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Sopa de letrinhas (1)

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Sopa de letrinhas (1)
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Por SOLON SALDANHA* Encontrar alguém que conheça a história da formação, a genealogia, dos partidos políticos brasileiros é achar uma ave rara, destas que só existem mesmo na mitologia. Tivemos, ao longo da nossa história, o surgimento de siglas que não representam ideologia alguma; partidos diferentes que foram fundados por um mesmo grupo político – para dar a impressão de que eram alternativas distintas –; fusões entre legendas que nada tinham em comum umas com as outras; registros sendo cassados; e ainda, nos últimos tempos, alguns que foram fundados apenas com o objetivo de receber recursos do fundo partidário. Mas, nesse emaranhado, vamos ver se é possível acrescentar alguma luz, desatar parte desses nós, a partir de uma pesquisa. Tomando como partida o ano de 1945, quando foi reaberto o Congresso Nacional depois de oito anos fechado, em função do Estado Novo, três partidos foram criados. Getúlio Vargas e seus aliados foram os pais, ao mesmo tempo, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Social Democrático (PSD). Desejavam ser os únicos na disputa dos votos, mas os opositores fundaram a União Democrática Nacional (UDN). Existia ainda o Partido Comunista do Brasil, na informalidade desde 1922. Este pode ser legalizado também em 1945, mas durou apenas dois anos antes de ser cassado. Como sempre foi comum por aqui, a oposição não consegue se unir de modo algum. Assim, com apenas um ano de existência surgiram na UDN dissidências: são de 1946 a Esquerda Democrática (ED) e o Partido Social Progressista (PSP). E em 1947 a ED mudou de nome, virando o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Esse quadro perdura até 1964, mas existiram outras siglas nanicas que pouco ou nada representavam de efetivo. Com o golpe de 1964 e acreditando que tinham o apoio da maior parte da população, os militares permitiram que as eleições marcadas para 1965, quando seriam escolhidos governadores, acontecessem. Só que o resultado não foi o esperado por eles, que amargaram derrotas. A resposta foi o Ato Institucional nº 2, fechando todos os partidos, sem exceção. Depois disso incentivaram a criação de apenas dois, para fazer de conta que existia algum tipo de democracia no país. Para dar apoio formal aos golpistas surgiu a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia em sua maioria ex-integrantes da UDN e do PSD. E a oposição consentida coube ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que foi integrado por membros do PTB e de uma pequena parcela do PSD. A legislação, a bem da verdade, admitia que outros fossem criados, mas exigia como pré-requisito ter o grupo interessado 20 senadores e 120 deputados federais, o que tornava impossível qualquer pretensão. Outra situação esdrúxula é que governadores e prefeitos de todas as grandes cidades eram indicados, não ocorrendo eleição. E o “presidente” da República, que de fato era um ditador em rodízio, ela referendado por um “Colégio Eleitoral” depois de escolhido dentro das Forças Armadas. Com este quadro, os militares faziam vistas grossas e até entendiam ser importante que o MDB tivesse lideranças ótimas nos discursos, desde que pífias em ações efetivas, ao melhor estilo de Pedro Simon e Paulo Brossard de Souza Pinto, para citar os gaúchos. Sintetizando, o bipartidarismo perdurou até 1979, quando aprovaram uma emenda à Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Ela extinguiu os dois existentes e permitiu a criação de novos. A Arena se transformou em Partido Democrático Social (PDS) e o MDB virou Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Mas, esse último, que era um imenso guarda-chuva de tendências, cedeu quadros que se somaram a pessoas que antes não estavam militando diretamente. Assim, renasceu o PTB, mas sem os antigos trabalhistas, numa manobra bem sucedida urdida por Golbery do Couto e Silva – estrategista maquiavélico dos interesses dos militares –; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que então de fato representava os herdeiros de Getúlio Vargas e Leonel Brizola; e o Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1984 ocorre um racha dentro do PDS, quando uma ala ainda mais fisiológica do que o padrão da sigla – sempre acostumada com benesses infinitas do poder – se afastou. Esses, no ano seguinte, fundaram o Partido da Frente Liberal (PFL). Também em 1985 ocorreu a eleição de um presidente civil, com Tancredo Neves vencendo Paulo Maluf, mesmo que ainda dentro do famigerado “Colégio Eleitoral”. Em tese chegava ao fim a ditadura militar, mesmo que o vencedor nunca tenha assumido o cargo, pois faleceu antes da posse. Agora, a explosão da “sopa de letrinhas”, como estou chamando este artigo, de fato foi deflagrada em 1987 e em 1988. No primeiro ano foram registradas nove novas agremiações políticas e no segundo, quando se teve também promulgada a Constituição, outras quatro. Na primeira leva tivemos o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido da Juventude (PJ), o Partido Social Cristão (PSC), o Partido Liberal (PL), o Partido Trabalhista Republicano (PTR), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). No segundo, surgiram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que foi uma dissidência do PMDB, o Partido Verde (PV), o Partido Republicano Progressista (PRP) e o Partido da Mobilização Nacional (PMN). Agora, em 2024, temos nada menos do que 29 partidos políticos que o Tribunal Superior Eleitoral confirma estarem totalmente regulares. Outros dez pedidos de registro estão em análise. E são incontáveis as negativas nas últimas décadas. Não passaram absurdos como Partido Nacional Corinthiano (PNC), Partido Pirata (PP), Partido da Construção Imperial (PCI) e Partido Militar Brasileiro (PMB), entre outros. Se voltarmos bem mais atrás no tempo, encontraremos alguns que existiram de fato e que parecem ficção e não história. Como o Partido Português, cujo objetivo era tornar o Brasil outra vez uma colônia de Portugal; o Partido Liberal Exaltado – os membros eram conhecidos como jurujubas –; e o Partido Liberal Radical. Em um próximo texto voltaremos a explicar como surgiram as legendas que disputaram nossos votos nas eleições municipais do último mês de outubro. Ou seja, a linha do tempo terá prosseguimento partindo de 1989. E, podem acreditar, as coisas ficarão muito mais confusas.   *Solon Saldanha é jornalista e blogueiro. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Congresso e a vontade de dar um troco sobre emendas

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Congresso e a vontade de dar um troco sobre emendas
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RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Brasília Do centro para a oposição, ganha um autógrafo da Velhinha de Taubaté - aquele célebre personagem de Luiz Fernando Veríssimo que acredita em tudo - quem encontrar algum parlamentar que acha que não há dedo do governo federal na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, que endurece a liberação das emendas. Mesmo tendo Dino decidido manter o endurecimento quanto à necessidade de transparência respondendo a um pedido de afrouxamento feito pela Advocacia-Geral da União (AGU). E o sentimento na segunda-feira (9) no Congresso era preparar um troco. Que mais provavelmente deverá afetar a tramitação do pacote fiscal. Mas pode também se estender a outros pontos. Sabatina Em princípio, não deve levar à desaprovação dos nomes dos três diretores do Banco Central que serão sabatinados nesta terça-feira (10). Mas se comenta que recados poderão ser dados. A sabatina não é o primeiro item da pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). LDO Antes, está prevista a apreciação na CAE da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E a grita sobre as emendas poderá acabar por estender a discussão, com discursos irados da oposição no sentido de dizer que o STF está invadindo atribuições do Congresso. Único ponto a avançar pode ser tributária Lira e Pacheco querem deixar reforma como legado | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil   Para além dos recados, a aposta é que os nomes dos diretores sejam aprovados. Mas passando um recado na aprovação do novo diretor de Política Econômica, Nilton Davi. Davi vem do mercado financeiro. Era do Bradesco. E esse ponto faz com que mesmo nomes do PT e do governo torçam um pouco o nariz. A oposição estaria se articulando para aprová-lo como uma votação mais baixa. Mas o grande risco da reação às emendas é mesmo o pacote de ajuste fiscal do governo. Os comentários nos corredores do Congresso eram de que haveria uma disposição de avançar somente com a regulamentação da reforma tributária. Legado Desde a aprovação da Reforma Tributária, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), repete que esse não seria um tema do governo, mas do Congresso. E, nesse sentido, ele e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm interesse de deixar como legado. PECs Lira lembra que a reforma tributária é oriunda de duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que já tramitavam e eram discutidas antes do governo Lula: as PECs 45 e 110. Nesse sentido, então, por mais que interesse ao governo, ele seria resultado do esforço do Congresso. Pacote Já o pacote, esse é claramente do interesse do governo. Daí, a possibilidade de retaliação. Há, porém, aí um ponto que alguns consideram que precisa ser dosado. Não pode o Congresso passar a ideia de que não tem o menor compromisso com as contas públicas. Esforço Isso já apareceu na recente pesquisa que a Quaest fez com o mercado financeiro. Se o governo foi mal avaliado, também o Congresso. Porque não caberia exigir do governo esforços e eles não acontecerem no Parlamento, que não abre mão de um centavo das emendas.   *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade   Artigo originalmente publicado no Correio da Manhã   Foto de capa: CAE pode virar o cenário da insatisfação do Congresso | Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Estudo vincula glifosato com dano cerebral permanente

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Estudo vincula glifosato com dano cerebral permanente
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Breve contato com o herbicida causou prejuízos neurológicos duradouros em ratos de laboratório, dizem pesquisadores. Pesticida é um dos mais usados na agricultura e também um dos mais. Um estudo publicado na quarta-feira (04/12) pela revista científica Neuroinflammation mostra "pela primeira vez" que até mesmo um breve contato com o herbicida glifosato, um dos agrotóxicos mais usados no mundo todo, pode causar danos duradouros ao cérebro. O pesquisador Ramon Velazquez, da Universidade Estadual do Arizona (ASU), e seus colegas, incluindo os do Translational Genomics Research Institute (TGen, um instituto de pesquisa genômica sem fins lucrativos com sede em Phoenix, Arizona), nos EUA, "demonstraram que camundongos expostos ao herbicida glifosato desenvolvem uma inflamação cerebral significativa associada a doenças neurodegenerativas", de acordo com um comunicado sobre o trabalho divulgado pela universidade. O que os cientistas identificaram foi uma associação entre a exposição dos ratos ao pesticida e os sintomas de neuroinflamação, assim como uma piora da patologia semelhante à doença de Alzheimer, morte prematura e comportamentos semelhantes à ansiedade. A análise da presença do glifosato e do impacto dos derivados da substância no cérebro muito tempo após o término da exposição revelou "vários efeitos persistentes e prejudiciais à saúde do cérebro". A pesquisa também mostrou que um subproduto do glifosato, o ácido aminometilfosfônico, se acumula no tecido cerebral, levantando sérias questões sobre a segurança do produto químico para os seres humanos. Níveis de exposição Os experimentos foram realizados durante 13 semanas, seguidos por um período de recuperação de seis meses, em camundongos normais e transgênicos (com doença de Alzheimer), e os cientistas testaram dois níveis de exposição ao glifosato: uma dose alta, em um nível semelhante ao usado em estudos anteriores, e uma dose mais baixa, próxima ao limite considerado para determinar a dose aceitável para humanos. Essa dose mais baixa também causou efeitos prejudiciais no cérebro dos ratos, mesmo meses após a exposição. "O glifosato causou um aumento persistente nos marcadores inflamatórios no cérebro e no sangue, mesmo após o período de recuperação." "Nosso trabalho contribui para a crescente literatura que destaca a vulnerabilidade do cérebro ao glifosato", diz Velazquez, citado no comunicado à imprensa. "Dado o aumento da incidência de deficiência cognitiva na população idosa, especialmente em comunidades rurais onde a exposição ao glifosato é mais comum devido à agricultura em larga escala, há uma necessidade urgente de mais pesquisas básicas sobre os efeitos desse herbicida", acrescenta. Regulamentação nos EUA e na UE A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) considera a exposição a determinados níveis de glifosato segura para os seres humanos, afirmando que o corpo humano absorve minimamente o produto químico e o excreta predominantemente sem alterações. Foto: Dong Naide/Utuku/ ROPI/picture alliance   Há um ano, com base em um relatório da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), a Comissão Europeia decidiu renovar a aprovação do uso do herbicida glifosato na União Europeia (UE) por 10 anos (até 2033), embora com novas condições e restrições, como a proibição do uso antes da colheita. A EFSA não identificou nenhuma área crítica de preocupação e também concluiu que não há evidências de que o herbicida mais amplamente utilizado seja carcinogênico. Preocupação científica No entanto, de acordo com o comunicado à imprensa da Universidade Estadual do Arizona, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde classifica o glifosato como "possivelmente cancerígeno para humanos". Os trabalhadores agrícolas são mais expostos ao glifosato por inalação ou contato com a pele, mas devido ao seu uso generalizado, o produto químico é encontrado em toda a cadeia alimentar. "Minha esperança é que nosso trabalho estimule mais pesquisas sobre os efeitos da exposição ao glifosato, o que poderia levar a um reexame de sua segurança a longo prazo e, talvez, desencadear um debate sobre outras toxinas predominantes em nosso ambiente que podem afetar o cérebro", diz Samantha K. Bartholomew, do Velazquez Laboratory for Neurodegenerative Diseases e principal autora do estudo. md (Lusa, DW, ots)   Publicado originalmente em DW. Foto de capa: Leonid Eremeychuk/PantherMedia/imago-im Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Lula se recupera bem após cirurgia no cérebro, mas segue sob observação

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Lula se recupera bem após cirurgia no cérebro, mas segue sob observação
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Da REDAÇÃO, com informações d'O Globo* O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 79 anos, foi submetido a uma cirurgia na madrugada desta terça-feira (10) para drenagem de um sangramento no cérebro. O procedimento foi realizado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após uma ressonância magnética em Brasília detectar uma hemorragia intracraniana. O estado de saúde do presidente é estável, segundo a equipe médica. De acordo com o cardiologista Roberto Kalil, Lula já está acordado, conversa normalmente e se alimenta bem. Apesar da gravidade inicial, não houve comprometimento cerebral. “Ele evoluiu bem, encontra-se estável e deverá ficar em observação nos próximos dias”, disse Kalil. O presidente permanecerá na UTI por cerca de três dias e, após esse período, deve seguir com um dreno por 48 a 72 horas para a remoção completa do sangramento e secreções. Detalhes do procedimento O neurocirurgião Marcos Stavale explicou que a cirurgia, conhecida como trepanação, consistiu em pequenas perfurações no crânio para remover o hematoma localizado entre o cérebro e a membrana dura-máter. “A cirurgia durou em torno de duas horas. O sangramento foi removido, o cérebro está descomprimido e com funções neurológicas preservadas”, afirmou Stavale. [caption id="attachment_16814" align="alignnone" width="300"] Marcelo Camargo/Agência Brasil[/caption] Segundo o neurologista Rogerio Tuma, o sangramento foi uma complicação tardia do acidente doméstico sofrido por Lula em 19 de outubro, quando bateu a cabeça. Na ocasião, um primeiro sangramento havia sido absorvido pelo corpo, mas um segundo ocorreu durante o processo de recuperação. Transferência urgente para São Paulo Após sentir indisposição e fortes dores de cabeça na noite de segunda-feira, Lula foi levado inicialmente à unidade do Sírio-Libanês em Brasília, onde foi submetido a exames. A decisão de transferi-lo para São Paulo foi tomada após avaliação médica detalhada. A infectologista Ana Helena Germoglio, que acompanhou o presidente durante o trajeto, destacou que ele permaneceu lúcido durante todo o voo. A primeira-dama, Janja da Silva, esteve ao lado de Lula durante todo o processo. Segundo o colunista Lauro Jardim, assessores próximos do presidente descreveram a transferência como uma “operação de guerra” pela urgência e precisão com que foi conduzida. Previsão de alta e próximos passos A expectativa é de que Lula permaneça internado até o fim da semana e retorne a Brasília no início da próxima. Boletins médicos diários serão divulgados com autorização do Palácio do Planalto para manter o público informado sobre sua recuperação. * Com informações d'O Globo, do colunista Lauro Jardim Fotos:  Marcelo Camargo/Agência Brasil      

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Mercado quer inviabilizar Lula

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Mercado quer inviabilizar Lula
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Por JEFERSON MIOLA* O mestre Luiz Gonzaga Belluzzo ensina que “o mercado não é uma instância técnica do capitalismo, é uma instância de poder”. É por isso que, na visão dele, o terrorismo financeiro em reação ao anúncio das medidas de ajuste do governo representa o “exercício do poder do mercado”. Agem como abutres rondando a carniça. Belluzzo concorda que o “principal objetivo é inviabilizar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva” [entrevista ao Boa Noite do 247]. Dentre as medidas de ajuste anunciadas pelo governo, aquelas que incidem sobre o Salário Mínimo, BPC, Abono Salarial, Bolsa Família e FUNDEB [educação integral] representam, somadas, o montante de 199,2 bilhões de reais cortados entre 2025 e 2030. Esta cifra, obtida com medidas que atingem sobretudo as pessoas mais pobres e as áreas sociais do orçamento, representam 61% dos cortes planejados pelo governo para este período, e que totalizam 327 bilhões de reais. Com emendas parlamentares, Fundo Constitucional do DF, subsídios e subvenções, Lei Aldir Blanc, biometria, criação de cargos e com DRU o governo pretende reduzir outros R$ 121,8 bilhões [37%]. E os privilégios dos militares serão reduzidos em apenas R$ 6 bilhões, menos de 2% do total. A proposta de isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil precisa ser compensada com uma tributação mínima de super-ricos. Com ela o governo busca neutralizar o desgaste político causado pela desaceleração da política de valorização do salário mínimo e seus impactos negativos na distribuição de renda. O problema, porém, é que enquanto os efeitos sobre as aposentadorias, pensões, BPC, Abono Salarial já valerão a partir de 2025, a isenção de IR só entrará em vigor em 2026 – desde, contudo, que o Congresso aprove a tributação dos super-ricos, o que não é garantido. Apesar dos impactos do pacote centralmente sobre os setores que conformam a maioria do eleitorado lulista e podem abalar a popularidade do Lula, o mercado exige mais. Quer obrigar o governo a abrir novos espaços orçamentários com cortes radicais nas áreas sociais para aumentar a rapinagem via juros. O mercado não aceita o menor esforço de justiça tributária. Só aceita fazer terra arrasada das conquistas populares como os pisos constitucionais do SUS e da educação, o seguro-desemprego, o ganho real do salário mínimo, a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. O ajuste que o governo se obrigou a fazer é uma consequência do pecado original cometido pelo próprio governo ao adotar o Novo Arcabouço Fiscal em substituição ao Teto de Gastos, uma amarra rígida e contracionista muito criticada por renomados economistas. A trava que o governo se auto-impôs com a regra fiscal draconiana funciona, agora, como arma poderosa do rentismo para sabotar e desestabilizar o governo com terrorismo financeiro. Bolsonaro estourou o Teto de Gastos em 795 bilhões de reais com a condescendência do mercado e sem enfrentar a brutal crise especulativa produzida neste momento. Com Bolsonaro o Banco Central não cumpriu a meta de inflação em 2021 e 2022, mas o mercado não fez nenhum escarcéu, e Campos Neto não foi exonerado por “desempenho insuficiente”, como prevê a Lei de autonomia do Banco Central [art. 5º da Lei 179/2021]. Para provocar o caos, especular com o dólar e aumentar ainda mais os juros, o mercado cria um clima artificial de descalabro que, no entanto, contrasta com a realidade fiscal e econômica do Brasil. O PIB cresce mais de 3% ao ano, o país tem o nível mais baixo de desemprego, a inflação está dentro da meta, cresce o comércio externo e as receitas públicas, e as reservas são de mais de 350 bilhões de dólares. O Brasil tem um dos menores déficits fiscais dentre as principais economias do planeta. E uma relação dívida/PIB mais confortável que a maioria dos países, mesmo tendo legado de Temer e Bolsonaro um comprometimento de 80% do PIB com a dívida pública, que eles receberem de Dilma na proporção de menos de 40%. O alvoroço criado pelo mercado tem motivação política e de pilhagem econômica; não tem nenhum amparo na realidade fiscal e econômica do país. As oligarquias dominantes e sua mídia fazem de tudo para sangrar Lula. A aposta de hoje no caos financeiro cobre o jogo eleitoral de 2026, por isso querem asfixiar o governo Lula, inviabilizá-lo programaticamente para assim tentarem derrotá-lo na eleição com um extremista envelopado com o rótulo de falso-moderado.   *Jeferson Miola é jornalista. Texto originalmente publicado no blog do autor.: Gonet na eleição – jeferson miola (wordpress.com) Foto de capa:  Nani-humor Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.            

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O triunfo da irracionalidade

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O triunfo da irracionalidade
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Por CELSO JAPIASSU* Atualmente muito citada, por conta do seu conceito da banalidade do mal, a filósofa Hannah Arendt definiu em ‘As Origens do Totalitarismo’ a transformação das sociedades de classes em sociedades de massas. Nas sociedades de classes os eleitores votavam de acordo com os seus interesses ao passo que nas sociedades de massas os interesses diretos de classe foram substituídos por confusas ideologias que são difundidas e exploradas por políticos demagogos. A União Europeia, fundada sobre valores humanistas, enfatiza nos seus princípios o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia e a igualdade.  Dá destaque ao Estado de direito e o respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Por isso não causa surpresa que Viktor Orban e o seu governo de extrema direita na Hungria sejam vistos como um elefante na sala, um fator de desequilíbrio e mal-estar na afirmação política do continente. Orban Viktor, na forma nativa do seu nome, é o líder do partido de extrema direita Fidesz (em húngaro Fidesz – Magyar Polgári Szövetség – União Cívica Húngara). Foi fundado em 1988 sob a bandeira do anticomunismo e de uma ideologia liberal. Assumiu as cores fascistas com a chegada de Orban à sua liderança e hoje é o maior partido político da Hungria. Faz campanha contra os imigrantes e as minorias, embora venha admitindo a chegada de trabalhadores estrangeiros em face da crise de mão de obra num país que envelhece e assiste à diminuição da sua população. É um partido eurocético, o que significa ser contra a união da Europa. O crescimento da extrema direita na Hungria, cavalgado por Orbán e o seu partido, é comumente explicado pelas feridas não inteiramente cicatrizadas dos quarenta anos vividos pelo país num regime comunista de corte stalinista. O Fidesz tem 133 deputados num parlamento composto de 199 representantes.   Sucesso eleitoral Orbán é grande amigo de Jair Bolsonaro e seus filhos e alinha-se com todos os outros líderes de extrema direita na Europa, como o italiano Matteo Salvini, a francesa Marine Le Pen, o português André Ventura e os alemães Jörge Meuthen e Tino Chrupala, do AfD-Alternativa para Alemanha. Juntos, pretendem reunir numa força única toda a extrema direita que hoje existe nos vários países europeus. A nova lei eleitoral aprovada pelo parlamento com maioria do Fidesz, a falta de tradição democrática e a divisão de uma oposição que recusa a se unir têm sido a explicação para o sucesso eleitoral do extremismo de direita. Até os ciganos, que constituem uma minoria segregada e oprimida pelo regime, votaram em sua maioria em Orbán. Assim como também as classes mais pobres. Como seria possível votar contra os próprios interesses? Atualmente muito citada, por conta do seu conceito da banalidade do mal, a filósofa Hannah Arendt dá a resposta quando define em As Origens do Totalitarismo a transformação das sociedades de classe em sociedades de massas. Nas sociedades de classes os eleitores votavam de acordo com os seus interesses ao passo que nas atuais sociedades de massas os interesses diretos de classe foram substituídos por confusas ideologias que são difundidas e exploradas por políticos demagogos. Jean Baudrillard, filósofo francês, define a massa. Ela não tem energia própria. Toma a forma que lhe é dada por quem a manipula. Ele vê na massa um corpo de amortização de forças políticas e sociais, um corpo que absorve “toda a eletricidade do social e do político e as neutraliza, sem retorno.” O conformismo é um dos pilares essenciais das sociedades de massa. O tipo de político que Orbán, Bolsonaro e Trump representam não possui realmente qualquer ideologia, a eles interessa apenas aumentar o seu poder. E suas falas dirigem-se principalmente aos seus seguidores que constituem a massa por eles manipulada.   Provocações e discriminação Orbán tem um histórico de provocações aos fundamentos da União Europeia. Do afastamento da Hungria dos princípios da democracia e do estado de direito à violação dos direitos das minorias, tem criado constante mal-estar na comunidade dos 27 países, como no caso do fechamento de jornais e universidades críticos ao seu governo. A última da sua série de violações foi a aprovação de uma lei discriminatória dos direitos das comunidades LGBTQ, com a proibição de qualquer referência ao assunto na imprensa e nas escolas até a idade de 18 anos. A motivação seria a de deixar aos pais a liberdade de escolher os valores de como educar os filhos. A lei é discriminatória ao induzir a ideia de que a homossexualidade se transmite por contágio e pela alusão à pedofilia. Numa reunião do Conselho da Europa, o chefe do governo de Luxemburgo, Xavier Betel, que se assume publicamente homossexual disse diretamente a Orbán: “Eu não escolhi ser gay. Mas sou gay. É o que eu sou. A minha mãe odeia que eu seja gay, e eu tenho que viver com isso. Mas há muitos jovens gay que não conseguem viver com isso e cometem suicídio. E tu vens agora dar força à estigmatização e à discriminação de jovens LGBTIQ com esta lei. É muito mau. É terrível. Trata-se de direitos básicos, do direito de ser diferente”. Mark Rutte, o primeiro-ministro dos Países Baixos, disse não ter memória de uma sessão semelhante, com os líderes abertamente lançados ao ataque contra um dos membros. E sugeriu que a Hungria abandonasse a União Europeia. Os direitos e a liberdade individual estão na base das democracias, que não permitem a discriminação étnica, política, religiosa, de gênero ou qualquer outra. Um conjunto de valores democráticos e liberais são o fundamento mais sólido da integração europeia. Orbán diz defender os valores cristãos, que seriam os verdadeiros valores europeus. Prega o que chama “uma democracia iliberal” e acusa de traição a centro-direita originária da democracia-cristã. Sabe que não está sozinho, tem a companhia dos partidos populistas da extrema-direita europeia, o que lhe permite afirmar: “Os tempos mudaram e se, há 30 anos, nós acreditamos que a Europa era o nosso futuro, hoje compreendemos que somos nós o futuro da Europa”.   Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número  (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Foto de capa:  Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.                      

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