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O copo meio cheio do Governo Lula: O resultado econômico dos dois primeiros anos
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Por CHRISTIAN VELLOSO KUHN*
Com o final do ano de 2024, algumas estatísticas socioeconômicas passaram a ser divulgadas nas redes sociais para a realização de um balanço do segundo ano do governo Lula[1]. Muitos correligionários do PT e simpatizantes do governo comemoraram esses dados e os divulgaram amplamente, como se atestassem uma aprovação do seu desempenho. Não obstante haja uma disputa acirrada entre narrativas pró e contra o governo nas redes sociais, em que por vezes os oposicionistas usem até de fake news para sustentarem suas críticas, uma avaliação mais isenta e menos passional se faz necessária, visando esclarecer como se chegou até esses resultados e a sua sustentação nos próximos dois anos.
Em virtude da pandemia da COVID-19 nos anos 2020-2021, entende-se como inadequada a comparação dessas estatísticas com os dois primeiros (ou últimos) anos do Governo Bolsonaro, em que pese a sua inegável culpa por todos os erros e omissões no combate à disseminação do vírus e mortes de centenas de milhares de brasileiros. Todavia, qualquer comparação requereria algum tipo de ponderação e consideração desse fenômeno. Assim, a análise ficará mais restrita ao primeiro biênio do atual Governo Lula (2023-2024), eventualmente sendo relacionada a dados e eventos históricos.
OBS.: PIB e IPCA de 2024 são estimativas do Boletim Focus BC (06/01/2025).
Começando pelo PIB, possivelmente, é uma das variáveis com melhor resultado nesse início de governo, principalmente considerando a performance recente desde a década passada. Isso porque, nesse ínterim, tivemos uma forte recessão econômica interna (2014-2016) e a pandemia da COVID-19 (2020-2021). Além do patamar mais alto, em termos qualitativos, o desempenho do PIB em 2024 é superior ao do ano anterior. Enquanto em 2023, o PIB foi puxado pela agropecuária (15,1%)[2], no ano passado, os setores mais dinâmicos foram indústria e serviços, com crescimento acumulado nos três primeiros trimestres de 3,5% e 3,8%, respectivamente[3].
Esse bom crescimento contribuiu para a queda da taxa de desemprego, atingindo o menor patamar desde 2012.[4] Inclusive, no trimestre encerrado em novembro de 2024, foi o menor número absoluto de desempregados (6,8 milhões) desde dezembro de 2014[5]. Ainda em relação ao mercado de trabalho, embora o número de desalentados chegue a 3 milhões, é o menor contingente desde abril de 2016[6]. Por outro lado, o percentual de empregados com carteira assinada caiu para 40,6% no terceiro trimestre de 2024 (era 42,9% no mesmo período de 2012)[7].
Com essa queda do desemprego, a massa de salários vem crescendo em termos reais (6,1% em média no biênio 2023-2024). Isso tem contribuído para o aumento da participação das classes C e acima (A e B), que pela primeira vez desde 2015, as três juntas superaram a metade das famílias (50,1%).[8] Todavia, segundo a classificação da Tendências Consultoria, a classe C é formada por famílias que recebem de R$ 3,5 mil a R$ 8 mil, começando a contar a partir daquelas que recebem 2,5 salários mínimos (s.m.), chamados de “´pobres remediados” por Jessé de Souza[9]. Ademais, essa classificação está em desacordo com os critérios do IBGE, que considera somente a partir de famílias com renda de R$ 7,7 mil.[10]
Nessa esteira, os indicadores de pobreza e miséria apresentaram os menores índices em 2023 desde início da série histórica em 2012 (27,4% e 4,4%)[11]. Em comparação ao ano anterior, 8,7 milhões de pessoas deixaram a condição de pobreza. Esses números são reflexo do mercado de trabalho e dos programas sociais. Porém, entre os domicílios com menor renda, os rendimentos relativos ao trabalho estão cada vez mais reduzindo sua participação, enquanto os benefícios sociais estão se elevando.
Com relação à inflação, vem se mantendo em patamares muito próximos da série histórica dos últimos anos, ligeiramente acima do teto da meta de inflação, mas quase dois pontos percentuais acima do centro da meta. Entretanto, para conter a inflação, o Banco Central recorreu à elevação da taxa de juros SELIC, com uma alta de um ponto percentual na última reunião dos dias 10 e 11/12/2024[12], atingindo um nível em torno de 7% em termos reais (descontada a inflação). E ainda por cima, sujeito a novas elevações, como exposto na última reunião do COPOM: ”Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”. Ou seja, a taxa de juros SELIC pode chegar a 14,25% caso as projeções do comitê sejam confirmadas.
Em virtude das recentes especulações, ocorreu uma saída de US$ 87 bilhões do país em 2024 (pior desempenho da história), resultando em um fluxo cambial negativo de US$ 18 bilhões (o maior dos últimos quatro anos)[13]. Com isso, o câmbio sofreu uma forte depreciação, atingindo uma cotação de R$ 6,19 ao final do ano passado, uma maxidesvalorização cambial de quase 28%. Assim, para conter a transmissão dessa desvalorização do câmbio para a inflação (efeito pass-through), o Banco Central recorreu à mesma política econômica de meados dos anos 1990 (a despeito do regime cambial daquela época ser das minibandas cambiais): elevação da taxa de juros SELIC e queima de reservas cambiais (queda de US$ 33 bilhões em 2024). Essa maxidesvalorização não foi suficiente para obtenção de um melhor resultado no saldo das transações correntes, aumentando mais que 1 ponto percentual sobre o PIB.
Adicionalmente, pelo lado fiscal, caso as estimativas do governo estejam corretas, deve lograr uma redução do déficit fiscal de 1,75 pontos percentuais de 2023 para 2024[14]. Caso fossem desconsiderados os gastos com a recuperação do RS, esse déficit poderia cair mais 0,27 pontos percentuais, chegando a algo em torno de 0,1% sobre o PIB. Ainda assim, a dívida líquida do setor público deve crescer quase um ponto percentual sobre o PIB. Isso se deve ao efeito da majoração da taxa de juros, que encarece o custo da dívida, atingindo o recorde de R$ 918 bilhões no acumulado até novembro de 2024[15]. Para cumprir (ou chegar o mais perto possível de) a meta de superávit fiscal de 0,5% do PIB para esse ano, o governo lançou um pacote fiscal estimando uma redução nos gastos públicos na ordem de R$ 50 a 60 bilhões em 2025 e 2026, podendo chegar a R$ 327 bilhões até 2030.[16]
Considerando o cenário externo de desaquecimento da economia estadunidense, as guerras em curso (Rússia vs Ucrânia, Israel vs Hamas, Síria) e o possível envolvimento em conflitos de outros países em 2025 (Coreia do Sul, Taiwan, China e EUA)[17], a esperada elevação da taxa de juros brasileira e os prováveis impactos recessivos do novo pacote fiscal, dificilmente há de se esperar que os resultados socioeconômicos do Brasil se sustentem esse ano. Mesmo as medidas mais estruturais adotadas pelo governo federal, como o plano Nova Indústria Brasil (NIB), que prevê investimentos de R$ 406 bilhões do governo e R$ 1,7 trilhão do setor privado até 2033, ainda estão no nível de promessas com um horizonte de longo prazo[18]. A austeridade fiscal perseguida pelo atual governo também tende a conter o ritmo desse plano e, consequentemente, retardar os seus efeitos positivos sobre a estrutura produtiva do país. Assim, a celebração do desempenho em estatísticas sociais e econômicas do país pelos simpatizantes da situação não deve se estender em 2025, o que pode alimentar a oposição a atacar ainda mais o governo e buscar enfraquecer o presidente Lula.
[1] Balanço do 2° ano do Governo Lula | Rede Estação Democracia - RED.
[2] PIB do Brasil cresce 2,9% em 2023, diz IBGE | Economia | G1.
[3] PIB do Brasil cresce 0,9% no 3º trimestre e avança 4% em um ano.
[4] Taxa de desemprego fica em 6,1% no trimestre até novembro, a menor da história.
[5] Desemprego cai a 6,1% no trimestre terminado em novembro e segue no menor patamar da história, diz IBGE | Economia | G1.
[6] Taxa de desemprego no trimestre terminado em outubro.
[7] Dados do IBGE.
[8] Com ganho de renda e ascensão social, Brasil volta a ser um país de classe média | Rede Estação Democracia - RED.
[9] SOUZA, Jessé (2024). Pobre de direita: a vingança dos bastardos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 224 p.
[10] Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média | Rede Estação Democracia - RED.
[11] Miséria e pobreza atingem o menor patamar da História no Brasil, aponta IBGE.
[12] Atas do Comitê de Política Monetária - Copom.
[13] Brasil tem saída de US$ 18 bilhões em 2024, a maior em quatro anos.
[14] Haddad prevê déficit fiscal de 0,1% em 2024 e estima PIB em 3,6%.
[15] Gasto com juros tem novo recorde, mas dívida se mantém em 77%.
[16] Governo Lula na corda bamba da austeridade fiscal | Rede Estação Democracia - RED.
[17] Guerras: como 2024 uniu rivais e criou novos inimigos — e o que esperar de 2025 - BBC News Brasil.
[18] Nova Indústria Brasil: programa conta com R$ 405 bi do governo e R$ 1,6 tri do setor privado – Noticias R7.
*Christian Velloso Kuhn é Professor e economista do Instituto PROFECOM.
Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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