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ELEIÇÕES EM POA: O VENDILHÃO DE CHAPÉU DE PALHA E O ESGOTO DIGITAL

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ELEIÇÕES EM POA: O VENDILHÃO DE CHAPÉU DE PALHA E O ESGOTO DIGITAL
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Por ILTON FREITA* Somos contemporâneos dos “campos de demarcação e propaganda” digitais. As ditas redes sociais foram capturadas pelas grandes corporações de tecnologia norte-americanas e degeneraram em  “indústrias de produção cultural de fascismo” no Ocidente. Evidentemente que as tecnologias da informação poderiam ser utilizadas para qualificar as democracias. Mas o que constatamos é que os potenciais comunicacionais  e democráticos das redes sociais foram despotencializados, fragmentados e corroídos pelo neofascismo. Por seu turno, a operação para tornar o potencial democrático da internet em seu contrário, se valeu basicamente de dois movimentos delituosos. O primeiro foram as malfadadas “fake News”. E o segundo, intimamente vinculada as notícias mentirosas foram e são os discursos de ódio. Próceres da dita ultradireita como os astrólogo e falsário Olavo de Carvalho, traduziram esse movimento como uma “guerra cultural”, ou “guerra contra o marxismo cultural”. Por pior que seja o odor em revisitar as estratégias dos inimigos do povo, é fundamental que o campo progressista e que disputa eleições em nosso País leve em consideração essa mudança estrutural nas plataformas sociais da rede.  Do meu ponto de vista não faz mais sentido estratégias de disputa de corações e mentes nas redes a partir de discursos racionais, universalistas e simétricos. A operação é outra. Não mais “furar bolhas” discursivamente, mas aumentar a própria “bolha” nos parece o caminho mais adequado para o enfrentamento dos quintas-colunas. A mídia-empresa tradicional conserva o seu papel de gerenciadores de percepção tendo em vista desinformar um vasto público, mas também se presta como instância de validação e de propaganda das mentiras e das omissões promovidas em escala industrial. Desse modo alguns fenômenos da política brotam desse esgoto digital e são naturalizados pela mídia diante de uma cidadania perplexa. Cito alguns frutos podres como a eleição do fascistóide e demente presidente da Argentina, Javier Millei, e no Brasil poderíamos apontar Bolsonaro e mais recentemente o vigarista e aplicador de golpes financeiros contra aposentados, o candidato a prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Mas nessa macabra lista de fenômenos putrefatos da política na era digital, não poderíamos deixar de nos referir ao candidato Melo de Porto Alegre, o prefeito que por negligência, incompetência e redução das capacidades da ação estatal permitiu que quase a terça parte do município fosse inundada pelas enchentes de maio. E mesmo assim, pasmem, lidera a intenção de voto no município segundo um instituto de pesquisa. No caso de Porto Alegre, embora a soma das intenções de voto na oposição a Melo provoquem um “empate”, o que chama a atenção é a intenção de voto no atual prefeito. Observadores da cena política de outros estados perguntam, como é possível que Melo tenha viabilidade eleitoral após os desastres administrativos de gestão na enchente de Maio?  Vamos combinar que num contexto eleitoral “normal” nas democracias liberais, um prefeito corresponsável pelas consequências de uma tragédia climática seria carta fora do baralho. No entanto não há mais contextos normais regendo as democracias liberais. As oligarquias vassalas do império estadunidense de países como o Brasil, encaminharam ‘as favas os frágeis regramentos eleitorais dos regimes democráticos. Para além da mídia tradicional contam com as redes sociais, posto que há uma enorme bolha fascista a polarizar eleitores posicionados mais ao centro do espectro político. Concretamente  sucedeu que o monopólio de comunicação sediado na Av Ipiranga, mancomunado com o ICF, sustentado pelos grupos empresariais que se empanturraram com a destruição do espaço público e com o afrouxamento das regulações ambientais para a construção de prédios luxuosos em Porto Alegre, promoveram uma enorme operação de preservação do atual do prefeito. Fizeram isso se valendo do modus operandi normal da mídia tradicional em omitir as responsabilidades administrativas da prefeitura, combinada com a infoesfera bolsonarista instrumentalizada pelo ICF, para martelar a inoperância do estado e a superestimação dos indivíduos que prestaram trabalho voluntário. A mensagem subjacente e explícita é que dependemos do esforço individual para a superação dos problemas estruturais causados pela enchente. Obviamente que essa peste informacional a que somos submetidos e que convertem bandidos como Marçal e vendilhões e incompetentes como Melo em candidatos competitivos, não tem solução imediata. O Estado brasileiro teria que regulamentar severamente os perpetradores de crimes digitais, e no médio prazo construir uma infovia de informação e comunicação soberana e  independente, de brasileiros para brasileiros. Muitos dos estudos sobre esferas públicas comunicacionais já haviam localizado em meados do século passado, a colonização da mídia de comunicação de massa pelo grande capital. Desse modo a degradação dos grandes veículos de imprensa tornaram o debate público entre diferentes projetos políticos interditados, ou, tolerados até o ponto de não interferirem nos interesses do grande capital. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Com o advento das redes sociais convertidas em indústrias discursivas fascistas ocorreu uma inflexão que ameaçam as democracias e a civilização. A disputa eleitoral em Porto Alegre invoca essa disjuntiva que diz respeito a sobrevivência da civilização e da humanidade. Ou seja, a barbárie e sua face de chapéu de palha versus o centro democrático e a oposição de esquerda representados bravamente por duas mulheres. *Ex-pesquisador CEGOV/UFRGS e Cientista Político. Foto: © Agência Brasi Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.        

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Enchentes e eleições: o desafio da esquerda em Porto Alegre

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Enchentes e eleições: o desafio da esquerda em Porto Alegre
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Por ALEXANDRE CRUZ* A recente tragédia das enchentes, que abalou Porto Alegre, revelou muito mais do que a vulnerabilidade da cidade diante das mudanças climáticas. Ela expôs também um sentimento crescente de frustração e descrédito por parte da população em relação aos governos, percebidos como incapazes de enfrentar crises que, para a maioria das pessoas, estão diretamente ligadas às transformações climáticas. As pesquisas mais recentes indicam que esse vínculo é claro para os cidadãos; para eles, as mudanças no clima não são uma abstração, mas uma realidade com consequências devastadoras. Apesar do impacto emocional e material causado pela enchente, o prefeito Sebastião Melo segue à frente nas intenções de voto. Para muitos, isso parece paradoxal: como pode uma liderança, cujo governo foi amplamente criticado por sua resposta à tragédia, manter-se como o nome principal no cenário eleitoral? A resposta a essa pergunta é multifacetada e nos convida a refletir sobre os bastidores da política local, as alianças que sustentam a hegemonia de Melo e os desafios que a esquerda enfrentará para romper esse ciclo de poder. Sebastião Melo não é o candidato ideal das elites econômicas de Porto Alegre, mas é o que possui os votos Apoiadores do liberalismo econômico, setores do empresariado podem até preferir nomes mais afinados com suas pautas, como Felipe Camozzato, do Partido Novo, que tem uma proposta de governo mais abertamente alinhada ao projeto econômico das elites. Contudo, Camozzato patina nas pesquisas com apenas 5% das intenções de voto. A força de Melo reside justamente em sua capacidade de transitar entre esses dois mundos: por um lado, mantém-se próximo aos grandes empresários, que, em 2020, deslocaram seus recursos para sua campanha, após o desgaste do ex-prefeito Nelson Marchezan. Por outro lado, Sebastião Melo preserva uma rede de articulações com setores populares e intermediários, que, somados, formam a base da sustentação eleitoral. Essa habilidade de compor alianças é complementada por figuras como o vice-prefeito Ricardo Gomes, que serve como ponte entre o empresário e a classe política. É uma fórmula eficiente, que, ainda que criticada pela esquerda, mostrou-se capaz de sobreviver a crises — como a enchente — que poderiam abalar qualquer administração. Enquanto isso, a esquerda enfrenta um dilema: como disputar a hegemonia política e social em uma cidade que se transformou ao longo das últimas décadas? O Partido dos Trabalhadores (PT), que um dia simbolizou a renovação política em Porto Alegre, com a ascensão de Olívio Dutra à prefeitura, viu sua base tradicional se fragmentar. A bancada negra eleita na Câmara de Vereadores, em sua maioria composta por membros do PSOL, revela a força de novas pautas, como antirracista, mas também aponta para uma fragmentação interna que o PT ainda não conseguiu lidar de maneira eficaz. Mais do que nunca, a esquerda precisa entender que a disputa não se dá apenas no campo racional ou programático. A guinada moralista da direita, que pôde mudar de pauta quando o discurso anticorrupção perdeu força, tem se mostrado eficaz em atrair e consolidar o apoio popular. O foco em costumes e moralidade, apoiado por uma cosmologia religiosa que permeia o imaginário de grande parte da população, tem se mostrado um ponto central na estratégia de construção de hegemonia da direita. É preciso reconhecer que, para muitas pessoas, mesmo aquelas que não seguem uma religião de forma ativa, esse discurso tem um apelo emocional que supera o racional. E é nesse campo, o das emoções, que a esquerda ainda se mostra vulnerável. A tragédia das enchentes oferece à esquerda uma oportunidade única de se reposicionar, principalmente ao se conectar com a crescente consciência ambiental da população. No entanto, isso só será possível se a resposta for mais do que reativa — precisa ser propositiva. A esquerda deve construir uma narrativa convincente de que, diante das crises climáticas cada vez mais frequentes, é necessário um novo projeto de cidade, que coloque em primeiro plano a justiça social e a preservação ambiental. Essa conexão não pode ser meramente programática; ela precisa emocionar, mobilizar e oferecer esperança. E, para isso, o campo progressista deve aprender a dialogar com a cosmologia religiosa que hoje é uma base de sustentação da direita. Não se trata de adotar pautas conservadoras, mas de encontrar uma forma de reconectar a política com a moralidade social, um tema que, historicamente, sempre esteve no coração dos projetos de esquerda. A tarefa não é simples. A hegemonia de Melo, mesmo após a enchente, demonstra a força de uma política que pôde se articular em diferentes frentes. No entanto, a esquerda tem a chance de reverter esse quadro, oferecendo respostas concretas para as crises que assolam a cidade, e, sobretudo, reconstruindo uma ponte com o imaginário popular, que ainda busca uma liderança capaz de enfrentar os desafios do presente e construir um futuro mais justo. *Jornalista político. Foto: Sebastião Melo/Facebook/Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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O PERIGO DA EXTREMA DIREITA NESTAS ELEIÇÕES. É HORA DE AGIR!

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O PERIGO DA EXTREMA DIREITA NESTAS ELEIÇÕES. É HORA DE AGIR!
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Por BENEDITO TADEU CÉSAR* Em todo o mundo e no Brasil, a extrema direita está surfando na onda do crescimento. A derrocada da economia neoliberal e o agravamento de seu pacote de maldades provocou a frustração das expectativas de ascensão social das classes médias e populares e gerou um forte sentimento de ressentimento em grande parte de seus integrantes. Formou-se, assim, o já conhecido caldo de cultura do fascismo que se espalhou pelo mundo. No Brasil não foi diferente. O período de bem-estar-social, instalado durante os dois primeiros governos Lula da Silva e o primeiro de Dilma Rousseff, foi seguido pelo desmonte acelerado das conquistas anteriores, levado à frente pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, submissos aos interesses do capital financeiro especulativo e predador. As causas das perdas sociais sofridas, que geraram frustrações e ressentimentos populares, foram repetidamente explicadas pela grande mídia corporativa de forma invertida. As políticas de bem-estar-social e de desenvolvimento nacional autônomo (desenvolvidas pelos governos popular progressistas de Lula e Dilma, acusados de corruptos)  foram apresentadas como as causas do debacle econômico e social e as políticas econômicas  neoliberais e sua alegada campanha contra a corrupção ( encaminhadas pelos governos Temer e Bolsonaro) foram apontadas como o único caminho para a salvação, para o desenvolvimento, a geração de oportunidades de trabalho, empreendedorismo e renda. No centro do discurso da grande mídia corporativa o Estado tornou-se o vilão e o mercado, sem qualquer regulação, o salvador. Deu no que deu. A concentração de renda cresceu e o caos social se instalou -- o ódio se exacerbou, a violência social se expandiu e a extrema-direita e as práticas fascistas se alastraram. Recolhidos no Brasil desde o final da ditadura militar do período de 1964/1985 e no mundo desde o final da Segunda Grande Guerra de 1939 a 1945, a extrema-direita e os fascistas saíram à luz do sol. Hoje, apresentam-se com orgulho e muito alarde, em contraste com a vergonha e o silêncio sob os quais se esconderam durante todo o período anterior. Saem às ruas com as bandeiras da “antipolítica” e dos valores do “antissistema”, culpando, portanto, aqueles que estiveram no poder anteriormente e apresentando-se como alheios a ele, quando na verdade são os maiores defensores do sistema econômico vigente, da moralidade tradicional e do regressismo. São os ressentidos, porque frustrados por não estarem no centro do poder do “sistema”, que buscam, com violência e ódio, e com a defesa de regimes políticos autoritários, reconstruir o sistema sob seu comando. Por isso, quebram, destroem, violentam, matam. São políticos integrantes do mais “baixo clero”, medíocres e quase sempre ignorantes, aqueles que se sobressaem como “novos” líderes a comandar massas sociais também frustradas e ressentidas, porque não conseguiram alcançar o status social, a riqueza econômica e o poder de mando que almejavam e que agora imaginam ao alcance de suas mãos. São os Marçais, os Ramagens, os Melos ou os “Ustras”, que se espalham por todos os municípios e constituem o arquétipo do novo fascismo, tão estúpidos quanto os “mitos” nos quais se espelham: Hitler, Mussolini, Berlusconi, Trump, Milei ou Bolsonaro. São esses os que têm crescido pelo mundo e que se organizam para alcançar a direção de grande número de Prefeituras e Câmaras Municipais nas eleições do próximo dia 6 de outubro no Brasil -- hoje, em aliança com setores de direita não fascistas, já governam mais de 70% dos Municípios e Estados e detêm mais de ¾ do Congresso Nacional e que, se crescerem mais, terão força ainda maior nas eleições de 2026, para os governos estaduais e federal. É preciso que os democratas e progressistas sociais se movimentem com urgência e eficácia. As alianças políticas entre os partidos democráticos e social populares, que poderiam facilitar a vitória da democracia e do desenvolvimento com inclusão e bem-estar-social, foram dificultadas por interesses imediatos dos controladores das máquinas partidárias. Agora, cabe às lideranças populares e aos eleitores democratas agirem em busca da afirmação da democracia e do desenvolvimento social. É preciso sair às ruas, visitar parentes, amigos, colegas de trabalho e simples conhecidos, fazer visitas casa-a-casa, montar barraquinhas nos pontos de ônibus e de metrôs e conversar amigável e carinhosamente com as pessoas. Sem querer doutriná-las, respeitando seus valores e pontos de vista, tentar fazê-las ver a importância dessas eleições e se esforçar por conquistar seus votos. É hora de cativar os “eleitores médios”, aqueles que não se interessam pela política no seu dia a dia, que não sabem sua importância e seu peso sobre suas próprias vidas. Por constituírem a grande maioria da população, em qualquer cidade e em qualquer canto do Brasil e do Mundo em crise, os “eleitores médios” estão frustrados e, quase sempre, ressentidos e, por esse motivo, constituem presas fáceis para os fascistas. São eles que decidem as eleições e são eles que precisam ser conquistados com muito respeito e paciência.  *Benedito Tadeu César é cientista político e coordenador geral da Associação de Amigos do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED Rede Estação Democracia. Foto da capa: Manifestação bolsonarista em Santa Catarina contesta as eleições em 2022 fazendo saudações nazistas - Reprodução. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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As raízes históricas do Sul Global

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As raízes históricas do Sul Global
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Por Wagner Sousa* O texto a seguir integra a edição nº 7 (setembro de 2024) do boletim do Observatório do Século XXI. A publicação, na íntegra, pode ser lida ou baixada aqui. As sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados à Rússia, após a invasão da Ucrânia, visavam isolar o país e provocar uma crise econômica sem precedentes, que inviabilizasse o esforço de guerra. Como se sabe, as sanções fracassaram em seu intento. A Rússia vem conseguindo driblar estas restrições em cooperação com outros países, fora da órbita de aliados mais próximos dos Estados Unidos. Isto permite a continuidade de suas ações na Ucrânia. Após um declínio inicial, fruto das sanções, a economia russa voltou a crescer. Muitos países tem colaborado com a Rússia, comprando petróleo e gás, caso de China e Índia, vendendo armamentos, caso do Irã, e atuando em “triangulações”, importando bens do Ocidente, como chips, que depois clandestinamente são revendidos aos russos, como já o fizeram Cazaquistão, Chipre e vários outros. O Brasil é um importante importador de óleo diesel do país. Outro aspecto a se destacar é que também fracassou a tentativa dos Estados Unidos e seus aliados europeus da OTAN de isolar politicamente a Rússia em nível mundial. O chamado “Sul Global” não aderiu às sanções, não apoia o esforço de guerra ucraniano, bancado basicamente pela OTAN e, mesmo que muitos tenham votado em sessões da ONU condenando a invasão russa, não tem manifestado, em suas posições como países individualmente, discursos frequentes de condenação à invasão, o que representa uma leitura geopolítica que perpassa esses países, de que se trata de uma proxy war, e que a Ucrânia, mesmo que tenha seus interesses nacionais em jogo, atua como peão do Ocidente em uma guerra contra a Rússia. O que se entende como “Sul Global” não obedece exatamente à geografia, pois abarca países do sul e do norte do planeta, abrangendo América Latina, África, Ásia e países insulares assim como “Norte Global” abrange também  Austrália e Nova Zelândia. Contudo ambos são conceitos válidos para o campo da Geopolítica. A ideia de Sul Global deriva do chamado Movimento dos Não-Alinhados e do G-77 das Nações Unidas, grupos que advogavam não seguir nem o bloco dos países capitalistas desenvolvidos, o “Primeiro Mundo”, liderado pelos EUA, nem o bloco socialista, liderado pela URSS, o “Segundo Mundo”. Sarang Shidore, Diretor do Programa de Sul Global do Quincy Institute for Responible Statecraft e membro adjunto da George Washington University lembra, no artigo “The Return of the Global South”, publicado em 2023, em Foreign Affairs, que estas nações, a vasta maioria da humanidade, foram denominadas como “Terceiro Mundo” como consequência do aumento, com o processo de descolonização, do número de países, no imediato pós-II Guerra Mundial, que chegaram a 70, já nos anos 1940. Esta nomenclatura específica começou a ser utilizada propriamente a partir de um artigo publicado pelo cientista social francês, Alfred Sauvy, que cunhou este termo para se referir a estes países. Sauvy fez um paralelo entre as exploradas colônias recém independentes e o “Terceiro Estado” da França pré-revolucionária. Explica Shidore que, com o tempo, “Terceiro Mundo” foi ganhando conotação pejorativa para os países pobres; “países em desenvolvimento”, termo em destaque por décadas, foi sendo criticado pela ideia linear de “um caminho para se tornar desenvolvido.” O autor, no artigo supracitado, diz que Sul Global “(...) tem suas origens no século vinte. O termo foi usado no conhecido relatório de 1980 North-South: A Programee for Survival criado pelo comitê independente liderado pelo Ex-Chanceler alemão Willy Brandt e pelo relatório de 1990 The Challenge to the South: the Report of the South Comission produzido por painel das Nações Unidas liderado por Julius Nyerere, o então presidente da Tanzânia. O prefixo ‘global’ foi adicionado nos anos 1990, depois do fim da Guerra Fria, possivelmente um subproduto da crescente popularidade de outro termo, ‘globalização’, que entrou em voga na época.” A partir do início dos anos 1990, com a reunificação da Alemanha e o fim da URSS, com o fim, portanto, do bloco socialista, o “Segundo Mundo” deixou de existir e se afirmou, nesta década, a hegemonia “unipolar” dos EUA. Como consequência o liberalismo econômico voltou com força, as fronteiras (para o capital, essencialmente) deveriam ser abertas e esta integração deveria (pela propaganda, ao menos) reduzir as assimetrias entre as nações. Isto não ocorreu para a maioria dos países do Sul Global. As consequências das crises desencadeadas por este liberalismo na década de 1990, especialmente, e o deslocamento crescente do eixo econômico mundial para a Ásia, com a China se tornando o principal parceiro comercial da maior parte dos países e o mundo vivendo um ciclo crescimento generalizado na década de 2000 (até o estouro da crise imobiliária americana, em 2008) mudaram as políticas de muitos países que passaram a adotar, em muitos casos, uma espécie de “protecionismo seletivo” e incentivo a certos setores, como citado por Shidore “(...) nos últimos anos Indonésia e Zimbabwe passaram a restringir as exportações de níquel e lítio, respectivamente, com o intuito de atrair maiores investimentos do exterior. A nova política para o lítio do Chile inclui um papel muito maior para o Estado na mineração e industrialização. Algo similar ocorre na iniciativa saudita para criação de uma indústria de hidrogênio verde e no objetivo da Índia de atrair indústrias de manufaturados eletrônicos. A ideologia cedeu lugar a uma experimentação com modelos econômicos híbridos.” É importante destacar que especialmente a ascensão chinesa, puxando o crescimento de grande parte do Sul Global (e também de países do Norte Global, como a exportadora Alemanha) diminuiu a dependência econômica em relação aos Estados Unidos e à Europa, reduzindo, portanto, a capacidade de pressão em temas como a Guerra da Ucrânia. Essa maior “autonomia relativa” alimenta também as demandas por reformas nas instituições internacionais, as quais mantém uma distribuição de poder que pouco mudou desde sua criação, fator de grande insatisfação para a maioria dos Estados. Embora não estejam no núcleo de poder do sistema internacional, os países do Sul Global, organizados em fóruns como o BRICS e a Organização para a Cooperação de Xangai ou organizações como a União Africana e numa miríade de pactos e tratos bilaterais, como, por exemplo, os acordos de comércio em moeda local, para escapar ao predomínio do dólar, se colocam, em toda a sua heterogeneidade de médias potências e países pobres, numa posição de contestação da ordem internacional liderada pelos EUA e seus aliados próximos. E o fazem, com postura realista, operando com os recursos que possuem, num contexto em que são beneficiados pelas mudanças na arquitetura de poder internacional. *Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ Idealizador e Editor do site América Latina www.americalatina.net.br. Colaborador do boletim Observatório do Século XXI; Foto: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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SOCIALISMO E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: UM DEBATE URGENTE

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SOCIALISMO E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: UM DEBATE URGENTE
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Por BRUNO LIMA ROCHA* Desde o fim do chamado “modelo soviético” que não existe uma idealização de sociedade a ser buscada. O debate circula, mas nada mais aprumado, mais concreto. A queda de um projeto de Estado com planejamento central, partido único e distribuição de renda sem precedentes deixou um vazio nas esquerdas mundiais, em especial àquelas operando em países da periferia do Ocidente, tal é o caso de nossa América Latina. Mesmo os setores mais críticos à antiga União Soviética (como este que aqui escreve) ficaram com menos referência para se posicionar mais “à esquerda”. A mentira e a desinformação abundantes geraram ainda mais confusão. Se a “linha de Moscou” pode ser condenada, é no sentido do autoritar ismo, na sociedade de controle e não necessariamente no modo de produção. Apesar da existência de uma concentração desnecessária, a diferenciação social (do salário mais alto ao mais baixo) foi a menor na história da humanidade, ao menos a partir da etapa industrial. Em termos de distribuição de direitos socioeconômicos (como estudo, saúde, moradia, transporte, lazer, desporto e aposentadoria) a União Soviética foi um avanço sem precedentes. Seria possível uma sociedade igualitária com liberdade de pensamento individual e pluripartidarismo? Sim. Existe algo assim na atualidade? Não, ou ainda não. A inexistência de um projeto concreto não significa que jamais venha a ocorrer. Assim sendo, porque a “esquerda” se contenta em ser a fiadora de uma democracia liberal limitada? Invertendo a pergunta. Porque é tão difícil associar um projeto socialista com a democracia como regime fundamental? Talvez pelas experiências do século XX terem tido como vertente central o modelo de partido único, a começar pelo monopólio da força e a supressão da liberdade dos Soviets pelo Partido Bolchevique já durante a guerra civil? Não seria possível pensar uma frente de forças da esquerda revolucionária e um comando unificado ou compartido? Será que ao se fazer governo do Estado Czarista não houve uma amálgama entre a direção do partido e o comando do Estado? Outro tema, esse pode ser mais próximo de nossos tempos. Recentemente participei de uma transmissão ao vivo ("live" no anglicismo) no brioso canal A Voz Trabalhadora onde dividi tela com Tebni Pino Saavedra (este chileno e veterano da FPMR e do PC chileno), Nildo Ouriques (UFSC) e o editor Luiz Portinho, um incansável defensor do direito dos aposentados. O debate era sobre a experiência de Allende no Chile e nosso 11 de setembro, o latinoamericano em 1973 . Ao final pensei em voz alta e trouxe a seguinte reflexão. Havia 4 partidos políticos comprometidos com a transição ao socialismo: Partido Socialista, Partido Comunista, Esquerda Cristã e Movimento de Esquerda Revolucionária. Logo, se fosse derrotado o golpe e o Chile caminhasse rumo ao socialismo haveria uma guerra civil dentro da esquerda para ver quem exerceria o poder a partir do Palacio La Moneda. Ou o Poder Popular ia ser instalado com partidos de esquerda e representações sociais organizadas – como pobladores (moradores), estudantes, sindicatos, povos originários e demais setores? Esta vontade de construir um objetivo comum pode se dar a partir do tempo presente? Sim, evidente que sim. O problema da ausência de teoria é que esta gera a ausência de reflexão e possibilidade. Teoria precisa ser testada, realizada em experiências de base, em instituições sociais, em acórdãos políticos em luta. Em geral a confiança política é fruto mais do trabalho em comum, da cumplicidade e do fato de que os acordos tenham sido cumpridos. O inverso é igualmente verdadeiro. Numa atmosfera pouco fraterna, de realismo cínico como instrumento de legitimação e pouca ou nenhuma ousadia na ação direta, a chance da esquerda ou da luta social virar uma mescla de jogo institucional e disputa interna por parcos recursos é muito grande. E, ao contrário do que se imagina, a democracia interna pode e deve caminhar lado a lado com a radicalidade necessária para organizar e lutar em todos os níveis, sempre conforme as circunstâncias e as possibilidades. Isso dentro de um planejamento. Afinal, organização política de esquerda é para isso, certo? Ajudar a construir um "povo unido e forte" como cantávamos na hoje distante década de 1980. Este debate não se esgota aqui e embora pareça distante de sua realização, não está longe de muitas discussões que circulam nas vertentes da esquerda mais classista e com experiência real de ação direta e organização de base. Dialoga com as presenças sociais mais sentidas, considerando a multiplicidade de sujeitos sociais e entidades que se organizam em torno de uma luta concreta. Enfim, as esquerdas sempre foram múltiplas e não somente social-democratas ou estatistas, isso desde a 1a Internacional. É preciso buscar uma forma de expressar essa diversidade por fora da armadilha das instituições burguesas e pós-coloniais (como o desenho de Estado que temos na América Latina). Vamos em frente. *Jornalista, cientista político e professor de relações internacionais; é membro do ICCEP / O Coletivo, editor do programa Oriente Médio em Revista, colunista   Foto: Lula Marques/ Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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NÃO ESPERE PARA RECLAMAR NO ANO QUE VEM

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NÃO ESPERE PARA RECLAMAR NO ANO QUE VEM
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Por Eugênio Bortolon* Quem ouve alguns minutos a propaganda eleitoral fica com a impressão de que está morando em Tóquio, Singapura, Zurique ou Viena, as cidades mais limpas e perfeitas do mundo para os seus cidadãos. Aqui, em Porto Alegre, o candidato à reeleição garante estar no rumo da cidade ideal, tal o nível exagerado de promessas ‘caça’ votos. Nem parece que saímos de uma enchente fantástica que deixou grande parte da cidade alagada, com milhares de flagelados, prejuízos grandiosos para quem foi e para quem não foi atingido pelas águas. Foi o maior dos horrores que já vivemos em 2024, grande parte por culpa deste cara da propaganda. Exclusivamente dele. Ele não fez manutenção nos diques, nas casas de bomba, não trocou os parafusos e pinos das portas de contenção de água, não mandou conferir os bueiros, todos trabalhos de rotina de uma grande metrópole. A recuperação anda a passos de tartaruga. Basta visitar bairros como Humaitá e Sarandi, Belém Novo, e tantos outros completamente destroçados pelas águas. Porto Alegre não é a cidade ideal propagandeada porque por aqui falta água com tanta frequência em certos bairros que é até difícil saber exatamente quando há abastecimento. Falta luz – se bem que isso não é atribuição municipal – com qualquer ventinho que sopra de qualquer lado. A sujeira é o grande hóspede da cidade. Em qualquer lugar. É tão suja que proliferam ratos e baratas em tantos lugares que até é difícil enumerar todos eles. O Centro Histórico é um deles. Os bueiros estão entupidos e dali brotam estas pragas como se fossem moradores fixos. E são. Os contêineres estão em estado lamentável – sujos, quebrados, quase inviáveis. E as lixeiras existem a cada ‘100 quilômetros’ uma da outra. Aliás, o Centro continua com as tais obras de embelezamento e revitalização. Não terminam nunca.  Nem sei quando começaram e não tem prazo definido para serem entregues. Trancam tudo. Os comerciantes sofrem prejuízos incalculáveis. E as pessoas até estão desistindo de ir passear ou fazer compras por lá. O Mercado Público ainda está com obras. Não foi totalmente recuperado. A Avenida Mauá, um dos portões de entrada da cidade, é um caos. Prédios estão caindo aos pedaços, sujos. Ninguém quer morar por ali. Saúde, creches Nem se fala na saúde. A gente perde um dia inteiro, ou um turno inteiro, para ter atendimento nos postos. Nada funciona emergencialmente. Para não ser injusto, o HPS funciona e alguns postos também, mas sempre há espera. As crianças também vão viver na cidade ideal prometida pelo tal candidato. Um novo hospital só para elas será construído. Vai ter vaga nas creches. Talvez até fique sobrando, tal o número de creches que serão construídas e oferecendo vagas em vários cantos da cidade. Porto Alegre é uma cidade bonita? Alguns lugares são, todo mundo sabe. Orla, pôr do sol e mais algumas coisas. Atrativos culturais têm, o que não tem é estímulo para novas ofertas. Mas a cidade está feia. Sim, muito feia. Avenidas de grande extensão, como Farrapos, Assis Brasil, perimetrais, estão horrorosas. Calçamento e piso de rolamento em péssimo estado. Prédios feios, pichados, caindo aos pedaços. O meio ambiente é tratado com desdém. Dizem que está em andamento pela cidade um ‘arboricídio’. Árvore que está atrapalhando novas obras é logo vítima das motosserras. As construtoras se adonaram de todos os espaços interessantes e os espigões proliferam com a velocidade da luz. Vai ter água e esgoto para tudo isso? Uma empresa anuncia que já vendeu mais de 400 unidades de um futuro empreendimento na beira do Guaíba. Não acredito. Quem vai querer morar por lá? Enfrentar de peito aberto uma nova enchente? A cidade perfeita que este candidato projeta é de arrepiar. Como se sabe que quase nada disso vai acontecer, você, prezado eleitor, está sendo ludibriado. O cara que faz, que trabalha, que se diz pardo, que usa chapéu de palha e chinelo de dedo e tem os pés rachados de tanto trabalho, seria o prefeito ideal para comandar a cidade nota dez? Ao andar pelas ruas, entrevistar gente das ruas, ver coisas nas ruas, se observa uma insatisfação geral. Há também dramas que inquietam em questões do transporte, educação, iluminação pública. Caos, escuridão. Fora outras coisas, como escândalos na compra de livros e aplicar dinheiro no mercado financeiro, ao mesmo tempo em que a cidade sente carência no abastecimento de água. Se a cidade está ruim, mal cuidada, não tem um zelador, um gestor eficiente dos serviços públicos, um sujeito que protege os cidadãos, mude de prefeito. É o que podemos fazer nos dias 6 e 27 de outubro, datas dos dois turnos eleitorais. Não espere para chorar e reclamar no ano que vem. Vai ser tarde demais! *Jornalista Publicado originalmente em Brasil de Fato. Foto: Jorge Leão / Brasil de Fato Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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