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Como será a Europa em 2025

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Como será a Europa em 2025
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Por CELSO JAPIASSU* Com uma prolongada guerra em seu território, o fantasma das crises em vários países membros, o crescimento da extrema direita que no século 20 provocou conflitos que devastaram sua população e o seu território; assistindo à contestação da sua própria existência por parte de correntes políticas internas nacionalistas e ultraconservadoras, a União Europeia entra em 2025 convivendo com a instabilidade e a incerteza que ameaçam a sua unidade e o seu projeto para o futuro. O ano de 2024 encerrou-se com uma crise política na Alemanha, a locomotiva da UE. Com a dissolução do Parlamento e eleições marcadas para 23 de fevereiro de 2025, vigora a incerteza. A coalizão apelidada de semáforo, por reunir o SPD (vermelho), Liberal (amarelo) e os Ecologistas (verdes), chegou ao fim e deixou o país sem uma maioria estável. É um momento delicado para a economia alemã, que enfrenta a estagnação do crescimento e problemas estruturais. A outra ameaça é o crescimento dos neonazistas da AfD, Alternativa para a Alemanha, que se tornou a segunda força política do país.   A França Na França, o segundo mais importante país da União Europeia, as perspectivas políticas para 2025 são também marcadas por instabilidade e incerteza diante da fragmentação parlamentar e dos desafios econômicos. O país enfrenta uma situação política delicada após as eleições legislativas de 2024. A Nova Frente Popular (NFP), coligação de esquerda, emergiu como o grupo mais votado e conquistou 182 cadeiras no parlamento. A coligação Ensemble do presidente Macron ficou em segundo lugar com 168 deputados. A extrema-direita, representada pela União Nacional de Marine Le Pen, fez 143 deputados. Nenhum partido ou coligação alcançou a maioria absoluta de 289 deputados necessária para governar sozinho, resultando em um parlamento fragmentado. O novo primeiro-ministro François Bayrou precisa negociar apoio em uma Assembleia Nacional dividida em três blocos opostos. A aprovação do orçamento para 2025 provocou a queda do governo anterior de Michel Barnier e o impasse político e fiscal prejudica o crescimento econômico com a previsão de apenas 0,2% de crescimento por trimestre nos primeiros seis meses do ano. Macron tem a opção de convocar novas eleições a partir de meados de 2025, se a situação permanecer insustentável.   A Europa A Europa começa o ano com modestas perspectivas, a inflação em declínio, uma recuperação possível, mas gradual, enquanto persistem riscos e incertezas. A expectativa da inflação é de 2,1% para 2025 frente a 2,4% no ano passado. As tensões geopolíticas e comerciais e os riscos do governo Trump nos EUA podem prejudicar investimentos e aumentar os preços de importação. A taxa de desemprego deverá manter-se estável, em torno de 5,9 por cento apesar dos desequilíbrios nos mercados de trabalho. Os domínios prioritários definidos pela União Europeia falam de uma Europa livre e democrática, focada nos valores europeus interna e globalmente; uma Europa forte e segura, visando reforçar a segurança, defesa e a ação externa da UE; uma Europa próspera e competitiva, com ênfase na estimulação da competitividade, inovação e transição ecológica e digital. A guerra na Ucrânia, por outro lado, continua a influenciar a política externa e de segurança dos países europeus. Existe uma tensão crescente entre “mais ou menos Europa”, refletindo divergências sobre o futuro da integração europeia. A desinformação, promovida pela internet e suas redes sociais, é vista como uma ameaça à democracia e às instituições.   A direita As eleições de 2024 mostraram a tendência de os partidos de extrema direita na Europa tornarem-se cada vez mais influentes nos próximos anos. A extrema direita conquistou um número recorde de assentos no Parlamento Europeu, chegando a cerca de 150 dos 720 assentos. Dois novos grupos de extrema direita foram formados no Parlamento Europeu: Europa das Nações Soberanas, liderado pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), com 25 eurodeputados de 8 países e Patriotas pela Europa, que inclui partidos como a União Nacional de Marine Le Pen, o Fidesz de Viktor Orbán e o Vox espanhol, somando 84 eurodeputados. A expansão da extrema direita pode moldar decisões importantes e pressionar por políticas mais rígidas em imigração e segurança, influenciar na desaceleração de iniciativas como o Pacto Ecológico Europeu e criar dificuldades para a formação de maiorias dos partidos do centro democrático para a aprovação de leis. A extrema direita pretende pressionar por políticas migratórias mais restritivas, maior ênfase em segurança nas fronteiras e revisão dos acordos de asilo e refugiados. Vai procurar influenciar também para a resistência a medidas ambientais mais ambiciosas e pela revisão de metas de redução de emissões. A extrema direita, dita eurocética, pode ainda dificultar a unidade do bloco em questões-chave e aumentar a tensão entre “mais ou menos Europa”, enfraquecendo a própria União Europeia. Já integra governos de coligação em países como Itália, Finlândia, República Tcheca e Croácia. Uma tendência que pode se expandir, afetar as políticas nacionais e a representação desses países no Conselho Europeu. A fragmentação entre esses partidos pode, no entanto, limitar sua capacidade de ação conjunta em nível europeu. Deverá haver pressão por mudanças nas políticas econômicas da UE com a revisão de políticas fiscais comuns, resistência a medidas de integração econômica mais profunda e ênfase em políticas econômicas nacionalistas. A extrema direita continuará a enfatizar questões de identidade cultural e vai pressionar por políticas que reforcem valores tradicionais, intensificar debates sobre multiculturalismo e identidade europeia, promovendo políticas educacionais e culturais com o objetivo de fazer prevalecer sua particular visão do mundo.     *Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Brasil e EUA e suas democracias ameaçadas

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Brasil e EUA e suas democracias ameaçadas
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã No prefácio especial que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram para a edição brasileira do seu segundo livro, Como Salvar a Democracia, os dois cientistas políticas observam que Brasil e Estados Unidos teriam tratado de maneira diferente os seus momentos de clímax à ameaça de ruptura da democracia. No caso do Brasil, o 8 de janeiro de 2023, a invasão do prédio dos três poderes. No caso dos Estados Unidos, o 6 de janeiro de 2021, a invasão do Capitólio, a sede do poder Legislativo. Levitsky e Ziblatt avaliam que as instituições brasileiras, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), atuaram fortemente para punir os responsáveis. Os Estados Unidos, ao contrário, tratam até hoje de minimizar o que aconteceu.       Pesquisa Esses desdobramentos por aqui do 8 de janeiro certamente ajudam a explicar a altíssima rejeição para o que houve registrada na pesquisa que o Instituto Quaest divulgou na segunda-feira (6): 86% dos entrevistados reprovam o que aconteceu naquele dia.   Bolsonaristas Impressiona que é praticamente o mesmo o percentual de pessoas que declararam ter votado em 2022 em Jair Bolsonaro que rejeitam os atos de 8 de janeiro: 85%. Nos Estados Unidos, o presidente eleito Donald Trump trata o que houve como "um ato de amor".   Investigações sobre papel de Trump foram arquivadas Instituições brasileiras se uniram pela democracia | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil     No caso brasileiro, as investigações que se seguiram ao 8 de janeiro atingiram diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu núcleo mais direto. Seu candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Netto, está preso. Bolsonaro está indiciado, deve ser denunciado este ano pela Procuradoria-Geral da República. Nos EUA, o processo que apurava a responsabilidade direta de Donald Trump sobre o que aconteceu foi arquivado em novembro do ano passado. Se comenta agora que, após tomar posse, Trump também passe a conceder perdão e atenuar a situação dos mais de mil processados pela invasão.   Minorias Em Como Salvar a Democracia, livro que continua o que Levitsky e Ziblatt trataram em Como as Democracias Morrem, grande parte da análise avalia a quantidade de regras contramajoritárias que existem nos EUA, que estariam fazendo o país ser governado pela minoria.   Eleições Os modelos contramajoritários começam pelas próprias eleições. Os EUA têm um modelo de Colégio Eleitoral que permite a um presidente que não tem a maioria acabe eleito. Em 2016, Trump venceu as eleições sobre Hillary Clinton tendo 3 milhões de votos a menos.   Senado Mas o grande instrumento contramajoritário é a capacidade de o Senado fazer obstrução. Ou, como dizem, "filibuster". Lá, para interromper um pronunciamento, é necessário o voto de 60 senadores em 100. Como o Senado é dividido pela metade, a obstrução é regra.   Corte Assim, nada que o Partido Republicano não queira avança, mesmo que a sociedade queira. O problema cresce com a posição da Suprema Corte americana. Hoje, são seis ministros conservadores, contra três de posição mais liberal. Trump poderá até ampliar a situação.       *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade       Publicado originalmente no Correio da Manhã Foto de capa: Bolsonaro e Trump: diferenças nos dois países |  Alan Santos/Agência Brasil   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia         (mais…)

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Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média

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Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média
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Classe Média ou Pobreza? A Controversa Definição da Tendências Consultoria Um estudo recente da Tendências Consultoria, uma empresa ligada aos economistas Mailson da Nóbrega e Gustavo Loyola, concluiu que, em 2024, o Brasil teria se tornado majoritariamente um país de classe média. Essa afirmação é baseada no critério adotado pelos autores, que considera uma família com renda mensal de R$ 3,4 mil como pertencente a esse segmento social. No entanto, a definição utilizada pela consultoria diverge significativamente da do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o IBGE, uma família típica de quatro pessoas só seria classificada como classe média se sua renda mensal atingisse R$ 7,7 mil, o equivalente a uma renda per capita superior a R$ 1.926. A metodologia da Tendências Consultoria, ao reduzir esse patamar pela metade, considera como classe média uma família em que cada membro vive com apenas R$ 850 mensais. Essa redefinição, além de estar em desacordo com critérios oficiais, gera críticas por mascarar a realidade econômica do país. Classificar uma renda de R$ 3,4 mil como característica da classe média, para muitos especialistas, é ignorar as condições econômicas reais enfrentadas pelas famílias, que ainda se enquadram em um cenário de pobreza. Embora o estudo tenha apontado que o número de famílias com renda superior a R$ 3,4 mil cresceu de 49,6% em 2023 para 50,1% em 2024, esse aumento não reflete necessariamente uma melhoria significativa na qualidade de vida. O progresso social e econômico não pode ser avaliado apenas pelo cumprimento de metas ajustadas para tornar a realidade mais favorável no papel. Contraste com a Realidade Social Um levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traz uma perspectiva alarmante. Segundo o estudo, a população em situação de rua aumentou 25% em 2024, somando 327.925 pessoas a mais vivendo sem moradia. Isso reflete a incapacidade de muitas famílias de pagar até mesmo o aluguel, um indicativo de que o cenário econômico permanece adverso para grande parte dos brasileiros. Critérios Rebaixados, Resultados Artificialmente Positivos A prática de redefinir padrões para criar uma falsa sensação de progresso é uma crítica recorrente a estudos realizados no contexto neoliberal. Segundo analistas, essas metodologias não buscam resolver problemas estruturais, mas sim criar narrativas que desmobilizem a sociedade e reduzam expectativas por mudanças reais. Crescimento Econômico Limitado e Estagnação Social Os críticos do neoliberalismo argumentam que políticas que priorizam a estabilidade econômica em detrimento do crescimento real acabam perpetuando as desigualdades. Ao limitar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a valores modestos, sob a justificativa de conter a inflação e evitar desequilíbrios fiscais, essas estratégias restringem avanços significativos na melhoria da renda e na qualidade de vida da população. Conclusão A análise da Tendências Consultoria não reflete a realidade vivida pela maioria dos brasileiros. Classificar famílias com rendas insuficientes como parte da classe média é mais uma estratégia para maquiar a situação socioeconômica e evitar mudanças profundas no sistema. Para muitos, a verdadeira saída para o Brasil está em políticas que promovam crescimento econômico robusto, distribuição de renda e oportunidades reais de ascensão social.   Com informações do Hora do Povo. Foto de capa: Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Soberania Digital: Economia Solidária, Software Livre e Cultura Digital na Construção do Cooperativismo de Plataformas

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Soberania Digital: Economia Solidária, Software Livre e Cultura Digital na Construção do Cooperativismo de Plataformas
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  Por EVERTON RODRIGUES* A memória das experiências passadas é a semente do presente, orientando-nos a projetar e colher um futuro justo. Refletir sobre nossas vivências anteriores nos oferece a oportunidade de aprender com elas, reconhecer limites, erros e acertos, além de sistematizar esse conhecimento para construir um futuro mais consciente e planejado. No limiar do século XXI, durante o 1º Fórum Internacional de Software Livre (2000) e o 1º Fórum Social Mundial (2001), emergiu no Brasil o debate sobre a soberania na produção e no uso de tecnologias livres, em oposição aos monopólios e às patentes de grandes corporações nacionais e transnacionais. Este debate foi impulsionado pelo movimento do software livre, com o objetivo de reduzir a dependência tecnológica e superar o controle exercido por grandes corporações, como Microsoft e Apple. Esse ambiente de produção de ideias e tecnologias foi nutrido e potencializado pelas experiências dos Governos Populares em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, que projetaram para o mundo a perspectiva da participação popular na gestão pública, especialmente por meio da experiência do Orçamento Participativo. A intersecção entre os movimentos do Fórum Internacional de Software Livre e do Fórum Social Mundial, acompanhado de um ambiente de governança participativa, possibilitou a adoção do software livre em todas as esferas da gestão pública na cidade de Porto Alegre e no Estado do Rio Grande do Sul. Em 2002, com a eleição de Lula para a Presidência da República, a experiência construída nos governos populares de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul ganhou escala nacional, com a adoção do software livre nas instituições do Estado brasileiro. Essa iniciativa transformou-se em uma referência mundial na criação e no uso de tecnologias livres, softwares públicos e na gestão segura de dados e informações. No 6º Fórum Internacional de Software Livre, realizado em 2005, foi estabelecida uma associação entre o movimento de software livre e o movimento das sementes crioulas, com base no diagnóstico de que ambos os movimentos lutam contra o monopólio de patentes exercido pelas grandes corporações (seja no campo da informação ou no agronegócio). Ambos defendem a diversidade, a autonomia e o conhecimento livre e acessível a todos os povos. Enquanto o movimento de software livre busca garantir a liberdade no uso, compartilhamento e reconhecimento dos verdadeiros autores dos códigos, enfrentando o sistema de propriedade intelectual e de patentes que beneficia apenas alguns, o movimento das sementes crioulas combate a apropriação privada da vida por meio de modificações genéticas, que transformaram as sementes em patentes das corporações transnacionais. A síntese que unificou essas lutas foi a percepção de que as corporações da área da tecnologia da informação manipulam o bit na criação de softwares proprietários, enquanto as corporações do agronegócio manipulam o gene para se apropriar da reprodução das sementes e da vida. Como símbolo dessa integração de lutas, foi distribuído um quilo de arroz Oryza glaberrima (uma variedade africana trazida pelos negros escravizados como forma de resistência e soberania alimentar), produzido por agricultores quilombolas do Rio Grande do Sul. Com o avançar das edições dos Fóruns Sociais Mundiais, consolidou-se uma importante aliança entre o movimento de software livre e os princípios da economia solidária. Identificou-se a necessidade de construir sistemas associativos, cooperativos e autogestionários para a defesa do conhecimento livre. Nesse contexto, foram estabelecidas parcerias criadores de plataformas de software livre para o desenvolvimento de sistemas de comércio eletrônico voltado aos empreendimentos da economia solidária. Esse ambiente também fomentou o surgimento das primeiras cooperativas de tecnologia da informação no Brasil, que passaram a oferecer suporte e a desenvolver plataformas livres para a difusão de informações e para o comércio eletrônico. Embora muitas iniciativas de comércio eletrônico tenham surgido e ainda funcionem, é evidente que enfrentam diversas dificuldades. Entre elas, destaca-se a falta de conscientização sobre a importância de consumir produtos oriundos de economias sustentáveis e a carência de criação e suporte em tecnologias livres voltadas para o e-commerce. Além disso, pesam a inexistência de uma legislação específica para a Economia Solidária, as elevadas cargas tributárias e a complexidade envolvida na gestão administrativa e financeira de cooperativas no Brasil. Diferentemente de grandes empresas capitalistas, que priorizam o lucro e frequentemente usufruem de isenções fiscais concedidas pelo governo, as cooperativas solidárias, infelizmente, não recebem nenhum tipo de benefício tributário. Neste período, também percebemos o crescimento e a consolidação dos sistemas produtivos e de comercialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com mais de 40 anos de existência, o movimento está presente em 24 estados brasileiros, organizando 185 cooperativas, 1.900 associações e 120 agroindústrias, sendo uma das principais forças da agroecologia e do cooperativismo solidário no Brasil. Atualmente, o MST organiza cerca de 400 mil famílias assentadas e outras 70 mil em acampamentos. Essas famílias fazem sua produção chegar aos grandes mercados consumidores por meio de feiras, das compras públicas realizadas por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), de uma potente rede de Armazéns do Campo espalhados pelo Brasil, de uma série de lojas virtuais e do abastecimento a cozinhas solidárias e comunitárias. O MST tornou-se uma importante referência na construção de sistemas agroalimentares agroecológicos, fundamentados na produção e comercialização associativa e solidária. A primeira década do século XXI também viu nascer outras experiências importantes, baseadas na economia solidária e que integraram o software livre como fundamento da sua organização tecnológica. Como exemplos, destacam-se o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, fundado em 2005 no âmbito do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, e a Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente – GiraSol, fundada em 2006. Ambas as experiências tiveram origem nas práticas de democracia participativa e no Fórum Social Mundial.   O Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo foi gestado, em Porto Alegre, a partir de uma ampla parceria entre a OSCIP Guayí, o Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal (SINTRAJUFE), o Clube de Mães do Bairro Cristal, lideranças comunitárias e os Orçamentos Participativos dos Bairros Cristal e Cruzeiro. Desde sua concepção, o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo assumiu a Economia Solidária e o Software Livre como princípios organizadores de sua prática. O Ponto de Cultura concebeu desde o início sua estruturação como Incubadora Cultural e Tecnológica de empreendimentos e iniciativas do território e funciona até hoje como espaço de difusão do software livre em todos os processos produtivos e de fruição. Tornou-se referência nacional como espaço que interconecta, em todas as suas iniciativas, os princípios da economia solidária, do software livre, da cultura digital, da permacultura e da gestão democrática e compartilhada para o desenvolvimento do território. Esta experiência foi projetada e ampliada entre 2006 e 2010 com a implantação dos projetos Casa Brasil, uma iniciativa do Governo Federal que, em parceria com a Secretaria Nacional de Economia Solidária, fortaleceu a integração da economia solidária com o software livre. As ações das Casas Brasil promoveram formações, debates, cursos online e presenciais, encontros e conferências durante as feiras de economia solidária, além de reflexões nos Fóruns de Software Livre e nos Fóruns Sociais Mundiais. Também foi o berço para a organização da Rede dos Pontos de Cultura no Rio Grande do Sul, na qual o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo teve forte protagonismo, desempenhando o papel de coordenação da Rede por muitos anos. A Cooperativa GiraSol, por sua vez, foi criada por um conjunto de ativistas sociais que vivenciaram as experiências da gestão pública nos governos populares em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, sindicalistas, servidores públicos e profissionais liberais que queriam construir uma ferramenta de consumo de alimentos saudáveis que conectasse produtores e consumidores. Ao buscar a superação dos monopólios de produção e comercialização das grandes corporações e cadeias de supermercados, a Cooperativa GiraSol assumiu a economia solidária, a agroecologia, o conhecimento livre, a luta contra a transgenia e os agrotóxicos como princípios de sua experiência. Em 2017, a Cooperativa iniciou uma experiência bem-sucedida de criação de uma loja virtual, ancorada nas plataformas livres WooCommerce e WordPress, a partir de uma parceria com ativistas do software livre. Essa experiência permitiu que a Cooperativa fosse pioneira e uma das principais operadoras da alimentação saudável em Porto Alegre durante a pandemia de Covid-19. Nove dias após o decreto de isolamento social, a GiraSol ampliou a loja virtual para atender toda a cidade de Porto Alegre. Entre março de 2020 e dezembro de 2023, a loja virtual da GiraSol processou 21.240 pedidos com entrega domiciliar, comercializando mais de 150 toneladas de alimentos agroecológicos oriundos da reforma agrária e da agricultura familiar. Neste mesmo período, a loja física da GiraSol realizou 56.100 operações de venda, comercializando mais de 260 toneladas de alimentos agroecológicos. Somando os dois canais de venda, foram comercializadas mais de 400 toneladas de alimentos agroecológicos provenientes da reforma agrária e da agricultura familiar. Além dos processos comerciais, a Cooperativa GiraSol executou dois importantes programas de ajuda humanitária, com doação de cestas básicas de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar. Em 2021, durante a pandemia, foram entregues 4.300 cestas, totalizando 98,9 toneladas. Em 2024, durante o período mais intenso das enchentes no Rio Grande do Sul, a Cooperativa GiraSol entregou 1.700 cestas de alimentos, totalizando 42,5 toneladas. Juntando as duas ações, a GiraSol comprou da reforma agrária e da agricultura familiar mais 140 toneladas de alimentos saudáveis e fez a doação para mais de 6.000 famílias em situação de vulnerabilidade.   Desde 2020, a Cooperativa GiraSol adquiriu e distribuiu quase 600 toneladas de alimentos agroecológicos provenientes da agricultura familiar e da reforma agrária. A partir das políticas públicas da SENAES de fomento às Redes de Cooperação Solidária, o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo e a Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente – GiraSol se uniram à construção da Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), que, desde 2012, vem articulando mais de 300 empreendimentos econômicos solidários, organizados em 24 redes locais distribuídas por 11 estados brasileiros, incluindo Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Pará. Essa articulação em rede possibilitou a replicação da experiência da loja virtual da Cooperativa GiraSol para a Rede Xique Xique de Comercialização, no Rio Grande do Norte. Em 2017, a RESF iniciou o debate sobre a necessidade de articular as diferentes experiências de lojas virtuais e físicas organizadas pela rede em um ambiente de marketplace. Esse desejo, no entanto, não prosperou devido à extinção da política pública de economia solidária pelo governo Bolsonaro. Esta exitosa jornada de parceria entre o movimento de software livre e o movimento da economia solidária sofreu importantes retrocessos nos últimos anos. Mesmo com experiências bem-sucedidas de comércio eletrônico, no desenvolvimento de produtos e serviços baseados em conhecimentos livres, e na organização de redes de cooperação solidária, essa perspectiva não avançou de forma ampla, devido à falta de uma política pública robusta que coloque a tecnologia livre no centro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e solidário. O desenvolvimento de tecnologias livres para dar suporte às diferentes redes, cadeias produtivas e empreendimentos econômicos deve ser articulado com o desenvolvimento de uma tecnociência solidária, capaz de impulsionar novos arranjos produtivos e de serviços mediados por códigos-fonte livres de monopólios. Nessa perspectiva, a retomada dos Programas Nacionais de Incubadoras Populares e Tecnológicas e o fortalecimento da economia solidária nos Institutos Federais de Educação podem representar um espaço importante para a retomada da aliança entre economia solidária e software livre, visando o desenvolvimento de tecnologias livres para o fomento ao cooperativismo. Nos últimos anos, o debate sobre a conexão entre tecnologia e cooperativismo vem ganhando notoriedade, especialmente pelas experiências do cooperativismo de plataforma, no segmento de transporte, com a criação de aplicativos para motoristas, mototaxistas e cicloentregadores. No entanto, a maior parte dessas experiências carece do cuidado elementar em relação à propriedade dos códigos-fonte desses aplicativos. Torna-se urgente a retomada do debate e da aliança entre a economia solidária e o software livre para o desenvolvimento de plataformas livres dos monopólios das grandes corporações, sob o risco de cooptação e apropriação de nossas iniciativas pelo capital. O grande desafio da atualidade é superar a "servidão aos algoritmos", onde plataformas digitais baseadas em Inteligência Artificial se transformaram em verdadeiras instituições intocáveis, que destroem as instituições públicas, controlam horários, tarefas e avaliações, condicionam subjetividades, manipulam entendimentos e promovem desinformação, tudo isso sem transparência ou fiscalização e com amplo apoio social. O  livro "Tecno-feudalismo: O que matou o capitalismo" de Yanis Varoufakis apresenta uma análise crítica da transformação do capitalismo contemporâneo, sugerindo que ele evoluiu para um sistema denominado "tecno-feudalismo". Varoufakis argumenta que as grandes corporações de tecnologia substituíram os pilares tradicionais do capitalismo mercados e lucros por plataformas digitais e rendas passivas, criando uma nova forma - o feudalismo digital. Varoufakis argumenta que, ao contrário das expectativas de que as inovações tecnológicas levariam a um avanço progressivo, elas resultaram em um sistema econômico mais desigual e dependente, caracterizado por uma nova forma de feudalismo digital. Ele sugere que as grandes corporações de tecnologia atuam como novos senhores feudais, controlando recursos, dados e as vidas cotidianas dos usuários. Varoufakis destaca que os usuários se tornam "servos digitais", fornecendo dados pessoais em troca de acesso a serviços digitais essenciais. Ele observa que essa transformação resulta em uma concentração de poder e riqueza nas mãos de poucas corporações tecnológicas, ameaçando a democracia e exacerbando as desigualdades sociais. Varoufakis alerta que o tecno-feudalismo dificulta a ação coletiva necessária para enfrentar desafios globais, como a crise climática, e propõe a necessidade de uma nova abordagem econômica que promova a solidariedade e a justiça social. A proposta de Varoufakis destaca a importância da solidariedade e da ação coletiva na luta contra as desigualdades exacerbadas pelo avanço tecnológico. Ao enfatizar a necessidade de uma coalizão ampla, ele sugere que somente por meio da união de diversos setores da sociedade será possível enfrentar eficazmente os desafios impostos pelo tecno-feudalismo. “Servos da nuvem, proletários da nuvem e vassalos da nuvem do mundo, unam-se.” Diante de tudo isso, temos uma oportunidade promissora e desafiadora de promover a convergência e integrar diversas iniciativas produtivas e de consumo de produtos e serviços. Isso pode ser alcançado criando sinergias entre Economia Solidária, Software Livre, Cultura Digital, Cooperativas de Transporte, Cooperativas de Logística, Cooperativas de Consumo, que se articulem com Cooperativas da Reforma Agrária, da Agricultura Familiar e com a Agroecologia. Presupõe-se o fortalecimento de sistemas e conhecimentos como a permacultura, a bioconstrução, a produção de bioinsumos, a difusão das sementes crioulas (sementes livres) e o Biohacking. Essa integração permitirá oferecer alternativas poderosas por meio das diversas interfaces do cooperativismo de plataformas, utilizando plataformas digitais com governança coletiva, em contraste com o modelo tecno-feudalismo de concentração de poder e lucros dominado por grandes corporações. As tecnologias livres, a cultura digital e a economia solidária desempenham um papel crucial no enfrentamento das mudanças climáticas, oferecendo soluções acessíveis, transparentes e adaptáveis que podem ser implementadas por comunidades e organizações em todo o mundo. A integração e interconexão de todas as iniciativas por meio do cooperativismo de plataformas livres pode criar poderosas cadeias produtivas e promover autonomia, colaboração, democratização da ciência e da cultura, consciência social e política, além de democratizar a economia, produzindo as bases para o bem viver. Os princípios de todas os movimentos e iniciativas que promovem envolvimento local, compartilhamento de saberes, conhecimentos e gestão compartilahda e democratica, são essenciais para enfrentar os monopólios que priorizam apenas o lucro e o poder, cujos resultados, que incluem devastação e perda de vidas, estão nítidos diante de nós. Por exemplo, basta olhar para os crimes em Mariana (MG), Brumadinho (MG), São Sebastião (SP) e Rio Grande do Sul, ocorridos em 2015, 2019, 2023 e 2024, respectivamente. Em Mariana, o rompimento da barragem da Samarco causou a morte de 19 pessoas e o despejo de milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, afetando comunidades e ecossistemas locais. Em Brumadinho, o rompimento da barragem da Vale resultou na morte de 272 pessoas e em danos ambientais significativos. Além disso, em fevereiro de 2023, São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, enfrentou deslizamentos de terra que resultaram em 65 mortes, evidenciando os impactos devastadores de desastres naturais exacerbados por ações humanas. As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 resultaram em 183 mortes, 27 desaparecidos e cerca de 806 feridos, atingindo 470 cidades, sobrecarregando as bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí. Esses crimes ambientais evidenciam que é uma questão de vida ou morte promover mudanças nos processos econômicos, culturais e políticos que ampliem a transparência, o compartilhamento de saberes, o envolvimento territorial e a gestão democrática na produção e consumo de produtos e serviços, resultantes do "Trabalho Justo, Digno, Solidário, Saudável e Seguro", com proteção das terras, das águas, do ar, das florestas e de todos os biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampa e marinho, permitindo-nos agir de forma mais racional e sustentável. Ao integrar essas iniciativas, o cooperativismo de plataformas com tecnologias sociais e livres, vai desempenhar um papel crucial na construção de uma sociedade mais justa, sustentável e resiliente, capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e promover o bem-estar coletivo. O matemático John Nash, ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1994, superou as ideias de Adam Smith ao demonstrar que a cooperação é mais eficaz do que o individualismo e a competição. Nash introduziu o conceito de que um indivíduo maximiza seus ganhos quando age em benefício próprio e, simultaneamente, em benefício coletivo, considerando as ações das demais pessoas. Essa perspectiva reforça a viabilidade de modelos colaborativos e cooperativos, como a economia solidária e o software livre, que se mostram mais sustentáveis em comparação às estruturas empresariais tradicionais. Ao combinar tecnologias digitais transparentes com práticas cooperativas, essas abordagens promovem uma economia baseada em autogestão, sustentabilidade e democracia no ambiente de trabalho. O conceito de Equilíbrio de Nash, da teoria dos jogos, ilustra como a cooperação estratégica pode gerar resultados vantajosos para todos os envolvidos, superando a competição individualista e favorecendo resultados coletivos. O Equilíbrio de Nash descreve uma situação em que, em um jogo finito, todos os jogadores alcançam um resultado estável e mutuamente satisfatório, levando em conta as decisões dos demais participantes. Nesse contexto, nenhum jogador pode melhorar seu resultado individual ao alterar unilateralmente sua estratégia, desde que as escolhas dos outros permaneçam as mesmas. Por outro lado, quando cada pessoa age de forma individualista e unilateral, buscando maximizar exclusivamente seus interesses sem considerar os impactos sobre os demais, o resultado frequentemente é desequilibrado: muitos acabam perdendo, enquanto apenas poucos obtém ganhos significativos, como ocorre nos modelos de concorrência extrema. O livro "Economia Solidária Digital" (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Agosto/mte-apoia-livro-sobre-politicas-sociais-de-economia-solidaria-digital/livro_economia_digital_solidaria_v2_comprimido.pdf) é uma publicação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes), do Laboratório de Pesquisa DigiLabour e da Fundação Rosa Luxemburgo. Lançado em agosto de 2024, o livro aborda as possibilidades de articulação entre software livre, economia solidária e economia digital, apresentando exemplos práticos em linguagem acessível. A obra destaca iniciativas que promovem governança democrática, o uso de dados para o bem comum e tecnologias livres geridas por comunidades, aplicáveis em setores como transporte, cultura, tecnologia, cuidados e agricultura familiar. O principal objetivo desta publicação é servir como material de formação para trabalhadores, servidores públicos e agentes da economia popular e solidária que desejam se atualizar sobre o tema. Além disso, busca fomentar o debate sobre a construção de alternativas no âmbito da economia digital, enfatizando a importância de modelos que priorizem dignidade, sustentabilidade e colaboração. O esforço da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária em debater como as tecnologias livres podem potencializar a economia solidária demonstra o compromisso do Governo Lula em transformar o Brasil em uma referência global em Economia Solidária Digital. Diante disso, é fundamental avançar na constituição de um Grupo de Trabalho entre a SENAES, ativistas e organizações que atuam no movimento de software livre, trabalhadores, empreendimentos, redes e cooperativas de plataforma, a fim de formular uma estratégia para o desenvolvimento de políticas públicas para a Economia Solidária Digital com potencial emancipatório.     *Everton Rodrigues é integrante do Movimento ANTIfascismo e do Time Lula. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Discurso, transparência e mediocridade: Lacan e o zelador mentiroso

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Discurso, transparência e mediocridade: Lacan e o zelador mentiroso
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  Por SANDRA BITENCOURT GENRO* Aa pessoas sofrem. A sua existência lhes interroga permanentemente. É preciso dar rumo aos desejos e solucionar paradoxos. Mas há sempre algo de enigmático nas relações humanas e na linguagem da qual essas relações se valem. É uma característica especificamente humana o habitar uma linguagem polissêmica, ou seja, da qual podem emanar vários sentidos. Não há possibilidade de dialogar com total transparência, sem qualquer filtro ou censura, em forma e conteúdo. É impraticável não omitir rigorosamente nada. Qualquer relação humana submetida a essa forma de falar simplesmente explodiria, não apenas com relação ao outro, mas com relação a si próprio, às contradições de cada um e aos desejos inconfessáveis, incongruentes que cada um carrega. Imaginem um regime social em que o inconsciente violento é acessado permanentemente. Em que se pode manifestar tudo, sem limites. Talvez nenhuma outra área tenha sido tão afetada pelas mudanças tecnológicas e comportamentais como a comunicação. Essa sensação de caos e loucura nos leva a nos aproximar da psicanálise, campo que pratica um tipo de escuta impossível em qualquer outro ambiente. A psicanálise, segundo Lacan, é uma experiência de fala e operação no registro simbólico, que também inclui o silêncio. Ela nos socorre para tentar compreender os desejos, as condutas, os sentidos e posicionamentos que tanta estranheza causam. Não faltam exemplos de coisas bizarras que espantam e que hoje compõe o repertório do debate público. E que arrecadam cliques ou, pior dos horrores, juntam votos. Lacan distinguiu três registros da realidade humana e da prática analítica: o imaginário, o simbólico e o real. A linguagem pertence à ordem simbólica e é a que permite as trocas humanas, como o pacto, a traição, a política, a vida familiar, a academia, o trabalho remunerado etc. Para o psicanalista francês do início do século passado, a verdade é o significado mestre do seu ensino, mas ela não tem nada a ver com a exatidão. A verdade não é dizer o que é, não é a adequação da palavra e da coisa, a verdade depende do discurso, nos diz Lacan. E, portanto, estamos nesta quadra da história numa experiência coletiva de manipulação da verdade, com discursos medonhos, comportamentos bárbaros e violência permanente. Tudo se admite, adquire sentidos que alimentam os apetites pornográficos do capital e dos grupos sociais sem honra e sem vergonha da ostentação. Mesmo as guerras, as chacinas de crianças, o extermínio de povos e etnias adquirem justificativa. Há um discurso e há verdades fabricadas para isso. Dane-se a exatidão dos fatos e o descarte de valores básicos. Como também apontou Lacan, é muito curioso que não se saiba que a palavra serve igualmente para a verdade e para a mentira. E é muito possível que sirvam para a mentira com mais frequência do que para a verdade. Mas as mentiras vão sendo moldadas justamente com a falta de exatidão. Vamos a alguns exemplos recentes aqui na nossa província. Que não padece de uma guerra, mas nem por isso não conte escombros e não colecione manipulações. No primeiro dia do ano de 2025, Porto Alegre viu tomar posse um dos principais responsáveis pela extensão da destruição que os fenômenos climáticos causaram na cidade. Essa posse se deu sem luz e sob alagamento. Quase uma ironia simbólica para a data, não fosse o fato que com qualquer chuva, em qualquer dia, as ruas enchem e falta luz. Uma nova realidade, que conforme fomos catequisados, não devemos cobrar responsáveis, nem olhar para trás. O valente prefeito, zelador servil das corporações donas da cidade, fez o que? Discursou em defesa do direito a atacar a democracia, coisa que chamou de liberdade. Qual foi a manchete do outrora principal jornal da região? Digo outrora por que agora dá preferência a pequenos textos opinativos e de autoajuda, com um espaço reduzido para notícias e jornalismo. Bem, qual a manchete? “É um prefeito mais casca dura”. A defesa da ditadura ou do direito a defendê-la foi notícia nacional. Francamente a tal controvérsia até me parece manobra retórica para ocultar de fato o que deveria causar choque: a cidade segue alagando, às escuras, e há uma deliberada ação para erodir as capacidades estatais e assim vender (ou doar) o exemplar sistema público de água e esgotos para a iniciativa privada. O jornal reagiu com editorial contundente, dois dias depois. Clamando respostas mais rápidas da administração, disse que a posse foi no mínimo constrangedora para o novo mandato e que não é mais admissível a velha enxurrada de desculpas. Uma semana depois, na versão digital, por ocasião do Globo de Ouro conquistado pela atriz Fernanda Torres com o filme Ainda estou aqui, novo editorial em que sem mencionar a fala do prefeito diz “o reconhecimento é oportuno num momento em que muitos brasileiros, por ignorância ou radicalismo político, continuam flertando com o autoritarismo sob a falsa premissa de que “naquela época era melhor. Não era”. Já é um começo. Devemos saudar quando a palavra busca a verdade e se baseia em maior exatidão. Confesso que muitas vezes padeço da tentação de eliminar filtros e dizer exatamente o que penso de um prefeito que pratica o negacionismo sanitário e climático. Mas compreendo que é recomendável frear impulsos, suspender o bizarro, evitar palavrões e democraticamente dizer apenas que é criminoso o discurso antidemocrático e inaceitável o abandono da cidade.       *Sandra Bitencourt Genro é Doutora em comunicação e informação, jornalista, pesquisadora e professora universitária. Foto de capa: IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Municipalização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS

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Municipalização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS
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Por ZELMUTE MARTEN* A Organização das Nações Unidas (ONU) está propondo o desafio da Municipalização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Municipalizar os ODS significa definir metas e objetivos condizentes com a realidade e os desafios de cada município, a partir de indicadores e meios de implementação mais adequados. Os governos subnacionais não devem ser entendidos como meros executores da Agenda 2030; eles são formuladores de políticas públicas, catalisadores de mudanças e estão melhor posicionados para conectar as metas globais às realidades das comunidades locais. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU são integrados e indivisíveis, ou seja, as ações em uma área também afetam os resultados em outras. Além disso, os ODS combinam as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são: ODS 1: Erradicação da pobreza; ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável; ODS 3: Saúde e bem-estar; ODS 4: Educação de qualidade; ODS 5: Igualdade de gênero; ODS 6: Água potável e saneamento; ODS 7: Energia limpa e acessível; ODS 8: Trabalho decente e crescimento econômico; ODS 9: Indústria, inovação e infraestrutura; ODS 10: Redução das desigualdades; ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis; ODS 12: Consumo e produção responsáveis; ODS 13: Ação contra a mudança global do clima; ODS 14: Vida na água; ODS 15: Vida terrestre; ODS 16: Paz, justiça e instituições eficazes; ODS 17: Parcerias e meios de implementação. Em São Lourenço do Sul, está sendo adotado um modelo de governança com a implementação de políticas públicas integradas aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Nesse propósito, está contido o sentido do protagonismo das comunidades do interior e da cidade, o relacionamento horizontal e colaborativo com o poder legislativo local, a cooperação com os órgãos de controle e a ampliação das relações institucionais, nacionais e internacionais, para a atração de investimentos privados e públicos. A integração com o Plano de Transformação Ecológica em curso no Brasil será relevante nesse intuito. O programa nacional de neoindustrialização pode descentralizar as oportunidades para criar um novo ciclo de desenvolvimento integrado, gerando benefícios para os que mais precisam e conectando potenciais, como o da criação de agroindústrias que se estruturam a partir de saberes e práticas das comunidades tradicionais. Nesse  contexto social estruturado, medidas de prevenção, adaptação e mitigação aos eventos climáticos extremos são fundamentais. O denominado ponto de não retorno da crise climática impõe a necessidade de elaboração de planos municipais de contingência, para pactuar com a população medidas diante da recorrência de precipitações cada vez mais intensas, enchentes, secas, granizos, raios, vendavais, calor extremo, incêndios, entre outros fenômenos naturais. Em São Lourenço do Sul, assim como nos municípios vizinhos da Costa Doce Gaúcha, a localização costeira junto à Laguna dos Patos determina um conjunto de potenciais e fragilidades ambientais. No caso da terra de todas as paisagens, os arroios São Lourenço, Carahá, Passo do Pinto, entre outros, têm apresentado desafios que comprovam a necessidade de planejamento participativo. Nesse sentido, universidades como a Universidade Federal do Rio Grande, a Universidade Federal de Pelotas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade Católica de Pelotas desempenham um papel relevante na elaboração de estratégias que permitam preservar as comunidades locais dos impactos de tais eventos. Em 2011 e 2024, entre outros momentos, esses eventos se mostraram causadores de dor, sofrimento e prejuízos muito significativos. Desejo a todos e todas um próspero 2025, com muitas oportunidades!   *Zelmute Marten é formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas, especialista em Gerenciamento Costeiro pelo Programa Train-Sea-Cost da ONU/FURG, mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Lanus/Argentina. Atua no relacionamento do Brasil com países da América Latina, Europa e Ásia e no desenvolvimento de projetos de energias renováveis. Eleito prefeito da cidade de São Lourenço do Sul - Rio Grande do Sul, Brasil. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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