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ENEL: INTERVENÇÃO JÁ!

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ENEL: INTERVENÇÃO JÁ!
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Por PAULO KLIASS* O drama vivido pela população de São Paulo durante os últimos dias tem todas as características de uma conduta criminosa por parte uma empresa que foi beneficiada com a privatização de um serviço público essencial. A ENEL é a atual corporação que detém a concessão federal para administrar os serviços de transmissão de energia elétrica no Estado de São Paulo. O processo remonta ao processo de venda de uma empresa estatal para o capital privado ainda na década de 1990, quando o governo paulista transferiu o patrimônio da então Eletropaulo para um grupo privado. Como era comum naquele período, 50% do valor de compra foi oferecido pelo BNDES em condições extremamente vantajosas para os adquirentes. Ao longo das décadas seguintes a empresa foi mudando de dono e o atual grupo italiano comprou a empresa das mãos da companhia norte-americana AES em 2018. Essa dança do capital financeiro em busca de melhores oportunidades de lucros provoca sérios prejuízos ao desempenho operacional da empresa e uma perda de sua capacidade de oferecer resultados de qualidade para a população e para os demais usuários. O apagão atual é “apenas” um evento a mais na longa de série de crises anunciadas e cuja responsabilidade é totalmente atribuída à direção da ENEL. Em novembro de 2023 e em março do presente ano já houve situações catastróficas semelhantes. Atualmente a empresa é responsável pelo fornecimento de energia elétrica para um contingente de 18 milhões de pessoas distribuídas por 24 municípios na região da Grande São Paulo. Dentre elas, a mais importante e estratégica é, sem dúvida alguma, a capital paulista. Afinal, este município conta com uma população de quase 12 milhões, ou seja, o equivalente a 2/3 de toda a clientela da empresa.   ENEL ultrapassou todos os limites Não existe a menor dúvida entre os especialistas na matéria de que a emergência de uma conjuntura caótica como a atual tem suas raízes na redução de investimentos e na diminuição de despesas estratégicas por parte da empresa. A lógica de obtenção do maior lucro possível no menor tempo colabora para o processo de sucateamento da empresa e dos serviços por ela prestados. A manutenção da rede de eletricidade tem um custo relativamente elevado e eles optaram por cortar os recursos necessários para esse fim. As equipes de pessoal cumprem um papel fundamental nesse tipo de atividade do setor elétrico, mas a lógica privada é reduzir os gastos com recursos humanos e com seu treinamento. As consequências são funcionários com baixos salários e pouca motivação, além de uma gritante carência de gente para dar conta das necessidades de toda a rede. Privatizar empresas estatais, inclusive aquelas que prestam um serviço público essencial como a eletricidade, sempre representou uma orientação antiga do chamado Consenso de Washington. A intenção era a de promover ajustes estruturais nas economias pelo mundo afora com base no receituário do neoliberalismo. Assim, para além da imposição de regras austeridade fiscal e da liberação generalizada das economias, a recomendação era que os Estados nacionais transferissem o patrimônio de suas próprias empresas ao capital privado. Partindo do pressuposto equivocado e altamente ideologizado de que a ação do setor público seria sempre ineficiente, a narrativa falaciosa da exaltação da competência do capital privado como símbolo da eficiência ganhou espaço amplo nos meios de comunicação e no interior da sociedade. Ocorre que a realidade tem demonstrado exatamente o oposto. Diferentes grupos de capital financeiro ganharam muito dinheiro com as privatizações, mas as promessas de tarifas mais baratas e serviços de maior qualidade ficaram para trás. Os processos de transferência do patrimônio público para o setor privado foram marcados por significativas elevações das tarifas cobradas dos clientes. Por outro lado, as obrigações das empresas concessionárias passavam longe do centro de preocupações dos órgãos responsáveis pela regulação e pela fiscalização do sistema depois de sua privatização. Como autênticos profetas do liberalismo extremado, deixaram tudo no mais bruto estado do “laissez faire, laissez passer”. E dane-se o prejuízo social e econômico provocado por ações irresponsáveis do capital privado.   Lula deve agir rápido! No caso específico do setor elétrico, em 1996 foi criada a Agência Nacional da Energia Elétrica (ANEEL). No entanto, aqui também se deu o conhecido caso dos processos de “captura” das agências regulatórias. O desenho institucional do modelo pressupõe conceder autonomia aos organismos que passaram a usufruir de funções regulatórias em áreas cujas empresas haviam sido privatizadas. Assim, a tendência que se verificou em quase todos os países e setores foi a paulatina incorporação da lógica das empresas por parte das direções dos órgãos encarregados de regulação e fiscalização. Na verdade, a ação regulamentadora deixa de cumprir com sua função, qual seja, a de defender a grande maioria dos usuários contra os abusos cometidos pelas empresas que oferecem os serviços - no caso da energia elétrica, de forma quase monopolista. A recorrência com que a ENEL tem ignorado as suas funções basilares de prestação deste serviço público estratégico apontam para a necessidade urgente de medidas por parte do Estado brasileiro, tal como previsto na própria legislação. A empresa não apresenta as mínimas condições para continuar se beneficiando do status de uma concessionária para fins de fornecimento de energia elétrica para a população de São Paulo. O atual contrato de concessão oferecida pelo governo federal, ainda vigente, prevê que essa relação se estenda até 2028. Mas a administração pública conta ainda com outras alternativas de natureza jurídico-institucional. Existe a possibilidade de se promover uma intervenção na direção da empresa, tendo em vistas os abusos cometidos, as irresponsabilidades evidenciadas e os crimes praticados. O que se faz necessário é introduzir o elemento da vontade política de agir na defesa do interesse da maioria contra um bando oportunista e criminoso que não apresenta o menor interesse em promover serviço público. O governo Lula já teve várias oportunidades para tomar alguma decisão neste sentido, mas até o momento nada foi feito. Atualmente, a gravidade da crise é de tal ordem que até mesmo personagens políticos de amplo espectro têm se manifestado duramente a esse respeito. É o caso do Ministro de Minas e Energia (Alexandre Silveira, do PSD de Kassab), do governador bolsonarista de São Paulo (Tarcísio de Freitas) e do prefeito da capital paulista (Ricardo Nunes), quando todos se declararam claramente pela intervenção na ENEL e pelo fim da concessão ao grupo italiano. Já passou da hora de Lula tomar finalmente uma decisão a respeito da ENEL. Ele não pode passar a impressão de que está indo a reboque de figuras políticas do campo da direita. Apesar da demora inexplicável, é fundamental que o governo decrete a intervenção imediata na empresa. E, na sequência, que instaure procedimentos encaminhando para o cancelamento da concessão da mesma. * Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.   *Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto:  Rovena Rosa/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Internacional

A guerra e a procura da paz

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A guerra e a procura da paz
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Por CELSO JAPIASSU* Berço de civilizações e palco de tantas guerras, a Europa pretendeu atingir, com a criação da União Europeia, um novo patamar de paz e bem-estar social baseado na solidariedade e ajuda mútua entre os Estados. Mas é hoje um projeto ameaçado pelos mesmos sentimentos nacionais e pela forte competição, causas dos desencontros que no passado desembocaram nas históricas e sangrentas guerras entre nações. Sem mencionar todos os conflitos anteriores, desde o Século 18, quando se deu a chegada do Iluminismo e, portanto, o chamado império da razão, sem contar a guerra da Ucrânia que hoje se desenrola sem que se aviste o seu final, pelo menos vinte grandes guerras assolaram o território europeu. A maior delas foi a de 1914 a 1918, que veio a se desdobrar na outra que durou de 1939 a 1945. Juntas, foram responsáveis por 105 milhões de mortos. Alguns historiadores estão convencidos de que se tratou de um único conflito com uma trégua de 21 anos. As guerras mundiais, que destroçaram as nações, acabaram com o sistema colonial, desorganizaram as sociedades, liquidaram as economias e deram outra configuração ao mapa do continente.   A busca da paz Ao fim da Segunda Guerra foi dado um primeiro passo para a criação do que alguns líderes visionários viam como uma comunidade de países capaz de promover mútuo desenvolvimento econômico e solidariedade num continente tão castigado por embates sangrentos. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi o passo inicial, em 1950, e o Mercado Comum, em 1957, significou o avanço que veio a dar numa moeda única, quando o euro passou a regular as economias. A ideia original era de que a cooperação econômica e as relações comerciais fariam os países dependentes entre si e diminuiriam assim os riscos de novos conflitos. Com a morte de Franco, em 1975, encerrou-se a última ditadura de direita na Europa, as regiões mais pobres começaram a receber incentivos para a geração de empregos e bem-estar social e o Parlamento Europeu passa ser um ator importante na uniformidade das leis e cooperação entre os países. A União Europeia, formada hoje, depois do Brexit, por 27 países que representam grande parte do continente, recebeu em 2012 o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao papel que tem desempenhado na busca da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.   As divergências São principalmente os movimentos de direita e extrema-direita nazifascista que hoje contestam a validade da União Europeia e os seus princípios de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Aproveitam-se das inquietações da opinião pública para reeditarem os discursos de forte nacionalismo, protecionismo econômico e controle das fronteiras. Os partidos de extrema direita têm sido quase sempre derrotados nas eleições, mas é inquietante o seu crescimento. Na França, Marine Le Pen faz parte do movimento anti-União Europeia e ficou em segundo lugar na disputa pela presidência da República. Na Alemanha, o AfD (Alternative für Deutschland), de extrema direita, tornou-se a terceira força política no parlamento e nos Países Baixos o Partido pela Liberdade (PVV), também de extrema direita de tons fascistas, ficou em segundo lugar nas eleições. Na Áustria, a extrema direita acaba de ganhar as eleições. Polônia e Hungria têm governos de extrema direita e na Grécia o Aurora Dourada, embora não tenha conseguido os 3 por cento dos votos para ter representação no parlamento, é um partido declaradamente neonazista. E na Itália o neofascismo está no poder com Giorgia Meloni. O Chega! em Portugal, extremista de direita, ocupa hoje o terceiro lugar como força política, quatro anos depois da sua fundação em Lisboa.   As causas O aumento do desemprego, a queda no padrão de vida e o aumento da imigração provocada pela crise humanitária nos países do Médio Oriente e da África: são estas as principais causas apontadas para o fortalecimento das ideologias de extrema direita na Europa. Um radical nacionalismo ligado à ideia de pátria fomenta a xenofobia e o racismo face a outros povos além de fortalecer as noções de defesa das fronteiras e dos territórios. São estes os fatores explorados pelos políticos oportunistas ligados às ideologias de extrema direita. As redes sociais têm dado forte contribuição ao fortalecimento dos partidos de direita posicionados contra a União Europeia – os eurocéticos. Através delas são disseminadas informações falsas e mesmo verdadeiras que são bloqueadas pela mídia tradicional. Conteúdos violentos e discriminatórios são normalmente evitados pelos veículos estabelecidos, mas circulam com facilidade pelas redes baseadas na internet. A manipulação da opinião pública pelas fake news tem sido um instrumento criminoso fortemente explorado  pelos movimentos políticos radicais. O jornalista Mattew D’ancona diz em seu livro “Pós verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake News” que 2016 foi um ano que assistiu ao início do que ele chama de era da pós verdade. Define como um momento em que os fatos começam a perder importância para dar lugar ao fortalecimento de crenças e paixões. Isto tem até definido eleições, como aconteceu no Brasil e nos EUA, com Bolsonaro e Trump, além de ameaçar também, junto com outros fatores, a própria existência da União Europeia. Foi um recurso largamente usado na campanha do plebiscito que fez o Reino Unido decidir pelo Brexit. Relembro o que disse François Miterrand, num célebre discurso no Parlamento Europeu em 17 de janeiro de 1995: “Temos de vencer esses preconceitos. O que vos estou a pedir é quase impossível, porque temos de vencer o nosso passado. Porém, se não o derrotarmos, temos de saber que uma regra triunfará, senhoras e senhores. Nacionalismo significa guerra.”   *Poeta, articulista, jornalista e publicitário Imagem: Pixabay Cerca de sessenta anos depois da publicação da Pace in terris, em 2022, o número de conflitos bélicos no mundo foi o maior desde a Segunda Guerra Mundial. Na maioria, são conflitos internos aos países, envolvendo diferenças étnicas e religiosas, quase sempre associadas ao desrespeito pelos direitos das minorias e/ou à pobreza e à disputa por recursos materiais escassos. Em 2008, 29 países vivenciavam esses conflitos. Em 2022, eram 38. A Organização das Nações Unidas estima que,  Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Cultura

Pequeno filme sobre o luto de inverno

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Pequeno filme sobre o luto de inverno
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* Um pequeno filme em cartaz nos cinemas nesta semana mostra todas as propriedades do cinema francês, que, assim como o britânico (embora sua escola de arte cênica seja oposta àquela da Royal Academy of Dramatic Art), é justo e exato na exposição dos sentimentos humanos e nas nuances emocionais expressas pelos seus atores e atrizes. Esse pequeno filme, Inverno em Paris (Le Lycéen), chega embalado por calorosos elogios da crítica francesa que já havia adotado seu diretor, Christophe Honoré, como herdeiro dileto de outro cineasta, o saudoso Jacques Démy. Dois realizadores que iluminam com especial sensibilidade e fundo musical preciso os personagens profundamente humanos dos seus filmes ao viverem momentos-chave da vida cotidiana. No presente caso, Honoré conta com o talento do jovem ator-revelação Paul Kircher, 22 anos, filho da atriz Irène Jacob e protagonista da trama. Ele interpreta Lucas Ronis, um adolescente gay de 17 anos que enfrenta a morte inesperada do pai em um acidente de carro, com ele ao lado, em uma estrada onde ambos estavam. Um acontecimento que poderia ou não ter sido um suicídio do pai. A trama é esta: a família de Lucas vive no interior da França e Lucas está terminando o internato no lycée, o período escolar correspondente ao ensino médio dos colégios brasileiros. Sua mãe (Juliette Binoche) envia Lucas, em crise depressiva profunda depois das exéquias fúnebres, para arejar numa pequena temporada em Paris, no apartamento de Quentin (outro excelente ator, Vincent Lacoste), o irmão mais velho do garoto, que é artista plástico. “Depois de entrevistar quase 300 jovens, posso dizer que a sensibilidade de Kircher é comovente; e nos afeiçoamos muito um ao outro. Esse afeto foi uma fonte inesgotável de energia, de alegria e confiança”, diz Honoré. O jovem ator recebeu o prêmio de Revelação do Festival de Veneza deste ano, foi premiado no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián e indicado ao prêmio César da França. Sobre Binoche, ícone da dramaturgia francesa e sua amiga, Honoré também rasga elogios. “Eu sonhava trabalhar com ela há tempos. Procurei Juliette para um papel em um projeto meu anterior, mas ela recusou. Fico feliz que tenha aceito fazer a personagem Isabelle, na qual ela injeta um toque humano essencial.” Completando o elenco vigoroso, o afro-francês Erwan Kepoa Falé encarna um amigo de Quentin, personagem que acaba sendo decisivo na vida de Lucas. Também um ótimo ator. Veja Também:  Lula viaja a São Paulo e Natal para apoiar candidatos no 2.o turno Nesse ambiente parisiense flexível e transigente, o qual praticamente ele não conhece, Lucas entrará em contato com seus impulsos homossexuais, com a prostituição masculina estabelecida e com o seu ímpeto suicida. Mas também conhecerá o afeto, o amor desinteressado e o que significa amizade. O diretor, que tem filmado histórias de situações sobre o luto, a AIDS e o suicídio, comentou, quando Inverno em Paris, de 2022, estreou no Festival de Cinema de Toronto, que seu trabalho tem um pouco de autobiografia. O que novamente parece fazer sentido, visto que sua mais recente obra, Marcello Mio, apresentada no cinema da Croisette, em Cannes, neste ano, tem a figura paterna como objeto da obsessão da filha por um homem célebre. O personagem é interpretado pela atriz Chiara Mastroianni, estrela do novo filme de Honoré celebrando os cem anos do lendário ator Marcello Mastroianni. Esse é um momento em que somos alvejados pela avalanche de documentários políticos, de distopias e ficções científicas, de produções que denunciam graves questões sociais, e com o gênero terror/suspense escorrendo das telonas e telinhas. Em meio à enxurrada de filmes que, com justa razão, vêm atraindo as denominadas ‘plateias de massa’ diante da situação vulnerável que se delineia no planeta, Inverno em Paris, esse pequeno drama parisiense, traz a atualização das escolhas sexuais da decantada geração Z. E atualiza a linguagem do lirismo clássico, resguardando a delicadeza e – por que não? – o realismo às vezes brutal que permeia incidentes na trajetória de todos nós. https://youtu.be/2Gzw55MOerY?si=xJbzLS5cQICjTiqr *Jornalista Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Politica

CORREIO POLÍTICO | Lula esboça o diagnóstico. Mas não propõe o remédio

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CORREIO POLÍTICO | Lula esboça o diagnóstico. Mas não propõe o remédio
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Por RUDOLFO LAGO* A entrevista que Lula deu no Ceará na sexta-feira (11) foi já um grande avanço frente à avaliação panglossiana que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e a nota da executiva do partido tinham antes feito com relação ao desempenho nas eleições municipais. Lula admitiu o que era óbvio, e Gleisi e a executiva se recusavam a enxergar: o PT foi mal. E, a partir dessa constatação, começou a fazer o que realisticamente é preciso fazer a partir disso: tentar entender por que o PT foi mal. Na própria entrevista e nas suas redes sociais, o presidente começou a esboçar um diagnóstico, mas ainda não propôs exatamente o remédio. O tempo de Lula é curto. Terá só dois anos para curar a atual doença política que atrapalha o desempenho do seu partido. Desconexão Lula parece ter começado a compreender que há, no momento, uma desconexão entre os discursos e estratégias do PT e as mudanças que aconteceram no mundo. Numa entrevista ao Estadão, o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, foi certeiro: "O PT envelheceu". Trabalho Lula foca essa desconexão nas relações de trabalho. A origem sindical do PT foi importante para sua consolidação em outro momento, no qual trabalhadores buscavam seus direitos na relação com seus patrões. Agora, muitos não querem mais ter patrões. A exploração continua. Mas PT não tem resposta Motoristas de aplicativos, entregadores, mas também profissionais de informática e outras atividades vão nessa linha. Que não resolve o problema da exploração do capital. Digam bem os motoristas de aplicativos. A questão, porém, é que o governo e o PT enxergaram até aqui o problema com as lentes antigas do sindicalismo. Isso ficou claro na forma como propuseram a regulamentação dos aplicativos. Sem discutir previamente com o setor, quiseram aproximar a atividade da contratação via CLT. A reação foi a pior possível. A verdade é que o governo não tem hoje uma linha clara para atender a esse novo tipo de profissional. Comunicação A questão das novas relações de trabalho não é o único problema. O que claramente o novo governo vem avançando na área social? Não se sabe. O governo se comunica mal. E sabe disso. Mais do que isso: perdeu boa parte dos seus pontos de contato com a periferia. Evangélicos Boa parte da conexão que antes o PT tinha com a periferia dava-se com as comunidades eclesiais de base da igreja católica. Hoje, esse espaço é dominado pelas igrejas evangélicas. Com um discurso conservador que distancia o PT e a esquerda, com seu discurso identitário. Edinho Dentro do governo, há quem avalie que uma sacudida possa ser dada com a substituição de Gleisi Hoffmann pelo prefeito de Araraquara, Edinho Silva, na presidência do PT. Ex-secretário de Comunicação da Presidência, Edinho poderia arejar o discurso. Derrota Essa avaliação, no entanto, começara a ser feita quando o governo tinha certeza de que o PT venceria em Araraquara com Elaine Honan. O PT perdeu. O próximo prefeito de Araraquara será do PL, o principal partido adversário do PT, com a vitória de Dr. Lapena.   *Rudofo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Artigo originalmente publicado no Correio da Manhã / Brasília Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia. Foto: Ricardo Stuckert/PR  

Politica

Novos caminhos para o PT: a necessidade de enfrentar as desigualdades em um Brasil em transformação

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Novos caminhos para o PT: a necessidade de enfrentar as desigualdades em um Brasil em transformação
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Por ALEXANDRE CRUZ* O Partido dos Trabalhadores (PT), ao longo das últimas décadas, estabeleceu-se como uma força política representando os trabalhadores e os movimentos sociais. No entanto, as rápidas transformações da sociedade e do mercado de trabalho exigem uma atualização constante. Novas categorias de trabalhadores emergem, como os ligados às plataformas digitais, ao mesmo tempo em que as pautas de raça, gênero e classe estão mais interligadas do que nunca. Recentemente, a prefeita de Contagem, Marília Campos, reeleita no primeiro turno, fez uma crítica ao partido, sugerindo que o PT deveria se afastar dos discursos identitários e focar em pautas mais amplas. Embora esse ponto de vista levante uma questão importante sobre a estratégia partidária, há uma dimensão crucial que precisa ser considerada: raça, classe e gênero estão intimamente conectados. Por fim, desqualificar uma pauta identitária pode ser um erro estratégico, especialmente quando se considera que a inclusão de mulheres no governo vai além de uma simples representação de gênero. Ela aborda questões interligadas de desigualdade social e econômica. A verdadeira força do discurso político reside na capacidade de integrar lutas identitárias e de classe, reafirmando que a justiça social é um conceito multifacetado que deve ser abordado de forma holística. Uma política que considere a diversidade das identidades é, portanto, essencial para a construção de um futuro mais inclusivo e democrático. Dados do IBGE mostram que a pobreza no Brasil atinge de forma desproporcional a população negra. A fome, por exemplo, não é distribuída de maneira homogênea, afetando majoritariamente pessoas negras. Isso demonstra que, ao falar de desigualdade, é impossível dissociar questões de classe das questões de raça. O capitalismo, de fato, perpetua a miséria, mas ele faz isso de maneira estratificada, afetando certos grupos de forma mais severa. Assim, os discursos identitários não podem ser tratados como uma "moda", mas como uma necessidade para reconhecer e combater múltiplas formas de opressão. A interseccionalidade, um conceito que ajuda a entender como diferentes formas de opressão se sobrepõem, é essencial para qualquer análise séria sobre desigualdade no Brasil. O desafio para o PT é adaptar-se a esse novo contexto social e econômico, onde a precarização do trabalho afeta de maneira particular mulheres, negros e outros grupos marginalizados. Ignorar esses aspectos significa deixar de lado uma parte vital da base social que o partido historicamente representou. Nesse contexto, a inclusão de representação negra nas estruturas de governo se torna igualmente fundamental, não apenas refletindo a riqueza e a complexidade da sociedade brasileira, mas também servindo como uma mensagem poderosa para reduzir abstenção em Porto Alegre. Se o Partido dos Trabalhadores quer realmente renovar suas lideranças e manter sua relevância, ele precisará encontrar uma maneira de conciliar a defesa das classes trabalhadoras com o reconhecimento das desigualdades específicas que grupos identitários enfrentam. Esse equilíbrio será fundamental para dialogar com as novas realidades sociais e econômicas que emergem no Brasil do século XXI. O futuro do PT depende, portanto, da sua capacidade de ouvir, aprender e agir em prol de uma política que reconheça e celebre a diversidade das experiências e lutas que compõem nosso país.   *jornalista político Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Literatura

Surdo Mundo

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Surdo Mundo
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Por NÚBIA SILVEIRA* No início de uma das aulas da oficina de escrita do professor Luís Augusto Fischer, avisei que, provavelmente, eu teria alguma (ou muita?) dificuldade para ouvi-los – a ele e aos colegas -, porque meus aparelhos auditivos estavam com problemas e o conserto demoraria alguns bons dias. O alerta nem era tanto sobre não ouvir. A minha preocupação era entender mal o que dissessem, trocando a palavra usada pelo interlocutor por outra semelhante, que distorcesse o sentido da frase. O risco, então, de dizer alguma besteira era grande. Neste caso, os amigos se divertiriam e eu ficaria constrangida. Todos(as) tinham um caso para contar de familiares ou amigos(as) surdos(as) ou de candidatos(as) à surdez. Miguel da Costa Franco comentou sobre o isolamento dos que sofrem com a perda de audição. Indicou-me a leitura de Surdo Mundo, de David Lodge (L&PM Editores, 2010). Pela maneira entusiasmada com que Miguel o indicou, achei que seria um texto muito divertido. Esperava rir do início ao fim. Não foi bem assim. Há momentos hilários, mas outros de grande aflição. O autor, também surdo, mostra a realidade vivida pelos(as) que ouvem mal e vivem perguntando “o quê? Quem? Ahn?” e irritando os interlocutores, que precisam levantar a voz e repetir a mesma palavra duas, três ou mais vezes. O inglês Lodge (Londres, 1935) afirma, no final do livro, na parte destinada aos agradecimentos, que “a surdez do narrador e do pai dele tiveram como inspiração a minha própria experiência, mas os demais personagens deste romance são fictícios”. O livro, de 327 páginas, tem como personagem principal o professor Desmond Bates, um linguista, aposentado. Ele se mete numa grande confusão, quando não consegue ouvir o que uma jovem bonita lhe diz, durante uma conversa, num coquetel barulhento. Para não pedir que a interlocutora repita o que lhe diz, ele passa a fazer cara de quem está ouvindo. Como ela fala muito, o professor só faz gestos afirmativos ou negativos, de acordo com a sua interpretação do que a jovem deve estar dizendo. Ao final do diálogo, ou melhor do monólogo, ele não sabe nem o nome da jovem, que lhe soava como látex. Os demais personagens são ligados à sua família – pai, esposa, sogra, filhos, enteados, netos -, com exceção de Alex Loom, uma jovem norte-americana, aquela com quem ele falou no coquetel, sem saber quem era. Alex o quer como orientador do seu doutorado em linguística. A estudante se propõe a analisar os pontos comuns e divergentes dos bilhetes de suicidas. Lodge alerta que este tema se deve a sua imaginação e a um artigo escrito por Charles E. Osgood. Desmond retira os aparelhos dos ouvidos sempre que pode, o que irrita sua esposa Winifred, a Fred, com quem se casou após a morte de sua primeira mulher. A surdez e a loja de móveis e decoração, que Fred e a amiga Jakki mantêm, com muito sucesso, num shopping, vêm complicando a vida do casal. Fred e a mãe dela também não simpatizam muito com o pai de Desmomd, um ex-músico, de 89 anos, meio surdo, com problemas para conter a urina e muito  teimoso. Lodge escreveu o livro em forma de diário. Todas – ou quase todas – as noites, Desmond registra o que aconteceu no seu dia. Passa grande parte do tempo enrolado com as arapucas que Alex lhe cria. E pior: com o mau humor de sua mulher, a personagem que mais me irritou. Talvez porque eu tenha me identificado muito com os problemas do professor, imaginando o meu futuro, e sofrido, como se fosse ele, as constantes reclamações e repreensões de Fred. Agora, relendo partes do livro para escrever este texto, me dei conta que Surdo Mundo deve ser bem divertido para quem não enfrenta problemas auditivos e não corre o risco de se identificar com o professor. As confusões em que ele se mete são mesmo hilárias. Na festa de fim de ano, que sua mulher ofereceu para amigos e clientes, os aparelhos de Desmond emudeceram. Ele não encontrou pilhas novas para substituir as velhas. Decidiu participar da festa, totalmente, surdo. Sua estratégia foi falar com interlocutores e interlocutoras, sem dar-lhes chance de dizer um simples “a”. De acordo com a cara do(a) outro(a), ele escolhia o tema para sua tese, que consumia, no mínimo, meia hora. Evidente que os assuntos escolhidos nunca foram os corretos, o que enfureceu os convidados e, ainda mais, a Fred, que lhe passa uma ótima carraspana.   Nubia Silveira é jornalista.ção. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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