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Opinião

O conceito de Fascismo Eterno e a realidade brasileira atual

O conceito de Fascismo Eterno e a realidade brasileira atual

Artigo por RED
12/01/2023 18:39 • Atualizado em 16/01/2023 08:35
O conceito de Fascismo Eterno e a realidade brasileira atual

DE RÓBER ITURRIET AVILA*

Fascismo, um termo que tem sido mais utilizado. Contudo, esse é um termo polissêmico. Há quem defina que o nazi-fascimo refere-se ao contexto histórico específico da Alemanha e Itália da década de 1930. O nazismo, além de fascista, é racista, antissemita e anticristão. Dessa forma, é preciso algum rigor para não vulgarizar o conceito.

O fascismo não é monolítico. Há contradições de ideias políticas e filosóficas nele presentes. Existem vários feitios, mas alguns traços comuns na forma de pensar, sentir, nos hábitos culturais que formam uma ideologia fascista. De forma genérica, o fascismo tem as seguintes características: anti-marxismo, anti- comunismo, anti-liberalismo, recusa à democracia liberal, militarismo, culto ao masculino, autoritarismo, etnocentrismo, revisionismo (recriação do passado), discurso de unidade, reacionarismo (busca de um passado perdido), violência política, mobilização de baixo para cima, dissociação de significados (narrativas paralelas sobre os fatos).

Pode ser considerado que o fascismo é o que ocorreu na Itália e na Alemanha no século passado, mas não há dúvidas de que existem ideologias assemelhadas em lugares e tempos diferentes. Pode ser chamado de neofascismo, neonazismo, alt-right, extrema-direita.Humberto Eco busca um conceito atemporal: o fascismo eterno ou Ur-Fascismo. Eis suas características: valores tradicionais (Deus, pátria, família tradicional), recusa da modernidade, anti-racionalismo, anti-intelectualismo, aversão a universidade, intolerância com o desacordo e com o pensamento diverso, medo da diferença, medo de intrusos, nacionalismo, obsessão com o complô em relação a algum grupo social, inimigo a ser combatido (através de uma batalha final), liderança hierárquica, visão de que o líder é o intérprete do povo, culto à morte, condenação a hábitos sexuais não-conformistas, linguagem e léxico pobres e em uma sintaxe elementar. No fascismo há importância das massas, que, estimuladas por sentimentos profundos de rejeição e neurose, tem desejo de libertação de uma sociedade que oprime.

A crítica ao liberalismo pode confundir os brasileiros. No Brasil, liberalismo é visto como o mero laissez-faire. Mas liberalismo é: democracia, divisão de poderes, aceitação da diferença de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de pensamento, liberdade sexual, igualdade de oportunidades, individualismo e livre-mercado. A partir de toda essa caracterização, não parece restar dúvidas que o movimento que existe no Brasil, que chamam de bolsonarismo enquadra-se no fascismo eterno de Eco.

Note-se que esse movimento é anterior à ascensão de Jair Bolsonaro como líder nacional, ou seja, este foi um líder forjado de um movimento fascista pré-existente. O início do processo pode ser identificado em algumas franjas de manifestantes de junho de 2013 que pediam uma “intervenção militar”. Já na semana seguinte à reeleição de Dilma Rousseff, houve alguma manifestação pró-impeachment. Em 2015, mais claramente, as marchas contra Dilma ficaram mais características: anti-esquerdismo, intolerância política, nacionalismo, camisetas da CBF e bandeiras do Brasil.
Neste momento, já havia quem qualificasse na academia e na opinião pública esse movimento como fascista, mas houve um abrandamento por parte da grande mídia brasileira, dos liberais e do judiciário, que associaram-se ao movimento fascista, no intuito de derrubar Dilma e, imaginava-se dominariam a política nacional pelo liberalismo, chamado atualmente de “centro”.

O movimento fascista, entretanto, dominou. Após a derrubada de Dilma, a prisão de Lula e o isolamento da esquerda, inimigos clássicos do fascismo, esse partiu para os liberais: mídia dominante, democracia, instituições democráticas, justiça, jornalistas, liberdade de expressão, etc. “Crie corvos e eles lhe arrancarão os olhos”. Há no Brasil um movimento fascista que está enraizado. Atualmente, o fascismo é mais lento, diferente daquele do século XX: isolamento e combate à oposição, perseguição a juízes, jornalistas e liquidação da democracia por dentro. O judiciário e parte da mídia perceberam e reagiram quando a guilhotina passou a ameaçá-los, embora tenham aplaudido quando essa guilhotina foi contra a esquerda entre 2015 e 2019. Esse grupo esteve no poder, mas não conseguiu implantar o fascismo no Brasil, pois houve reação do judiciário, da mídia, do parlamento e da sociedade.

Eis os motivos de haver aversão à democracia e às instituições, as quais moderam mudanças bruscas com freios e contrapesos. Isso não quer dizer que tal grupo não possa voltar ao poder e
implantar um Estado fascista, seja pela força, seja pela formação de uma maioria. A geração atual tem o dever civilizatório de combater o fascismo brasileiro que está escancarado no presente, mas que começou a mostrar sua face em 2013. Um passo relevante é caracterizar pelo o que é, sem meias palavras, sem abrandamentos, sem maquiagens: fascismo!

Os atos terroristas de 08 de janeiro de 2023 ajudaram a isolar o fascismo. É preciso ir adiante: repressão estatal e punição a ilegalidades. No círculo individual, cabe a nós constranger o fascismo, tornar uma vergonha defender ideias fascistas no cotidiano, mostrar a imoralidade e a desumanidade do fascismo. O fascismo não é um fenômeno apenas brasileiro. Há uma internacional fascista, que organiza e financia a formação de uma ideologia fascista, assim como uma comunicação articulada de tais grupos, que criam uma narrativa paralela sobre a realidade, outra característica do fascismo.

O Brasil é um dos principais focos de disputa do fascismo mundial, pois encontrou uma classe média propensa à adesão a tal ideologia, como antecipou Marilena Chauí, por esse motivo os olhos do mundo voltam-se ao Brasil. A salvação do Brasil passa pelo combate intransigente do fascismo brasileiro.


Referência
ECO, Umberto Eco. O Fascismo Eterno. Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.

*Róbert Iturriet Avila é professor do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

Foto: José Cruz/Agência Brasil

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