oferecem sua produção no mercado de bens de serviços. Nesse paradigma não há rupturas, nada afeta os limites do mundo natural. E, guiando os procedimentos neoliberais, fazem com que o estado seja uma das bases de fortalecimento do mercado. É a ciência econômica clássica e circular que orienta a linguagem neoliberal local, serve de instrumento de persuasão para que os governantes assegurem as condições de sua reprodução. A política neoliberal parte, portanto, de um paradigma ou visão de mundo que diz que a natureza tem valor econômico, que cria riqueza e que é ilimitada. Cechin repassa um a um os clássicos do pensamento econômico ao longo da história, da teoria marginalista até o pensamento keynesiano para se dar conta de que nenhum papel limitante é dado a terra ou a natureza em relação aos limites do crescimento econômico e que terminam com o esforço de Paul Anthony Samuelson. Para ele, no estabelecimento do sistema teórico neoclássico como teoria dominante da economia no século XX “desde que a economia crescesse e produzisse pleno emprego, o fruto do crescimento anual do produto disponibilizaria recursos adicionais para atender as necessidades de todos.  O crescimento econômico passou a ser visto como a chave do sucesso. Faltava, contudo, uma teoria do crescimento que fosse compatível com a ideia de equilíbrio”, finaliza Cecchin. A enchente mostra que esse sistema ilimitado neoliberal cobra um preço. Não apenas dos capitalistas, que viram sua estrutura de produção também perdida com a enchente, mas também dos governantes, que viram que seu descaso com a proteção de seus cidadãos em nome de privilégios ao mercado revelar-se irrealista do ponto de vista das políticas públicas. O mundo não é um universo mecânico que pode ser manipulado ao livre interesse dos neoliberais no governo de plantão. O paradigma econômico que está na base das políticas neoliberais é uma visão irreal, ele não reconhece o papel da natureza na criação de condições do processo econômico “seu problema é que o sistema econômico é visto como em harmonia e em equilíbrio” quando não está. O mundo não vive apenas de circulação de dinheiro, ele precisa viver com recursos naturais limitados e dar um destino a sua produção de resíduos. O capitalismo não é o “reciclador perfeito” de que fala Cechin “a economia não é uma totalidade, mas sim, um subsistema de um sistema maior, geralmente chamado de meio ambiente”, finaliza. Que fazem nossos políticos neoliberais? Focam suas ações em garantir as condições para circulação do fluxo monetário, ignorando o fluxo real onde o mundo é esse ser vivo como sistema total. Tanto a dilapidação do capital natural como a produção de lixo precisam serem levados em conta nesse sistema. Pois o mundo tem um limite. Essa concepção estava presente no pensamento de Karl Marx no que ele denomina de metabolismo social. Ele era definido pelo “processo pelo qual a sociedade humana transforma a natureza externa, transformando assim, a sua natureza interna”. O capitalismo é criticado porque separa a reprodução material da sociedade dos condicionamentos naturais e daí a ciência econômica funda-se sem considerar a entrada de recursos naturais essenciais para a reprodução do sistema.  Se só capital e trabalho têm importância, a natureza não entra na dinâmica capitalista. Esse é o problema neoliberal. Ele é baseado numa visão míope de mundo, por isso ele é um sistema mecânico de interpretação da realidade, limitado. A natureza é sua matéria prima, os recursos naturais, sua fonte de renda. Enquanto vemos nossos governantes privilegiarem o mercado e sua produção, o lixo que vemos na zona norte é prova de que a economia não é um ciclo isolado: não conseguimos sequer nos livrar dos resíduos que produzimos. “Muitos já criticaram o viés anti-histórico da economia neoclássica, mas sem perceber a futilidade que é tentar impor a história nas teorias neoclássicas sem questionar a metáfora física que a inspirou”, diz Cechin, intérprete de Georgescu. A enchente ensina que é preciso abandonar a visão da economia desvinculada da natureza: ela é parte do ecossistema vivo e atuante. Cechin afirma que Georgescu deu-se conta em sua formação de uma visão ampliada de economia porque em seus estudos de matemática e física, estudou com o filósofo da ciência Karl Pearson.  Foi ele que lhe ensinou que a representação do mundo real é o princípio de base de qualquer esforço científico, ainda que tenha sido Schumpeter que o transformou em um economista, diz Cechin, pois a novidade do pensamento Georgescu estava em criticar o homo economicus. Para ele, sua racionalidade deve-se ao comportamento hedonista do indivíduo, para quem, quanto mais mercadorias, mais feliz “para Georgescu, a maneira como a teoria neoclássica vê a conduta humana só vale numa situação de consumidores com renda suficiente e cujas escolhas econômicas são guiadas apenas pela quantidade de mercadorias”. É por isso que no Rio Grande do Sul o governo neoliberal governa para os ricos, criando inúmeras facilidades para investimento que contrariam os parâmetros originais do Plano Diretor. Ora, aqui no estado valores rurais predominam porque temos inúmeras sociedades deste tipo, e nas regiões mais atingidas da capital como Sarandi e Humaitá, valores de solidariedade predominam porque se tratam de sociedades carentes atingidas pelas cheias. Quer dizer, nossas políticas neoliberais são adequadas apenas a um contexto industrializado, altamente urbanizado e individualista, nada dizendo de contextos e lugares que necessitam preservar uma relação adequada com a natureza, em reduzir seu próprio processo de urbanização que leva ao caos climático e muito menos o valor do pensamento que considere não apenas a si mesmo, mas o outro, as futuras gerações. Nada disso faz parte da agenda neoliberal. A introdução dos determinantes de natureza biológicas e sociais foram colocadas pelo artigo “Choice, Expectations, and Measurability”, que Georgescu publicou anos depois, em 1954, no Quarterly Journal of Economics (68, novembro). Nele, o autor afirmou que influenciam nossas escolhas econômicas outros fatores, não apenas os dados pelos limites da utilidade. Por exemplo, as vontades também podem ser influenciadas por fatores ambientais: se queremos um meio ambiente sem caos climático, estamos dispostos a sacrificar o desenvolvimento econômico a todo o custo para preservar as condições de boa vida junto à natureza. Não adianta adquirir grandes apartamentos luxuosos junto ao novo shopping Barra como desejam as incorporadoras se o cidadão tem de escolher entre viver num lugar que tenha enchente e outro que não tenha, pois ele não pode ser indiferente entre a localização de um imóvel e uma casa. Talvez o fato de que a formação em matemática e depois em estatística de Georgescu que o levou a criticar a compreensão do mundo econômico através somente de números, terminou por o levar a criticar a falta de relação da economia com o lugar e o tempo histórico. Hoje, empreendimentos econômicos precisam considerar o lugar natural onde pretendem se realizar. O que é notável no pensamento de Georgescu é a ideia de que a atividade econômica resulta da luta pela sobrevivência da espécie humana. Para os neoliberais, parece que só o dinheiro precisa existir. Se, de seu ponto de vista à época estava em questão como a energia e a matéria eram a base da vida econômica e daí sua concepção de limites dados pela natureza, é notável que agora, em que as chuvas e o caos climático ameaçam a humanidade, estejamos de novo colocados sobre a questão de que destino econômico desejamos para nós. O drama econômico não se resume a escassez como propõe a tradição econômica, mas ao modo como encaramos as fontes que exploramos: a primeira, a natureza, é reconhecidamente limitada: a segunda, o sol, é ilimitada. Exploramos muito a primeira e pouco a segunda. O caos climático vivido pelas chuvas no Rio Grande do Sul não sinaliza apenas o modo como nossos governantes devem se comportar em relação ao tratamento do meio ambiente, e nem como o mercado, empresários locais devem se comportar em relação às suas formas de exploração do meio natural. Elas apontam para uma tendência geral da extração dos recursos naturais. Por isso a tragédia, o caos climático é planetário. Resta, portanto, saber se os gaúchos, assim como o restante da humanidade, querem aumentar a predação econômica e com ela a exploração do meio natural ou diminui-la para garantir condições de vida para a geração futuras. Para Georgescu, quanto mais cedo a economia encolher, mais cedo podemos parar a crise e sair do caos climático. Por isso a imagem do lixo acumulado é tão importante quanto a das águas: ele mostra que a face real do capitalismo é a destruição, o destino final de todas as coisas produzidas, agora diante de nossos olhos. Você vê como o lixo é prejudicial às populações do bairro Sarandi e Humaita em loco, seja pelo mau cheiro, pelas doenças que provocam ou pelo impedimento à circulação “o problema da acumulação de resíduos é a falta de espaço acessível”, diz Cechin. Jogamos o que ficou inutilizado da chuva no meio ambiente, outra prova de que os produtos são infinitos mas a lata de lixo, finita. O ponto chave para Georgescu é que a economia tem um caráter metabólico “o problema ecológico surge como uma falha no metabolismo”, resume Cechin. Ele criticava os limites da economia pela sua entropia, na descrição da produção e perda de energia no sistema capitalista. Por isso a discussão ecológica no autor parte da discussão sobre combustíveis fósseis e seus efeitos sobre o clima, para só depois possibilitar a inclusão da transformação do meio natural. O problema ecológico é o da qualidade de vida, da nossa e das gerações futuras e por isso a economia deveria ser englobada pela ecologia “todavia isso só ocorrerá quando a humanidade tiver que se preocupar com a distribuição intertemporal dos recursos e serviços naturais”. Por este único argumento, o do caráter inferior da economia na decisão de nossas vidas, Georgescu foi banido da academia e rejeitado por Samuelson. Não se diz a verdade impunemente. Em 1976, os estudantes e professores “foram advertidos de que ele não poderia mais ser aceito porque se embrenhara pela obscura ecologia, uma disciplina que os economistas ainda hoje acham tão estranha e suspeita quanto a quiromancia”. Condenado por sua visão holística e interdisciplinar numa era de especialização, foi expulso da elite intelectual, mas hoje seu pensamento se revela atual. É que Georgescu pensou o fluxo entrópico como base da economia, na sua relação com o meio ambiente "os modelos mecânicos não conseguem lidar com o fato mais elementar da vida econômica que é o fluxo entrópico necessário para manutenção do processo econômico, a utilização de recursos naturais e o despejo de resíduos no meio ambiente”, diz Cechin. Esta posição foi a reação de Georgescu frente a crise do petróleo dos anos 70, que o alertou para a escassez dos recursos naturais. Ele então afirmou que a solução do problema está no campo da ética, não da economia, o que é notável. Para Georgescu, “depende da postura ética das atuais gerações em relação às que ainda estão por vir”. Pensamos que a tecnologia irá solucionar todos os problemas econômicos, ilusão perpetrada pelo prêmio nobel Robert Solow: o acréscimo de capital tecnológico não é solução para a perda de capital natural. A economia não é o jardim do éden como acreditam os políticos neoliberais, como se fossa capaz de salvar a tudo e a todos. Não. Ao contrário, as decisões neoliberais com base nesse princípio impactam na vida da população e são responsáveis pelo caos climático. Nossos economistas neoliberais deveriam se inspirar menos na economia em stritu senso e mais na economia ambiental. Cechin diz que a disciplina foi inspirada pelos estudos de Georgescu e que ela trata de focar na exaustão dos recursos naturais ao longo do tempo como critério de valor. É ela que introduz a ideia de sustentabilidade ambiental que tem em seu discípulo David W. Pearce seu principal expoente. Este defende que deve ser mantido ao longo do tempo o estoque de capital natural, o que não acontecerá com e o ritmo expansionista do consumo. Por isso é preciso uma restrição no cálculo da otimização neoclássica. Mesmo o modelo econômico neoliberal do “U” invertido, ou Curva de Kuznets ambiental, onde a crise ambiental só seria vista no primeiro momento da evolução do capitalismo e que depois passaria, é considerada uma desculpa e criticada por ter sido criada deixando de fora 97% dos países e ainda ter fraca previsibilidade de resultados. Justificar a expansão econômica porque no futuro as coisas podem melhorar não é argumento. Já a economia ecológica, da qual Georgescu  também é um dos inspiradores, junto com Robert Ayres, surgiu a partir de 1989 com a revista Ecological Economics, que aponta para o fato de que a economia está incrustrada na natureza e que os seus processos precisam terem seus efeitos considerados em relação a ela, tudo o que os neoliberais mais odeiam. Isso porque significa que eles precisam ceder do lucro absoluto em seus projetos e investimentos, sua vontade inesgotável de exploração do mundo natural. Não é à toa que, desde o bolsonarismo, vemos o ataque direto da extrema direita à legislação de proteção ambiental no Brasil. Em Porto Alegre, o Sul21 demonstrou em série de reportagens como a Prefeitura Municipal, desde o governo Marchezan, vem modificando a legislação urbana para facilitar a expansão do capital imobiliário cujos efeitos sobre o meio ambiente são conhecidos. Lá fora, há mais de três décadas estes autores argumentam que o sistema de econômico afronta a capacidade de carga do planeta, com a degradação do solo, perda de ecossistemas e mudança climática que mostra que “os limites ecológicos estão convertendo o crescimento econômico em crescimento antieconômico”. A atividade econômica assim deve ser limitada. Primeiro porque a natureza limita à provisão de recursos. Depois porque os valores éticos da sociedade, os relacionados aos fins da atividade econômica, também a devem limitar. Mas esses limites não são considerados pelos economistas neoliberais. Cechin diz o m motivo inspirado Herman Day, um dos discípulos de Georgescu: “o paradigma contemporâneo na economia é o da growthmania, ou mania de crescimento econômico, pois é a resposta para os problemas de pobreza, desemprego, poluição e até mesmo de escasseamento de todos os recursos estaria no crescimento. Mas muitas coisas que contribuem para o bem-estar não passam pelos mercados. São custos inerentes da economia da empresa privada que repassa para toda a sociedade”. Uma solução foi a proposta de “condição estacionária”: ao invés de regredir, o capitalismo teria de parar, como afirma Karl Kapp, o que poderia ser uma salvação para o ambiente. Esse debate foi considerado importante, mas foi criticado pelos filiados ao pensamento de Georgescu pois “uma economia de crescimento lento ou em estado desestacionário seria inconsistente com o capitalismo de mercado. Somente um regime autoritário poderia impor e manter as restrições ambientais defendidas pelos economistas ecológicos”, finaliza Cechin. Não é verdade. Um governo de esquerda pode fazer muito mais pelo meio ambiente. É só olhar a redução do desmatamento na Amazônia nos primeiros meses do governo Lula, que foi 63% menor do que o mesmo período do governo Bolsonaro. Por isso a solução da crise ambiental também passa pelas escolhas políticas do cidadão. A lição da enchente é que precisamos considerar as relações entre os sistemas econômicos e ambientais. Fomentar o crescimento ambiental sustentável deve ser política pública. Com os atuais governos neoliberais não é. O poder público não pode facilitar investimentos e desenvolvimento ambientalmente insustentáveis. Isso pode ser feito taxando-se hoje aqueles que exploram o trabalho e renda que trazem prejuízos ambientais pelo fomento do investimento em capital natural. Não é possível mais eleger governantes neoliberais mais preocupados com os interesses do mercado do que da população, porque a preservação do mundo natural interessa a toda a sociedade e as futuras gerações. Enquanto os governos continuarem com suas medidas pró-mercado, e enquanto continuarmos elegendo governantes que iludem seus governados com promessas, estaremos contribuindo para a perda de recursos naturais que impactam diretamente na produção do caos climático. A solução do problema das enchentes é a mudança de política pública, que passa pela eleição de governantes que considerem o problema ambiental como agenda de governo. Estabelecer a ligação entre sistemas econômicos e ambientais é o grande desafio das políticas públicas. Ainda que também o campo privado devesse buscar soluções, evitando que bancos financiem projetos ambientalmente insustentáveis, é preciso que estados e municípios taxem mais os agentes que colaboram na crise ambiental. Isso significa taxar empresas de extração de energia sem compensações ambientais, por exemplo. A justificativa é que, nos termos da economia ecológica, o investimento no crescimento após certo ponto “deixa de ser benéfico e passa a comprometer seriamente a possibilidade de que as gerações futuras usufruam qualidade de vida semelhante à da geração atual”.  O Rio Grande do Sul não é o maior nem o mais populoso estado do país, e nem suas cidades podem ser chamadas de metrópoles para terem os problemas que tem com o meio ambiente. No entanto, trata-se de considerar que o capitalismo enfrenta um problema de escala inclusive em nosso estado: nosso sistema econômico, por toda uma série de subterfúgios dos capitalistas de plantão, está em um tamanho que afeta o ecossistema local e por isso é preciso se preocupar com a escala máxima que o desenvolvimento econômico de nossa região pode atingir. Enquanto o mercado e o sistema financeiro pressionarem o estado no alinhamento de políticas públicas para seus objetivos, os supostos rendimentos de mercado serão inferiores aos ganhos de longo prazo. Esse é fundamentalmente não um problema econômico, mas político. Diz Cechin “a relação da sociedade com o meio ambiente e seus recursos é fortemente influenciada pelo modo como atuam as instituições”. Aquilo que Louis Dumont chama de ideologia econômica não pode prevalecer na condução das políticas públicas. Ela precisa estar imersa nas relações sociais. É justamente no estado que estão instalados hoje aqueles que consideram o desenvolvimento econômico independe do meio natural. É preciso tirá-los de lá. Nesse sentido, as propostas de Georgescu tem uma notável atualidade e sugerem caminhos de escolhas políticas para as próximas eleições municipais. *Doutor em Educação, autor de O êxtase neoliberal (Clube dos Autores) Foto: Praça da Alfândega - Porto Alegre - RS - Brasil - Pinterest Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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França: nova eleição e suas cruciais implicações geopolíticas no futuro Parlamento

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França: nova eleição e suas cruciais implicações geopolíticas no futuro Parlamento
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Por Alexandre Cruz* A origem do sistema eleitoral francês, tanto para a presidência quanto para a legislativa, remonta à Constituição da V República, estabelecida em 1958. Esse sistema foi criado com o objetivo de remediar a instabilidade política da época e garantir que o vencedor tenha uma maioria sólida para governar. No primeiro turno, um candidato só vence se obtiver mais de 50% dos votos. Caso contrário, ocorre um segundo turno. Dito isso, no próximo domingo, dia sete de julho, a França enfrentará uma das eleições mais críticas de sua história recente. O campo democrático está diante da difícil tarefa de derrotar a extrema-direita, cujas políticas e retóricas têm ganhado terreno não só no território francês, mas em diversas partes do mundo. Alguns podem questionar a relevância desse pleito eleitoral para nós, brasileiros. No entanto, é crucial entender a posição da França na economia europeia e global, bem como sua influência cultural e política. O que ocorre no país galo ressoa em muitos países, inclusive no Brasil. A ascensão de figuras como Javier Milei na Argentina exemplifica essa tendência preocupante. Milei, conhecido por seus discursos inflamados e insultos, recentemente ofendeu o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, e agora direciona suas agressões verbais ao presidente brasileiro, Lula. Essas ações são mais do que meras provocações; elas representam um ataque à justiça social, um dos pilares da esquerda. Javier Milei e outros líderes de extrema-direita constroem uma narrativa cultural que encontra eco nos meios de comunicação, normalizando comportamentos e políticas extremistas. A normalização da ultradireita na mídia é um fenômeno global. No Brasil, Espanha, França e em outros lugares, observamos como a mídia muitas vezes suaviza ou até legitima discursos de ódio, misoginia, racismo e homofobia. Esse cenário cria um ambiente onde a direita radical se sente encorajada a avançar suas agendas reacionárias. Um exemplo recente é a tentativa de golpe na Bolívia, que felizmente fracassou. O incidente, no entanto, revelou a profunda divisão no campo da esquerda boliviana, um reflexo da polarização que permeia muitas democracias hoje. Estamos vivendo um processo de polarização que coloca forças reacionárias, caracterizadas por sua retórica de ódio, contra um campo civilizatório que luta para manter os valores de justiça e igualdade. Essa batalha ideológica pode durar décadas, e a arte pode ser uma ferramenta poderosa para nos ajudar a entender e resistir a essas tendências retrógradas. O trabalho do pintor El Greco, por exemplo, com suas figuras alongadas e expressões dramáticas, pode ser visto como uma resposta à turbulência de seu tempo, refletindo a ansiedade e a complexidade emocional que também vivenciamos hoje. Da mesma forma, a famosa pintura "As Lanças de Breda" de Diego Velázquez, com sua representação de rendição e dignidade, nos lembra da importância da humanidade e do respeito em tempos de conflito. Essas obras ressoam nos tempos atuais ao nos oferecerem uma perspectiva histórica e emocional sobre as lutas que enfrentamos, iluminando a necessidade de preservar os valores civilizatórios contra a barbárie. A eleição francesa deste domingo, portanto, não é apenas uma escolha entre candidatos, mas uma decisão sobre o futuro da democracia na França e além. O resultado influenciará não só o panorama político europeu, mas também o global, incluindo países como o Brasil. É imperativo, portanto, que todos os democratas, tanto na França quanto em outros lugares, compreendam a gravidade desta eleição e se mobilizem para defender os valores que sustentam nossas sociedades. *Jornalista político ** Foto: Vista dos cartazes eleitorais do primeiro turno das eleições legislativas francesas de 2024, em Chambéry, no 4º círculo eleitoral de Sabóia. Florian Pépellin - Wikimedia Commons Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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E segue a farra do financismo, por Paulo Kliass

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E segue a farra do financismo, por Paulo Kliass
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Campos Neto não só é organicamente vinculado aos interesses dos bancos, como também é explicitamente articulado às forças da extrema direita. Por Paulo Kliass A conduta pública do Presidente do Baco Central (BC), Roberto Campos Neto, tem sido um dos principais fatores de desarranjo da ordem econômica e financeiro nos tempos atuais. Nomeado para o cargo ainda no governo do inominável, por meio da indicação de Paulo Guedes, o jovem quadro do financismo foi aquinhoado ainda durante sua gestão à frente do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro com a independência da entidade. Assim, depois da aprovação da Lei Complementar n. 179 de 2021, os diretores em função passaram a ter um mandato fixo de 4 anos. Em razão de tal golpe político-institucional, Lula teve de começar seu terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto com 9 bolsonaristas na direção da entidade responsável pela fixação da política monetária e pela determinação do patamar da taxa referencial de juros, a SELIC. Apesar do discurso demagógico e oportunista quanto à necessidade de conferir “independência” ao BC, o que se viu desde o início de 2023 foi a implementação de uma estratégia de sabotar o novo governo, que havia derrotado seu padrinho político nas urnas. Roberto Campos Neto não é independente de ninguém. Muito pelo contrário, ele atende de forma bastante disciplinada aos interesses e aos comandos do núcleo do financismo em nosso País. Essa dependência e submissão ao seu círculo de amizades e de convivência se revelou na manutenção da SELIC em níveis estratosféricos – 13,75% – por muitos meses. Em seguida, adotou uma estratégia de redução paulatina e milimétrica da mesma, sem que a taxa real de juros fosse afetada. Tendo em vista a redução da inflação no mesmo período, o País continua ocupando o segundo lugar no campeonato mundial da rentabilidade financeira real. No entanto, toda a expectativa gerada com a possibilidade de mudança provocada pelas nomeações paulatinas que Lula pode fazer para a direção do órgão foram sendo frustradas. Os 4 novos diretores não mudaram em nada os comunicados, as atas e as decisões o Comitê de Política Monetária (COPOM). Com exceção de uma única decisão ocorrida durante a penúltima reunião do colegiado, Galípolo e os demais indicados por Lula votaram em todas as oportunidades seguindo a orientação do Presidente do BC. Coube à assim chamada bancada lulista manter um voto em separado exibindo uma discordância de 0,25% na redução da SELIC. Na verdade, um ponto fora da curva da aceitação da hegemonia financista. E Roberto Campos Neto não se esquivou de demonstrar suas articulações políticas e seus desejos futuros. Compareceu a um evento político-partidário promovido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Considerado como uma das alternativas do campo bolsonarista para a disputa da sucessão de Lula, o mandatário do Palácio dos Bandeirantes lançou o balão de ensaio do chefe do BC para seu eventual futuro Ministro da Fazenda. Ou seja, mais uma vez foi para o espaço o discurso a respeito da suposta independência do rapaz. Não apenas ele é organicamente vinculado aos interesses dos bancos, como também é explicitamente articulado às forças da extrema direita. Assim, os espíritos da Faria Lima vibraram ainda mais com essa possibilidade declarada. Não apenas mantêm Fernando Haddad sob seu controle para efeitos de austeridade e arrocho fiscal, como guardam na manga da camisa outra carta mais fiel e segura. Afinal, para esse pessoal o importante é ter sempre operadores a seu serviço no comando da economia. No caso da política monetária e da transferência de fundos públicos bilionários para os caixas dos bancos parece não ter havido problema algum desde a sucessão na virada de 2022 para 2023. O foco dos (ir)responsáveis pela política econômica continua sendo a ótica das contas primárias. Assim, a busca do superávit nas contas governamentais não chega nem perto das despesas financeiras, justamente as carimbadas como “não primárias”. Os ministros da área repetem ad nauseam o discurso elaborado pelos neoliberais à frente do universo das finanças. Assim, seria preciso acabar com a farra da gastança em saúde, educação, assistência social, segurança pública, previdência social, salários dos servidores, saneamento, etc. Mas ninguém solta um único pio a respeito do volume das despesas com pagamento de juros. Ah, não Paulo, mas mexer aí seria considerado como uma quebra de contratos (sic). Uma piada de mau gosto, uma vez que os contratos sociais estão sendo permanentemente rompidos em função do austericídio Pois o próprio BC acaba de divulgar seu mais recente boletim mensal tratando dos resultados da política fiscal do governo. Como os números são assustadores, talvez esta seja a principal razão para que as editorias de economia dos jornalões e das grandes redes de comunicação praticamente tenham esquecido de mencionar o fato. Mas a realidade é que ao longo dos primeiros cinco meses do presente ano, o governo transferiu exatamente R$ 360 bilhões aos detetores de títulos da dívida pública. Esse montante corresponde ao valor do pagamento de juros de tais papéis. Trata-se da segunda maior rubrica de dispêndios do governo federal. Só fica atrás do total relativo aos benefícios da previdência social. Como agravante, é importante mencionar que as contas previdenciárias ainda têm as receitas oriundas das contribuições. No caso dos juros, ao contrário, o resultado é integralmente deficitário. Na comparação com o volume dispendido no memo período do ano passado, os números também impressionam. Entre janeiro e maio de 2023, os juros absorveram R$ 297 bi. Assim, verifica-se um crescimento de 21% no total entre os 2 exercícios. Desnecessário dizer que nenhuma outra conta governamental foi beneficiada com tal crescimento. Muito pelo contrário, em razão da narrativa mentirosa do “não temos recursos”, o governo esmagou o movimento dos professores e servidores das universidades e dos institutos federais de educação e tem ameaçado conquistas históricas do movimento social. Ao mesmo tempo em que mantém aberta a torneira para encher os caixas dos bancos, Haddad e Tebet estão falando há muito tempo em retirar os pisos constitucionais de saúde e educação, além de desvincular os benefícios previdenciários em relação ao valor do salário mínimo. As planilhas do BC permitem calcular o valor total das despesas com juros para os últimos 12 meses. Apesar da queda recente da SELIC, os números do serviço da dívida seguem aumentando. Foram gastos R$ 782 bi – essa é a verdadeira “gastança” do governo. Trata-se de um novo recorde para esse tipo de dispêndio. E isso demonstra de forma cabal quais são exatamente as prioridades da área econômica quando se trata da alocação de recursos públicos. Aliás, recursos esses que são considerados por eles mesmos como escassos ou inexistentes. O Presidente Lula tem se manifestado ultimamente com críticas ao comando do Banco Central e tem buscado negar que seu governo vá aprofundar ainda mais o garrote da austeridade em cima das contas de políticas sociais. No entanto, faltam medidas concretas para promover uma reversão na orientação da política econômica. Não basta apenas aguardar a chegada do final de dezembro para então indicar o novo Presidente do BC. Quer seja Galípolo ou outro o escolhido para a função, o que se faz necessário é uma reorientação dos instrumentos de economia a serviço do governo, com o objetivo de retomar a trilha do desenvolvimento. Uma das primeiras medidas seria a revogação do Novo Arcabouço Fiscal proposto por Haddad no começo do ano passado e que funciona como argumento permanente para as sucessivas intentonas de promover o arrocho fiscal. *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Ilustração Kokuto - Pinterest Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Nazismo de ontem, perigo de hoje

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Nazismo de ontem, perigo de hoje
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Por Léa Maria Aarão Reis Mais que oportuna é a estreia da série Hitler e o Nazismo: Começo, Meio e Fim, de Joe Berlinger, em seis episódios de uma hora cada um, bem produzidos e envolventes, lançada este mês no streaming. Mesmo não se constituindo arte cinematográfica, é uma série do modelo audiovisual que deve ser considerada neste momento, apesar do tema histórico visitado e revisitado milhares de vezes. Não só pela qualidade da sua montagem e produção, mas por ser tão atual nesse tenso momento em que se vive internamente e no mundo, e pela linguagem visual, formal, atraente e pedagógica. É uma série a ser vista pelos mais idosos, para alguns que se esqueceram do que foi vivido e do quanto custou ao mundo, nos anos 30/40, a guerra genocida nazista. Uma série que deve ser conhecida também pelas novas gerações, estudantes e jovens em geral. Hitler and the Nazis: Evil on Trial se inicia com um Adolf Hitler jovem e pobre vendendo as pinturas de cartão postal produzidas em casa, como um camelô de rua. Hitler não sabia retratar pessoas. Vê-se também o desinteresse dos eventuais fregueses pelos seus trabalhos e a sua paixão pela ópera, especialmente pelas obras de Wagner. Hitler gastava o dinheiro que não tinha para frequentar a ópera até que a guerra veio e ele correu para se inscrever no exército como mensageiro, onde permaneceu durante quatro anos. Mas o conjunto de imagens de cenas do julgamento de Nuremberg é protagonista da série, desse ‘julgamento do Mal’ com sequências remasterizadas de sessões do tribunal e imagens inéditas até então que ajudaram historiadores a conhecerem detalhes históricos, preciosidades de arquivo que esclareceram os horrores do dia a dia no campo de concentração de Auschwitz e pormenores do incêndio do gueto de Varsóvia. Vozes originais dos réus, sequências encenadas ou tratadas com Inteligência Artificial fornecem um tom de atualidade e um novo impacto às ações denunciadas e praticadas pelos asseclas mais próximos de Hitler, que ainda eram vivos durante Nuremberg: Joachim Von Ribbentrop, Rudolph Hess, Wilhelm Keitel, Albert Speer e tantos outros que não tinham se suicidado. Por meio da IA, por exemplo, foi remasterizada a voz de William Shirer, autor do famoso livro Ascensão e Queda do Terceiro Reich, renomado jornalista e historiador estadunidense que cobriu o início da Segunda Guerra Mundial diretamente da Alemanha, onde trabalhou para o rádio norte-americano até 1940. Ele é interpretado pelo ator húngaro Balázs Kató. Mas, em geral, as vozes dos atores que encenam personagens reais não são ouvidas. As vozes gravadas dos personagens reais é que são usadas e alternam com entrevistas de autores que escreveram sobre a corte de Nuremberg e sobre as lúgubres ações praticadas pela Alemanha nazista na Europa ocupada. Contra judeus, em sua maioria, e contra minorias, populações da região dos Sudetos, da Polônia, da Europa central e, em seguida, de praticamente todo o continente não-ariano. Foram seis milhões de vítimas entre os judeus, segundo a Enciclopédia do Holocausto, do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Os seis episódios de Hitler e o Nazismo: Começo, Meio e Fim exploram a ascensão e queda de Adolf Hitler e do partido nazista, e seguem até os julgamentos de Nuremberg, que duraram dez meses, de 1945 a 1946, com a presença na sala de 400 jornalistas acompanhando os trabalhos. São 35 horas de filmagens inéditas e 1.200 horas de áudio. A força dessa série vem, em especial, de áudios e das gravações recuperadas há poucos anos e exibidas no documentário Nuremberg – As Fitas Perdidas, do National Geographic e disponível no Star+. Segundo o Museu Memorial do Holocausto, o julgamento histórico terminou em outubro de 1946 com a pena de morte para doze dos acusados, prisão perpétua para três, quatro penas de dez a vinte anos de prisão, e três absolvições. Joseph Goebbels e Heinrich Himmler se suicidaram quando estavam presos em Nuremberg. Nos seis episódios assiste-se e ouve-se trechos da interpretação de Hitler como competente ator em seus comícios, que eram autênticos espetáculos de teatro dramático, ele como um desavergonhado mentiroso, como manipulador de militares alemães veteranos e aposentados, e cuspindo slogans familiares e ainda hoje copiados e utilizados pelos grupos de extrema direita neofascista nas suas manifestações grotescas em países do mundo ocidental. Alguns dos mantras: “Toda cobertura de imprensa é boa, mesmo quando é negativa”. Ou “Faremos a Alemanha great again”, prometido durante a formação do partido nazista. Os anúncios da criação de forças/milícias SAS, paramilitares; o impulso dado à autodissolução do parlamento; e a prática hoje repaginada fielmente de destruir instituições democráticas realizada ‘por dentro do regime’. Até suicidar-se no seu bunker em companhia de Eva Braun, Hitler foi responsável por sessenta milhões de corpos assassinados e de outros milhares de restos de cadáveres espalhados pela Europa. Os episódios desse documentário sobre o julgamento do Mal são: 1. Origem do Mal 2. Ascensão do Terceiro Reich 3. Hitler no Poder 4. O Caminho para a Ruína 5. Crimes contra a Humanidade 6. O Acerto de Contas Atualmente, está se realizando, até julho próximo, uma reunião de membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, da qual sairão um relatório e um documento oficial informando a expansão dos movimentos neonazistas mais preocupantes, atuais e atuantes em vinte países (manifestações públicas e organizadas de ódio, crimes violentos, perseguições de professores nas escolas, etc.), e a formação de um grupo de Combate ao Crescimento de Células Neonazistas. O Brasil está na lista. Para ver o trailer oficial da série clique aqui https://youtu.be/gxyrzZs8m4I *Jornalista **Foto: Divulgação

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A blitz do establishment contra Lula e o Brasil

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A blitz do establishment contra Lula e o Brasil
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Por Jeferson Miola As oligarquias dominantes ficaram viciadas no padrão obsceno de apropriação do orçamento e dos fundos públicos, e não aceitam viver sem o patamar de pilhagem que se acostumaram depois de derrubarem a presidente Dilma com a fraude do impeachment. O assalto voraz ao butim é um caso de dependência existencial. Com o golpe de 2016 o establishment [i] interrompeu o ciclo de modernização do Brasil com inclusão social iniciado no primeiro governo Lula, em 2003; [ii] rasgou a Constituição Cidadã, e [iii] instituiu o regime brutal de espoliação da renda nacional às custas da austeridade nos gastos sociais. O Teto dos Gastos, equivocadamente substituído pelo Novo Arcabouço Fiscal/NAF pelo atual governo; e a independência do Banco Central, são dois instrumentos fundamentais deste regime turbinado de saqueio. Com o Teto/NAF, o mercado e as finanças se garantem com a apropriação dos superávits que o governo é obrigado a realizar comprimindo o orçamento social e cortando investimentos. E o sequestro da soberania monetária pelo BC confere ao rentismo o poder de definir o quantum quer desviar do Tesouro. A cada 1% da taxa de juros, pelo menos R$ 80 bilhões são retirados do SUS, da educação, dos investimentos e transferidos para o capital financeiro. Só para o pagamento de juros da dívida, em 2023 sangraram do orçamento da União R$ 614 bilhões para encher os bolsos de credores brasileiros e estrangeiros – valor superior aos R$ 578 bilhões dos orçamentos somados dos ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social, que desenvolvem programas que beneficiam dezenas de milhões de pessoas. A torneira por onde jorram recursos orçamentários para os ricos e privilegiados também é abastecida pelas despesas tributárias. Entre benefícios, renúncias fiscais e créditos favorecidos, são 6% do PIB – R$ 646 bilhões– em muitos casos sem contrapartidas ambientais, sociais e de garantia de emprego de parte do empresariado. O céu desabou depois que o governo propôs a Medida Provisória para compensar a perda de 26 bilhões de reais causada pelo próprio Congresso, que impôs a continuidade da desoneração da folha salarial para 17 setores econômicos, causando desequilíbrio nas finanças públicas. Numa blitz bem orquestrada, as finanças, o capital e sua mídia emparedaram Lula com a exigência de cortes que prejudicam a imensa maioria pobre do povo brasileiro para manter intacta a apropriação do orçamento pelos ricos. No receituário, a extinção dos pisos constitucionais da saúde e da educação, o fim da política de aumento real do salário mínimo e da sua vinculação com os benefícios previdenciários pagos. Ao mesmo tempo em que defendem cortes drásticos nos orçamentos para os pobres, não aceitam cortar os gastos tributários e financeiros feitos pelo Tesouro com desonerações, privilégios fiscais, isenções, pagamento de juros altos; itens que em 2023 drenaram mais de 1,2 trilhão de reais dos impostos arrecadados e que foram embolsados por uma minoria rica e endinheirada. O establishment quer continuar a barbárie ultraliberal iniciada com Temer e aprofundada no governo militar com Bolsonaro, por isso continuará sabotando o governo Lula para inviabilizá-lo e, assim, derrotá-lo em 2026. Lula fez uma importante inflexão de discurso e reagiu à ofensiva das oligarquias reafirmando o programa pelo qual foi eleito em outubro de 2022. O PT divulgou nota reforçando a posição do governo e condenando “a forte campanha especulativa e de ataques ao programa de reconstrução do país com desenvolvimento e justiça social”. Como esperado, o establishment respondeu com mais especulação com o dólar, queda da Bolsa de Valores, manutenção da taxa estratosférica de juros e terrorismo econômico. O momento clama por mobilização social para a disputa aberta pela sustentação do governo Lula e seu futuro. A denúncia esclarecedora e o combate político duro foram decisivos para os reveses recentes [e provisórios] impostos à ultradireita no debate sobre o Projeto de Lei do estuprador e a PEC das Praias. A luta política intensa e a radicalização na defesa do governo Lula e do programa eleito é o caminho para enfrentar a ofensiva dos indecentes e indignos que saqueiam o Brasil. *Jornalista **Legenda da Foto: Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva - Autor Ricardo Stuckert/PR *** artigo ampliado de texto para a edição número 47 do Grifo, jornal de humor e política. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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