Economia

O 1º dia do fim da civilização ocidental, por Luís Nassif

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O 1º dia do fim da civilização ocidental, por Luís Nassif
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Por LUIS NASSIF* para o Jornal GGN A grande estratégia trumpiana é submeter o mundo a uma frente de oligarcas norte-americanos, usando as big techs e o mercado financeiro A máxima é “tudo para os Estados Unidos”. E o objetivo final é o “delenda, China”, apresentada como o maior risco para a hegemonia norte-americana, maior até que a União Soviética no seu auge. Com base nesses princípios, adotará políticas comerciais protecionistas. Como elas impactarão o custo de vida – já que tornará mais caros os produtos importados – a compensação virá de uma Declaração de Emergência Energética Nacional, um plano de emergência para combustíveis, permitindo a exploração de petróleo em regiões com restrições ambientais. Ao mesmo tempo, anunciou a revogação de Políticas Ambientais Anteriores. Anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e o fim de iniciativas como o Green New Deal, visando remover regulamentações que, segundo ele, limitavam a produção de energia fóssil. Finalmente, cancelou os incentivos às energias renováveis, para veículos elétricos e rescindiu contratos de arrendamento para parques eólicos, com o objetivo de direcionar investimentos para a indústria de petróleo e gás. A ideia é baratear o combustível, para contrabalançar o impacto do protecionismo comercial sobre os preços. Esses movimentos conjunturais servem apenas para preparar a grande estratégia trumpiana, que é submeter o mundo a uma frente de oligarcas norte-americanos, usando as big techs e o mercado financeiro. A lógica de dominação é clara: Isolamento dos Estados Unidos, com políticas protecionistas, boicote aos organismos multilaterais, expulsão de imigrantes, fim das políticas inclusivas, inclusive nas grandes corporações, fim do financiamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), deixando a Europa dependendo de suas próprias forças armadas. Tomada total de controle do Estado americano, colocando bilionários e aliados em todos os cargos relevantes, do procurador geral ao presidente do FED. Pressão sobre os países através de três grupos: as big techs controlando o mercado de opinião; o estímulo às criptomoedas, enfraquecendo as políticas monetária e cambial dos países; e a parceria com a ultradireita religiosa. A Europa se torna a grande incógnita desta equação. Fica à mercê das ameaças de Trump ao mesmo tempo em que os governos nacionais são acossados por uma ultradireita cada vez mais agressiva e influente. Aí se chega ao impasse final. De um lado, a China, como maior parceira comercial de mais de uma centena de países; de outro, os Estados Unidos, como a maior máquina bélica do planeta. Obviamente, haverá um movimento da parte dos países em direção aos BRICS. Mas Trump fez ameaças diretas de retaliação a qualquer país que ousar essa aproximação. Aparentemente, o mundo entrou em uma dinâmica que só será contida com uma grande tragédia, como foi nos anos 30 e 40. *Luis Nassif é jornalista econômico e editor do Jornal GGN Publicado originalmente no Jornal GGN Foto da capa: Reprodução Aqui, o discurso e o gesto de Elon Musk: https://youtu.be/y0MaCT0fewY?si=b2F88_IT5KvhSY-N

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Delenda est Selic

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Delenda est Selic
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Por J. CARLOS DE ASSIS* O senador romano Catão, o Velho, encerrava seus discursos invariavelmente com a frase:  Delenda est Carthago (Cartago deve ser destruída). Para ele, tratava-se de derrotar de forma definitiva um inimigo que desafiou Roma em duas prolongadas guerras anteriores e ainda disputava com ela o domínio do mar Mediterrâneo. A terceira guerra se travou em 146 a.C. E, como exigia o senador, Cartago foi implacavelmente aniquilada junto com todo seu poder naval e sua civilização. É o que espero que aconteça, um dia, preferivelmente no mais curto prazo possível,  com a Selic, usada como taxa de juros básica da economia e instrumento para controle da inflação dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Essa taxa, ao contrário do que pretende ser, é um indicador subjetivo da inflação futura que estimula o processo inflacionário. Preanunciada de 45 em 45 dias pelo Bacen, avisa a todos os aplicadores financeiros e  empresários produtivos sobre o mínimo que devem esperar dos juros futuros e do aumento dos preços no mercado. Como o presidente Lula deve ter concluído, foi uma perda de tempo trocar o presidente do Banco Central no suposto de que ele contribuiria para reduzir a taxa de juros. Gabriel Galípolo não é absolutamente um único centímetro diferente, nessa matéria, do que seu antecessor Campos Neto. Ambos são igualmente escravos da Selic. E a Selic é o meio pelo qual as oligarquias financeiras dominam a política monetária do País através de uma aliança espúria com a aristocracia financeira do Governo. Vejamos o que é a Selic. Ela foi introduzida em 1979 pelo Banco Central na economia brasileira - portanto, em plena ditadura militar -,  como uma espécie de jabuticaba que só dá em nosso território. Seu objetivo era de regulação do mercado aberto com títulos públicos federais. Aos poucos começou a ganhar terreno como indexador de títulos em outras áreas financeiras e contratuais, até tornar-se, hoje, um indexador geral da economia, incluindo o mercado real. É fixada e anunciada de 45 em 45 dias pelo Bacen, numa espécie de acordo entre os diretores dessa banco e os grandes bancos e corretoras privadas, com base em expectativas subjetivas sobre a inflação futura e alguns indicadores de mercado – entre os quais, curiosamente, a própria Selic passada. A taxa é picotada ao dia pelo Bacen, para que coincida com a anunciada previamente, a fim de que sirva como correção monetária diária para aplicações no mercado financeiro oficial, com o que surge na economia a figura fantástica da “moeda remunerada”. A “moeda remunerada” é uma moeda de classe. A ela só têm acesso os grandes milionários, e também as classes médias superiores, que têm saldos diários de depósitos bancários que rendem juros e que são sacáveis a qualquer momento. Por trás disso existe um gigantesco processo de transferência de renda do conjunto da sociedade, que não tem acesso à Selic picotada ao dia, para aqueles que mantêm depósitos nos bancos em qualquer prazo, inclusive de um dia para o outro, sempre com plena liquidez. Além dessas distorções, a Selic, na prática, funciona como uma força estrutural para colocar toda a economia num patamar de preços acima do que seria razoável em relação com o resto do mundo. Quando tomam conhecimento prévio dessa taxa anunciada pelo Bacen, os empresários, não apenas os financeiros, mas também os do setor produtivo, tratam de adaptar seus custos a ela, e imediatamente os repassam aos preços Isso muda profundamente o caráter da exploração e do sistema de acumulação de lucros do Capital. Nos primórdios dele, a acumulação de lucros se baseava principalmente na exploração do Trabalho, às vezes de forma extrema. Posteriormente, na medida em que o trabalho se expandia na esteira da expansão do próprio sistema produtivo capitalista, o número de trabalhadores aumentou e, com ele, sua força social, que lhe permitiu  extrapolar sua área específica de atuação e se tornar uma espécie de vanguarda de toda a  sociedade. Viu-se isso, entre nós, na Constituição brasileira de 1988, com seus amplos direitos sociais inspirados pelas instituições dos trabalhadores, ainda fortes. Mas começou a desaparecer pouco depois com a destruição dos direitos sociais constitucionais engolidos pela ascensão do conservadorismo e do neoliberalismo, com as reformas previdenciária e trabalhista dos governos Fernando Henrique, Temer e Bolsonaro. Isso não aconteceu por acaso. Na medida em que o Capital mudou sua natureza, o Trabalho também mudou. O Capital produtivo, que está absorvendo cada vez mais tecnologia, dispensa milhões de trabalhadores, reduzindo o número de sindicalizados e sua força social (são apenas 8% dos empregado pela CLT).   Por outro lado, ele reforça sua aliança com o Estado, de forma “invisível”, através das política fiscal e monetária (de forma similar à aliança do Capital com o Estado nos primórdios do capitalismo, usando a polícia em nome da estabilidade social). Dessa forma, não há mais uma vanguarda social organizada para enfrentar o Capital, inclusive na questão vital da proteção do meio ambiente contra suas forças predatórias. A acumulação de lucros segue seu curso normal, ao ritmo da Selic ou acima dela, tendo os efeitos colaterais da explosão da Dívida Pública, que impõe ao País um serviço anual em juros, correção monetária e amortização da ordem de R$ 1 trilhão. É nesse sentido que o conflito social básico no Brasil já não é entre Capital e Trabalho – que perdeu sua significação enquanto poder de pressão a seu favor contra o Estado -, mas entre Capital e o conjunto da Sociedade, que, porém, já não tem uma vanguarda organizada que a proteja. Ficaremos ao sabor das oligarquias econômicas em associação com a mídia corporativa e aristocracia pública, exercendo uma tremenda influência nas políticas econômicas centrais, enquanto o Estado Social é esmagado progressivamente com os chamados cortes anuais do orçamento primário. Diante disso, vou insistir:  “Delenda est Selic!”     Publicado originalmente na “Tribuna da Imprensa” online.0 *J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Ensaios à esquerda envolvem Camilo Santana

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Ensaios à esquerda envolvem Camilo Santana
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Há uma situação que hoje é ponto de concordância para a maioria dos analistas políticos. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por alguma razão, não for candidato à reeleição, o quadro da sucessão em 2026 ficará completamente aberto. A inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro tem feito surgirem diversos ensaios de candidatura à direita, hoje fragmentada. Mas o cientista político Isaac Jordão enxerga ensaios semelhantes também à esquerda. Mais discretos, porque ninguém ousa confrontar Lula. Ao Correio Político, Isaac Jordão sugere que, nesse sentido, se preste atenção nos movimentos do ministro da Educação, Camilo Santana. Para o cientista político, Camilo trabalha para se colocar como opção, dentro da disputa interna.   Disputa No caso, essa disputa interna se dá no PT entre os grupos do Sul, especialmente os paulistas, e os nordestinos. De um modo geral, os nordestinos são mais pragmáticos, mais abertos a alianças. E têm obtido resultados melhores que o PT do Sul, especialmente de São Paulo.   Prefeito No ano passado, Camilo Santana elegeu o único prefeito de capital do PT, Evandro Leitão, em Fortaleza. Sobressaiu-se, assim, junto a outros petistas nordestinos fortes, como o ministro Wellington Dias, no Piauí, ou a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra.   Educação pode ser área mais fácil que Fazenda Crise do Pix desgastou Fernando Haddad | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil     A crise do Pix envolve diretamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que saiu desgastado. Na reunião ministerial na segunda-feira (20), Lula acabou puxando indiretamente a orelha de Haddad. Com temas complicados como inflação, taxa de juros, dólar, arcabouço fiscal, novos desgastes podem atrapalhar Haddad. A educação, área de Camilo, pode se tornar seara mais fácil. Jordão observa que o ministro talvez tenha assumido uma das pastas com situação inicial mais precária, pelo desmonte que houve no governo Bolsonaro. Mas tem conseguido avanços. O programa Pé de Meia é, talvez, a entrega mais vistosa do atual governo   Pé de Meia O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou no ano passado irregularidades com o Pé de Meia, porque repasses teriam sido feitos sem previsão orçamentária. Para Isaac Jordão, não seriam problemas insanáveis. O programa ainda pode virar um bom ativo.   Lula Claro, Camilo Santana não irá se mexer de forma explícita porque a precedência sempre será de Lula. Mas, no fundo, é uma situação semelhante à que enfrenta a direita. Nomes do campo têm se mexido de forma mais explícita, mas dependem do aval de Jair Bolsonaro.   Bolsonaro Para Isaac Jordão, Bolsonaro tentará em 2026 usar a mesma estratégia usada por Lula em 2018, quando permaneceu enquanto pôde na disputa só abrindo mão para Fernando Haddad no último momento. "Creio que ele só se define em meados de 2026", acha.   Centro E o centro, nesse quadro de indefinição, também pode fazer seus próprios ensaios? Isaac Jordão considera mais improvável. "O centro não costuma lançar candidatos", observa. Opta por vender seus apoios. Uma forma, de "ser governo sem ter a responsabilidade".     *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Publicado originalmente no Correio da Manhã Foto de capa: Camilo: opção discreta a Lula em 2026? | Ricardo Stuckert/PR Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Os pilares da estratégia de Lula para 2026

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Os pilares da estratégia de Lula para 2026
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Por CARLOS EDUARDO BELLINI BORENSTEIN* Na reunião ministerial ocorrida nesta segunda-feira (20) o presidente Lula (PT) deu a largada para a sucessão do próximo ano ao afirmar que “2026 já começou”. No discurso de Lula foi possível perceber três pilares da estratégia eleitoral do governo: 1) a defesa da democracia e o combate à extrema-direita; 2) a redução da inflação, principalmente dos alimentos; e 3) a conexão com a nova realidade do mercado de trabalho. Ao recordar a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, o presidente sinalizou que a defesa da democracia e o combate à extrema-direita serão um pilar central da estratégia eleitoral do governo para 2026. Em seu discurso, Lula afirmou que “precisamos dizer em alto e bom som, queremos eleger governo para continuar processo democrático do país, não queremos entregar esse país de volta ao neofascismo, neonazismo, autoritarismo”. Um dos desafios de Lula é reeditar a pluralidade de forças políticas que garantiu sua vitória nas eleições de 2022. Apesar da presença de partidos como o Republicanos, PP, União Brasil, MDB e PSD na Esplanada dos Ministérios, a frente ampla em defesa da democracia de 2022 teve curta duração no governo Lula 3 em função do enraizamento da polarização na sociedade brasileira. As últimas pesquisas de avaliação do governo mostram uma divisão entre aprovação e desaprovação há mais de um ano. A atração do centro e de parte da direita democrática será decisiva em 2026, pois é a reconstrução da frente ampla que garantirá o isolamento da extrema-direita. Mesmo derrotado em 2022, o bolsonarismo permanece forte na sociedade, sendo um forte adversário. Entretanto, somente a defesa da democracia parece ser insuficiente para garantir a reeleição do presidente Lula. Não por acaso, na reunião ministerial desta semana, Lula cobrou uma redução do preço dos alimentos. Lula inclusive ensaiou um slogan para a segunda metade do governo: “se a gente trabalhou união e reconstrução, agora a gente vai ter que trabalhar outra coisa importante: reconstrução, união e comida barata na mesa do trabalhador, porque os alimentos estão caros na mesa do trabalhador”. Dados divulgados no início de janeiro pelo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram que a inflação de alimentos atingiu 8,23% no ano passado.  Assim, para que a bandeira da defesa da democracia tenha apelo eleitoral, é necessária uma redução da inflação, principalmente dos alimentos. Os preços elevados impactam negativamente não apenas a base social lulista, composta majoritariamente por segmentos da população com renda mensal de até dois salários mínimos, mas também as classes médias – com renda de mais de dois a cinco salários. Sobre a importância da inflação para a percepção da população em relação à situação da economia, vale menção a recente análise do cientista político Steven Levitsky, da Universidade de Harvard. Em entrevista concedida à BBC, o autor do clássico “Como as democracias morrem” afirmou que nas eleições norte-americanas de 2024 os eleitores decidiram que "o preço dos ovos importa mais do que a invasão do Capitólio", optaram por mudança e votaram contra o governo. Assim, caso os preços dos alimentos permaneçam elevados nos dois próximos anos, a narrativa da defesa da democracia e do enfrentamento à extrema-direita, assim como ocorreu na eleição norte-americana do ano passado, pode ser insuficiente. Outro pilar da estratégia lulista – talvez o mais complexo deles – envolve a compreensão, principalmente por parte dos setores mais ortodoxos de esquerda, em relação às transformações que estão ocorrendo no mercado de trabalho. Na reunião ministerial, Lula alertou que “é importante que a gente compreenda que o povo com que estamos trabalhando hoje não é o povo dos anos 1980, que queria ter emprego em fábrica com carteira assinada. É um povo que está virando empreendedor e precisamos aprender a trabalhar com essa nova formação do povo brasileiro”. A defesa da democracia, que envolve a reconstrução da frente ampla para isolar a extrema-direita, a redução da inflação e a conexão com o “novo” mundo do trabalho são três pilares que necessitam andar juntos.     *Carlos Eduardo Bellini Borenstein Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharel em Ciência política (ULBRA-RS). Especialista em Ciência Política (UFRGS). Tem MBA em Marketing Político (Universidade Cândido Mendes). Foto de capa:  Valter Campanato/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democraca.  

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Manhã de sol no Pontal

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Manhã de sol no Pontal
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Por ADELI SELL* Era primavera. Domingo. Convite para sair e tomar um sol aceito.  A tradição era caminhar pela Riachuelo rumo ao Setor 1 da Orla, Orla Moacir Scliar. Mas desta vez seria no Parque do Pontal. Foi minha primeira vez. Até porque o lixo do trajeto é impeditivo. Poucos conhecem este parque, nem se tocaram que há um parque público, fruto de compensação pela construção do Shopping Pontal. Sempre que passo pela Avenida Padre Cacique me lembro dos embates na sociedade e na Câmara para liberar o tipo de construção. Um “plebiscito” com 2% da população optou por liberar apenas para atividade comercial. Eu me opus, pois este enclausuramento segmentado afronta o urbanismo de convivência como nos ensinou Jane Jacobs com seu “Morte e Vida das Grandes Cidades” de 1961. Era a primeira década de 2000. E a Câmara seguiu na mesma toada: aprovou que só poderia haver atividade comercial. Mas o mundo dá voltas. Foi feito um grande hotel, o “Double Tree” by Hilton. Comercial? Sim, o fito é comercial, mas pessoas moram ali, param um dia ou vários dias no local. Ou seja, agora tem vida a noite toda. A vida venceu a norma. No caminho, motoristas fazem manobras malucas, enquanto curto o Guaíba ao largo, calmo, sereno, nada de sua fúria da enchente de maio. No Parque há pouca sombra, mas o suficiente para me deitar e continuar a leitura do “Romance Antigo”, de Darcy Azambuja. Exatamente o capítulo da sessão do Senado da Câmara local, lá por 1814. Minha sobrinha neta de três anos me arranca da leitura para brincar. O céu de brigadeiro, o sol, a brisa me levam a olhar a minha volta: maioria branca, sarada, vestida com coisas de marca, classe média aquinhoada. Negros/as só uma babá, uma atendente do bar, alguns ciclistas passando. Dou-me conta que Porto Alegre é uma cidade muito segmentada. Ali, o espaço é de uma classe, maioria jovem. E aí me pergunto, onde estão as pessoas idosas? Porto Alegre, a capital da longevidade, do maior numera de idosas, não estava naquele Parque elitista, apenas três ou quatro me faziam companhia aos 71. Ao sairmos já temos outras pessoas, muitos ciclistas já mostrando outra classe. No restaurante em Ipanema, o quadro de comensais é de adultos e mais ou menos 50% de idosos. Também um local elitizado. Logo, segmentado como é a nossa capital.     *Adeli Sell é professor, bacharel em Direito. Foto de capa: Prefeitura Municipal de Porto Alegre Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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O sereno Marco Aurélio Weissheimer

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O sereno Marco Aurélio Weissheimer
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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim O jornalismo brasileiro está mais pobre. O Brasil está mais triste. O Rio Grande do Sul está de luto. Perdemos Marco Aurelio Weissheimer, levado por um câncer depois de uma valorosa e silente luta pela vida. Marco morreu num leito de hospital, mas caiu de pé. Sem alarde. Sereno, como sempre. É. Se há uma palavra que define Marco, é esta: sereno. Nunca o vi levantar a voz. Não precisava. Raivoso? Nem pensar. Marco era um guerreiro da paz, num mundo em que tantos cultuam a guerra. Trabalhamos juntos ou lado a lado, ombro a ombro, dedos nos teclados, nas muitas aventuras da Carta Maior, onde eu o conheci. Percorremos este mundo velho sem porteira, Porto Alegre, Montevidéu, São Paulo, Brasília, Belém, Caracas, Paris, Berlim, Nairobi, Mumbai e por aí se vai e íamos, estivéssemos no mesmo espaço físico ou no sidéreo do mundo digital, um de nós viajando, o outro editando. Marco militava por um mundo melhor em todas as suas dimensões. A da natureza, a do social, a do cultural, dos animais, das plantas, dos seres humanos, sem privilégios para nenhuma: para ele tudo valia a pena, porque sua alma não era pequena, se me permitem uma citação mais que merecida. Marco surfava nas estrelas, era um campeador da liberdade, aquele que merecia o título do chevalier Bayard, “sans peur et sans reproche”, “sem medo nem mácula”. Não era santo, era simplesmente gentil, humano por inteiro. Conversamos muito sobre muitas coisas. Socialismo. PT. Os governos brasileiros. O Brasil desmiolado e o do nosso coração. Era dono de um humor fino, agudo, afiado, nunca sarcástico. Em minhas voltas a Porto Alegre, cumpríamos um ritual sagrado, por vezes na companhia de nossas companheiras, Katarina a dele, Zinka a minha. Era um festim no Mercado Público. Pouca gente imagina que na pátria do churrasco um prato dos mais típicos seja um peixe, a tainha assada com recheio de camarão da Lagoa dos Patos. Regada sempre com um Sauvignon Branco da região. Enfim, a vida continua, meu amigo que partiste, tão cedo desta vida descontente. Lá em cima destas linhas frágeis diante da grandeza do teu caráter, falei esta palavra a teu respeito: “sereno”. Ela vale como descrição de ti, mas também como metáfora. Pois o sereno, depois de apaziguar a sede da natureza durante a noite, se transfigura em orvalho e brilha ao amanhecer.     *Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Foto de capa: Guilherme Santos/Sul21 Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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