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Volta às Bases

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Volta às Bases
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Por EDISON VLADIMIR MARTINS TERTEROLA*   Um tema recorrente nas correntes de esquerda trata-se da necessidade de retorno “às bases”, principalmente pelo maior partido de esquerda, que é o Partido dos Trabalhadores, o PT. Meu ponto de partida é o artigo “Volta às bases, com que base?” [1], do professor Benedito Tadeu César, no qual coloca a questão de que as esquerdas perderam seus referenciais. O autor baseia-se na constatação de que a classe média e o operariado que formavam a base do PT dos anos 80 a 2000, “já não existe mais”.   O PT foi fundado e cresceu apoiado no sindicalismo combativo e em movimentos populares, dentre eles as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica. Estes movimentos, porém, sofreram profundas mudanças nas décadas seguintes. O PT alcançou a Presidência da República durante uma crise econômica que levou ao nível de desemprego recorde, fruto de uma política neoliberal que promoveu a desindustrialização do país na década de 90. Para vencer, o PT utilizou uma estratégia de aliança com uma parcela do empresariado industrial representado por José de Alencar, como vice em sua chapa.   Após quatro vitórias consecutivas para a Presidência da República, o capital internacional passou a apoiar alternativas golpistas que resultaram na operação Lava Jato, no golpe contra a presidenta Dilma e na prisão do ex-presidente Lula. Neste período algumas correntes de esquerda questionaram o método petista por seu afastamento de suas origens sindicais e populares, ao privilegiar o jogo político.   Após o golpe contra a presidenta Dilma, foi implementada uma política econômica que promoveu o desemprego, o rebaixamento dos salários e a ampliação da terceirização, medidas que criaram as condições propícias para o surgimento do trabalhador por aplicativo de plataformas digitais.   No trabalho por aplicativo, temos uma nova “alienação” (derivando do conceito de alienação de Marx), na qual o trabalhador é convencido de que ele é um “empreendedor”, sem perceber que a exploração continua, só que agora, de forma mais inteligente e dissimulada. Para o Professor Tadeu, a esquerda utiliza um discurso que estigmatiza o trabalhador por aplicativo como “precarizado”. Temos que entender, que, para este trabalhador, as plataformas digitais representam a busca por alternativa de renda num mercado de trabalho em crise.   Da mesma forma, o trabalhador terceirizado também passa por esse estigma de “precarizado”. Numa realidade onde as empresas aplicam a terceirização, os sindicatos combativos devem tomar cuidado nos discursos para que não coloquem estes trabalhadores contra a entidade sindical. Os sindicatos devem buscar representar a todos, sejam próprios ou terceirizados. O modelo de sindicalismo brasileiro na atualidade, porém, dificulta a união dos trabalhadores e, consequentemente, o crescimento da consciência de classe.   No campo sociocultural, nas últimas décadas, uma parcela da classe trabalhadora foi sendo influenciada pelos mais diversos aparelhos ideológicos das classes dominantes tais como a religião, o judiciário e os meios de comunicação. No aspecto religioso, as Comunidades de Base foram perdendo espaço para a ala conservadora da Igreja Católica e para as igrejas neopentecostais que seguem o conceito protestante de que as pessoas têm sucesso econômico porquê são abençoadas por Deus.   É notável que as pautas chamadas identitárias, como a luta das mulheres, dos negros, dos LGBTQIPN+ e ecológicas vêm tomado relevância e obtendo avanços importantes embalados pelo crescimento da esquerda na primeira década do século XXI.   Por outro lado, observamos uma forte reação da direita, utilizando, principalmente, dois clássicos “aparelhos ideológicos”: os meios de comunicação e a religião.   Como reação à abordagem mais ousada das novelas da Rede Globo, surgiram programas com temas conservadores nos demais canais para disputar a audiência. O que antes era apenas uma disputa de mercado passou a servir como ferramenta de oposição à luta contra todas as formas de discriminação.   Paralelamente, vimos o crescimento das igrejas conservadoras, que compõem outro aparelho ideológico a favor das classes dominantes: o religioso. Estas igrejas avançaram com um discurso de que são escolhidas por Deus e que, portanto, são por ele protegidas, seja porquê encontraram um lugar para extravasar suas dores e ansiedades ou, seja pela promessa de que Deus faz milagres. O que tem em comum é o sentimento de proteção contra o mundo agressivo em que vivemos.   A busca pela proteção, batizada de bênçãos de Deus, de certa forma, se opõem à disposição de luta por direitos sociais, tais como saúde, segurança, educação, moradia e trabalho, pois estas lutas não oferecem a garantia de vitória (um milagre, ou a “salvação”) e são organizadas por aqueles mesmos que defendem as pautas identitárias que os líderes religiosos conservadores se opõem.   Durante as enchentes de 2024, no Rio Grande do Sul, as esquerdas se mobilizaram e promoveram diversas formas de apoio aos atingidos. No entanto, o resultado eleitoral foi desanimador. Em Porto Alegre, Sebastião Melo se reelegeu com 61,5% dos votos válidos, contra 38,5% da petista Maria do Rosário [2]. Para a Cientista Social Adriana Paz Lameirão [3], enquanto as esquerdas focaram seu apoio no fornecimento de alimento, os políticos de direita forneciam recursos para a reconstrução das casas e permaneceram em contato direto com os moradores. No entanto, para Adeli Sell [4], as “fake news” contra o PT foram mais determinantes para o resultado das eleições, apesar dos esforços do governo federal para ajudar os atingidos pelas enchente.   Enquanto isso, para quem tinha dúvidas da importância das redes sociais, a eleição para o município de São Paulo deixou claro que as mídias via internet são, hoje, mais influentes, que os canais de TV abertos. O “outsider” Pablo Marçal, fez 28,14%, contra 1,84%, de Datena, apresentador de TV aberta. Este foi um bom exemplo do real poder de influência que as redes sociais e a internet estão tendo na formação da opinião pública e nas eleições.   Os resultados das eleições de São Paulo e de Porto Alegre nos colocam novas questões a respeito da relação com as “bases”. O bom resultado de Boulos estaria relacionado com o seu papel enquanto militante do MTST, ou devido ao apoio recebido de Lula? A vitória de Melo em Porto Alegre está mais relacionada a falta de visibilidade das ações do Governo Federal e das esquerdas durante as enchentes, ou com as notícias falsas espalhadas pela internet?   A questão levantada de que a esquerda necessita de retorno às bases requer entender o que são e como pensam as bases atuais. Este tema sempre será, um ponto relevante, pois, somente a partir de uma análise de conjuntura que envolva os aspectos políticos, econômicos e socioculturais é possível definir estratégias de ação que venham a ter sucesso.   O PT, o PSol e os demais partidos de esquerda precisam abrir espaço para novas lideranças que surgem nos movimentos populares e sindicatos que mantenham seus vínculos com suas bases, bem como entender que o operário se tornou majoritariamente um trabalhador do ramo do comércio ou de serviços [5], possivelmente, terceirizado, ou por aplicativo, alguém que forma sua opinião baseado nas mídias digitais ou canais conservadores e que se identifica ou tem relações com as igrejas evangélicas [6].   Para vencer este desafio, portanto, vimos que é necessário criar espaços de participação popular e formas de comunicação que dialoguem com as massas de forma a contrapor o poder das mídias digitais e conservadoras. Paralelamente, no campo político, é necessário colocar as divergências de lado e buscar caminhos em conjunto, por isso, estou de acordo com a opinião daqueles que defendem o diálogo franco entre as esquerdas em vez do conflito fraticida que abre espaço para o partidos de extrema direita e “outsiders” bancados por empresários, assim como expos didaticamente a Manuela D'ávila [7] em seu canal no Youtube. Neste vídeo Manuela expõem um pensamento idealista: a esperança de que a esquerda unida pode vencer o capital. Um sonho coletivo pode se tornar realidade.   *Edison Vladimir Martins Terterola é Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Pós-graduado em Economia do Trabalho, Diretor do Sindipetro-RS Ilustração: Redes sociais __________________________________________________________   Referências: 1 - https://red.org.br/noticia/volta-as-bases-com-que-base/#_ednref1 2 - https://sul21.com.br/noticias/politica/eleicoes-2024/2024/10/melo-venceu-em-todas-as-dez-zonas-eleitorais-da-capital-com-maria-do-rosario-em-segundo-em-nove-delas/ 3 - https://red.org.br/noticia/determinantes-do-voto-em-melo-eleicoes-municipais-24-regiao-humaita-vila-farrapos/ 4 - https://red.org.br/noticia/porto-alegre-por-que-os-inundados-nao-votaram-no-pt/ 5 - https://datampe.sebrae.com.br/profile/geo/brasil 6 – https://jornal.usp.br/radio-usp/um-em-cada-tres-adultos-no-brasil-se-identifica-como-evangelico/#:~:text=Os%20evang%C3%A9licos%20foram%20o%20segmento,n%C3%BAmero%20de%20templos%20no%20Pa%C3%ADs.&text=Eram%20100%20templos%20em%201964,dia%20a%20dia%20das%20pessoas 7 - https://www.youtube.com/watch?v=78SBnJDqs7Q Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Justiça

Os recados do ato do 8 de janeiro

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Os recados do ato do 8 de janeiro
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Nas entrelinhas do ato em memória do 8 de janeiro de 2023, diversos recados puderam ser lidos. Há quem afirme que estavam na Praça dos Três Poderes somente pouco mais de mil pessoas. É possível que o número possa ter sido um pouco maior, mas não muito. Em seu discurso, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma admissão velada de que não havia muitas pessoas. Fica claro que a atual capacidade do PT de arregimentar militantes, no novo tempo das redes sociais, não é mais tão grande quanto já foi no passado. E, para alguns, pode ter havido uma falha na articulação do ato, no sentido de mantê-lo mais partidário, mais um ato do governo Lula, do que uma manifestação institucional dos poderes.     Poderes Uma impressão reforçada pelo fato de não estarem presentes os demais chefes de poderes, para além do próprio Lula, chefe do Executivo. No fundo, os problemas verificados reforçam as falhas do governo na sua comunicação. O ato é, no fundo, estratégia de comunicação.   Marketing Um observador da área chegou a comentar que o grande problema é que "continuam confundindo marketing eleitoral com comunicação de governo". Assim, a troca de Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira talvez não resolva. Sidônio foi o marqueteiro de Lula em 2022.   Interferência de Janja será contida? Atos se iniciaram com um discurso de Janja | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil   Ainda no campo da comunicação, chamou a atenção que os atos de quarta no Palácio do Planalto tenham se iniciado com o discurso da esposa de Lula, Janja da Silva. Ela foi a primeira falar, por volta das 9h30, na solenidade de entrega do relógio do século XVII que foi destruído por um vândalo e do vaso de porcelana restaurado após se partir em 180 pedaços. Janja não é uma autoridade da República. Não tem cargo no Executivo ou em qualquer outro poder. Ainda que seja legítimo que ela expresse suas posições políticas, sua presença ali abrindo os atos de quarta passou a ideia de que ela continua tendo forte influência na comunicação.   Disputa Há uma disputa interna na comunicação do governo. Janja conseguiu o controle das redes sociais. No episódio da cirurgia que Lula fez para drenar uma hemorragia intracraniana, toda e qualquer informação precisava passar pelo seu crivo. Sidônio pediu autonomia. Terá?   Recados Na parte improvisada do discurso, Lula acabou passando um recado importante aos setores mais radicais de esquerda do PT, os que são mais revolucionários e mais avessos à opção de avanço pela solução democrática. Lula deixou claro que não é seu caminho.   Sem operários "À frene da Revolução Russa ou da Revolução Cubana, não havia nenhum operário", disse o presidente, referindo-se às vitórias comunistas de 1917 e de 1959. "Só a democracia é tão poderosa para permitir que um torneiro mecânico sem diploma se torne presidente".   Centrão Na sequência da troca de Pimenta por Sidônio, Lula fará outras mudanças. E o ponto central é como conseguir ampliar seus apoios para o centro. Sendo mais explícito, para o Centrão. E um dos problemas que Lula enfrenta é a resistência a isso no seu próprio partido.       *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Publicado originalmente no Correio da Manhã Foto de capa: Ato e discurso de Lula passaram diversos recados | Rudolfo Lago/Correio da Manhã Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Comunicação e Mídia

Grave

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Por MANUELA D'ÁVILA*, no Instagram O anúncio de Zuckerberg não é o mero anúncio de uma nova política de moderação de conteúdo da empresa Meta. O que ele anuncia é um dos maiores fatos políticos - senão o maior - desse tempo em que vivemos.   Eu pesquiso no doutorado as políticas de regulação da internet no mundo e a relação disso com as ideias de liberdade norte-americanas. O que Zuckerberg diz, com todas as letras, é que a liberdade defendida pela extrema direita, as ideias de Trump e Musk, serão as suas e de sua empresa. Ideias que ameaçam instituições e democracias. Ideias de violência e tortura.   Para isso, Zuck operará em parceria explícita com o governo dos Estados Unidos. É o Velho excepcionalismo americano: a ideia de um povo predestinado a salvar todos os povos. O custo disso testemunhamos com as guerras promovidas por esse Império, o que mais guerreou da história.   O anúncio soa mesmo como uma declaração de guerra ao mundo. Ele menciona China e América Latina e ao se referir a regulação europeia, refere-se a Alemanha, protagonista da construção da regulação daquela região. Ao mencionar o X como sua referência, ele menciona a rede cujo proprietário opera direta e explicitamente ameaças a vida democrática de diversas regiões do planeta.   É um fato imenso. Não errem tentando colocá-lo no âmbito da “internet”. Não imaginem que se trata de algo afeito a comunicação ou moderação de conteúdo. Não subestimem acreditando que pode ser resolvido pelas secretarias de comunicação dos governos. Essa é a agenda central da geopolítica do nosso tempo. Só uma resposta institucional organizada poderá nos permitir enfrentar essa ameaça.   Acesse aqui o vídeo da fala de Mark Zuckerberg   *Manuela D'Ávila é  jornalista, escritora e política brasileira, atualmente sem partido. Em 2004 foi eleita a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre, deputada federal pelo Rio Grande do Sul entre 2007 a 2015, deputada estadual de 2015 a 2019 e candidata a vice-presidente da República na eleição de 2018. Foto: Legenda: Meta doa $1 milhão de dólares para fundo inaugural de de Trump - Crédito: Redes Sociais Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Comunicação e Mídia

Moraes enquadra Meta após empresa acabar com checagem de fatos

Curtas

Moraes enquadra Meta após empresa acabar com checagem de fatos
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Publicado originalmente no MEIO* No dia seguinte à decisão da Meta de encerrar a checagem de fatos e remover restrições de conteúdo sobre temas como imigração e gênero, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes afirmou que as redes sociais só continuarão a operar no país se respeitarem as leis. “As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”, disse em resposta à decisão da dona do Instagram e do Facebook. Durante a cerimônia que marcou os dois anos do 8 de Janeiro, Moraes afirmou que as plataformas digitais contribuíram para disseminar discursos de ódio e movimentações golpistas, que culminaram nos ataques de 2023 em Brasília. A responsabilização das redes é tema de um julgamento no STF iniciado em 2024. (g1) Mais de 60 entidades, centros de pesquisas universitários e coletivos ao redor do mundo assinaram uma carta aberta contra o fim da checagem de fatos nas plataformas da Meta. No documento, os pesquisadores reforçam a necessidade de uma regulação nas redes sociais que “priorize os direitos humanos e a segurança digital”. E afirmam que as mudanças propostas por Mark Zuckerberg colocam em riscos grupos vulnerabilizados e representam um retrocesso de anos de esforços globais para promover um ambiente digital mais democrático. (Estadão) Para a ganhadora do prêmio Nobel da Paz Maria Ressa, a decisão da Meta significa que “tempos extremamente perigosos” estão chegando para o jornalismo, a democracia e os usuários de redes sociais. Segundo a jornalista e autora filipino-americana, isso levará a um “mundo sem fatos”, o que seria “adequado para um ditador”, refutando a alegação de que o afrouxamento na moderação é uma questão de liberdade de expressão. (Guardian) O alinhamento da Meta – dona do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp – com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, provoca temores no Palácio do Planalto e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de retrocesso no enfrentamento das fake news. “Essa decisão não auxilia a democracia e o respeito à diversidade. É um retrocesso para a humanidade”, diz um ministro do TSE ouvido pela coluna de Malu Gaspar. Nas eleições de 2024, a Meta assinou um memorando com o TSE prevendo a adoção de medidas para combater notícias falsas, mas a nova política da empresa coloca o acordo em risco. (Globo) Com as novas diretrizes, caso um usuário de uma plataforma da Meta se sinta ofendido por uma publicação homofóbica ou contra imigrantes, por exemplo, ele precisará acionar os tribunais para remover o conteúdo. Desde a mudança nas regras de moderação feita na terça-feira, a empresa deixou de excluir de forma proativa posts homofóbicos, transfóbicos e xenófobos. Especialistas avaliam que a mudança deve provocar uma alta de ações judiciais. (Folha) * O Meio é uma newletter gratuita, enviada diriamente aos assinantes. Faça sua inscrição no site. Não custa nada: www.canalmeio.com.br Foto da capa: Mark Zuckerberg, no centro, ladeado pelo presidente eleito dos EUA Donald Trump, à direita, e Elon Musk, à esquerda. Crédito: Evan Vucci/David Zalubowski/Alex Brandon/AP

Bem Estar

O fim dos tempos?

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O fim dos tempos?
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Por PAULO TIMM* O que é o tempo? Simploriamente, um lapso entre dois momentos. Poeticamente, como dizia Machado de Assis, ‘um tecido invisível no qual se pode pintar qualquer coisa...Até o nada. E ainda se perguntava: - “O nada sobre o invisível?”. Ainda assim, no decurso dos milênios  civilizatórios, o tempo tem sido  o espaço da fala, do discurso, através do qual foram se imprimindo denominação às coisas, entretecendo argumentos explicativos sobre suas ocorrências, concertando pactos e impactos, guardando memórias. Discurso, aliás, provém do latim e significa “andar ao redor”, implicando outro. “No discurso somos desviados de nossas próprias convicções em sentido positivo pelo outro. Apenas a voz do outro outorga ao meu comentário, à minha opinião, uma qualidade discursiva”. Pois foi “andando ao redor das coisas e das pessoas” que desenvolvemos, não só a inteligência, mas o processo civilizatório. Humanizamo-nos. Foi o espaço das aquisições milimétricas da racionalidade que nos conduziu ao Sapiens.  “Decisões racionais são construídas a longo prazo”. Requerem concentração, foco e meditação que nos remetem, enfim, à faculdade  do  juízo e ao desenvolvimento frontal do cérebro. “Uma reflexão as precede, que se  estende para além do momento, no passado e no futuro”. Nas sociedades sem escrita, enaltecendo o papel dos anciãos como portadores da memória. Com a escrita, o advento dos escribas.  Para os filósofos, teólogos e cientistas , então, este processo é um verdadeiro calvário, longo e penoso.  Não por acaso, tais criaturas e respectivas instituições foram reverenciadas como detentoras de um saber capaz de orientar as práticas do bem viver. Dos altares xamânicos  às Academias. Hoje, isso acabou. Estamos à mercê de influenciadores digitais quase analfabetos, bonitinhos e ordinários.  Em poucas décadas, vivenciamos um salto qualitativo na sociedade equivalente à Revolução Agrícola, ao Renascimento e à Revolução Industrial. Mudamos não só a tecnologia da comunicação, mas a cultura, rearticulando técnicas e relações de produção, cosmovisão e visão do mundo, instituições e critérios éticos e de afirmação social. Emergiram os “faladores de merda”.Bullshitters...  No mundo da Infocracia o que conta são trocas de informações entre unidades de função que garantem eficiência, dispensando a Política e o Governo, como instâncias éticas, que passam a ser substituídos por Agências de Gestão e Controle. No universo dataísta, a democracia dá lugar a um sistema supostamente isento de valores impulsionado por dados que se ocupam da otimização neutra de resultados. É a vitória definitiva do empirismo experimental que reorientou a Filosofia Moderna desde Hume, para o pragmatismo tão ao gosto dos anglo-saxões.  O filósofo coreano Byun Chul assinala, oportunamente, no livro “ Infocracia – Digitalização e a crise da democracia “ -Ed.Vozes: “A digitalização é, justamente, o que faz erodir o factual. O moderador de televisão Stephen Colbert, (quem colocou em circulação a palavra truthiness (ver-i-dade) comentou certa vez: ‘Eu não acredito em livros. São só fatos. Sem coração’” – pg 87 O tempo extinguiu-se como dimensão da vida cotidiana e excluiu a ordem do discurso que possibilitou a construção da democracia ocidental com base na Razão Comunicativa. Quem primeiro intui isso talvez tenha sido o inventor do para-raios, Benjamin Franklin, que proclamou alto e bom tom: “Tempo é dinheiro”. Como a vida é difícil e todo mundo precisa de grana, o tempo da reflexão foi substituído pela corrida contra o tempo: O self service do dia a dia, onde tudo já vem pronto para o consumo, com um mínimo de dispêndio de energias físicas e psíquicas. A tecnologia da Sociedade Industrial propiciou a mudança e trouxe consigo o fim do tempo como tempo indispensável à humanização da espécie. Somos, hoje,  máquinas de clicar moradores das  Cidade das Estrelas. Grande livro de ficção, aliás, de Arthur Clarck: “A Cidade e as Estrelas”. Sem tempo para o discurso e para as narrativas, que impunham  o reconhecimento da alteridade, nos fragmentamos como pedaços de um panorâmico espelho quebrado: Cada um por si, Deus (Data) por todos. Entramos no Reino da Informação Digital : A Infocracia. “Chamamos regime de informação, a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. (...) O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância ( da era industrial) e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo de dados” – Byon Chul Han – INFOCRACIA , Digitalização e a Crise da Democracia , pg 7 Vários autores já vinham chamando a atenção para os riscos deste salto no escuro sob os asas do Iluminismo. Karl Marx, crítico implacável deste mundo, há dois séculos já advertia que “tudo que é sólido desmancha no ar”.  Em A Era do Vazio,  Gilles Lipovetsky, aborda o vazio conectado ao individualismo numa era onde a materialidade e a exposição das redes sociais torna o momento fugaz, os relacionamentos esvaziados e a materialidade exaltada.: “O livro trata do enfraquecimento da sociedade, dos costumes e do indivíduo contemporâneo da era do consumo de massa. Ele explora um modo de sociabilização e individualização inédito, que se instituiu a partir dos séculos XVII e XVIII”. N. Luhman, em Entscheidungen in der ‘Informationsgesellschaft’,  assinala, apud Byun cit: “Em uma sociedade da informação, não se pode mais falar de comportamento racional, mas, no melhor dos casos, de comportamento inteligente”. Neste regime de informação, a vigilância e a disciplina rígida de corpos aprisionados da Era Industrial são substituídas pelo controle invisível das vontades individuais, confundidas com afetada liberdade de escolha. O novo sujeito, aliás, “subjétil” - expressão  de Antonin Artaud para definir o processo que vincula e separa o visível do legível, mais tarde retomada por Jean Baudrillard - porque incapaz de perceber a manipulação de que é objeto através dos perfis acumulados nos bancos de dados, supõe-se livre, autêntico e criativo. “Produz-se e se performa”, na ressonância  de suas opiniões através das Redes. Fala para o vazio acreditando protagonizar-se perante o mundo.  Acha-se um “player”  de uma nova democracia: digital. Tudo sob um clima de suposta e salutar  transparência. Não obstante, o novo presídio, cristalino, digital, nada tem de sagrado:  é transparente e iluminado, aprazível”, sem mistérios ou instrumentos de tortura, mas sua invisível  casa de máquinas  urde e tece a dominação contemporânea: é escura e fria.  Cruel. Os likes a escondem...Aposentou, por vencimento de validade, o Big Brother orweliano de 1984, substituindo-o pelo “Admirável mundo”novo” de Huxley: Não por acaso o turismo cresce enormemente com milhões de pessoas viajando permanentemente de um lado pra outro. A curtição do prazer, da beleza, cada vez mais acessível às grandes massas, do divertimento, do sexo fartamente liberado e disponível na Internet, as drogas, dão um novo sentido à vida das pessoas que, não obstante, sucumbem à depressão, à violência e ao suicídio. Sidarte Ribeiro, em seu livro “O oráculo da noite”- pg 378-, lembra que “medidas da repercussão de rumores no Twitter entre 2006 e 2017 mostram que as postagens mais disseminadas são justamente as mais ficcionais. Robôs em versão algoritmo, ‘almas sem corpo” em plena atividade, já vencem eleições com plataformas extremistas nos Estados Unidos, Inglaterra e no Brasil, através do impulsionamento massivo e automático de memes falsos que contagiam as pessoas até elas acharem que as narrativas mentirosas foram tecidas por elas mesmas. Por excesso de informação e falta de critérios, corremos o risco de perder a confiança no conhecimento acumulado e vivenciar uma nova torres de Babel, um cacarejar de vozes dissonantes sem qualquer possibilidade de harmonização”. O resultado deste processo de compressão do tempo e saudável submissão do Sapiens ao Big Data, gerou o que alguns analistas estão denominando “brain rot”,  eleito, no final do ano 2024 como a expressão do ano, conforme informação do Dicionário Oxford, que destacou ter havido 130 mil buscar pelo verbete no ano que passou. Consta que isso representou um crescimento de 230% entre 2023 e 2024, possivelmente por causa da "preocupação com o impacto trazido por tantos conteúdos de baixa qualidade on-line". Pode ser traduzida como "cérebro podre" ou "podridão cerebral”, remetendo a um antigo provérbio inglês que diz “if is not rotten do not fix it”...O termo teria sido usado, por primeira vez, nos idos de 1854 por Henry Dvid Thoreau no seu livro “Walden”, um baluarte do ambientalismo. Ele já criticava a tendência à simplificação de ideias complexas, que tanto se disseminariam nas Redes Sociais, ao apodrecimento mal cheiroso das batatas. Concluindo: Vivemos, com exceção dos “Engenheiros do Caos” que nos administram, numa referência a este título de Giuliano da Empoli, Ed. Topleituras.com,  uma era de deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e pouco desafiadores à inteligência e ao efetivo exercício do juízo entre distintas possibilidades e cenários , principalmente pela subserviência às redes sociais e dependência cada vez maior dos aparelhos celulares, com reflexos sobre a nossa capacidade para construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Perseguimos cada vez mais velocidade em nosso cotidiano, subindo cada vez mais alto no que denominamos “qualidade de vida”, morando e trabalhando em arranha-céus competitivos em altura. Vã ilusão. Mais uma de Prometeu... * Paulo Timm é é economista, professor universitário, jornalista e editor Ilustração da capa: Redes Sociais Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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A cusparada no busto

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A cusparada no busto
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Por SOLON SALDANHA* A atriz Fernanda Torres fez história ao se tornar a primeira brasileira agraciada com o Globo de Ouro. Ganhou na categoria Melhor Atriz Dramática, ao superar a concorrência de cinco atrizes da primeira linha do cinema mundial: Angelina Jolie (Maria Callas), Kate Winslet (Lee), Nicole Kidman (Babygirl), Pamela Anderson (The last showgirl) e Tina Swinton (O quarto ao lado). Venceu por sua atuação impecável em Ainda Estou Aqui, um filme de Walter Salles baseado em livro de Marcelo Rubens Paiva. O anúncio do resultado foi feito pela atriz Viola Davis, durante a cerimônia que ocorreu na noite do último domingo, em Los Angeles (EUA). O livro, originalmente publicado em agosto de 2015, conta a história da família Paiva, relatando as consequências enfrentadas a partir da prisão, tortura e morte do deputado federal Rubens Paiva pela ditadura militar brasileira, em 1971. A figura central, papel vivido por Fernanda, é o da esposa de Rubens, Eunice Paiva. Mãe de cinco filhos, que precisou então criar sozinha, ela se reinventou a partir da dor. Jamais chorou na frente de câmaras, voltou a estudar, se formou advogada e lutou pelo reconhecimento do assassinato do marido até obter a certidão de óbito. O corpo jamais foi recuperado. Marcelo, o escritor da obra, era o único filho homem do casal, que teve também quatro meninas. Inúmeros parlamentares foram cassados em nosso país, pelo arbítrio dos militares. Vários foram presos. Mas Rubens foi o único que, depois de detido, não retornou para casa. Dois bustos com sua imagem existem atualmente, como forma de reconhecimento à figura pública fiel aos seus princípios. Um deles está colocando na frente da antiga sede do DOI-CODI (*), no Rio de Janeiro, onde ele foi torturado e morto. O outro está no Congresso Nacional. Este segundo foi inaugurado exatamente na data da passagem dos 50 anos da ditadura, em 1º de abril de 2014. Durante a solenidade, que foi presidida pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, este lembrou em seu discurso ter sido seu próprio pai, Aluízio Alves, também cassado. E destacou ser muito importante “defender com rigor os ideais da democracia, assim como não esquecer das marcas e dos que se sacrificaram na luta”. Agora, se algo chamou a atenção na inauguração do busto, não foi a presença dos familiares do agraciado, nem as palavras do orador oficial. O então deputado federal Jair Messias Bolsonaro, acompanhado de dois guarda-costas que eram verdadeiros armários – e asseguravam a sua coragem –, se fez presente mesmo sem estar convidado. Falando em voz alta que Rubens Paiva havia recebido o que merecia, se aproximou e deu uma cusparada na escultura, para surpresa e estarrecimento de todos. Talvez devesse ter respondido por falta de decoro, mas isso não ocorreu. Essa impunidade foi fator que favoreceu suas atitudes intempestivas e várias vezes criminosas, ao longo do tempo. Seja na carreira militar, nos mandatos legislativos ou na presidência da República. Agora, ao menos uma certeza se tem ao lembrar disso: ele não está entre os milhões de espectadores que estão transformando este filme em um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro, de todos os tempos. E, para concluir: ao contrário do que seus seguidores andam espalhando via redes sociais, não houve financiamento público nem apoio via Lei Rouanet para a feitura da obra.   07.01.2025   (*) DOI-CODI é a sigla pela qual ficou conhecido o temido Destacamento de Operações de Informações – Centro de Defesa Interna, um órgão destinado à repressão e subordinado ao Exército Brasileiro, durante a vigência do golpe militar.     *Solon Saldanha é jornalista e blogueiro. Texto publicado originalmente no Blog  Virtualidades.     Foto de capa: Laura Tizzo/G1   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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