Educação

Por Mais Paulo Freire Nas Escolas

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Por Mais Paulo Freire Nas Escolas
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“POR CÁTIA CASTILHO SIMON* A educação tem sentido porque mulheres e homens  aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem”, Paulo Freire. Em meados de outubro do corrente ano participei do Seminário Boas Práticas Pedagógicas, promovido pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS, coordenada pela Deputada Estadual do PT, Sofia Cavedon. Fui convidada a mediar uma mesa que tratava de atividades que envolviam livro e literatura nas escolas estaduais. Um dos relatos foi da EMEF Milton Alves de Souza - Sarandi- “Cartas da Paz:  o relato de uma linda história” com autoria de Fernanda Damiani Pinto e da secretária de Educação, Loreni Lucia Pasquetti Ortollan. A proposta de trabalho partiu da leitura de "Cartas a Povos Distantes", do escritor pernambucano Fábio Monteiro. O referido livro sensibilizou os alunos do 8º ano (2022) e 9ª ano (2023) levando-os a buscar conhecer outras vivências fora do país. A professora não pode comparecer ao encontro e enviou um vídeo compartilhando os passos do projeto de trabalho, bem como sua alegria por ver os alunos conectados com princípios caros ao desenvolvimento humano, entre eles a empatia, a solidariedade. O relato de experiência da troca de cartas do encontro, imediatamente, me lembrou uma linda ação desenvolvida por duas professoras da RME de Porto Alegre, em meados dos anos 90, na administração popular do PT.  Jane Mari de Souza e Ana Claudia Sousa Zatt publicaram o livro Mapas da Cidade – autoria, identidade e cidadania (1999), cartas trocadas entre alunos e as professoras das escolas Marcírio Goulart Loureiro, na Vila Nova e Gilberto Jorge, bairro Ipanema visando conhecerem-se mais e também a cidade em que viviam. Em ambas as experiências estão evidenciadas a necessidade de ouvir e olhar outros e outras, e buscar conexões. A literatura, o respeito ao diferente podem ser catalisadores dos melhores sentimentos. Lembro da minha transição para a adolescência ao ler Anne Frank e sucumbir. Um livro pode ser um divisor de águas, e sobre eles os reacionários e fascistas agem. Vários relatos do encontro reafirmaram a importância do livro e da literatura desde a tenra infância, alcançando até mesmo pessoas privadas de liberdade física. Não bastassem as limitações econômicas que fazem do livro quase um objeto de luxo aos professores/as, alunos/as e às escolas, ainda lidavam com o fato das escolas estaduais terem suas bibliotecas fechadas pelo atual governador, Eduardo Leite. Disseram todos e todas, no encontro, que não desistiriam de reverter tal situação. Chegamos ao final da manhã convictos da necessidade de mais Paulo Freire nas escolas para espraiar construções de autonomia e cidadania. Foi consenso entre os relatores quanto à mudança que a leitura provoca nos alunos ampliando sonhos e horizontes. Apuraram também o desejo constante dos alunos e professores por mais livros, levando-os a buscar obras diversas e desafiadoras. Saí feliz da atividade, constatei a firmeza dos objetivos voltados para o desenvolvimento da autonomia e da cidadania, nos moldes freireanos.  Ficou evidente o quanto aqueles grupos de trabalho estavam comprometidos com a realidade que os envolvia. Assumiam uma postura contra aquilo que Freire chamou de “ideologia fatalista”, compreendiam o processo socioeconômico e mostravam clareza quanto aos princípios e conceitos a serem trabalhados no cotidiano escolar. Priorizar a educação, a cultura é escolher a mudança  frente  à  inércia,  é  ter  esperança  em  tempos  obscuros,  é iluminar caminhos que dissiparão  o sonambulismo e apatia social. Encontros como estes desmentem os fatalistas, a realidade pode mudar pela ação consciente e cidadã de protagonismos na educação e na cultura.   *Cátia Castilho Simon é professora aposentada  RME/Porto Alegre,  escritora e poeta. Foto de capa: Cranchi/Estadão Conteúdo/Arquivo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Cultura

Programas – de 8 a 15 de novembro

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Programas – de 8 a 15 de novembro
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* O programa é refletir no que escreve sobre a eleição norte-americana o jornalista Jamil Chade, correspondente em Genebra da BBC, Al Jazeera, The Guardian, El País e France 24, entre outras mídias: “Humilhados por um sistema econômico cruel, eleitores compraram uma mentira. Mas também sinalizaram que não suportam mais serem ignorados. Enxergam em Trump o anti-herói que supostamente enfrentou as maiores injustiças do sistema e, ainda assim, resistiu.” Chade relata: “(…) Percorri os bairros mais pobres da bilionária cidade de Nova York apenas para constatar a dimensão da pobreza e o colapso da ideia do sonho americano, espécie de mito fundador da atual sociedade nos EUA.” A líder do Partido Verde norte-americano, médica Jill Stein, foi a única a declarar, na campanha presidencial, que acabaria com o genocídio em Gaza no seu primeiro dia de presidência, limitando a entrega de armas a Israel. “Não apenas o genocídio deve parar, mas também a ocupação,” repetia a médica Stein. Ele teve 623 mil votos. Percentagem de 0,4% do eleitorado. Programa: refletir o que escreve o ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro Tarso Genro, concluindo o seu artigo com o título Donald Trump e o novo espírito do povo: “O novo mundo que nos espera está tanto longe da utopia farsante do ‘modo de vida americano’, como das ideias da democracia social, erguidas heroicamente no século passado.” No próximo dia 18, Ato Nacional em defesa da Palestina. Na véspera, partem de Brasília caravanas de ônibus para o Rio de Janeiro. É o “apoio da classe trabalhadora ao povo palestino na luta contra o imperialismo durante a cúpula do G20,” como observam militantes do Partido da Causa Operária, responsável pela iniciativa. Dia 29 deste mês, outra manifestação: essa, em Columbus Circle, em Nova Iorque, às 14 horas. Vai reforçar o Dia Internacional da Solidariedade com o Povo Palestino instituído pela ONU. O lema: “We refuse to be silent”. Recusamos o silêncio. A bebê brasileira Fátima Abbas, com cerca de um ano de idade, morta em bombardeio de mísseis israelenses no subúrbio de Hadeth, sul de Beirute, aguardava a repatriação ao Brasil junto com a família. Fatima, a mãe e o pai foram atingidos e mortos por estilhaços. A guerra em Gaza é uma guerra contra a memória palestina”, diz o escritor e sobrevivente Atef Abu Saif, ex-ministro da Cultura da Autoridade Palestina, autor de um dos livros mais vendidos na Flip, este ano. “É uma guerra contra a nossa cultura, nossa narrativa dos fatos e acontecimentos.” Intitulado Quero estar acordado quando morrer, o volume é um dramático relato sobre os primeiros dias do bombardeio na Faixa de Gaza, onde Saif se encontrava em visita de trabalho e na companhia do filho. Saif nasceu em Jabalia e vive na Cisjordânia com a família. (Livro da Editora Elefante). No Dia Mundial do Urbanismo, 08 de novembro, será apresentado no Canal Brasil o documentário Favela do Papa, de Marco Antônio Pereira, às 21hs. O filme retrata a resistência dos moradores da Favela do Vidigal, na Zona Sul do Rio, contra a ordem de remoção imposta pelo governo estadual na década de 1970, durante a ditadura civil-militar. Recém-lançado esta semana, na 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, o volume Engasgos, da jornalista, poeta e ativista cultural Melina Guterres. Trata-se de uma coletânea de poemas de protestos sobre temas da nossa época. Poemas-manifestos, poemas políticos e poemas-denúncias, observa a psicanalista e escritora Taiasmin Ohnmacht na apresentação do livro. Vladimir Putin, na mais recente reunião do Clube Valdai de Discussões Internacionais, na Rússia, ontem, dia 07: “Estamos destinados a viver uma era de mudanças radicais e a participar de processos cada vez mais complexos. Uma nova ordem mundial está sendo construída sob nossos olhos; a velha ordem mundial ficou para trás.” Dois autores baianos entre os finalistas do Prêmio Jabuti, categoria Literatura, que será conhecido no próximo dia 19: Mata Doce, de Luciany Aparecida (Editora Alfaguara), e Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Júnior (Ed. Todavia). Os outros finalistas são Jogo de Armar, de Edgard Telles Ribeiro (Todavia), Meu irmão, eu mesmo, de João Silvério Trevisan (Alfaguara), e Nunca vou te perdoar por ter me obrigado a te esquecer, de Jacques Fux (Ed. Faria e Silva). Parque Nacional da Tijuca é o novo livro do fotógrafo Vitor Marigo com lançamento previsto para amanhã, sábado (9/11), às 10h30, no Parque da Catacumba. Na ocasião, o fotógrafo inaugura a mostra A maior floresta urbana do planeta, em cartaz até 08 de dezembro, com 60 imagens do livro em diversos tamanhos. Programa importante para anotar: o livro Democracia na Encruzilhada – O Brasil no Governo Lula, do professor e sociólogo Liszt Vieira, será lançado dia 18, às 19 horas, na livraria Travessa, no Leblon. O prefácio é do deputado Chico Alencar. (Ed. Garamond). Um dos melhores programas da semana é a série Encontros com o Cinema Africano, de 28 minutos cada um dos cinco episódios, que acaba de estrear na TV Brasil, no horário das 23h30. Filmes do célebre e premiado Abderrahmane Sissako, da Mauritânia; do etíope Haile Gerima, da estadunidense Shirikiana Aina, além de trabalhos de diretores de Moçambique, Angola e Cabo Verde. Outro: Política e Marxismo – Modos de usar, do cientista político Luis Felipe Miguel, sobre a importância do marxismo na análise da política. Abordados também temas relacionados aos debates e às controvérsias atuais de correntes de esquerda sobre as políticas de identidade. (Ed. Boitempo). Atenção para a Feira do Livro da USP, acontecendo em São Paulo até domingo, dia 10. Oferece 50% de desconto na venda de livros de nada mais nada menos do que 20 editoras e é realizada pela Editora da Universidade de São Paulo, a Edusp. Na Cidade Universitária, Zona Oeste da capital paulista. É aproveitar. E mais um excelente programa paulistano: de 13 a 24 desse mês, a 10ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo, na Cinemateca Brasileira. O maior estúdio cinematográfico da Rússia comemora cem anos de existência com a produção de cerca de 2.500 longas-metragens. Entre as novidades, além de Asas, filme de estreia, Os Sinos da Noite (1973), drama de Vassily Shukshin, um retrato da alma russa; Minin e Pozharsky (1939), de Pudovkin e Mikhail Doller, um dos raros filmes sobre a invasão da Polônia à Rússia em 1911-12; o histórico A Greve (1924), de Eisenstein; e Noites Brancas (1959), uma adaptação de Ivan Pyriev para o romance de Dostoievski. No Rio de Janeiro, o programa é o Festival LivMundi 2024 promovendo a vida sustentável na Zona Norte da cidade durante todo o dia de amanhã, sábado, 9. Na Arena Dicró, na Penha, com feira de artesanato, oficinas, shows de música (Baile do Rabisca e Passinho Carioca entre outras atrações) e até uma inusitada e necessária feira de empregos. Perdemos um dos mais importantes fotojornalistas do seu tempo, Evandro Teixeira, de 88 anos, baiano de Irajuba. Evandro registrou com mestria, em preto e branco, os principais acontecimentos políticos do país na segunda metade do século 20. Trabalhamos juntos, durante décadas, às vezes cobrindo memoráveis partidas de futebol no estádio do Maracanã, com o colega me ensinando a operar uma máquina de fotografia nova. Vai em paz, grande e generoso Evandro. c *Léa Maria Aarão Reis é jornalista. Ilustração de capa: Marcos Diniz Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.   .    

Internacional

O Imperialismo Democrata, o Voto Castigo em Trump e o Escroque Reconduzido ao Poder

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O Imperialismo Democrata, o Voto Castigo em Trump e o Escroque Reconduzido ao Poder
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Por BRUNO LIMA ROCHA* Como observamos em outros momentos, os limites de governos liberal democratas com tímidas políticas de corte social-democrata estão cada vez mais visíveis. No caso dos EUA, para seu público doméstico, o Partido Democrata perdeu onde jamais perdera desse jeito, de forma tão escancarada: no voto sindical. A central estadunidense AFL-CIO, não tirou apoio para Kamala Harris. Tampouco tiveram prévias na interna, sendo Biden candidato para a reeleição por uma canetada. No início do governo Obama - no primeiro semestre de 2009 - a Superpotência vivia a dor de cabeça pós "farsa com nome de crise" da quebradeira do sistema financeiro através da especulação imobiliária e a venda de derivativos tóxicos. Ocorreram então dois fenômenos. Barack Hussein (sim, Hussein, de origem paterna, um economista queniano com família islamizada) tentou promover uma inflexão econômica e deixou como legado, além da criação de empregos precários (tal como Biden), o ObamaCare, um sistema de saúde menos cruel. No plano de repressão interna, seus oitos anos foram campeões de deportação de imigrantes ilegais (mais de 85% de origem latino-americana) e também, construiu a nova política imperial da Lawfare, o famigerado Projeto Pontes, que deu origem na Lava Jato. Com essa ferramenta e acessórios, obteve vitórias importantes contra nós, nosotros y nosotras da América Latina: junho de 2009, golpe de Estado em Honduras; junho de 2012, golpe de Estado no Paraguai e abril de 2016, golpe de Estado no Brasil. Tem mais, em novembro de 2015 Mauricio Macri ganha na Argentina alimentado por uma Operação de Lawfare, através de um operador sionista e da CIA, o procurador Alberto Nisman. Curiosamente este apareceu "suicidado" em janeiro daquele mesmo, em seu apartamento em Puerto Madero, Buenos Aires capital. Democrata ou Republicano, o Império é imperialista com os outros, especialmente com o chamado Sul Global. E a projeção de poder para a América Latina não para. A diferença é que os estadunidenses, incluindo o voto afro-americano e latino, resolveram punir ao Partido Democrata por sua timidez e platitude elitista. A "punição é o sofrimento coletivo" elegendo novamente um escroque, criminoso e canalha para sentar na cadeira de presidente do país que ainda é o mais poderoso do mundo.   *Bruno Lima Rocha  é jornalista, cientista político e professor de relações internacionais; é membro do ICCEP / O Coletivo, editor do programa Oriente Médio em Revista, colunista. Foto de capa: Reprodução/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Eleições

Identitarismo, minorias e derrotas eleitorais

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Identitarismo, minorias e derrotas eleitorais
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Por LUIS FELIPE MIGUEL* A Folha publicou charge de Laerte sobre as eleições nos Estados Unidos. Mostra um grupo de defensores de “minorias” com cartazes em defesa de suas pautas — mulheres, negros, LGBTs e pregadores da liberação da maconha. Na frente deles, um apoiador de Kamala Harris, um homem branco provavelmente de meia idade, diz, irritado: “Viu o que vocês fizeram?” O recado é claro: a crítica à deriva identitarista é errônea. Tanto serve para apresentar uma desculpa fácil para a derrota, um bode expiatório, quanto faz com que lutas emancipatórias importantes, como as vinculadas ao combate ao sexismo, racismo e homofobia, sejam secundarizadas. Colocada a questão desta forma, Laerte tem razão. Mas, ao mesmo tempo, nessa charge (ao contrário, inclusive, de outros trabalhos seus) ela parece reduzir toda a crítica a essa caricatura. É um estratagema que vem sendo utilizado por parte da esquerda que está incomodada com a crescente oposição ao identitarismo — como se essa oposição representasse uma nostalgia da velha política que hierarquizava unilateralmente as agendas e desprezava as lutas contra múltiplas formas de opressão social: a postura do “esperem, que o socialismo vai resolver isso” (sendo “isso” a dominação masculina, o racismo etc.). Claro que não há sentido em voltar atrás na visibilização e na autonomização das múltiplas agendas emancipatórias. Mas é possível (e necessário) criticar o “identitarismo” sem recusar a relevância das lutas contra as opressões vinculadas a diversos marcadores de identidade existentes no mundo social. O primeiro ponto, que precisa sempre ser reiterado, é este: o “identitarismo” criticado não é a luta que tantos grupos travam por direitos, por respeito, por dignidade. Essa luta é essencial e faz parte de qualquer projeto de sociedade renovada. O “identitarismo” é uma maneira específica de enquadrá-la que, em resumo: Faz de cada identidade uma “essência”, negando o caráter histórico e conflitivo de sua fixação; Recusa a possibilidade de diálogo e construção coletiva, isolando cada um em seu grupo fechado e reificando o pertencimento a esse grupo; e Objetiva uma acomodação na ordem (neo)liberal, com a abertura de nichos de privilégio para uns poucos integrantes do grupo dominado e a evasão de qualquer enfrentamento mais sério com as estruturas do capitalismo. (Estou falando aqui do identitarismo sério, por assim dizer, não dos muitos picaretas e oportunistas que surfam na onda com suas performances lacradoras e “epistemologias” de ocasião, interessados apenas em promoção pessoal e monetizações de um ou outro tipo.) É claro que a causa da derrota de Harris (ou de Boulos, mas aí a discussão seria mais complexa) não foi o identitarismo. O verniz identitário, porém, permite que uma candidatura se coloque como “progressista” sem tocar em questões centrais vinculadas à economia política, à exploração do trabalho ou ao colapso climático, por exemplo. O resultado é um apego desproporcional a pautas de nicho, que alimentam as batalhas culturais de uma parcela diminuta da classe média com formação universitária — e nada mais. O que me leva ao segundo ponto: a charge de Laerte dá a entender que a campanha de Harris realmente concedia voz às reivindicações dos grupos representados no protesto. Será? Pode ser bacana receber o apoio de Beyoncé, que chega em seu jatinho particular e encarna a mulher negra “empoderada”, mas o que isso serve à mão de obra superexplorada, em grande medida feminizada e racializada, das grandes empresas — algumas delas, aliás, que ostentam a diva pop como garota propaganda? Isso reforça a posição da extrema-direita, que parece tratar de questões urgentes – ainda que só apresentando respostas ilusórias. Como disseram alguns analistas da política estadunidense, Trump avançou no eleitorado latino, mesmo com seu racismo inequívoco, porque o tratou como trabalhadores, ao passo que os democratas tendiam a tratá-lo como grupo identitário. Sim, o problema da campanha de Harris não foi seu excessivo identitarismo. Foi a ausência de um projeto capaz de falar, minimamente que fosse, à multidão de perdedores da “América”. Trump falou a eles — mentiras, mas falou. Mas os democratas tentaram mascarar sua falta de qualquer projeto transformador com os atributos identitários da candidata. A charge de Laerte, aliás, não coloca nenhum trabalhador no conjunto de grupos a serem representados pela candidatura de Harris. (Também não há referência à questão ambiental nos cartazes levantados, muito menos à questão palestina.) É significativo — a deriva identitária serve ao apagamento da luta de classes. Mas sem ela, isto é, sem o combate ao império cada vez mais avassalador do capital sobre todo o mundo social e também natural, qualquer avanço nas pautas emancipatórias será superficial e ilusório, qualquer democracia será pífia e a destruição do planeta, imparável. *Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros livros, de Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp 2014), Foto de capa: Charge de Laerte publicada na edição de 7 de novembro de 2024 da Folha de S. Paulo. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Internacional

Eleição de Donald Trump

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Eleição de Donald Trump
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Por LINCOLN PENNA* Quando estive no exterior em 1968 fui indagado sobre as eleições nos Estados Unidos, que estava em curso. Naquele ano, disputavam a presidência três candidatos, a saber: o republicano Richard Nixon, o democrata Hubert Humphrey e o independente George Wallace. Na ocasião e diante de uma indagação que me fora feito de supetão respondi que eram todos representantes de um sistema eleitoral, cuja escolha dos eleitores de cada estado obedecia menos aos eventuais programas a distingui-los do que o que cada um deles possuía de familiaridade com o perfil norte-americano. Em outras palavras, todos integravam grupos de poder econômico e político. Logo, a opção do eleitor médio, aquele que não segue rigorosamente partidos políticos ou tendências que embalam os debates, costuma prevalecer. Evidentemente, situações de extremas incertezas como os que se passaram por ocasião da Grande Depressão, de 1929 a 1933/34, que emponderou o presidente Franklin Roosevelt, pode vir a dar mais consistência a alguma liderança política. Fora isso, não existiu historicamente candidaturas que questionassem as estruturas do país. As mais progressistas (liberais para os padrões definitórios dos analistas políticos daquele país) sempre foram rejeitadas. Contudo, há os que julgam que exista duas questões que definiriam as diferenças entre os dois grandes partidos que disputam a preferência dos norte-americanos: a política interna, especialmente a de direitos sociais, mais cara aos democratas; e, a política externa, que tem sido sinalizada por um maior intervencionismo também por parte dos democratas. Nessa eleição, em particular, tanto a política interna quanto a externa, com as filigranas de sempre, favoreceram os republicanos. A questão econômica afetou como sempre os mais vulneráveis, e Trump e seus marqueteiros souberam tirar proveito dessa situação fartamente presente ao longo da campanha eleitoral. No que diz respeito à política externa os gastos militares do governo democrata de Biden nos conflitos que têm se efetivado em algumas partes do mundo, particularmente na defesa do governo ucraniano e no reforço para aumentar o poder bélico israelense pesaram no aumento dos gastos públicos e foi bem explorado por Trump. Cabe acentuar as críticas por ele desferidas à manutenção desse poder de dissuasão adotado pelos EUA a sustentar praticamente sozinho os multiplicados arsenais da OTAN, que só se mantém em razão do apoio material e financeiro do mais poderoso parcelo dessa organização criada no imediato pós-segunda guerra mundial. Para os aliados mais tradicionais dos EUA, a volta de Trump cria expectativas quanto aos compromissos diante do crescimento dos BRICS no que respeita e das muitas ameaças de forças extralegais que têm se alastrado em grande parte pelo não reconhecimento de uma das resoluções da ONU, como é o caso da criação do estado da Palestina e o reconhecimento, portanto, esse direito. A adoção de métodos que violam dispositivos próprios à convivência das diferenças, como o recurso a atos violentos por parte de movimentos pró-palestina como o Hamas acabam criando as condições propícias para o incremento da indústria de guerra com o objetivo de manter intacto o domínio do império do capital com sede nos EUA. No caso do Brasil, parte de fundamental importância em todos os níveis da América Latina, a eleição de Trump não deve ser tão mais desastrosa quanto se propala. O que deve acontecer, no entanto, é o isolacionismo que Trump irá certamente adotar em relação aos seus vizinhos americanos. Essa política de restrição à imigração é típica de lideranças autocráticas, por isso mesmo antidemocráticas, que pode excitar os saudosistas nazifascistas que a adotaram para justificar uma política expansionista, apesar da sistemática narrativa isolacionista. É curioso que em sua campanha Trump tenha reeditado e ilustrado o seu slogan “Make America Great Again”, que postou num boné como fizera quando de sua primeira eleição, e que aqui foi imitado pelo candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Assim, ganhou também não só a força das redes sociais como as imagens que a rigor não dizem nada, ou melhor dizem apenas tratar-se da crescente miséria da política exemplificada na ausência de um discurso argumentativo capaz de falar aos corações e mentes daqueles que ainda acreditam basta eleger representantes, cujo retorno às demandas dos representados quase sempre inexiste no que é fundamental.   *Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). Foto de capa: Peter Foley / EPA / Lusa Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. 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