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Obrigado, Fortaleza!

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Obrigado, Fortaleza!
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Por MANUEL DOMINGOS NETO* Fortaleza, nunca fostes bela nem musical quanto um poema, como dizia Lourenço Filho quando em tuas ruas circulavam famintos fugidos do interior. Mas tens mágico diadema e de teu feitiço sou cativo. Sempre fostes um pequeno amontoado de gente bem de vida cercado de multidão desesperançada. Retratas um país injusto com seus filhos. Demonstras a necessidade de reformas sociais profundas. Mas me deixastes alegre neste domingo. Obrigado, aos que, mesmo sem gostar de Lula e do PT, repeliram a aberração da extrema direita. Vocês decidiram essas eleições. Gratidão aos que, revoltados com Fernando Haddad pelos agrados aos banqueiros, compreenderam a importância de barrar a onda fascista. Gratíssimo aos colegas e ex-alunos que temeram prestigiar Camilo Santana, mas foram alertados de que não seria razoável votar na extrema direita. Como lhes prometi, repasso o recado: ministro Camilo, não estimule o ensino superior privado em detrimento do ensino público. Educação é direito, não mercadoria. Não pode ser meio de formação de grandes fortunas. O desenvolvimento do Brasil precisa de boas universidades públicas, com professores e funcionários dignamente remunerados. Meu carinho especial para você, Antônia, que perdeu filho e sobrinho para o tráfico. Foi difícil compreenderes que a segurança de todos não pode vir de quem promete mais violência. Tua ausência das urnas foi importante para derrotar os fascistas. Que o governador Elmano entenda teu recado silencioso e o repasse a Lula. Governantes precisam assegurar a vida de tua prole. Beijo, Antônia. Obrigadíssimo a todas as vítimas do planejamento urbano segregador por compreenderam que, se Evandro Leitão não efetivar melhorias na vida do povo, a outra opção seria mais desastrosa. A institucionalidade existente não é boa. Não assegura função social ao solo urbano, agride o ambiente e permite especulação imobiliária desenfreada. Mas a ampliação da bagunça na gerência pública tornaria Fortaleza o paraíso da bandidagem engravatada. Vocês, exaustos que acordam de madrugada para chegar ao trabalho e tresandam em motos nas ruas de Fortaleza, mesmo desesperançados votaram no PT. Dessa forma, livraram Fortaleza do caos e ajudaram o Brasil à resistir ao pandemônio. Carlinhos, analisamos as inconsistências do programa petista para Fortaleza. Discutimos a postura oligárquica dos políticos cearenses. Vimos a arrogância dos que se apresentam como “esquerda” e desrespeitam as reações populares, tratando os aturdidos como “gado” e arrotando a imbecilidade sociológica do “pobre de direita”. Não obstante, te engajastes na campanha de corpo e alma durante dias a fio. Valeu, continuemos nossa peleja! Obrigado, Nati querida, por colocares o adesivo do 13 no domingo apesar do descaso dos petistas com os animais de rua. Tens razão, essa gente precisa respeitar os indefesos. Finalmente, agradeço aos cearenses que, sem chances na terra natal, ligaram de longe pedindo aos familiares que não votassem no deputado abjeto. Vocês, que estão em São Paulo, no Rio, Brasília, Acre, Nova Iorque, Lisboa, Belém, Teresina amargando a saudade de Fortaleza, são continuadores da saga multissecular dos sobreviventes da seca. Não percamos a esperança. Lutemos! Um dia, nossa terra amada deixará de produzir hostes errantes. Aí, Fortaleza será bela e musical quanto um poema.   *Doutor em História pela Universidade de Paris, escreveu O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (https://gabinetedeleitura.com/). Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Com esperanças renovadas, Cuba celebra entrada no Brics+

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Com esperanças renovadas, Cuba celebra entrada no Brics+
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Miguel Díaz-Canel, presidente de Cuba, comemorou na sexta-feira (25/10) a inclusão do país no Brics+, um dia após o encerramento da cúpula do bloco na Rússia. “Cuba tem a honra de ingressar como país parceiro nos Brics, cinco letras e uma grande esperança para os países do Sul, no árduo caminho rumo a uma ordem internacional mais justa, democrática, equitativa e sustentável”, escreveu o líder cubano no X. O chanceler cubano também se manifestou sobre a entrada do país no bloco. Bruno Rodríguez afirmou que o Brics traz esperança para que os países do Sul Global possam alcançar "uma ordem internacional mais justa". O diplomata representou Cuba na cúpula do Brics+ deste ano. A ampliação do grupo foi um dos principais temas da 16ª cúpula dos Brics, realizada de 22 a 24 deste mês em Kazan, Rússia. Segundo o Kremlin, após as discussões entre os integrantes, 13 países foram escolhidos para integrar o bloco. A lista final será anunciada quando todos os países convidados aceitarem o convite e iniciarem o processo de adesão ao Brics+. Na prática, os países que ingressarem como parceiros terão uma participação mais limitada nas decisões, com a palavra final em casos de divergência sempre reservada aos membros plenos do grupo. “Cuba, ao ser aceita como um país parceiro dos Brics, reafirma o seu interesse e compromisso em associar-se e trabalhar em conjunto com os seus membros na defesa do multilateralismo, da paz, do Direito Internacional e da construção de uma agenda de desenvolvimento e cooperação que responda às prioridades do Sul”, escreveu o ministro das Relações Exteriores cubano no X.   Com informações do Metróp0les. Foto: Wu Hong Pool/AFP Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.          

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O crescimento do Centrão e os Desafios da Esquerda hoje

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O crescimento do Centrão e os Desafios da Esquerda hoje
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Em entrevista concedida para o Podcast Mesa de Debates, depois do primeiro turno das eleições municipais deste ano, o cientista político Benedito Tadeu César, especialista em partidos políticos e comportamento eleitoral, analisa o cenário político e vê as esquerdas frente a desafios que precisam urgentemente serem enfrentados. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista, cujo texto foi revisado e atualizado pelo autor após os resultados do segundo turno.   Mesa de Debates Iniciaremos com uma pergunta: muitos estão comentando que quem se saiu fortalecido nas eleições foi o Centrão, que representa a direita e a extrema-direita. Como você analisa esse resultado e o fortalecimento dessas forças?   Benedito Tadeu César Bem, eu não tenho dúvida de que os grandes vitoriosos foram os partidos que compõem o Centrão — prefiro chamá-los de Partidos de Negócios, que geralmente tendem à direita. Juntamente com a extrema-direita, eles controlam uma parte considerável das verbas do Orçamento Público da União que não são de vinculação obrigatória. A Constituição estipula várias áreas que devem receber verbas obrigatoriamente: saúde, educação e assim por diante. Cerca de 45% do que sobra está sob o controle do Centrão, que detém cerca de 70% do Congresso.   Isso os fortaleceu de maneira extraordinária nas últimas eleições, uma vez que conseguem transferir recursos do chamado Orçamento Secreto, que, embora tenha melhorado recentemente, continua existindo, além das Emendas Pix, que não exigem prestação de contas. Isso gera uma fonte quase inesgotável de recursos que são direcionados para municípios com base nos interesses dos deputados e senadores, mas especialmente dos deputados. Portanto, era razoavelmente previsível que obtivessem um resultado sólido nas urnas.   Entendo que não avançaram tanto quanto poderiam, mas ainda assim continuam em crescimento. Se analisarmos desde as eleições de 2020 até agora, até mesmo desde 2016, vemos que eles têm avançado de forma consistente. Eles já controlavam mais de 70% das Prefeituras e agora ampliaram seu domínio também nas Câmaras Municipais, hegemonizando cerca de 5000 das 5570 existentes no Brasil. Isso representa um capital eleitoral significativo.   Os vereadores funcionam como os grandes cabos eleitorais dos prefeitos e deputados e, com os prefeitos, também são essenciais para eleger governadores, senadores e até o presidente da República. Estão acumulando, portanto, um poder político considerável.   Contrapõe-se a isso o fato de a esquerda ter experimentado um pequeno crescimento, em comparação com pleitos anteriores, mas foi um crescimento bastante modesto. É importante lembrar que neste momento a esquerda detém a presidência da República. O Lula ocupa a Presidência, mas não podemos considerar que temos um governo de esquerda. É um governo de coalizão e, com a atual composição do Parlamento, é inviável que o governo federal possa implementar uma agenda de esquerda.   A Esquerda Também Tem Responsdabilidade Nos Resultados Das Eleições Vejo muitas pessoas reclamando das pesquisas eleitorais, da mídia e das questões financeiras, com as verbas nas mãos do Centrão e da extrema direita. Contudo, há aspectos que são, sim, responsabilidade da própria esquerda, que ainda não conseguiu desenvolver uma comunicação social eficaz. Esperávamos que a vitória do Lula gerasse algum instrumento para potencializar os milhares de canais alternativos que existem de forma autônoma, mas isso nunca aconteceu. No governo, não há um esforço direcionado para fortalecer essa comunicação, e as realizações do governo federal são, em grande parte, mal divulgadas.   Não adianta somente culpar a mídia tradicional. Cada um tem sua postura. Ou a esquerda cria os seus próprios instrumentos e atua com competência, ou não adianta lamentar os insucessos. É a velha máxima que se relaciona ao futebol: “Já combinou com os russos?” Cada grupo está jogando seu próprio jogo. Reclamar que os outros estão se saindo bem não resolve. Temos que trabalhar para vencer.   No entanto, percebo que estamos falhando em vários aspectos, incluindo na escolha de candidatos e na relação com os eleitores. Temos atualmente o menor índice de desemprego desde que esse dado começou a ser medido com a atual metodologia, mas a maior parte da população desconhece essa informação. As pessoas que estão empregadas tendem a achar que tudo é um resultado exclusivo de seus próprios esforços, sem levar em conta a atuação do governo federal. Não se trata apenas de se ter uma política econômica com bons resultados e uma boa comunicação social. É imprescindível que a esquerda saiba se relacionar com as camadas populares.   Estamos priorizando pautas extremamente relevantes, mas que não tocam diretamente o coração do eleitor -- e tem muita gente falando isso nestas últimas semanas. O eleitor, muitas vezes, vota movido pela emoção e não pela razão. Quando focamos em pautas comportamentais e de identidade, que são importantes, mas que não são no momento as mais importantes para as pessoas, corremos o risco de abrir espaço para o conservadorismo. As igrejas de denominações evangélicas pentecostais, que defendem uma posição conservadora em relação às pautas comportamentais, estão mais presentes nas comunidades e os pastores promovem a Teologia da Prosperidade. Apontam que, se a pessoa se esforçar, conseguirá alcançar seus objetivos e que isso depende exclusivamente dela e, claro, de suas contribuições para a igreja. Políticas públicas como as cotas para as universidades e para o serviço público e o Bolsa Família, muitas vezes, são apresentadas como negativas.   Muitas pessoas, inclusive entre os próprios trabalhadores, veem esses benefícios e incentivos sociais como “prêmios à vagabundagem”. Para muitos, o sentimento é de que “estão tirando de mim para dar para vagabundo”. Não há um trabalho efetivo da esquerda para esclarecer a importância dessas políticas. Não dá para esperar chegar na semana das eleições e achar que se conseguirá reverter anos de discursos conservadores. A esquerda se afastou das comunidades, abrindo um espaço muito grande.   A insatisfação popular com suas condições de vida e com o Estado, visto como quem atrapalha mais do que ajuda, é palpável. Primeiro, foi o Bolsonaro ocupando esse espaço e agora surgem alternativas que parecem ainda mais preocupantes. O Ramagem, por exemplo, no Rio de Janeiro, fez mais de 30% dos votos, mesmo que se considere que houve uma derrota flagrante de Bolsonaro na cidade que é o seu berço político, na medida em que Paes ganhou no primeiro turno. Ramagem se apresentou como um idiota: “agora é a vez dos idiotas”, disse ele. O Pablo Marçal, em São Paulo, não se apresentou como idiota, mas fez conscientemente o papel de idiota e quase passou para o segundo turno e os votos dele migraram depois para o candidato da “centro direita”. O Boulos é um enorme quadro político, mas não é um candidato capaz de conquistar os votos do eleitorado de centro para poder vencer uma eleição em São Paulo.   A esquerda parece ter se empolgado demais com os resultados favoráveis em cargos proporcionais, que, por sua vez, favorecem candidaturas de nicho com pautas identitárias. Acreditam que esse tipo de discurso funcionará em eleições majoritárias, o que é um equívoco crasso. Nas eleições proporcionais, a dinâmica favorece grupos organizados, como negros e mulheres, que conseguem eleger seus representantes. Já nas majoritárias, a lógica é diferente: você precisa da confiança de todos os segmentos para ganhar as eleições e para governar, inclusive segmentos de centro que são mais conservadores em relação às pautas comportamentais.   Em Porto Alegre, por exemplo, nós tivemos a Maria do Rosário como candidata e o candidato da centro direita, que é o Prefeito Sebastião Melo, sabidamente responsável pelas trágicas consequências das enchentes do meio do ano por não dar manutenção ao equipamento antienchente existente na cidade, não venceu a eleição no primeiro turno por meros 3 décimos percentuais (que, aliás, foram conseguidos por outro candidato de direita), deixou de ganhar a eleição no primeiro turno e venceu com mais de 60% dos votos válidos no segundo turno. Em Porto Alegre, aliás, a soma das abstenções e dos votos brancos e nulos foi superior aos votos obtidos pelo vencedor do pleito, o que demonstra a falta de opção sentida pelo eleitorado.   A Maria do Rosário é um excelente quadro político, mas para eleições proporcionais. Não é para se candidatar para governar a maioria da população. A acusam de proteger bandidos, porque ela defende os direitos humanos, de ser “gayzista”, porque ela defende o direito dos homossexuais e das pessoas transsexuais. São colados estigmas nas pessoas e você não os desfaz numa campanha eleitoral.   A Sociedade Brasileira Não É Mais A Mesma Do Tempo Em Que O PT Nasceu A realidade é que a esquerda hoje não apresenta propostas que ressoem entre a população. O contexto mudou. O surgimento do PT decorreu de uma transformação social que também se alterou ao longo do tempo. O desenvolvimento econômico ocorrido durante o período nacional-desenvolvimentista e depois durante parte da ditadura de 1964/1985 possibilitou o surgimento de um operariado especializado, com um grau de instrução mais alto e com uma remuneração mais alta do que o do período anterior. Hoje, o trabalhador com carteira assinada está se tornando cada vez mais uma minoria, e muitos dos que antes ascenderam socialmente acabaram adotando posições individualistas, influenciados pelo neoliberalismo. Por exemplo, que propostas a esquerda tem que seja aceita pela maior parte dos trabalhadores de aplicativo? Praticamente nenhuma.   Enquanto isso, os pastores estão nas periferias, fazendo um trabalho que, embora possa ser questionado em muitos aspectos, estabelece um contato com o povo que a esquerda parece ter perdido. Falam aos trabalhadores por conta própria da maneira como eles se identificam, já que eles não se reconhecem como trabalhadores, mas sim como “empreendedores”. Enquanto isso, as esquerdas chamam esse novo tipo social de “trabalhador precarizado”; esse termo soa ofensivo – ninguém gosta de ser um “precarizado”. A realidade social mudou e a esquerda precisa ter uma comunicação que faça sentido para essas pessoas.   Os partidos de esquerda se tornaram oligarquizados, como quaisquer outros. Os parlamentares assumiram o controle das máquinas partidárias e a dificuldade para renovar os partidos é uma preocupação. Por que é tão complicado fazer alianças? O Lula conseguiu, com toda a complexidade das forças políticas do país, mas nas Prefeituras as alianças não têm se concretizado. Acredito que isso se deva a interesses pessoais que interferem no processo, e não me refiro a casos individuais, mas a um padrão observado na esquerda como um todo.   Os partidos não se renovam, o discurso não se renova, eles se afastaram da população, estão atuando no nível institucional apenas. No início, o PT atuava nas comunidades e secundarizava muito a ação nas instituições; hoje inverteu-se a posição, conquistou importantes espaços institucionais e afastou-se muito das comunidades. Enquanto isso, a direita, pela via dos pastores e dos vereadores estão na periferia explorando as frustrações das pessoas. Estão dizendo que ninguém lhes dá nada, que o Estado, quando interfere, é apenas para os prejudicar; que o Estado presta maus serviços, mas cobra impostos e não traz nada além de corrupção. Contra isso, dizem, a pessoa tem que se esforçar, porque o sucesso depende exclusivamente do teu esforço individual e que a culpa pelo insucesso é dos que não se esforçam.   De outro lado, a esquerda defende os direitos humanos, enquanto essas pessoas estão sendo assaltadas na parada do ônibus ou têm o seu carro, moto ou bicicleta, usados para o trabalho com os aplicativos, roubados. A esquerda defende o direito do casamento homossexual e as pessoas sentem que estão destruindo a família que, ao lado da igreja, é o único lugar que elas têm como referência e como possibilidade de segurança. Não estou dizendo que essas pautas são erradas, mas observando que essas pautas desestabilizam a moral tradicional reforçada pelas igrejas nas comunidades. A esquerda perdeu o pé, companheiro. E, então, ela está pagando o preço.   Radicalizar O Discurso É A Solução? Alguns insistem em que a esquerda tem que radicalizar o seu discurso, que não deve fazer alianças e que deve afirmar as suas pautas. Mas quais são essas pautas? As identitárias, as desses direitos que as pessoas não entendem o que sejam? Se a esquerda não chegar na população e não entender as demandas da população, não adianta querer “radicalizar”. Não adianta ir com os nossos candidatos que defendem bandeiras distantes da população e querer ganhar eleições. Parece-me que a esquerda brasileira está virando a liberal democracia estadunidense. Ela está importando as pautas norte-americanas, que são importantes, mas que não são as que a população brasileira entende como fundamentais. Há outras questões mais emergentes, mais urgentes, que precisam ser enfrentadas, mas a esquerda se descolou delas.   Se a esquerda não der um freio de arrumação, a perspectiva para daqui a dois anos será trágica. As direitas e a extrema direita estão com tudo nas mãos para ganhar a eleição. Nós somente conseguimos ganhar a eleição para a Presidência da República porque contávamos com Lula como candidato. Qualquer outro nome que tivesse concorrido teria sido derrotado. A diferença foi de apenas um ponto percentual. Portanto, é razoável concluir que, se outro candidato tivesse sido escolhido, a eleição teria sido perdida.   A vitória no segundo turno se deu em razão de uma aliança ampla. Tínhamos Alckmin, um político de centro-direita, na vice-presidência, e hoje contamos com Tebet no Ministério. Não entrarei nos detalhes da composição ministerial atual, mas é importante frisar que a participação de Tebet no segundo turno foi fundamental para nossa vitória.   Quem foram os vitoriosos do campo da esquerda no primeiro turno das eleições municipais? Aqueles que promoveram alianças amplas. Margarida Salomão foi reeleita em Juiz de Fora, Minas Gerais; Marília Campos venceu em Contagem, também em Minas; Paes se destacou no Rio de Janeiro; e João Campos triunfou em Recife, Pernambuco. Todas essas vitórias foram fruto de alianças amplíssimas, que inclusive incorporaram setores da centro-direita. Entretanto, de maneira geral, não temos conseguido nem mesmo unir a esquerda. Em Porto Alegre, a esquerda apresentou dois candidatos. Não é viável ganhar eleições dessa maneira.   É evidente que existem pessoas com uma visão completamente diferente da minha. Sei que há quem defenda a necessidade de radicalização. Concordo que é preciso radicalizar, mas qual deve ser a pauta? Se as pautas em discussão forem as que estão sendo utilizadas atualmente, na minha avaliação, isso representaria um salto para o precipício. Radicalizar separados da população é como pular de cabeça em um abismo.   Uma frase de uma canção de Milton Nascimento, da minha juventude, diz: “todo artista tem que ir aonde o povo está”. Precisamos ir até o povo e falar na sua linguagem. Como podemos fazer isso? Essa é uma questão que devemos construir coletivamente.     Mesa de Debates Um ponto que me chamou a atenção, e gostaria de discutir, é a escolha inadequada dos candidatos pela esquerda. Com base em que você afirma isso? Como deveriam ser feitas as escolhas dos candidatos da esquerda? O que isso poderia significar em relação aos interesses das cúpulas?   Benedito Tadeu César Sem dúvida, é o que eu estava mencionando. A oligarquização dos partidos de esquerda fez com que aqueles que controlam a máquina partidária visem principalmente manter o poder que já possuem, seja dentro do partido, seja nos mandatos que detêm. Hoje, ao se candidatar a um cargo majoritário ou executivo, é aceitável perder, pois isso se transforma em uma campanha antecipada para a Assembleia Legislativa, por exemplo. Muitas vezes, detentores de cargos eletivos utilizam funcionários de seus gabinetes ou de outros gabinetes alinhados a sua tendência como candidatos, assegurando assim o seu espaço. Não estou afirmando que todos fazem isso, mas essa prática é preocupantemente comum.   Por que não conseguimos fazer alianças? Lula faz alianças, mas por que não conseguimos fazer o mesmo para as Prefeituras? Por que no nível federal se consegue formar parcerias e no municipal não? Isso ocorre devido a interesses individuais ou de pequenos grupos que estão interferindo nessa dinâmica. Falo das esquerdas de forma geral, não me referindo a casos específicos.   Não temos candidatos ruins. Boulos não é um mal candidato. Maria do Rosário também é uma excelente candidata. Contudo, seus perfis são mais adequados para candidaturas proporcionais, em que representam um segmento mais à esquerda do eleitorado, do que para majoritárias, em que é preciso conquistar votos mais ao centro. Além disso, quando não há renovação nos quadros fica difícil a escolha.   A esquerda tem se repetido, com raras exceções, e não tem emergido novos nomes. Principalmente no PSOL, temos visto novos candidatos a vereador(a), o que é positivo, mas, em grande parte, os quadros que concorrem em candidaturas majoritárias são antigos e já estigmatizados pela população.   O que devemos fazer? Primeiramente, não se pode criar candidatos na véspera da eleição. O momento de construir alianças ocorreu antes das eleições municipais, quando poderíamos ter aberto espaço. Se não tínhamos grandes nomes, precisávamos abrir mão das cabeças de chapa. Contudo, mais importante do que isso, é fundamental que trabalhemos fora do período eleitoral para restabelecer nosso contato com a população. Nós nos afastamos do povo, e temos um discurso que acreditamos que deve ser compreendido por ele. E muitos ficam até com raiva dele por não serem ouvidos.   Em Porto Alegre, vemos por que o Melo ganhou, mesmo sendo acusado de ser responsável pelas enchentes. Na cabeça da população, ele está sempre presente, fora das eleições, trabalhando para resolver as coisas. A confiança é algo que se constrói ao longo do tempo, não dá para esperar que as pessoas confiem em você apenas em períodos eleitorais, quando você vem fazer denúncias do que não foi feito por outros.   A esquerda, e esse é o problema central, perdeu o contato com as "bases", e isso não significa ir lá apenas para dar ordens ou levar o seu discurso como professor. O papel de um dirigente não é meramente esperar que as bases decidam, mas elas também precisam ser ouvidas. É preciso haver sensibilidade e é essencial que exista empatia. Não adianta chegar depois com suas pautas e esperar que as pessoas aceitem.   O pastor está presente nas periferias, junto dos fiéis. O irmão, membro da igreja, com a bíblia sob o braço, chega em casa após um dia de trabalho, depois de ter enfrentado humilhações. Ele toma um banho, se arruma, pega a bíblia e segue para a igreja. Lá, ele é acolhido, pode se expressar e é ouvido. Não adianta aparecer na véspera da eleição e afirmar: “tudo o que o seu pastor diz está errado”. Ele confiou naquele pastor durante 320 dias no ano; não deixará de crer nele em apenas 45 dias!   Quem está dentro dos presídios? Nós defendemos os direitos humanos e quem clama que “bandido bom é bandido morto” é o pastor. No entanto, ele está presente nos presídios e declara que aquela pessoa pode se salvar, e estende a mão para oferecer ajuda. Diz: “Você pode deixar de ser o bandido que deve ser morto, basta que você queira, que renuncie a esse caminho e me siga”. Essa situação é complexa e desafiadora.   Mesa de Debates Em relação à renovação das lideranças, ninguém deseja isso, mas é uma possibilidade que deve ser considerada. Por exemplo, com a morte de Lula, quem será a próxima referência da esquerda?   Benedito Tadeu César Há nomes, e o primeiro que me vem à mente é Haddad, que já se candidatou à Presidência da República. Contudo, ele não possui o apelo popular que Lula detém. Boulos tem um perfil de atuação popular, mas carrega o estigma do “invasor”, sendo visto como alguém que “rouba propriedade”. Esse estigma é muito forte. Desde a campanha presidencial de 1989, a direita usou um exército que visita as casas das pessoas, vestindo camisetas de partidos de esquerda, com trenas e pranchetas, dizendo: “Viemos medir sua casa porque, se Lula ganhar, colocaremos mais duas famílias para morar com você.” Isso causa pavor.   Boulos traz essa marca consigo. É claro que ele não faz isso e não tem nada a ver com isso, mas essa questão precisa ser trabalhada ao longo do tempo. Acredito que é possível superá-la, mas requer muito esforço e aproximação com o povo.   Lula sofreu uma queda recentemente, mas isso não deve ter consequências significativas, visto que sua saúde é boa. Acredito que, até as próximas eleições, ele terá condições de se candidatar e governar, o que nos dará tempo para trabalhar na construção de um substituto. Contudo, se não mudarmos nossa postura nos próximos dois anos – melhorando a comunicação, aproximando-nos da população e aprendendo quais discursos e pautas realmente interessam a ela – até Lula pode perder. Lula não é infalível; ele é uma ideia, como ele mesmo diz, mas ela precisa ser trabalhada e levada à população com êxito.   Eu sempre digo que o PT surgiu em um contexto social específico, que, com o tempo, mudou. Assim como ocorreu com o antigo trabalhismo e Brizola, que foram atropelados pelo PT, o PT e Lula podem ser atropelados, agora por uma direita e uma extrema-direita que conseguem chegar até o povo. Hoje, a estrutura social se transformou. O trabalhador não é mais o de grandes indústrias, organizado em sindicatos e partidos políticos. Precisamos compreender estas transformações e apresentar propostas. As transformações ocorreram e não as acompanhamos.   Costumo lembrar um tema que foi esquecido: os “rolezinhos”. Durante o governo Dilma, os jovens da periferia iam aos shoppings para exercer seu direito de consumo. Eles buscavam consumir produtos de grandes marcas: bonés, tênis, calças, camisetas... Havia, inclusive, o “funk ostentação”, com jovens exibindo correntes, pulseiras e anéis de ouro. Isso representa uma ascensão social de uma camada que começou a ver perspectivas e a ganhar dinheiro, mas não nos aproximamos deles; não entendemos o que aquilo significava. Veio a crise e essas pessoas frustraram suas expectativas.   A classe média, já descontente com as esquerdas e com o PT por se sentir menos beneficiada e ameaçada, ficou ainda mais insatisfeita. O que ocorreu? Os 40 milhões que ascenderam socialmente e que antes estavam fora do mercado de consumo melhoraram seu padrão de renda, enquanto os mais ricos enriqueceram ainda mais, já que não havia e não há tributação sobre ganhos de capital e lucros financeiros. Essa classe média se sentiu estagnada e ressentida.   Costumo dizer que as classes médias são, de certa forma, uma criação da social-democracia na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil. Elas foram o melhor resultado do pós-Segunda Guerra Mundial e fortaleceram os partidos social-democratas na Europa, o Partido Democrata nos EUA, o histórico PTB e o PT no Brasil, além do peronismo na Argentina. Essa classe média, agora, se sente perdida e ressentida; não recebeu privilégios. Os que estavam na base subiram, mas os que estavam bem acima subiram ainda mais, enquanto a classe média ficou estagnada. A sensação é de empobrecimento, pois os que estavam abaixo se aproximaram dela e os que estavam acima se distanciaram. Isso gera um sentimento de perda, que alimenta discursos neoliberais baseados no ultra individualismo. A mesma coisa ocorre com a camada de baixa renda que ascendeu socialmente e tinha expectativa de ascender ainda mais e que, de repente, se depara com a frustração desta expectativa, aderindo à ideia de que o sucesso depende apenas de seu esforço individual.   Nesse contexto, surgem figuras como Pablo Marçal, que, com um discurso de coach e práticas financeiras questionáveis, ganham notoriedade. Precisamos compreender e trabalhar essa realidade. Insisto muito nesse ponto, pois precisamos entender isso. Se não fizermos essa reflexão, seremos atropelados.   Mesa de Debates Agradeço pela conversa e pela oportunidade de debater pontos tão relevantes. Passo agora para suas considerações finais.   Benedito Tadeu César Quero agradecer a oportunidade de falar. Estou realmente preocupado. Se eu puder fazer um apelo, quero enfatizar que todos nós precisamos empreender um grande movimento de reflexão coletiva. É imprescindível abrir espaço dentro dos partidos de esquerda para discutir essas questões. Sei que não será fácil. Há uma frase na teoria das organizações que diz: “Quem fala em organização fala em oligarquização”. Essa é uma característica inerente às organizações. Nossa tarefa é resistir a isso e promover movimentos contrários. Não estou culpando ninguém; estou apenas ressaltando que isso é inerente à esse tipo de estrutura. Portanto, todos devemos nos unir – dirigentes, militantes, simpatizantes, eleitores sem vínculo partidário – todos nós que temos um compromisso social, para nos envolvermos nesse trabalho. Agradeço novamente.   *Benedito Tadeu César é cientista político, professor universitário aposentado (UFRGS e UFES), especialista em partidos políticos e comportamento eleitoral. É autor do livro PT: a Contemporaneidade Possível, integrante das Coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED Rede Estação Democracia. Foto da capa: Equilibrista Inos Corradin - Galeria EUEARTE   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia. Leia também: Uma nova forma para o campo democrático e popular Direita é hegemônica em cerca de 5 mil câmaras municipais Quadro nas capitais consolida força do centro O governo e a esquerda foram derrotados Esquerda deve focar na guerra simbólica Assista o vídeo com a íntegra da entrevista https://www.youtube.com/live/Tk-OQs06828?si=D1ztz7MKo9fNwxuF

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Esquerda favorita nas eleições

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Esquerda favorita nas eleições
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Por SOLON SALDANHA* As urnas confirmaram, neste domingo e sem nenhuma surpresa, que o candidato da esquerda é o favorito para chegar ao poder. Yamandú Orsi, da Frente Ampla, terminou em primeiro lugar no primeiro turno e deverá enfrentar, no dia 24 de novembro, data do segundo turno, o candidato conservador Alvaro Delgado, do Partido Nacional. Na terceira posição chegou Andrés Ojeda, do Partido Colorado, sendo este último o de maior presença nas mídias sociais – o que, no caso do país vizinho, não lhe garantiu o sufrágio necessário. Ainda existiam outros candidatos, cuja votação foi inexpressiva. Estou me referindo ao Uruguai, como não deve ter sido difícil para os eleitores perceberem. Os uruguaios deverão manter dentro de um mês aquilo que apontam as pesquisas e o que preveem todos os analistas políticos: o seu desejo de entregar o comando do país outra vez para a Frente Ampla. Na chapa, como vice de Yamandú, está Carolina Cosse, ex-prefeita de Montevidéu, que é do Partido Comunista. Os cargos de presidente e vice serão exercidos pelos nomes componentes da chapa que venha a vencer, entre os anos de 2025 e 2030. A coalizão Frente Ampla já governara o Uruguai durante 15 anos, com dois mandatos de Tabaré Vázquez (2005/2010 e 2015/2020) tendo entre eles um de José Mujica (2010/2015). Isso antes deste atual período, que tem Luis Alberto Lacalle Pou como presidente, representante de uma coligação conservadora. No período em que a esquerda governou foram aprovadas e sancionadas várias leis progressistas, como a permissão para o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do uso da cannabis para fins recreativos. Também foi desencadeado processo que levou o país a ter uma das redes de energia mais verdes do mundo, sendo agora cerca renovável em 98% do total. Ao longo deste tempo o país também alcançou uma estabilidade social invejável, o que o mantém bem distante dos riscos totalitários vividos no Brasil, com Bolsonaro, e na Argentina, com Milei. Quem mais se aproximava destes dois maus exemplos vizinhos era o candidato que ficou de fora. Ojeda é um advogado musculoso de 40 anos, com propostas pouco sérias e muito mais frutos da sua experiência midiática. Buscava atrair jovens eleitores apresentando vídeos na sua campanha que o mostravam fazendo exercícios em uma academia, além de outros ainda mais espalhafatosos e sem nenhum sentido propositivo. Alvaro Delgado, por sua vez, o representante situacionista, tem 55 anos, é deputado e foi chefe de gabinete do atual presidente. Como profissão, é veterinário. Yamandú Orsi tem 57 anos, foi prefeito e trabalha como professor de História. Tem raízes humildes e manteve sem esforço algum a sua imagem nos anúncios da campanha eleitoral. Eles o mostravam com cuia na mão, tomando mate, além de em alguns aparecer passeando com o seu cachorro em roupas casuais. Isso porque era assim que ele era visto na vizinhança antes de se tornar candidato – não passou, por exemplo, a usar um chapéu de palha por interesse, forçadamente. A votação não foi apenas para presidente: também foram escolhidos 30 senadores e 99 deputados, além de ser decidida pela reformulação ou não do atual sistema de seguridade social do país, em dois referendos constitucionais. O número de eleitores aptos a votar agora em 2024 era de exatos 2.727.120. Os uruguaios não são obrigados por lei a votar nos seus plebiscitos, mas o voto é obrigatório quando se tratam de disputas para a presidência e o parlamento. A participação no pleito anterior, ocorrido em 2019, ultrapassou os 90% e se tornou uma das maiores de todo o mundo democrático. Sobre os referendos, o primeiro analisa proposta do presidente Lacalle Pou, que deseja autorizar operações policiais em residências durante a noite, o que agora é proibido. O segundo quer reduzir a idade mínima para a aposentadoria, dos atuais 65 para 60 anos, sendo uma proposta apresentada pela central sindical única Pit-CNT, além de ligar pensões ao valor do salário mínimo, na busca de dar mais dignidade para os trabalhadores aposentados. Dados oficiais divulgados por “La Corte Electoral” às 04h44min desta madrugada, quando a apuração alcançava 99,92% do total, mostravam os seguintes números: Yamandú Orsi, da Frente Ampla (esquerda), 1.057.515 votos (43,94%); Alvaro Delgado, do Partido Nacional (centro/direita), 644.147 votos (26,77%); e Andrés Ojeda, do Partido Colorado (direita/extrema-direita), 385.685 votos (16,03%). Em termos territoriais, Yamandú liderou em 12 dos 19 Departamentos – regiões que seriam equivalentes aos nossos Estados – que compõem o país: Montevidéu, Canelones, Colônia, Durazno, Florida, Paysandú, Rio Negro, Rocha, Salto, San José, Soriano e Tacuarembó. Delgado chegou na frente em seis: Artigas, Cerro Largo, Flores, Lavalleja, Maldonado e Treinta y Tres. E Ojeda venceu apenas em um: simbolicamente, Rivera, na divisa com o Rio Grande do Sul. Para que não passe em branco, entre os candidatos “nanicos” o mais destacado foi Guido Manini Rios, do Cabildo Abierto, um partido de extrema-direita fundado em 2019. Obteve 2,43% dos votos. Como curiosidade, o papel do vice-presidente no Uruguai é muito maior do que o atribuído no Brasil e em outros países. Lá ele assume como sendo o “primeiro senador” e presidente da Assembleia Geral. Isso potencializa a importância da sua função, o tornando de certa forma a principal ponte entre os poderes Executivo e Legislativo. Outra é que existem votos que chamam de “observados”. Estes ficam latentes, sendo contados apenas se necessário, com o placar muito próximo entre dois candidatos. Nesta categoria se enquadram votantes em zona eleitoral diferente da sua, ou cujos nomes por alguma razão não são encontrados nos cadastros. Os dados são anotados em separado, para verificação posterior.   *Jornalista e blogueiro. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Foto: Divulgação | Yamandú Orsi, da Frente Ampla, vai para o segundo turno como favorito Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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Conheça a história do ‘O Interior’: um jornal revolucionário do campo e do cooperativismo no Rio Grande do Sul

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Conheça a história do ‘O Interior’: um jornal revolucionário do campo e do cooperativismo no Rio Grande do Sul
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Jornal que completa 50 anos da sua criação teve um papel histórico no desenvolvimento do gaúcho rural O jornal O Interior está completando 50 anos de história no desenvolvimento do cooperativismo, da agropecuária e da agricultura do Rio Grande do Sul neste 28 de outubro. É um marco importante para um jornal que forjou uma geração de jornalistas e que jogou o cooperativismo para um patamar importantíssimo. Durante a sua trajetória alongada por meio século, O Interior se reinventou muitas vezes. Surgido em outubro de 1974, o veículo surpreendeu o próprio presidente da República da época, general Ernesto Geisel, ao se ver estampado na capa do primeiro número do jornal, retratando-o em evento ocorrido poucas horas antes, em Carazinho. Nesta era inicial, fixada na região produtora do interior riograndense abrangendo seis cooperativas mantenedoras de 13 municípios, o jornal estava muito próximo do seu leitor com quem seus repórteres e diretor se encontravam, diariamente, para uma conversa que trafegava no linguajar que verbaliza a cultura e os costumes do homem do campo, espelhado nas páginas da publicação semanal. Era adequadamente alcunhado de "a voz do produtor rural, do agricultor, do colono". O jornal mostrava a evolução dos equipamentos e recursos para maior produtividade da lavoura e agradava. A partir de 1981 com parte da própria equipe de Carazinho transferida para Porto Alegre, cerca de 300 quilômetros distante, o jornal aporta na segunda fase, marcada pelo envolvimento de mais de 70 cooperativas agropecuárias, espalhadas por todo o RS, e reunidas na Federação das Cooperativas de Trigo e Soja (Fecotrigo). Era então "o jornal do cooperativismo". A repórter Leila Ribas Mertins, entretanto, continuou em Carazinho, como elo de ligação permanente de O Interior com o interior, preservando o DNA da identidade primordial. Reflexo dos acontecimentos políticos, sociais e econômicos de uma população farta do regime de exceção, o jornal registra a ânsia da sociedade por mudanças, defende abertamente a redemocratização e posiciona-se ao lado do produtor rural cooperado, efervescente em suas reivindicações setoriais específicas. Veículo surpreendeu o general Ernesto Geisel ao se ver estampado na capa do primeiro número do jornal, retratando-o em evento ocorrido poucas horas antes, em Carazinho / Reprodução   Testemunha da manifestação das pessoas das lavouras, uma série de capas, publicadas no período em torno do maior ato de protesto rural realizado no Brasil, em 2 de outubro de 1984, também foi capaz de surpreender outro presidente da República, o político civil Tancredo Neves que, eleito, não governará, sucumbindo à uma doença letal. Em sua presença, "O Grito do Campo" ecoou em um estádio de futebol lotado, o Beira-Rio, estremecendo o país, e fortalecendo a postura política do jornal. Constituinte Cooperativa Nessa caminhada redemocrática do país, a Constituinte Cooperativa, sucedânea da Carta Magna brasileira de 1988, foi uma bandeira do cooperativismo que o jornal manteve erguida até consolidar-se a Lei Cooperativa. Outra mudança aconteceu a partir de 2008, quando O Interior foi editado pela Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Ocergs), entidade estadual que congrega as cooperativas de todos os ramos econômicos – e não mais estritamente da área agropecuária. Uma visão mais urbana é incorporada à linha editorial que assumiu o papel de porta voz da instituição, divulgando assuntos e ações do âmbito da afiliadas de todos os segmentos econômicos e sociais. Nessa versão impressa colorida e com papel de qualidade próprio de revista, o veículo circulou até 2015. Passou, então, exclusivamente ao formato online. Renomeado como O Interior Cooperativo, o boletim – definido na moderna nomenclatura da web como newsletter – é enviado através de plataformas digitais, com notícias sobre o sistema cooperativo. Evidentemente, essa capacidade de adaptar-se às novas situações surgidas das diferentes mantenedoras, não é o único diferencial destacado do jornal que enfrentou, ainda, as novas regras da reforma ortográfica e a transformação tecnológica que impactou todo o sistema de elaboração jornalística e de produção gráfica, forçando-o a continuar reinventando-se sempre. Jornalistas receberam prêmio da Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI) / Reprodução   Para um dos primeiros repórteres e editores de O Interior, André Pereira, o jornal foi um laboratório de aprendizado imprescindível para dezenas de jornalistas. Ele trabalhou em Carazinho e em Porto Alegre. José Roberto Garcez, falecido no dia 20 de outubro, Pedro Osório, Carolina Bahia, Roberto Tomé, José Antônio Simch da Silva, Sergio Becker, Otacilio Grivot, Ayrton Kanitz, Carlos Wagner, Silvio Peter, Paulo Denis Pereira, Celso Bevilacqua, Moisés Mendes, Humberto Andreatta, além de muitos outros, mais os cartunistas Edgar Vasques, Santiago, Iotti, Moa, Bier, os fotógrafos Jacqueline Joner, Eneida Serrano, Luiz Abreu, Emilio Pedroso, foram alguns dos nomes que se destacam no O Interior. Sempre com pautas inovadoras, criativas, buscava assuntos extraordinários para abordar e explorar sobre a vida do campo e de sua gente, coisas praticamente ignoradas pela grande mídia. Por isso mesmo, o jornal recebeu muitos prêmios de jornalismo, em texto, charges e ilustrações. E várias matérias saíram das suas páginas para o formato de livros como "Monges Barbudos - O Massacre do Fundão", de Carlos Wagner e André Pereira. Livro Os 50 anos do jornal vão virar livro. As pesquisas já estão em andamento. São difíceis. Há cerca de mil edições arquivadas, mas nem sempre foram organizadas de modo eficiente. O trabalho está sendo feito por dois pioneiros do O Interior, Waldir Antonio Heck e André Pereira. Vários textos já foram produzidos, mas ainda não há uma data para o livro ser publicado. “Estamos avançando, o processo está em gestação, mas vai sair”, garantiu Waldir em entrevista ao Brasil de Fato RS. O jornalista Waldir Antonio Heck, hoje com 85 anos, criou, em 1974, o jornal O Interior, familiarizado que era com o tema da agropecuária e do cooperativismo desde a infância. Filho mais velho do alfaiate Adão Augusto Heck e da dona de casa Olina Heck, ele lembra que sempre ia para a roça com os avós paternos, que eram agricultores, em sua cidade natal, Tapera, distrito de Carazinho. "Esta é a origem que me guiou por quase toda vida, por isso, nunca consegui me desligar da agricultura. Vira e mexe, na minha vida, voltava para o agro", recorda ele. Enfrentou tragédias pessoais, como a morte de três irmãos em diferentes circunstâncias, ele, já com 16 anos e estudando em Porto Alegre, decidiu voltar para terra natal para dar apoio aos pais e a irmã mais nova, Rejane. Em Carazinho trabalhou em uma madeireira, mas já estava se sentindo inquieto por lá, então, decidiu voltar a Porto Alegre, em 1957, para concluir os estudos. Três anos depois, começou a trabalhar no extinto Banco Industrial e Comercial do Sul (Sulbanco), mesma época em que fez vestibular para Arquitetura. Como as demandas do banco exigiam muito dele, acabou prestando vestibular para Economia, que era mais fácil e, inclusive, passou em primeiro lugar. Jornal O Interior fazia cobertura sobre o cooperativismo no Rio Grande do Sul / Reprodução   Contudo, ainda não havia desistido da primeira opção, fez outro vestibular e, desta vez, passou em Arquitetura. Por algum tempo, foi levando os dois cursos, até que foi aprovado em uma nova prova, desta vez, em um concurso público, por meio do qual atuou por sete anos na Secretaria da Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. Devido às exigências profissionais, trancou as duas faculdades. Algum tempo depois, voltou mais uma vez para Carazinho, agora, para trabalhar como professor e diretor-adjunto do colégio estadual da cidade e em uma empresa de material de construção. Amor de uma vida Casado há mais de 50 anos com a bancária aposentada Geni, tem três filhos: a arquiteta Márcia, a publicitária Raquel e o turismólogo e baterista da Banda Tequila Baby, Rafael. Tem quatro netos, Antônio e Pedro, 10 e 7 anos, respectivamente, filhos da mais velha, e Vicente, de 4 anos, da Raquel, e o caçula, Gabriel, de 2 anos, filho do Rafael. "Agora, com os netos, eu entendi o sentido da vida", emociona-se. Atualmente, os dias de folga são dedicados aos cuidados com o neto mais novo e à família. O tempo que sobra investe para ler alguma coisa, ir ao cinema com a esposa, escutar música e conversar com amigos. Em 1969, criou a Dirton Publicidade, juntamente com o radialista Ailton Magalhães. Três anos depois, em uma parceria entre a empresa e a Publipan, de Panambi, fundou, em Carazinho, o Jornal da Produção, com a participação do jornalista Edemar Ruwer. Em outubro do mesmo ano, com o assassinato de Edemar, que era o repórter e editor da publicação, Waldir passou a acumular as funções de jornalista com a direção comercial. Também apresentava programas radiofônicos, às 6h da manhã, sobre cooperativismo e a vida do campo. O passo seguinte na carreira foi criar a Fundação da Produtividade com pessoas de cooperativas da região de Carazinho, iniciando suas atividades de "Comunicação e Educação Cooperativa", com a produção do jornal semanal O Interior, em 28 de outubro de 1974. O primeiro exemplar foi entregue ao presidente da República no dia da abertura oficial da colheita do trigo. Para Waldir, O Interior era um jornal intenso, posicionado em defesa do homem do campo, do colono, do agricultor familiar e do cooperativismo. Ele conta que o impresso chegou a circular com tiragens de mais de 60 mil exemplares em algumas ocasiões. “A distribuição era um tormento, mas as cooperativas espalhadas pelo Estado ajudavam e faziam assinaturas. Estimulávamos os assinantes com sorteios de tratores, máquinas agrícolas e outros equipamentos. Foram 1.440 edições ou cerca de 10 milhões de exemplares até 2014. Durante vários períodos, houve alterações na direção do jornal, tendo o seu fundador voltado ao comando várias vezes; antes do Sistema Ocergs/Sescoop assumir, modificar e, por fim, fechar o jornal impresso. Além disso, Waldir teve passagem pela Secretaria Estadual da Agricultura, como chefe de gabinete, diretor do Parque de Esteio e coordenador geral da feira agropecuária Expointer, sendo responsável por diversas inovações. Algumas delas foram a criação do Conselho dos Expositores (Gestão participativa) e parcerias administrativas com diversas entidades e empresas, que perduram até hoje. Também foi coordenador geral do Fórum Nacional da Soja durante 28 anos. Em 2004, foi convidado para ser diretor-sócio da Pilla Corretora de Valores, como representante do sócio controlador (Fecotrigo), onde ficou até a aposentadoria, em janeiro de 2017. "Foi uma volta à origem", pontua. Linha editorial voltada aos interesses dos pequenos agricultores e de suas famílias rurais /   Passados tantos anos, ele destaca como referências "inspiradoras" os "mestres" Mário Osório Marques, fundador da Fidene Unijuí, e o Padre Roque Lauschner, da Unisinos; o ex-presidente da Fecotrigo, Jarbas Pires Machado; o ex-ministro da Agricultura e doutor em Ciências da Educação, Roberto Rodrigues, e o professor e palestrante José Luiz Tejon. Fecotrigo Ayrton Kanitz foi um dos grandes editores do O Interior. Foi professor universitário, jornalista e especialista em assuntos do campo desde a sua infância em Ibirubá. Ele conta que, em 1990, o jornal acabou sendo formalmente assumido pela Fecotrigo, maior representação política do sistema cooperativista “trigo & soja” gaúcho, e editado pela Funcoop (Fundação de Desenvolvimento Cultural), criada para abraçá-lo. “Assegurava seu papel, agora como porta-voz oficial do segmento, com direito a puxar as orelhas de quem tentasse se impor como pensamento único do estado”, diz. Os jornais gaúchos quase sempre valorizaram os assuntos agropecuários, mas O Interior teve um papel importante para que eles incrementassem a sua cobertura da área, ampliando-a para cooperativismo, agricultura familiar, meio ambiente, entre outros. José Antônio Simch da Silva, jornalista formado na PUCRS, trabalhou em São Paulo durante dez anos e voltou para fazer parte da equipe do Diário do Sul. O projeto jornalístico, infelizmente, não durou muito tempo. “Mas, no decorrer de poucos anos, fui chamado a me incorporar à equipe de O Interior, da Fecotrigo”, relembra. “O trabalho e a convivência com temas ligados a produção agrícola do estado não apenas me trouxeram novos horizontes – horizontes rurais – como reforçaram laços com a história do RS. Afinal, por estas bandas sulinas, o mundo da produção primária sempre se mesclou à política, à cultura e ao modo gaúcho de ser”, conta José Antônio. “À pecuária extensiva, que havia caracterizado por décadas o perfil produtivo do estado, juntou-se a importância da produção agrícola, e em especial a de pequenas e médias propriedades – a agricultura de base familiar. Um segmento que, pode-se dizer, ganhou uma vitrine específica e uma larga e justa representatividade com o nosso pequeno-grande jornal O Interior”, relata. Sob o comando de Sílvio Peter, e ao lado de jornalistas como o editor Moisés Mendes, Irineu Guarnier, Neide Zys, Verene Volke, Celso Bevilacqua, André Pereira, Edson Lemos, Emílio Pedroso (além dos cartunistas Santiago e Edgar Vasques) e tantos outros, José Antônio teve aulas práticas de jornalismo rural. E, em especial, voltado aos interesses dos pequenos agricultores e de suas famílias rurais. “Sem exagero, posso dizer que durante os anos em que ali trabalhei, acumulei não apenas mais experiência profissional e humana, mas agreguei um novo olhar – mais próximo e real – sobre as dificuldades e o grande valor dos produtores rurais, em especial dos que encaram a labuta diária com as próprias mãos”, afirma. O fotógrafo Emílio Pedroso, com passagem pela Zero Hora, também teve um papel de destaque na história de O Interior. Ele entrou no jornal no dia 1º de outubro, antes da primeira edição. Foi arquivista, laboratorista, trabalhou na circulação, como auxiliar de escritório e fotógrafo. Aprendeu muito com “tio Miro”, o fotógrafo Valdomiro Soares, que tanta história fez nos jornais de Porto Alegre. “Devo parte da minha carreira ao Valdomiro, ele foi decisivo em muitas das minhas opções a partir de O Interior”, afirma.   Publicado em Brasil de Fato. Foto: Arquivo pessoal / O jornalista Waldir Antonio Heck, hoje com 85 anos, criou, em 1974, o jornal O Interior Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.                  

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A Europa diante da decadência

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A Europa diante da decadência
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Por CELSO JAPIASSU * A decadência da Europa teve início com a sua incapacidade de impedir, em fins do século19 e início do século 20, a aparição de uma direita que degenerou no fascismo e no nazismo. Teve de contar com a intervenção dos Estados Unidos e da União Soviética, o que consolidou sua trajetória de decadência.   Desde os romanos, que fundaram sua importante civilização muitos anos antes de Cristo, a Europa foi vista como o centro do mundo, dominando o Ocidente e vastas áreas do Oriente. Roma detinha o controle da Europa e nela construiu as bases do seu poder que atravessou os tempos. A hegemonia do continente europeu, instaurada inicialmente pela força de Roma, chegou ao Século XX depois de ter deixado a sua marca em todos os séculos atravessando mesmo a Idade Média. A velha Europa foi palco de guerras que moldaram o recorte das civilizações e sofreu dois conflitos mundiais na época contemporânea. Não perdeu sua importância internacional. Mas agora dá sinais de esgotamento, enfrenta crises sucessivas com carência de lideranças transformadoras de uma realidade sombria. Seu projeto de unidade - a União Europeia - também apresenta sinais de cansaço. A atual guerra da Ucrânia em seguimento a uma invasão russa é um conflito tardio com características das guerras do século 20. Ao invés de trabalhar pela paz, as potências mandam armas para incentivar um conflito mortal. A Europa hoje já não tem impérios, não produz energia, importa comida, deixou de ser a fábrica do mundo, não tem poder militar. O avanço da direita política no continente traz consigo a prática de um conservadorismo reacionário ameaçador do futuro. Este avanço revela-se dramaticamente na guerra da Ucrânia, onde se enfrentam duas direitas. O pensamento de esquerda, perplexo, não tem certeza do lado a que deva dar o seu apoio. O filósofo alemão Peter Sloterdijk, um provocador, disse numa entrevista a El País que grande parte da população da Europa elegeu a resignação e já não acredita na política. Uma população resignada torna mais fácil a vida dos políticos. Sloterdijk dá um exemplo ao chamar a atenção para Boris Johnson, que governou a Grã-Bretanha e é, segundo ele, um palhaço que não é levado a sério. Diz que mesmo os franceses, que sempre foram líderes em revoltas, agora estão cansados. Aos filósofos e intelectuais resta a tarefa de “causar dano à estupidez”. O nazismo e o fascismo Há quem afirme que o declínio da Europa teve início com a sua incapacidade de impedir, em fins do século 19 e início do século 20, a aparição de uma direita que degenerou no fascismo e no nazismo. Teve de contar com a intervenção dos Estados Unidos e da União Soviética, o que consolidou sua trajetória de decadência. O projeto da União Europeia, a soma das capacidades de cada um dos seus países e a adoção de uma moeda única, pretendia recuperar a liderança do continente e reverter a trajetória de enfraquecimento. Foi um processo liderado pela Alemanha e pela França. A Grã-Bretanha não esteve na primeira linha e o seu ressentimento veio desaguar, anos depois, no Brexit. A decadência acentuou-se, curiosamente, depois da queda do muro de Berlim. Aponta-se como causa principal a centralização política das instituições bem ao molde das concepções napoleônicas. A crise econômica internacional iniciada em 2008 consolidou a hegemonia da Alemanha e a adoção de políticas de austeridade junto com modelos neoliberais até hoje adotados. A longa recessão destruiu o mais importante dos pilares que faziam parte do projeto da União Europeia, qual seja o Estado de bem-estar social. Desapareciam os direitos das populações mais carentes enquanto se concentrava a renda nos sistemas bancário e financeiro e os partidos de direita adquiriam musculatura. Euroceticismo A crise atual já foi definida como a mais grave desde 1929, bem pior do que a de 2012-2017, um momento em que a Europa tem a oportunidade de decidir se vai aprofundar a sua unidade ou então entrar num declínio irreversível. Tudo a depender das decisões que forem tomadas pelos governos, pelo Conselho Europeu e demais instituições da União. Depende também da opinião pública de cada Estado-membro num quadro em que a mobilização da direita questiona a própria existência da União Europeia e cresce o euroceticismo. O termo euroceticismo foi mais bem definido pelos acadêmicos Paul Taggart e Aleks Szczerbiak, da Universidade de Sussex. Segundo eles, o euroceticismo pode ser classificado como hard (forte), que defende o completo desmantelamento da União Europeia, e soft (suave), que critica políticas específicas e propõe reformas. A categoria hard está alinhada à direita e o euroceticismo de esquerda seria do tipo soft. As forças da desintegração já foram vitoriosas com a opção da Grã-Bretanha pelo Brexit. E continuam a postos aproveitando-se da insatisfação popular desde a pandemia e a nova crise dela decorrente que atingiu simetricamente todos os países, embora os mais afetados sejam os que enfrentaram a crise dos refugiados e das migrações. No Forum Econômico Mundial de Davos foi apresentado um relatório da Oxfam com o título “Lucrando com a dor”, em que se revela que durante a pandemia de covid-19 os ricos do mundo tiveram um dos melhores momentos da sua história. Surgiram 573 novos multimilionários. Um novo milionário a cada 30 horas, ao mesmo tempo em que 263 milhões de pessoas aproximaram-se da pobreza extrema por causa do custo crescente da alimentação. As grandes esperanças defrontaram-se com a grande crise do capitalismo que eclodiu em 2008 somada ao afluxo de imigrantes vindos do Oriente e da África a fugir das guerras e da miséria, às ameaças do terrorismo, aos ataques do anti-europeísmo cultivado pela extrema direita, à crise econômica e ao ataque do coronavírus que trouxe novas preocupações. O Brexit, montado numa fortíssima campanha de notícias falsas, foi também um sinal de alerta para a União Europeia, que deixou de contar com uma grande economia. A ação dos partidos da direita em todos os países pressiona no mesmo sentido de esfacelamento, ao mesmo tempo em que difunde o racismo, o ódio e a intolerância. Nas últimas eleições presidenciais, em importantes países como a França, a Alemanha e a Holanda, os partidos de extrema direita foram derrotados, mas apresentaram expressivo crescimento. Marine Le Pen, a candidata à presidência da França pelo neofascista Rassemblement National, que ficou em segundo lugar, faz parte do movimento anti-União Europeia. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha tornou-se a terceira maior força política no Bundestag, o parlamento alemão. Na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar. E na Itália a líder neofascista Giorgia Meloni está no poder.   *É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número  (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Foto:  Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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