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Eleição municipal: A busca por novos caminhos

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Eleição municipal: A busca por novos caminhos
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Por LISZI VIEIRA* As eleições municipais mostraram a força da reeleição, do Centrão e da direita. A tendência do eleitorado brasileiro à direita é crescente desde 2016 e se consolidou neste ano. São considerados candidatos de direita os que concorrem pelo PL, PRTB, União Brasil, PSD, PP, Avante e Republicanos, sem alianças com as siglas de esquerda ou do centro. O PSD, o MDB, o PP e o União Brasil, que compõem o chamado Centrão, dominaram as eleições municipais, conquistando juntos mais da metade das prefeituras do país. O PL e o Republicanos tiveram os maiores crescimentos e ficaram em quinto e sexto. O Centrão venceu em mais de 50% das cidades. Juntos, PSD, MDB, PP e União Brasil elegeram mais de 3.000 prefeitos no primeiro turno. Isso corresponde a 54% das cidades do país. O destaque no Centrão é o PSD, que elegeu o maior número de prefeitos no país e desbancou o MDB pela primeira vez em mais de duas décadas. O PL, partido de Bolsonaro, cresceu 49% em número de prefeitos. O PL conquistou 510 prefeituras, número superior ao de 2010, quando venceu em 354 municípios. Mas ficou longe da meta de 1.500 prefeituras anunciada pelo seu presidente, Valdemar Costa Neto. O PT também cresceu, mas ficou em nono lugar. O PT aumentou seu número de prefeitos em 39%, revertendo parte da queda que registrava desde a Lava Jato. Foram eleitos 252 prefeitos petistas no primeiro turno de 2024, colocando a sigla em nono no ranking de partidos. As vitórias mais importantes da sigla foram em Contagem e Juiz de Fora, ambas em Minas. O PT também vai disputar 13 segundos turnos — o segundo maior número, só atrás do PL. Entre as capitais, Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá. O candidato do PSOL a Prefeito do Rio de Janeiro, Tarcísio Motta, teve menos votos para Prefeito (129.344) em 2024 do que para deputado federal em 2022 (159.928). Boa parte da esquerda fez voto útil no Prefeito Eduardo Paes para combater o candidato da extrema direita, Alexandre Ramagem. Em São Paulo, Boulos salvou toda a esquerda de uma derrota trágica. A direita e a extrema direita (Nunes, Marçal e Marina Helena) conquistaram 59% dos votos válidos em São Paulo. Se Boulos vencer em São Paulo, essa vitória compensa em boa parte as derrotas da esquerda na maioria do país. A grande novidade em São Paulo foi a emergência de um novo candidato de extrema direita, Pablo Marçal, que usou o discurso anti “sistema” para crescer e conquistar os votos bolsonaristas. Afinal, Bolsonaro hoje é parte do “sistema”. Como Lula agora é O “sistema”, agravado por seus acordos com a direita, em nome da governabilidade, e Bolsonaro também virou “sistema”, o campo está aberto para um outsider fazer um discurso agressivo contra as instituições e a democracia. É o que vimos em São Paulo que, no passado, já elegeu Cacareco e Tiririca. O candidato Pablo Marçal, ao divulgar na véspera da eleição um documento falso acusando Boulos de uso de drogas, errou a mão, perdeu a eleição e vai pagar por isso na Justiça. Ele se inspirou nos antecedentes de documentos falsos como o Plano Cohen, inventado pelos militares para justificar o golpe do Estado Novo em 1937, e a Carta Brandi, divulgada na TV às vésperas da eleição pelo deputado Carlos Lacerda, com o apoio dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa, para incriminar João Goulart e impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955. Esse discurso agressivo é um discurso contra tudo e não é a favor de nada. Encontra terreno fértil nos excluídos. Excluídos da renda, da educação, da cultura, do trabalho fixo e digno. Esses desesperados são massa de manobra dos poderosos que apoiam o fascismo para tirar proveitos econômicos. No fundo, temos mais uma vez o conflito entre a civilização e a barbárie, entre a democracia e a ditadura. Nos bastidores, o neoliberalismo atua fortemente para financiar um regime de extrema direita que assegure a continuidade de sua dominação econômica e financeira. O primeiro turno da eleição de 2024 indicou um crescimento da direita, mas não necessariamente da direita bolsonarista. Na grande maioria das cidades prevaleceu a discussão sobre as questões locais. Lula e Bolsonaro não tiveram a influência que se imaginava, mas, no caso de São Paulo, o apoio de Lula a Boulos é decisivo. Em São Paulo temos polarização política, ausente na maioria dos municípios. Como lembra o jornalista Mauricio Thuswohl, em seu excelente artigo na Carta Capital, não se deve desprezar o poder da máquina pública e o maior tempo de propaganda no rádio e na TV.  Candidatos considerados péssimos Prefeitos chegaram no segundo turno, como, por exemplo, Sebastião Melo, em Porto Alegre, e Fuad Noman, em Belo Horizonte. Não há uma relação direta entre voto e bom governo, ou entre voto e bons resultados na economia. Um bom exemplo é o ex candidato Biden que iria perder fragorosamente para Trump, apesar dos bons índices econômicos do país. O caso de Sebastião Melo, em Porto Alegre, é escandaloso. Desviou toda a verba de manutenção do sistema de proteção das enchentes, foi considerado o maior culpado pelas enchentes, com enormes prejuízos à cidade e seus habitantes, e chegou ao segundo turno em primeiro lugar, com reais chances de vitória. O PSD conquistou o maior número de prefeituras em todo o País, o que pode assegurar ao partido comandado por Gilberto Kassab um papel ainda mais relevante na política nacional. “O PSD não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, costuma dizer Kassab. O discurso do prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, após a vitória no primeiro turno, condenando a polarização, ao lado de políticos de direita e de esquerda, é um bom exemplo da “geleia geral” do PSD. Os candidatos vencedores geralmente foram aqueles que moderaram o discurso ideológico e se apresentaram como gestor. A direita ideológica vai se manter como uma força importante, mas minoritária. A grande maioria da direita é fisiológica, apoia quem está no poder em troca de vantagens. O crescimento do PSD é um dos fatos relevantes destas eleições. Ele se torna um fator importante no cenário político de 2026, e por isso deve ganhar mais espaço no governo Lula. Mas o oportunismo do PSD não constrói uma opção política nacional. Serve principalmente para Kassab vender mais caro seu apoio em 2026. Segundo o cientista político Claudio Couto, o PSD é um partido-ônibus, como o PMDB no passado. Para ele, não há mais uma onda de direita, mas uma direita já estabelecida. Segundo ele, hoje, em qualquer pesquisa, a direita aparece com 35% a 40% e a esquerda com 20%. No Congresso, 60% dos parlamentares são de direita, assim como metade dos governadores eleitos em 2022 (Carta Capital, 3/10/2024). Desde 2012, quando elegeu 27% dos prefeitos do Brasil, a esquerda vem caindo. Em 2020, elegeu apenas 15%. Isso tem a ver com a queda sistemática do PT nos municípios, sobretudo nas capitais, onde elegeu nove prefeitos em 2004 e em 2020 não elegeu nenhum. Este ano, o PT disputa o segundo turno em Porto Alegre, Natal, Fortaleza e Cuiabá. Em nome de futuras alianças para a eleição presidencial, o PT abriu mão de lançar candidatos próprios em diversas capitais e seu eleitorado se dispersou. Isso tinha sentido na fase inicial de crescimento do partido. Era necessário fazer alianças porque o PT, em seus anos iniciais, não tinha força eleitoral. Hoje, o apoio a candidatos de outros partidos leva ao sumiço do PT em muitos Estados e municípios. O fortalecimento do partido em eleição presidencial, devido principalmente, mas não exclusivamente, à liderança de Lula, é acompanhado do enfraquecimento do PT no plano regional e municipal. Tudo em nome de futuras alianças que, em política, nunca são certas. O cumprimento de uma promessa política vai depender da situação futura. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, por exemplo, prometeu não sair candidato a Governador em 2026 e continuar Prefeito, mas ninguém acredita nisso. DESEMPENHO DA ESQUERDA Enfim, o resultado das eleições municipais foi muito ruim para os partidos de esquerda no Brasil. Na maioria, venceu a direita, que se fortaleceu no plano nacional. Mesmo nos casos de vitória da esquerda, é preciso reconhecer que muitos prefeitos eleitos pelo PT não têm compromisso político com o programa do partido. Com a maioria dos municípios nas mãos da direita, o Governo Lula vai provavelmente abrir mais espaço para o Centrão em nome da governabilidade, uma tática que vem dando mais prejuízos do que acertos. Se é certo que a direita se fortaleceu nesse primeiro turno, o mesmo não se pode dizer em relação à extrema direita. Há sinais de que a extrema direita pode ter se enfraquecido, em termos nacionais, a depender dos resultados do segundo turno. Para a eleição presidencial de 2026, Lula tem apoios importantes no Recife, no RJ e em SP, mesmo que Boulos não vença no segundo turno. Ele se tornou uma liderança nacional, com possibilidades de vir a ser até mesmo candidato a presidente se Lula não quiser. Outro líder que se projeta para o futuro, com um perfil de centro esquerda, é o Prefeito João Campos, de Recife. No Norte e Centro Oeste, a disputa é entre a direita e a extrema direita. No Nordeste, sempre fiel a Lula, a esquerda só venceu em Recife e disputa segundo turno em Fortaleza e Natal, havendo perdido nas outras capitais. O Sul é tradicionalmente conservador e o Sudeste, dividido. A hora é de refletir. Um exemplo interessante é o caso do vereador eleito pelo PSOL do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, inteiramente desconhecido nos círculos tradicionais da esquerda. Ele foi o 12º mais votado e fez uma campanha pelas suas redes sociais, com mais de 100 mil seguidores, defendendo a redução da jornada de trabalho, na linha da esquerda europeia de que há vida além do trabalho. Como o PT e os demais partidos de esquerda passaram a existir quase que exclusivamente em função da política institucional, tendo as eleições como bússola, muitas vozes se levantam hoje pregando o retorno às bases, que vêm sendo assediadas pela direita. O Congresso movimenta hoje cerca de 50 bilhões de reais em emendas e a maioria desse dinheiro está na mão da direita, e a esquerda não dá mostras de crescimento significativo. Com exceção da eleição polarizada em São Paulo, a grande maioria dos eleitos não apresenta um perfil político definido. O PT desaparece no plano regional e local e joga todas as suas cartas nas alianças para a futura eleição presidencial de 2026. E, em geral, faz alianças cada vez mais à direita para combater a extrema direita. Nesse passo, os programas de esquerda, mesmo com o fortalecimento do Lulismo, tendem a desaparecer da realidade política brasileira. Já é hora de os partidos de esquerda buscarem novos caminhos e mostrarem a cara, revelando sua verdadeira identidade.   *Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO. Foto:  Fernando Frazão/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Austeridade e popularidade.

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Austeridade e popularidade.
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Por PAULO KLIASS* A proximidade do processo das eleições municipais acabou por deixar um pouco à margem nos grandes meios de comunicação o debate a respeito da perda de popularidade do Presidente Lula e da avaliação de seu governo. É compreensível que a emergência e a polarização do pleito nas mais de 5.700 cidades terminem por colocar essa questão em segundo plano na agenda política. No entanto, como haverá segundo turno em menos de 100 destes locais, é provável que o debate a respeito da contradição entre a realidade exibida pelas estatísticas oficiais de economia e a popularidade em queda passe a merecer mais espaço na imprensa. A dúvida que se coloca é a respeito de quais são as razões que poderiam explicar a incapacidade de as pesquisas de opinião pública captarem algum sentimento mais efetivo de melhora da percepção da maioria da população quanto aos aspectos supostamente positivos da política econômica comandada por Fernando Haddad. Afinal, os números de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 superaram - e muito! - as expectativas apresentadas pela Pesquisa Focus encomendada pelo Banco Central (BC). O problema é que ali são representadas as opiniões de apenas 171 presidentes e dirigentes de empresas do financismo, todos eles criteriosa e rigorosamente selecionados para responder ao questionário do órgão encarregado pela fiscalização e pela regulamentação do próprio sistema financeiro. O resultado é um misto de torcida uniformizada com chantagem contra propostas que possam contrariar os interesses do setor. No começo do ano passado, esse pessoal dizia que o PIB não iria crescer mais do que 0,8% ao longo dos 12 meses. Como sempre, a nata da banca privada confundia mais uma vez seus desejos contra o governo que havia derrotado o candidato apoiado por eles nas eleições de outubro de 2022 com algum lampejo de análise objetiva da realidade econômica. Com isso, eles foram mais uma vez desmoralizados com a divulgação do resultado oficial do IBGE, que registrou um crescimento de 2,9% no PIB para o ano passado. Um dos fatores que contribuíram para esse quadro foram as despesas públicas e os investimentos estatais garantidos pela negociação da PEC da Transição, quando o novo governo conseguiu recursos orçamentários para executar parte de seus compromissos anunciados durante a campanha eleitoral. Ou seja, exatamente o oposto da austeridade fiscal burra e cega que os representantes da banca propõem o tempo todo. Haddad: insistência cega na austeridade fiscal Para o ano atual há uma tendência de manutenção do mesmo ritmo de elevação do PIB. Ao longo dos meses o governo e os próprios representantes do assim chamado “mercado” foram elevando suas projeções. Nos primeiros meses, estes últimos projetavam uma elevação de apenas 1,60% para o final do presente ano. Mas o povo da Faria Lima terminou por aceitar a realidade e reajustou suas projeções. Atualmente, o próprio Ministério da Fazenda refez seus cálculos e passou a trabalhar com uma expectativa de 3,2% para o encerramento de 2024. Para tentar surfar nessa onda de boas novidades para o chefe, o pessoal da área da economia tenta emplacar a narrativa de que tais resultados só estão surgindo por conta da rigidez com que Haddad vem tratando a questão da austeridade fiscal. Ocorre que a verdade é bem oposta: essa melhoria está ocorrendo apesar das regras da austeridade. Na área do emprego as informações divulgadas pelos órgãos governamentais também apresentam um quadro interessante. Confirma-se uma tendência de redução do desemprego, que atingiu seu nível histórico mais baixo segundo os dados do IBGE. No segundo trimestre deste ano a chamada taxa de desocupação atingiu 6,8% do total da população economicamente ativa (PEA). Trata-se da menor taxa jamais registrada para esse período nos últimos 10 anos. Ocorre que há problemas associados à metodologia utilizada pelo órgão. O questionário pergunta se o indivíduo procurou emprego durante os últimos 30 dias. Como há muita gente desempregada por um período mais longo de tempo e que desistiu de procurar um posto de trabalho, geralmente os dados são subdimensionados. Inflação e precariedade no emprego: popularidade de Lula em baixa Esse é o fenômeno que gera um contingente conhecido como “população desalentada”. Afinal, procurar emprego, particularmente em cidades com características metropolitanas, custa dinheiro. E as pessoas terminam desistindo depois de muitas tentativas infrutíferas. Esta é a razão pela qual os indicadores de entidades como o DIEESE, por exemplo, apontam taxas de desemprego bem mais elevadas do que a oficial. Na pesquisa que a entidade mantida pelo movimento sindical realiza para o DF, por exemplo, o desemprego se aproxima de 15% da PEA. Além disso, os dados do IBGE apontam um crescimento da informalidade nas posições ocupadas. As sucessivas mudanças introduzidas na legislação trabalhista nos governos Temer e Bolsonaro, com vistas a retirar direitos dos assalariados, mascaram a realidade do mercado de trabalho. As pessoas estão empregadas, mas em condições de elevada precariedade e, por vezes, recebendo até mesmo uma remuneração mensal inferior a um salário mínimo. Esse fato pode ser captado também pelo contingente da população subutilizada. São 18,5 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar mais horas do que estão conseguindo atualmente em sua jornada laboral. Outro aspecto que poderia eventualmente contribuir para melhorar a avaliação do governo refere-se à redução da taxa de crescimento dos preços. Em 2022, o IPCA registrou um acumulado de 5,6%. Em 2023, a inflação oficial registrou 4,6%. Atualmente, o acumulado de 12 meses até agosto aponta 4,2% e uma projeção para encerramento do ano em um patamar ainda mais elevado. Por outro lado, a desagregação dos preços em grupos aponta para crescimento acima da média em itens de maior sensibilidade, tais como alimentação (4,59%), transportes (4,53%), saúde (5,70%), despesas pessoais (4,45%) e educação (6,91%). Isso significa que todo o esforço realizado pelo arrocho monetário não tem conseguido reduzir de forma significativa a inflação para a meta claramente irrealizável de 3% ao ano. Por isso teria sido fundamental o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter se rendido às evidências da realidade e ter promovido uma alteração na meta oficial para o crescimento dos preços. Mas Fernando Haddad se opôs radicalmente a tal inciativa. Povo não come PIB! Ora, tudo leva crer que a combinação oferecida por um crescimento não expressivo do PIB e uma inflação persistente em setores que mais pesam no bolso da população de baixa renda não tem logrado arrefecer o descontentamento com a situação de dificuldades vivenciadas nos setores da base de nossa pirâmide da desigualdade. Afinal, ao longo da última década, o crescimento do Produto Interno foi pífio. Entre 2015 e 2024 registrou-se um índice acumulado de 5,7% - o que corresponde a pouco mais de 0,5% por ano. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, o crescimento populacional observado ao longo dos mesmos 10 anos foi de 4,4%. Na verdade, foi uma década de semi-estagnação da economia de forma geral. Ou seja, por mais que neste mesmo intervalo de tempo tenha havido 6 anos entre Temer e Bolsonaro, o fato é que existe um limite de aceitação de situações de infortúnio por parte da maioria da população. O resultado do primeiro turno das eleições municipais pode ser analisado também por essa ótica. Como dizia a querida e saudosa mestra, a professora e economista Maria Conceição Tavares, o povo não come PIB. Isso significa que, com toda a certeza, as políticas de austeridade fiscal e de arrocho monetário levadas a cabo pela área econômica não têm contribuído para que o eleitorado avalie de forma positiva ou compreensiva o governo. Pelo contrário, o que as pesquisas de opinião têm demonstrado é uma insatisfação com o desempenho de Lula e de seu governo. Lula precisa redefinir os rumos de seu governo Estamos nos aproximando da metade de seu terceiro mandato. Ainda existe tempo para que o Presidente opere uma mudança de linha e de rota com vistas a recuperar a credibilidade da maioria da população e prepare as forças progressistas para o grande embate eleitoral que deverá ocorrer em 2026. Caso ele opte pela manutenção do “mais do mesmo” no que se refere à condução da política econômica pautada pela austeridade fiscal é bem provável que assistamos a um aumento das dificuldades políticas para sua própria reeleição. Afinal, a experiência tem comprovado que os resultados sociais e políticos provocados pela combinação austericida de juros elevados com estrangulamento orçamentário só beneficia os setores do parasitismo financeiro. Para recuperar as bases de uma popularidade de seu segundo mandato, quando encerrou o governo com índices superiores a 80%, Lula precisará realizar mudanças que podem até desagradar parte das elites do financismo. Mas quem decide as eleições são as dezenas de milhões de cidadãos que aguardam os efeitos positivos de um governo desenvolvimentista e comprometido com programas sociais voltados à maioria. *Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto: Dream Time Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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A guerra e a procura da paz

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A guerra e a procura da paz
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Por CELSO JAPIASSU* Berço de civilizações e palco de tantas guerras, a Europa pretendeu atingir, com a criação da União Europeia, um novo patamar de paz e bem-estar social baseado na solidariedade e ajuda mútua entre os Estados. Mas é hoje um projeto ameaçado pelos mesmos sentimentos nacionais e pela forte competição, causas dos desencontros que no passado desembocaram nas históricas e sangrentas guerras entre nações. Sem mencionar todos os conflitos anteriores, desde o Século 18, quando se deu a chegada do Iluminismo e, portanto, o chamado império da razão, sem contar a guerra da Ucrânia que hoje se desenrola sem que se aviste o seu final, pelo menos vinte grandes guerras assolaram o território europeu. A maior delas foi a de 1914 a 1918, que veio a se desdobrar na outra que durou de 1939 a 1945. Juntas, foram responsáveis por 105 milhões de mortos. Alguns historiadores estão convencidos de que se tratou de um único conflito com uma trégua de 21 anos. As guerras mundiais, que destroçaram as nações, acabaram com o sistema colonial, desorganizaram as sociedades, liquidaram as economias e deram outra configuração ao mapa do continente.   A busca da paz Ao fim da Segunda Guerra foi dado um primeiro passo para a criação do que alguns líderes visionários viam como uma comunidade de países capaz de promover mútuo desenvolvimento econômico e solidariedade num continente tão castigado por embates sangrentos. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi o passo inicial, em 1950, e o Mercado Comum, em 1957, significou o avanço que veio a dar numa moeda única, quando o euro passou a regular as economias. A ideia original era de que a cooperação econômica e as relações comerciais fariam os países dependentes entre si e diminuiriam assim os riscos de novos conflitos. Com a morte de Franco, em 1975, encerrou-se a última ditadura de direita na Europa, as regiões mais pobres começaram a receber incentivos para a geração de empregos e bem-estar social e o Parlamento Europeu passa ser um ator importante na uniformidade das leis e cooperação entre os países. A União Europeia, formada hoje, depois do Brexit, por 27 países que representam grande parte do continente, recebeu em 2012 o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao papel que tem desempenhado na busca da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.   As divergências São principalmente os movimentos de direita e extrema-direita nazifascista que hoje contestam a validade da União Europeia e os seus princípios de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Aproveitam-se das inquietações da opinião pública para reeditarem os discursos de forte nacionalismo, protecionismo econômico e controle das fronteiras. Os partidos de extrema direita têm sido quase sempre derrotados nas eleições, mas é inquietante o seu crescimento. Na França, Marine Le Pen faz parte do movimento anti-União Europeia e ficou em segundo lugar na disputa pela presidência da República. Na Alemanha, o AfD (Alternative für Deutschland), de extrema direita, tornou-se a terceira força política no parlamento e nos Países Baixos o Partido pela Liberdade (PVV), também de extrema direita de tons fascistas, ficou em segundo lugar nas eleições. Na Áustria, a extrema direita acaba de ganhar as eleições. Polônia e Hungria têm governos de extrema direita e na Grécia o Aurora Dourada, embora não tenha conseguido os 3 por cento dos votos para ter representação no parlamento, é um partido declaradamente neonazista. E na Itália o neofascismo está no poder com Giorgia Meloni. O Chega! em Portugal, extremista de direita, ocupa hoje o terceiro lugar como força política, quatro anos depois da sua fundação em Lisboa.   As causas O aumento do desemprego, a queda no padrão de vida e o aumento da imigração provocada pela crise humanitária nos países do Médio Oriente e da África: são estas as principais causas apontadas para o fortalecimento das ideologias de extrema direita na Europa. Um radical nacionalismo ligado à ideia de pátria fomenta a xenofobia e o racismo face a outros povos além de fortalecer as noções de defesa das fronteiras e dos territórios. São estes os fatores explorados pelos políticos oportunistas ligados às ideologias de extrema direita. As redes sociais têm dado forte contribuição ao fortalecimento dos partidos de direita posicionados contra a União Europeia – os eurocéticos. Através delas são disseminadas informações falsas e mesmo verdadeiras que são bloqueadas pela mídia tradicional. Conteúdos violentos e discriminatórios são normalmente evitados pelos veículos estabelecidos, mas circulam com facilidade pelas redes baseadas na internet. A manipulação da opinião pública pelas fake news tem sido um instrumento criminoso fortemente explorado  pelos movimentos políticos radicais. O jornalista Mattew D’ancona diz em seu livro “Pós verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake News” que 2016 foi um ano que assistiu ao início do que ele chama de era da pós verdade. Define como um momento em que os fatos começam a perder importância para dar lugar ao fortalecimento de crenças e paixões. Isto tem até definido eleições, como aconteceu no Brasil e nos EUA, com Bolsonaro e Trump, além de ameaçar também, junto com outros fatores, a própria existência da União Europeia. Foi um recurso largamente usado na campanha do plebiscito que fez o Reino Unido decidir pelo Brexit. Relembro o que disse François Miterrand, num célebre discurso no Parlamento Europeu em 17 de janeiro de 1995: “Temos de vencer esses preconceitos. O que vos estou a pedir é quase impossível, porque temos de vencer o nosso passado. Porém, se não o derrotarmos, temos de saber que uma regra triunfará, senhoras e senhores. Nacionalismo significa guerra.”   *Poeta, articulista, jornalista e publicitário Imagem em: Kleber Salles/Editoria de Arte/CB Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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Eleições 2024: o “centro” de negócios e a direita avançam e a esquerda encolhe

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Eleições 2024: o “centro” de negócios e a direita avançam e a esquerda encolhe
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Por BENEDITO TADEU CÉSAR* Os grandes vencedores das eleições deste domingo "em todo o Brasil foram os partidos e candidatos ditos de “centro” ou, sendo mais precisos, aqueles que se apresentam como “isentos de ideologias” e congregam políticos mais comprometidos com os “negócios” e as “oportunidades” do mundo político do que com qualquer convicção doutrinária. Ainda que se apresentem como “não ideológicos”, esses partidos e candidatos inclinam-se, quase sempre, para a direita e flertam, muitas vezes, com a extrema-direita, mas, a rigor, ficam onde estão as “melhores ofertas” que, hoje, estão à direita do espectro partidário, no comando dos orçamentos públicos. Depois deles, os grandes vitoriosos foram os partidos e candidatos de extrema direita, que se apresentam em geral com a bandeira da antipolítica, e aparentemente negando todas as ideologias, ou afirmando-se com orgulho como os candidatos da direita “verdadeira”. Em ambas as posições, são os representantes do autoritarismo, da repressão e da intolerância política. As esquerdas e seus candidatos ficaram por último, não obstante os pequenos crescimentos das Prefeituras conquistadas pelo PSB e o PT. O primeiro, passou de 258 para 311 Prefeituras, com um crescimento de 21%, e o segundo saiu de 183 e chegou a 251, com um crescimento de 37%, evidenciando uma pequena reação ao desmonte provocado pela Operação Lava-Jato e a perseguição a que foram submetidas as suas lideranças, militantes e até simpatizantes nas eleições de 2016 e 2020. Ao lado do desempenho acanhado do PT, a vitória do PSDB em apenas 273 Prefeituras, numa queda de 49% frente à eleição de 2020, explicita outra consequência importante destas eleições: o claro desmonte do sistema de concorrência partidária vigente até 2014, no qual PT e PSDB disputavam votos e se revezavam na preferência dos eleitores no plano federal, o que se refletia nos planos estaduais e municipais, ainda que em menor escala. Este sistema foi sepultado. Veja abaixo a evolução dos 11 partidos com mais Prefeituras neste primeiro turno, em comparação a 2020, calculada segundo os dados oficiais do TSE: – PSD: de 662 para 888, — aumento de 34%; – MDB: de 797 para 865 — aumento de 7%; – PP: de 701 para 752 — aumento de 7%; – União Brasil: de 568 para 589 — aumento de 3%; – PL: de 349 para 523 — aumento de 50%; – Republicanos: de 216 para 439 — aumento de 103%; – PSB: de 258 para 311 — aumento de 21%; – PSDB: de 531 para 273 — queda de 49; – PT: de 183 para 251 — aumento de 37%; – PDT: de 318 para 150 — queda de 53%; – Avante: de 81 para 136 — aumento de 67%; Para comprovar o crescimento do “centro de negócios” e da direita tradicional, façamos uma conta simples. Somados, PSD (888) e MDB (865), posicionados no “centro”, conquistaram 1753 Prefeituras das 5.569 existentes no país (excetuando-se o Distrito Federal e Fernando de Noronha, que não realizam eleições municipais). PP (752) e União (589), conformando a direita tradicional, conquistaram 1.341 Prefeituras. Juntos, conquistaram 55,5% dos municípios brasileiros. À esquerda do espectro ideológico partidário, PSB (312), PT (253), PDT (151), PCdoB (19), PV (14) e Rede (4), somados, conquistaram 753 Prefeituras, o que significa 13,5% dos municípios brasileiros, 24,5% das Prefeituras obtidas pelo “centro” e a direita tradicional, e, de maneira ainda mais contundente, menos 135 do total de municípios que o PSD, considerado isoladamente, conquistou. Na outra ponta, o PL do ex-Presidente Bolsonaro, que lidera os partidos de extrema-direita, saiu extremamente fortalecido. Ainda que não tenha atingido os 1.500 municípios a que tinha se proposto, ficando com apenas 1/3 da meta estabelecida, o PL elegeu sozinho, até aqui, 523 Prefeituras (e disputa o segundo turno em outros 23 grandes municípios). Comparativamente ao PT do atual Presidente Lula, que lidera os partidos de esquerda e centro-esquerda (e que disputa o segundo turno em apenas 13 municípios), o PL saiu vitorioso com o dobro de Prefeituras conquistadas. O que teria levado a essa situação? O cansaço e a insatisfação com a política e com os políticos e também com o Estado, amplamente desacreditados pelos grandes meios de comunicação desde a operação Lava Jato e considerados incapazes de responder às demandas sociais acumuladas, criaram as condições para o fortalecimento dos partidos e políticos “de negócios”, distribuidores de recursos para obras em suas bases políticas, os quais já vinham crescendo desde as eleições de 2016 e 2020 e que agora conseguiram seus melhores resultados. Para a distribuição de recursos aos municípios e aos cabos eleitorais de sua base, além dos vultuosos recursos do Fundo Partidário, que é repartido proporcionalmente ao número de parlamentares de cada partido, os partidos de “negócios” e a direita tradicional, que mais cresceram nestas eleições, contaram com o avanço sobre o orçamento público federal realizado pelos partidos e políticos integrantes do chamado “Centrão” na Câmara Federal e no Senado da República durante o governo Bolsonaro, com a criação do “Orçamento Secreto” e das “Emendas Pix”, que garantiu polpudos repasses de verbas para os municípios “da base” desses políticos e um imenso volume de recursos para suas campanhas eleitorais e as de seus apoiadores. Em minoria no Congresso Nacional, com os partidos integrante de sua base política fiel detendo apenas cerca de 1/3 das cadeiras na Câmara e pouco mais de 1/5 no Senado, o governo Lula não teve forças para reverter esse quadro e o controle dos recursos orçamentários e suas benesses continua sob o controle do conjunto do “centro” de negócios, da direita tradicional e da extrema direita. O cenário geral de cansaço com a política deu espaço para o surgimento e o crescimento de candidatos como Pablo Marçal ou Alexandre Ramagem, que se assumem como “idiotas políticos” (autodefinição assumida por Ramagem) e que canalizam os votos daqueles que consideram a política, o Estado e o conjunto de suas instituições como desprezíveis. Se a política é a expressão e a prática da escória social, por que não votar logo no pior dos políticos, que se apresenta como o antipolítico? Aparentemente de forma contraditória, os três grandes vencedores pessoais nestas eleições foram, de um lado, Pablo Marçal, em São Paulo, e Eduardo Paes, na cidade do Rio de Janeiro e João Campos, em Recife. Se o primeiro, como foi dito acima, sintetizou a idiotia extremada dos que desacreditam a tal ponto da política, das instituições públicas e do Estado, que decidiram escolher o pior dentre todos os candidatos possíveis, os segundos sintetizaram a percepção de que a única maneira de enfrentar e vencer o desencanto que gera a idiotia política e possibilita o crescimento dos políticos que visam “oportunidades e negócios”, e dos fascistas, que se alimentam de ressentimentos e ódios, é a construção de frentes tão amplas a ponto de agregar a esquerda, o centro e até mesmo setores da direita democrática. Marçal, ainda que tenha sido eliminado no primeiro turno, pautou a eleição na cidade de São Paulo e foi notícia em todo o país e, com isso, tendo saído do nada, construiu um capital político que lhe garantirá força para influir no espaço político e que lhe renderá frutos eleitorais em eleições futuras. João Campos e Eduardo Paes, capitaneando frentes amplas que agregaram partidos tão díspares quanto PSB / PC do B / PT / PV / UNIÃO / REPUBLICANOS / MDB / SOLIDARIEDADE / AVANTE / DC / AGIR / PMB, por parte de Campos, e PODE / PRD / DC / AGIR / SOLIDARIEDADE / AVANTE / PSB / PDT / PC do B / PT / PV / PSD, por parte de Paes. Ambos venceram a eleição no primeiro turno, sendo que Paes o fez no berço político de Bolsonaro, conquistando 60,47% dos votos válidos e, mesmo que o seu adversário de extrema direita tenha conseguido afirmar a força eleitoral bolsonarista, obtendo 30,81% dos votos, lhe impôs uma fragorosa e humilhante derrota. *Benedito Tadeu César é cientista político, professor universitário e integrante das coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED Rede Estação Democracia Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Com o mesmo enfoque deste artigo, veja o vídeo de Bob Fernandes: https://youtu.be/k1SrwV7RU_w?si=WR-DLA_XzTwF-AOg Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Constituição, 36 anos: defender a democracia

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Constituição, 36 anos: defender a democracia
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Por TÂNIA MARIA SARAIVA DE OLIVEIRA* As regras formais postas no ordenamento precisam que os atores as conheçam, respeitem e defendam "A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito. Mudar para vencer. Muda, Brasil!".   O Brasil de 1988 que ouviu essas palavras da boca do então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, ao promulgar a nova Constituição brasileira, conhecida como a "Constituição Cidadã", era um país de fato em mudança, no qual a nova Carta tornou-se o símbolo da redemocratização do país após décadas de uma ditadura militar que ceifou vidas e impôs o silêncio dos quartéis. Não sem resistência, por óbvio. As conquistas de direitos sociais em áreas como educação, inclusão e saúde, aliadas à liberdade de pensamento e de crença, uniram-se aos desafios de implementar e aperfeiçoar o Estado Democrático de Direito. Evidente que, como a história não é linear, o processo de transição democrática do país foi tenso e com descontinuidades, apresentando avanços e retrocessos, o mesmo em relação ao texto constitucional, que desde sua publicação esteve em disputa, operando perdas e reconquistas dentro do projeto de sociedade buscado pelos grupos sociais em ação. A Constituição Federal do Brasil completa 36 anos na véspera do dia em que as pessoas vão às urnas eleger seus representantes nas prefeituras e nas câmaras de vereadores, em um país altamente polarizado, não necessariamente entre projetos para as cidades. As campanhas nos grandes centros foram marcadas por comportamentos altamente desrespeitosos, ataques pessoais e atos de violência que, na prática, tornam impossível a visualização pelos eleitores das diferenças entre os projetos para a coletividade. Nas últimas quatro décadas, as mudanças históricas tiveram um ritmo muito mais acelerado que outrora, provocadas em larga medida pelas novas formas de comunicação, com o surgimento da internet e das redes sociais que, por um lado quebraram o monopólio do discurso dos grandes conglomerados, mudando a forma que as pessoas produzem e compartilham conteúdos e interagem em comunidade e, por outro, privatizaram a produção e a circulação de conceitos e narrativas, tirando dos armários criaturas que, antes, eram contidas pela simples existência de uma esfera pública. A elaboração e disseminação de notícias falsas, sobremaneira com intuito de destruir reputações, tornou o ambiente virtual tóxico e carente de regulamentação. O crescimento da extrema direita no mundo não poupou o Brasil. Há cerca de uma década passamos a conviver com uma polarização em que o espaço do outro não mais pode ser tolerado, a ouvir discursos que equivocadamente nos pareciam superados, de xenofobia, machismo, racismo, negacionismo climático, ambiental e científico, em uma retórica de ódio camuflada por valores supostamente morais, um entrelaçamento entre religião e Estado, falsos enunciados sobre ética, com acusações em que corrupto é sempre o outro, seu inimigo. Aliás, os adversários políticos se transformaram em inimigos. O acirramento se deu de tal forma que famílias e amizades foram desfeitas em decorrência da intolerância e do alinhamento com pessoas públicas e pensamentos distintos. Com a ascensão de um líder populista de extrema direita, amargamos quatro anos de um governo que promoveu o desmonte dos serviços públicos essenciais, para bancar seu projeto político-ideológico de enfraquecimento do Estado, reduzindo direitos para a maioria e aumentando privilégios para minorias. Nesse cenário, a Constituição Federal, como um texto que se compromete com a busca da superação de desigualdades, que se coloca como base normativa para a realização de projetos de vida com expectativa humanista e solidária sofreu grandes derrotas, não apenas no plano prático de destruição por dentro, como as reformas trabalhista e previdenciária, que transferiram ativos e reorientaram o orçamento público de financiamento de políticas sociais para subsidiar a lucratividade financeira, mas também com o uso artificial e deturpado de seu texto. É assim com o discurso que defende "liberdade de expressão" para praticar crimes contra as instituições e a própria democracia, em evidente tentativa de captura de um direito fundamental como absoluto, como se proclamasse uma espécie de vale tudo. As famosas "quatro linhas" postas nas falas de Jair Bolsonaro (PL) e seus asseclas certamente não comportam os direitos fundamentais e os princípios que informam a vida política e social. Ao oposto, são apenas emblemáticas de busca do uso de mecanismos legais com o objetivo de eliminação do adversário. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018 e a tentativa de impedimento do ministro do STF Alexandre de Morais na atualidade são exemplos cabais de como a democracia no Brasil assumiu contornos de um combate que não observa o regramento nem a tolerância exigida pela institucionalidade. O uso do Direito como arma política, conhecido como lawfare, virou regra nas mãos daqueles que não aceitam o jogo na arena correta das disputas legitimas. No mesmo sentido, a tentativa de usurpação do texto constitucional por aqueles que a descumprem diuturnamente evidencia que uma Constituição, qualquer que seja ela em qualquer parte do mundo, não é suficiente para sustentar um regime democrático pleno. São as práticas político-institucionais que sustentam seus mecanismos de controle, responsabilização e organização dos instrumentos e órgãos dentro dos poderes instituídos. Dito de outro modo, as regras formais postas no ordenamento precisam que os atores as conheçam, respeitem e defendam em suas práticas políticas. Nossa balzaquiana Constituição, portanto, segue necessitando que a defendamos, que a fortaleçamos e a tenhamos como norte não apenas pelo seu conteúdo, mas no sentido de seu aperfeiçoamento e do fortalecimento de condições político-institucionais que evitem a derrocada da democracia.   *Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Governo Federal. Foto:  FLickr/ Agência Senado Publicado originalmente em Brasil de Fato. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.        

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A bizarra cabeça tiktok do dono da RBS, o maior grupo de mídia do sul

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A bizarra cabeça tiktok do dono da RBS, o maior grupo de mídia do sul
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Por LUIZ CLÁUDIO CUNHA* O grupo teve em 2023 uma receita bruta de R$ 900 milhões e as marcas da RBS chegam a 98% dos 497 municípios gaúchos O empresário Nelson Pacheco Sirotsky, gaúcho de Porto Alegre, é uma grande figura humana. Sorridente, afável, simpático, acessível, bem-humorado, cabelos pretos ordenadamente penteados para trás, um bigode quase imperceptível e uma barba bem aparada que não esconde os primeiros fios brancos, arredio a terno e gravata e adepto de esportivas sapatilhas de solado branco, Nelson aparenta ter bem menos do que seus 71 anos. Presidente da Maromar, empresa de investimentos da família, membro do conselho nacional da Endeavor Brasil e acionista da Maiojama Empreendimentos imobiliários, dona dos dois maiores shopping centers de Porto Alegre, Nelson Sirotsky é formado em Administração de Empresas pela UFRGS, a universidade federal gaúcha, com curso de executivo na maior escola privada de Los Angeles, a University of Southern California. Nelson foi presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) por dois mandatos sucessivos, de 2004 a 2008. Ele não é jornalista, mas entre os vários títulos que possui o que mais gosta e usa é o de publisher da RBS. Ele tem muito orgulho de sua condição de principal editor da RBS, o mais expressivo grupo de comunicação do sul do país, com 12 emissoras de TV afiliadas à hegemônica Rede Globo, cinco rádios (incluindo a Gaúcha, a maior no Estado), a mais vigorosa plataforma de jornalismo digital da região (a GZH) e três jornais, liderados pela Zero Hora, o maior e mais importante do Rio Grande do Sul. O grupo teve em 2023 uma receita bruta de R$ 900 milhões e as marcas da RBS chegam a 98% dos 497 municípios gaúchos. Com as audiências somadas de TV, rádios, jornais e portais da internet atinge 11,2 milhões de pessoas, mais de 100% da população do Estado. Em julho passado, a RBS concluiu um processo de dois anos de reorganização societária que deu uma nova harmonização facial para o grupo. Alguns sócios saíram, como a irmã mais velha, Suzana, outros perderam força e o núcleo da família Sirotsky se fortaleceu: os outros três filhos do patriarca e fundador Maurício Sirotsky Sobrinho (1925-1986) – Sônia, Nelson e Pedro – e a preservada figura do presidente emérito do grupo, Jayme Sirotsky, irmão de Maurício, permaneceram. Mas é Nelson, hoje o líder principal do clã, que surge como a cara e o jeito  mais visível e influente da RBS. Essa ampla cirurgia facial foi o tema de uma entrevista revelador com Nelson Sirotsky realizada no final de agosto passado, via YouTube, e promovida na Coonline, um encontro virtual de veteranos jornalistas gaúchos reunidos semanalmente sob a liderança do experiente José Antônio Vieira da Cunha, fundador e primeiro presidente da mítica Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (Coojornal), que iluminou a imprensa brasileira nos anos de treva da ditadura entre 1974 e 1983, até ser mortalmente apagada pela pressão sobre os anunciantes da cooperativa exercida pelos generais incomodados com a liberdade crítica da entidade. Agora, todo final de quarta-feira, Vieira convida nomes expressivos da mídia nacional, entre jornalistas, executivos, pensadores e especialistas em comunicação, para debater virtualmente as graves questões que afligem a mídia nos trepidantes anos digitais do início do Século 21. Vieira comanda o debate com uma dezena de jornalistas veteranos do sul, muitos deles contemporâneos dos bravos tempos da Coojornal e hoje espalhados pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Na Coonline de número 45, ao anoitecer de quarta-feira, 28 de agosto, foi a vez de ouvir Nelson por uma hora e meia. Reveja aqui:  https://youtu.be/A7tz0ipQIP0?si=b8tq3pMmlSdxDq1Y Foi nesse encontro que Nelson baixou a guarda, enunciando inesperadamente ideias desconcertantes, emitindo conceitos surpreendentes e defendendo conceitos absurdos, rasteiros, impensáveis – pela ligeireza e frivolidade – na cabeça de qualquer comandante responsável das grandes corporações da mídia nacional. As duas derrapadas mais notáveis: sua doida ambição de ter um jornal com mais colunistas do que jornalistas e sua inusitada admiração pela adolescente plataforma do TikTok. “O jornalismo era sinônimo de papel. E o mundo mudou profundamente. O comportamento do consumidor e da tecnologia está sendo modificado. Isto é o Século 21. Na Zero Hora, assim como no New York Times, a Folha, o Estado de S.Paulo, o papel é apenas um segmento de uma marca do jornalismo*, lembrou, confirmando com números essa redução forçada da era digital: a Zero Hora,  que teve mais de 200 mil assinantes na década de 1990, hoje tem apenas 40 mil. “O papel, como veículo de distribuição de informação, continua existindo, mas tem muito menos relevância, muito menos clientes. O número de pessoas que assinam todos esses jornais, que leem no papel, diminui todos os dias. Este é um caminho irreversível”, O jornalismo de colunistas Nelson contou que, no início de 2024, numa conversa em Porto Alegre com o fundador do GPS de trânsito Waze, o israelense Uri Levine, perguntou a ele até quando vai existir jornal em papel: “Enquanto tiver cliente”, respondeu Levine, um especialista na fuga rápida de engarrafamento mental. Cliente, aliás, é uma expressão mercantil que Nelson adota alegremente, como se o leitor de seu jornal fosse o prosaico consumidor, por exemplo, de uma fábrica de salsichas – sem querer ofender as salsichas, claro!. “Nós ainda temos 40 mil valorosos, relevantérrimos clientes para nós”, consola-se Nelson, para quem o maior desafio da RBS é ampliar, no jornal impresso, o número de “clientes”. Ele diz que está tentando fazer, no print, “um jornalismo mais moderno, mais contemporâneo”, com uma fórmula aparentemente revolucionária: jornalistas com opinião e com informação. “Não aquelas a que estávamos acostumados, reportagens com 2 ou 3 páginas, mas com informações sucintas, rápidas, objetivas. Se o repórter quer aprofundar, ele tem outros canais da própria Zero Hora para fazer isso no mundo digital”. Nelson garante que não diminuiu o número de informações da Zero Hora todos os dias: “O jornal está mais compactado, são menores as informações, mas isso é parte da linha que adotamos. São jornalistas que dão opinião e informação, opinião e informação responsáveis”. Nelson diz que os assinantes são muito valiosos:” Queremos aumentar, não perder nenhum cliente”. A reação do público ao novo formato do jornal, garante, foi positiva: “De modo geral, as pessoas adoraram o novo jornal impresso”. Uma pesquisa com os assinantes revelou uma única, grave, clamorosa reclamação da distinta clientela: e o horóscopo? Cadê o horóscopo, que sumiu na reforma do jornal? “Nós tínhamos tirado. E o horóscopo voltou”. Nelson em nenhum momento se perguntou o que havia de errado com um jornal de quem os “clientes” reclamam apenas pela falta de horóscopo… “O público achou muito bom o fato dos colunistas, os comunicadores, terem opinião e também trazerem informações – sucintas, rápidas, objetivas. O público gostou do novo formato do jornal”, festejou o dono da RBS. Nelson diz que, dos atuais 2.200 funcionários da RBS, 500 são jornalistas. E, para satisfação maior do dono, cresce cada vez mais a população de colunistas: já são 81, um colunista para cada grupo de seis jornalistas. O jornal publica uma relação alfabética dessa pletora de titãs, e apenas cinco das 26 letras do alfabeto (B, O, W, X e Y) não possuem – ainda – um ilustre titular de coluna. Os nomes da letra M, com 15 colunistas, são os mais pródigos da seleção, seguida pelo J e pelo L, com oito cada. A RBS percebeu que essa multidão de especialistas em informações ‘sucintas, rápidas e objetivas’ movimenta o mercado de marketing digital como “criadores de conteúdo”, peças essenciais da creator economy, um nicho supostamente de gente criativa que reúne influenciadores digitais, blogueiros, ativistas, podcasters, artistas, músicos, atletas – e até jornalistas. É um mercado que, segundo a eufórica RBS, já movimenta no mundo US$ 250 bilhões com potencial para crescer mais de 90% até 2027, segundo projeção do ano passado da Goldman Sachs. Pronto. Criou-se então a Pulso.creators, “a primeira agência de criadores de conteúdo full service do sul do país”, engenho e arte da RBS para oferecer ao mercado “inovação em marketing de influência”. Com a ambição de ser uma “proposta de valor única para conectar marcas e influenciadores”, a empresa oferece projetos integrados multicanais, “explorando formatos e possibilidades com a agilidade do mundo digital”. Misturando de forma obscena jornalistas com seus desejos comerciais mais privados e lascivos, a empresa de Nelson Sirotsky oferece com despudor seus profissionais, corpos e mentes ao mercado mais insinuante: “Os clientes contarão com o casting de talentos da RBS e influenciadores relevantes da Região Sul, contemplando diferentes territórios, e ainda serviços como consultoria e pesquisa”, prometia, em agosto de 2023, no sedutor lançamento da Pulso.creators. A diretora executiva e estratégica da Pulso, Gabriela Frühauf, define o papel desses modernos, conectados comunicadores que Nelson tanto admira pela informação sucinta, rápida e objetiva: “Podemos, por exemplo, montar um squad ativo com o cliente, que pensará nas problemáticas, nos objetivos e nas campanhas da marca. É possível fazer testes de campanha antes de colocá-las na rua ou mesmo montar um sprint criativo, de onde pode nascer um novo produto ou uma nova embalagem. Tudo isso usando a inteligência dos criadores”. Entenderam? Frühauf rasga a fantasia e confessa: “Somos uma full service que atua do topo ao fundo do funil de vendas”. Não fica claro o que faz nesta malcheirosa barafunda comercial um jornalista, ou colunista, enredado num feio e escancarado esquema mercantil, “do topo ao fundo do funil de vendas”, que por definição não é o destino de um profissional sério da informação. Alguém precisa avisar a RBS que jornalista ou colunista não é mascate, nem camelô, nem mesmo embrulhado em colorido papel crepom como um reles vendedor. Desde a década de 1960, quando a finada Editora Abril de Victor Civita começou sua vitoriosa trajetória de empresa então invejada na mídia de informação, criou-se a cláusula pétrea da separação entre Estado e Igreja, a fronteira intransponível entre Editorial e Comercial, entre jornalismo e publicidade. Portanto, é uma baita maldade e um intragável retrocesso converter um jornalista profissional em um disfarçado ambulante digital, viu, Nelson? Nessa dupla e confusa alquimia, que mistura informação com opinião e comunicador com vendedor, a festejada superpopulação de colunistas da RBS pode garantir uma posição de honra no pódio do jornalismo mundial ao brasileiro Nelson Sirotsky. O primeiro posto cabe, é claro, ao alemão Johann Carolus (1575-1634), o anônimo dono de uma gráfica na cidade de Estrasburgo, cidadã francesa às margens do Reno que integrava no Século 17 o Sacro Império Romano-Germânico. Foi lá que Carolus publicou em 1605 aquele que é reconhecido pela Associação Mundial de Jornais como o primeiro jornal impresso da história. Parecia um pequeno livro, em uma única e pesada coluna de texto, sob o título intragável de Relation aller Fürnemmen und gedenckwürdigen Historien (“Relato de Todas as Notícias Ilustres e Comemorativas”). Sirotsky perdeu a primazia do primeiro jornal, mas Carolus também nunca imaginou inventar um jornal mais povoado por colunistas do que por jornalistas, como sonha fazer o empresário gaúcho. Sem chamar a atenção, como fez Johann Carolus quatro séculos atrás, Nelson Sirotsky está agora consumando a inédita criação do “colunalismo”, o revolucionário ‘jornalismo de colunistas’. Se completar essa proeza, Sirotsky, o Carolus do Século 21, vai encerrar com fecho de ouro um ciclo insuperável da crônica histórica da imprensa inaugurada por Carolus, o Sirotsky do Século 17. A RBS, como milhões de gaúchos, foi uma das flageladas das enchentes que aconteceram no Rio Grande do Sul, entre o final de abril e o início de maio de 2024. Foi a maior tragédia climática da história do Estado.  Em apenas seis dias choveu o equivalente a um terço do que chove no ano inteiro. Algumas cidades tiveram 700 mm de chuva, o que corresponde a 700 litros de água na área exígua de um metro quadrado, uma coluna de 70 cm de altura nesse espaço de solo restrito. Em poucos dias, segundo dados do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, a chuvarada levou mais de 14 trilhões de litros de água para o Guaíba, quase metade do reservatório de 1.350 km² da hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo. A enchente atingiu 478 dos 497 municípios gaúchos, afetando 2,5 milhões da população de 11 milhões e matando 183. Quase meio milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas só em Porto Alegre, onde o Guaíba se elevou mais de cinco metros acima da cota. A água invadiu a sede da RBS na avenida Ipiranga, às margens do arroio Dilúvio, e inviabilizou o parque gráfico onde rodava o jornal, num prédio próximo ao aeroporto Salgado Filho, também desativado pela chuva. A Zero Hora ainda saiu no sábado, 4 de maio, mas não conseguiu rodar nas rotativas encharcadas na segunda,6. Para sair nos outros dias, o jornal precisou de uma impressão de emergência nas rotativas do parque gráfico do Grupo Sinos, na cidade vizinha de Novo Hamburgo. A limitação das impressoras do Grupo Sinos obrigou a Zero Hora a enxugar sua edição das 40 páginas originais para 32. Quando a água baixou e a RBS voltou às suas rotativas, o jornal percebeu que o público não reclamou. Daí, por razões econômicas e graças à enchente, a Zero Hora adotou como definitiva a edição mais enxuta e emergencial de 32 páginas nos dias de semana, de segunda a sexta-feira, o que representava na prática uma redução de 20% no espaço editorial. Menos custo e área menor para o jornalismo, mas o maior consolo é que nenhum colunista perdeu seu lote e reduto. Afinal, são todos sucintos, rápidos e objetivos… Com um jornal mais limitado no espaço e sua crescente superpopulação de quase 90 colunistas, a Zero Hora hoje poderia sobreviver quase três meses ininterruptos publicando páginas apenas com colunas, sem a intrusão de jornalistas. Nem o velho Carolus imaginou coisa tão genial!… A visão TikTok do jornalismo Com a retaguarda seca, a RBS agora tem um objetivo líquido e certo, segundo Nelson Sirotsky: entrar em todas as plataformas. E, aqui, fez a revelação talvez mais espantosa: sua admiração pelo TikTok, o aplicativo chinês de 2016 que permite criar vídeos curtos de até 60 segundos que podem ser acelerados, retardados e editados. É um sucesso mundial com mais de 1 bilhão de usuários, geralmente adolescentes, que inundam as telas de seus celulares com dancinhas imbecilóides, vídeos pretensamente engraçadinhos e cenas idiotas de conteúdo zero e repercussão imediata, para quem gosta… Nelson, por exemplo, adora. A partir dessa baboseira dos tempos modernos, Nelson Sirotsky revelou ao mundo, na Coonline, que a RBS trata toda aquela bobajada como coisa séria. A ponto de criar um inacreditável projeto na sua moderna empresa chamado “TikTokation da Informação e do Jornalismo”. É isso mesmo que você acaba de ler: TikTokation… As palavras incongruentes de Nelson mostram que ele mesmo não consegue traduzir, ao certo, o que ele está vendo e antevendo: “TikTok é gurizada, é a garotada que tá lá recebendo, trocando vídeo de qualquer jeito. Não tenho a menor ideia…Tem uns dois ou três que passa e eu não entendo, não consigo… Não sou frequentador desse mundo, sou do mundo analógico”. Apesar de sua frágil condição de forasteiro tonto nesse mundo apalermado, Nelson vislumbra ali alguma viabilidade comercial a ser desfrutada e transformada em lucro: “TikTokation da Informação… Fazer vídeos para o TikTok tratando de assuntos sérios, jornalísticos, numa linguagem compreensível para os garotos adolescentes que estão ali ouvindo, e competir com as outras publicações que estão rolando por lá, entenderam? São desafios gigantes… Estamos preocupados em fazer investimentos no jornalismo, mas investimentos em que a gente enxergue a sua sustentabilidade e que fale com o público”. Entenderam? No seu delírio comunicacional, Nelson Sirotsky imagina fazer vídeos de até (!) 60 segundos sobre assuntos sérios, jornalísticos, mas compreensíveis para uma garotada adolescente nada preocupada com assuntos sérios, muito menos jornalísticos, produzidos por seus brilhantes criadores de conteúdo, os geniais comunicadores da Pulso.creators, onde se concentram os ‘colunalistas’ sucintos, rápidos e objetivos da tropa de elite da RBS. Entenderam? Ah, e desde que sejam sustentáveis economicamente, o que seria uma outra fantástica proeza para um produto rápido e rasteiro destinado a uma gurizada imatura sociologicamente conhecida pelas empresas sérias por não ter autonomia nem estabilidade financeira. Um dilema que só o TikTokation de Nelson certamente pode resolver! Se alguém ainda duvida desse projeto mirabolante do dono da RBS, confira aqui na fala de Nelson na Coonline, no tempo 1:08:50 do vídeo Na santa cruzada pelas maravilhas do mundo digital, a RBS procura repassar seu trepidante acervo para outras plataformas não proprietárias. “Temos hoje um conjunto de produtos jornalísticos ancorados no YouTube. É um modelo de negócio completamente diferente. A publicidade no YouTube é pela relevância do conteúdo, pela audiência que o conteúdo gera”. O líder da RBS diz que sua ambição é entrar em todas as plataformas, falando uma linguagem diferente do jornalismo tradicional, mas não explica o que seria isso: “Estamos com vários produtos, alguns com muito sucesso. Economicamente ainda sem relevância. Temos vários projetos na área digital, que ainda não estão dando resultado…”. O editor servil às multidões Nelson Sirotsky define, com uma frase passiva, a sua visão como publisher do jornal: “Estamos resolvendo a questão do jornalismo de qualidade que o público quer. Não a que nós queremos”. Errado, Nelson! Um jornalista sério e respeitável, que entende seu papel e sua missão melhor do que o distinto público, não é um profissional de cabresto das multidões anônimas, obediente e servil aos seus clamores mais disparatados. O jornalismo – desculpe dizer, Nelson – não se move pelo TikTokation da Informação… É melancólico constatar que essa vergonhosa degradação do jornalismo é aceita com a naturalidade e a fatalidade do determinismo cibernético. Antes, os jornalistas tinham a humildade e a pretensão de procurar, investigar, apurar, confrontar, editar e publicar fatos e histórias que explicavam o mundo, iluminavam a verdade e tornavam a sociedade mais informada e mais consciente. Um jornal, mesmo como empresa privada, tem o múnus do interesse público que deve ser estimulado, defendido e preservado, sob o primado das informações indispensáveis que devem ser apuradas por profissionais qualificados e publicadas sempre que estiverem em jogo a verdade, os direitos humanos, as liberdades e a democracia, como valores supremos da civilização. Em alguns momentos graves da História e das nações, são os jornais e os jornalistas que encarnam essa obrigação, assumindo a linha de frente e informando, antecipando e orientando seus povos para as posições mais corretas, ética e moralmente. Não é uma postura eventualmente prepotente e autocrática do jornalista. É um dever socialmente indeclinável de separar o bem do mal e trazer informações e ideias para um debate mais qualificado e consequente das sociedades em dúvida e em conflito. Jornalista não é um capacho, Nelson, submisso à vontade disforme das multidões desorientadas por falsos messias ou capitães autoritários. Jornalista é um ser pensante, que deve jogar luz sobre a treva, esclarecendo e até mesmo contrariando o alarido equivocado das hordas ensandecidas por mensagens enganosas dos profetas da ignorância. Nenhum jornalista sério deve acreditar que grupelhos extremistas ajoelhados diante de um quartel, implorando pela intervenção militar contra a democracia, fazem a coisa certa para melhorar o país e a vida do povo. O jornalista tem a obrigação de dizer “não” e de denunciar a estupidez, Nelson. Não se conhece nenhum editorial da RBS, nenhuma manifestação relevante de Zero Hora condenando a concentração insistente – semanas a fio – de patriotários fascistas fantasiados de verde-amarelo, com a Bíblia em punho e lemas desaforados contra o regime democrático e a Constituição, acampados diante do QG do Exército em Porto Alegre e em Brasília, numa indução inevitável para o atropelo manipulado de vândalos que transformaram o 8 de janeiro de 2023 em Brasília na mais violenta tentativa de golpe já ocorrida no país desde 1964. Jornalista tem o direito e o dever de rejeitar o que o público quer, mesmo quando faz parte de uma eventual maioria extremada, para condenar e denunciar a turba excitada pelo radicalismo ou perturbada pela ignorância contra a lei, as liberdades e a democracia. Jornalista não pode ficar cego, mudo e passivo diante do erro, da truculência e da má fé. A sabedoria não é um privilégio das multidões, Nelson. Pela simples matemática, elas nem sempre são justas, ou ao menos sábias. Ao contrário. Em agosto de 1934, 42 milhões de alemães foram às urnas para decidir, num plebiscito, se o chanceler Adolf Hitler deveria acumular o cargo de presidente da República, vago havia duas semanas com a morte de Paul von Hindenburg. Mais de 38 milhões, 90% do eleitorado, aprovaram a acumulação de poder no fanático demagogo que, cinco anos depois, arrastaria o mundo para o maior conflito bélico da história, a Segunda Guerra Mundial, que matou entre 50 e 70 milhões de pessoas. O Führer gostou dessa atravessada e aplastante ideia de sabedoria popular. Menos de quatro anos depois, em abril de 1938, na Áustria já ocupada pelas tropas nazistas, Hitler promoveu outro plebiscito, desta vez com uma única pergunta ao acuado povo austríaco: “Você concorda com a reunificação da Áustria à Alemanha e você vota no partido do nosso líder Adolf Hitler?”. O voto não era colocado diretamente na urna. O eleitor entregava a cédula a um gentil e atento “fiscal” nazista postado ao lado da seção eleitoral. Hitler teve uma vitória ainda mais arrasadora, com 99,73% dos votos. E a Áustria acabou anexada, sem resistência, ao III Reich hitlerista. Duas décadas antes da explícita submissão de Nelson Sirotsky à “sabedoria das multidões” – expressão cunhada pelo jornalista americano John Heilemann, da revista quinzenal New York –, um jovem estudante da ciência da computação da Universidade de Las Vegas, Nevada, EUA, teve a mesma e infeliz ideia. Em 2004, aos 27 anos, Kevin Rose inventou uma rede social chamada Digg (cavar, em inglês), que existe ainda hoje, com mais de 8 milhões de acessos mensais. Parte do mesmo princípio reducionista que transforma jornalistas em servos letárgicos da vontade desqualificada de um bando de gente anônima e diluída na massa de usuários. O critério é de uma tola, boboca simplicidade: os internautas, incluindo até os idiotas, votam nas notícias que mais lhes agradam, criando uma cotação em que os blogs – mais sucintos, rápidos e objetivos, como gosta Nelson Sirotsky – superam os grandes portais de relevância. É o próprio usuário que identifica, seleciona, qualifica e classifica as notícias, podcasts e vídeos mais importantes. Com a arrogância típica de quem se atribui a exclusiva autoridade emanada pela multidão ululante, Rose definiu assim a sua descoberta do Santo Graal: “Antes, era um punhado de editores que determinava o que iria para a primeira página do jornal. Agora, com o Digg, são quase um milhão de editores registrados e continuamente à procura de grandes notícias, informações, histórias e vídeos para expor à comunidade”. De repente, com o Digg, estavam dispensados de suas funções o experiente editor do The New York Times e até o sagaz publisher da Zero Hora. Quando eu descobri essa cômoda delícia, no início de 2011, decidi testar sua eficácia. Naquele dia, 26 de fevereiro, um sábado, dois temas centrais mobilizavam os jornalistas e os editores mais qualificados do mundo: o início do cerco final ao coronel e ditador líbio Muammar Gaddafi e os levantes populares da chamada “Primavera Árabe” que convulsionava os regimes teocráticos islâmicos do Norte da África.  Nem um, nem outro foram selecionados naquele sábado entre as 17 notícias mais importantes do dia pela sábia multidão de editores improvisados do Digg.  Eis algumas das maravilhas mais importantes escolhidas pela rede: a descoberta no Texas do efeito afrodisíaco da urina do macaco-prego macho sobre a fêmea, a mulher de Boston que perdeu a cobra de estimação no metrô, a vencedora do concurso “pior mãe do mundo”… Os imbecis e o idiota da aldeia Talvez poucos, entre os milhões de ‘editores’ informais do Digg, e certamente quase nenhum dos adolescentes balouçantes do TikTok passaram por perto de um livro chamado O nome da rosa, um envolvente romance policial, com densas referências históricas e filosóficas, passado num mosteiro beneditino da Itália do Século 14, onde sete monges morrem de forma misteriosa em sete dias. O autor da ficção, o italiano Umberto Eco (1932-2016), filósofo, linguista, semiólogo, foi diretor da Escola de Ciências Humanas da Universidade de Bolonha e professor nas universidades de Yale, Columbia e Harvard. O livro lhe deu reconhecimento literário e popularidade mundial. Mas nada teve mais destaque na carreira de Eco do que sua ousada declaração de 2015, quando recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Turim. Eco definiu, como ninguém, o turbilhão de transformações culturais e sociais provocadas na sociedade, na transição do Século 20 para o 21, com o advento do computador conectando bilhões de seres humanos que nem se conheciam na rede sem limites da internet. Disse Eco em 2015: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. [Mas] diziam imediatamente a eles para calar a boca… Enquanto que, agora, eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Um ano antes da invenção do TikTok, que agravou o problema, Eco descrevia com a precisão de um filólogo o drama já evidente – graças à tecnologia – da universalização da imbecilidade, da democratização da irrelevância, da consagração do supérfluo, da santificação da futilidade. A supremacia da bobagem sobre a perenidade do essencial, algo que poderia ser resumido pelo TikTokation.  Meio século antes, em 1962, dois gênios da raça brasileira dividiam uma mesa no mítico bar Veloso, na praia carioca de Ipanema: o jornalista Millôr Fernandes (1923-2012) e o compositor Tom Jobim (1927-1994). Com aquela seriedade e profundidade que só um humorista tem, Millôr consolou o amigo maestro com um desabafo que, naqueles tempos, fazia sentido: “O mundo tem muitos idiotas, Tom, mas felizmente estão todos nas outras mesas…”. Como concluiu Eco e como não previa Millôr, os idiotas de todas as aldeias, cavalgando seus teclados e seus celulares com suas ferraduras digitais, hoje invadem nossas mesas, violam nossa privacidade, desperdiçam nosso tempo, avassalam nossa vida. A paternidade bastarda da ditadura A passagem do efêmero para o transcendental exige raízes solidamente encravadas no solo fecundo da razão, do propósito, da postura, do desassombro, da coragem. Essa falta do fermento primordial pode explicar, talvez, o tortuoso caminho que leva a Zero Hora, que alcança agora a maturidade dos seus 60 anos, a enveredar pelo desvão adolescente e pueril do TikTokation. O jornal de Nelson, aliás, nasceu de um aborto autoritário, não como fruto de uma pensada decisão editorial gestada por uma demanda social ou uma necessidade jornalística de seis décadas passadas. Zero Hora é sucessora bastarda da Última Hora, o único grande jornal do país que apoiava o governo de João Goulart em 1964, portanto um veículo alheio à engajada conspiração da mídia para apoiar os generais no golpe. Seu líder, Samuel Wainer, amigo pessoal de Getúlio Vargas e ex-repórter do conspirador Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, arrumou dinheiro do Banco do Brasil, na volta do getulismo ao poder, e fundou a edição da Última Hora no Rio de Janeiro em 1951 – dois anos antes do nascimento de Nelson Sirotsky. A UH tinha um nobre propósito, segundo seu fundador: “Romper com a formação oligárquica da imprensa brasileira e dar início a um tipo de imprensa popular e independente”. O jornal conquistou novos leitores na cobertura das áreas trabalhista e sindical, ignoradas pela grande imprensa, e cresceu. Uma década depois, em 1961, quando Jango chegava ao poder nos braços da “Campanha da Legalidade” liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola, ao mesmo tempo em que nascia a conspiração para derrubá-lo, a UH de Wainer era uma vibrante, crescente e ágil rede nacional diária. Além de Rio e São Paulo, a rede de Weiner publicava edições simultâneas em outros nove centros importantes do país – Belo Horizonte, Recife, Niterói, Curitiba, Campinas, Santos, Bauru, a emergente região sindical do ABC paulista (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano) e, finalmente, Porto Alegre. Na capital do Rio Grande do Sul, berço de Getúlio, Jango e Brizola e centro da resistência mais forte ao golpe, circulava a edição mais jacobina da rede de jornais de Samuel Wainer, na perfeita descrição do jornalista Jefferson Barros, em seu livro Golpe mata jornal. Desafios de um tabloide popular numa sociedade conservadora (Editora Já, 1999]. Era natural, portanto, que herdasse também todos os inimigos e a santa ira da nova ordem militar. A UH de Porto Alegre sentiu o golpe, literalmente. Tentou manter a linha editorial e o sonho de uma resistência de Jango ao levante militar até o dia 5 de abril, domingo, mesmo com as redações carioca e gaúcha invadidas, empasteladas e incendiadas pela turba no primeiro de abril, quarta-feira, dia do golpe. No dia seguinte, quinta, apesar do estrago (carros foram virados e incendiados, bobinas de papel foram inutilizadas, máquinas de escrever e linotipos foram destruídas, mesas foram viradas e uma enciclopédia foi despedaçada), a equipe carioca conseguiu colocar nas ruas do Rio de Janeiro uma edição enxuta, usando algumas matérias que foram poupadas.  Resfolegou numa impossível neutralidade por mais três semanas com censor dentro da redação e, afinal, sucumbiu em 25 de abril do ano da graça de 1964. Na tarde de sexta-feira, 3 de abril, já exilado na embaixada do Chile no Rio, Wainer recebeu a visita do colunista Ibrahim Sued, de O Globo, como lembra Karla Monteiro em Samuel Wainer, o homem que estava lá (Editora Companhia das Letras, 2020), a biografia definitiva do líder da UH. Ibrahim falava em nome de um grupo de empreiteiros, nunca identificado, interessados na compra do jornal. “Não quero vender, Ibrahim”, reagiu Wainer. “Você é maluco? Não vê que não tem condições de manter o jornal? Eles pagam o preço que você estabelecer”, insistiu o visitante. Não chegaram a discutir números porque Wainer não deu chance. A edição carioca da UH, a única da rede que conseguiu sair naquela sexta de euforia golpista, trazia na primeira página a foto da multidão de 1 milhão de pessoas celebrando a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, realizada no dia anterior, quinta, 24 horas depois do golpe. A sexta-feira de más notícias acabou na noite de 3 de abril com um telefonema de Ary de Carvalho, desde Porto Alegre, onde dirigia a seção gaúcha da UH. O jornal tinha circulado no dia anterior, mas não conseguiu rodar na sexta, vítima de um corte criminoso da energia. Ary contou que a polícia acabara de invadir a redação, marchando direto para o arquivo fotográfico, em busca de fotos de lideranças da esquerda. Desde 1960, por ordem do governador Brizola, o DOPS tinha destruído seus arquivos e a polícia, agora, não tinha o retrato dos adversários que caçava. Na limpa original, queimaram-se as fotos, mas esqueceram os negativos. De posse deles, a polícia da nova ordem prendeu muita gente. Um deles, o repórter da UH José Antônio Ribeiro, o ‘Gaguinho’, foi espancado quase até a morte. ZH, parecida mas diferente da UH Diante do cerco. Wainer topou vender a seção gaúcha para Ary de Carvalho, que viajou ao Rio para fechar negócio. Conseguiu comprar as máquinas de escrever, as quatro lambretas, as oito máquinas fotográficas, os dois carros e o arquivo restante de fotos – mas Wainer não aceitou vender o título do jornal. Com outros três empresários, Carvalho comprou equipamentos da redação, segurou alguns membros da equipe e tratou de fundar um novo diário em maio de 1964. Pediu ao chefe da diagramação, o argentino de nascimento Aníbal Bendatti, uma logomarca para o novo jornal – “parecida, mas diferente da Última Hora”. Bendatti datilografou a palavra Zero Hora, ampliou os tipos da máquina de escrever, livrou o título antigo do retângulo e cravou a nova marca num quadrado comportado. Preservou apenas o azul dos velhos tempos na cara do diário que já nascia simpático ao regime de 1964. A simpatia dos golpistas foi ainda maior. Ary de Carvalho trazia ligações de família decisivas desde Birigui, cidade do interior paulista onde se iniciou em 1926 a carreira de sucesso de um antigo office-boy de uma agência local do Banco Noroeste chamado Amador Aguiar. Décadas depois, Aguiar tinha um emprego novo e o seu próprio banco, o Bradesco, ambos engajados de corpo e alma no projeto golpista contra Jango. Nada mais natural, assim, do que ajudar o velho amigo de um jornal que já nascia amigo dos generais vitoriosos de abril de 1964. Com o dinheiro do Bradesco, Carvalho livrou-se dos antigos sócios e cresceu. Ganhou anos depois um novo parceiro, o radialista Maurício Sirotsky, pai de Nelson, que em 1962 criara a TV Gaúcha, então filiada à Rede Excelsior. Juntos, Ary e Maurício compraram em Chicago, EUA, a moderna máquina de impressão em off set que tornou Zero Hora o segundo jornal do país a adotar a novidade – o primeiro tinha sido a Folha de S.Paulo de Octávio Frias, outro ilustre conspirador contra Jango. O esforço fez a ZH cambalear financeiramente e, em abril de 1970, seis anos após o golpe, Carvalho vendeu as ações que tinha ao sócio e retirou-se para o Rio de Janeiro. Maurício Sirotsky, agora o único dono de Zero Hora, fizera em 1965 um movimento tático decisivo: trocou a moribunda Excelsior pela emergente Rede Globo de Roberto Marinho, a organização jornalística que mais cresceria sob a ditadura. No vácuo deste sucesso nasceu, cresceu e apareceu a Rede Brasil-Sul, a triunfante RBS de Nelson Sirotsky. No seu primeiro editorial, na primeira página da edição de segunda-feira, 4 de maio,  com o título cínico de “Servir ao povo é o nosso lema”, a ZH maquiada para seduzir os novos senhores fardados esclarecia aos atentos leitores de todos os quarteis, casernas, bivaques, unidades e acampamentos, então adulados pelos pescadores de águas turvas: “O aparecimento de Zero Hora, totalmente desligada da rede nacional de jornais que anteriormente editava Última Hora, somente foi possível com a compra do controle acionário da editora por um grupo de gaúchos representantes das diversas classes sociais. A par de sua orientação popular, Zero Hora se manterá numa linha de defesa dos princípios cristãos e de apoio a todos os que, sem medir esforços ou sacrifícios, lutam para impedir a implantação em nosso país de ideologias contrárias às nossas tradições democráticas”. Bilhete do general na primeira página O novo jornal remodelado e amestrado de Ary de Carvalho não se limitou ao seu editorial de bajulação. Abriu espaço dois dias depois, na primeira página da edição de 6 de maio, para uma foto, a manchete e um bilhete manuscrito pelo general Mário Poppe de Figueiredo, o flamante comandante do III Exército e, como tal, a maior autoridade estadual no novo estado de coisas. O general, sensibilizado, saudou o nascimento de Zero Hora: *Recebo com muita simpatia o aparecimento de Zero Hora. Com a orientação de propugnar pelos ideais cristãos e democráticos do povo brasileiro, será mais uma voz a conduzir a opinião pública do Rio Grande do Sul nos rumos tradicionais de nossa formação histórica”. Para não deixar nenhuma dúvida, o jornal sapecou um pequeno editorial para elucidar uma dúvida que sobrevoava a cabeça dos gaúchos: a carestia era culpa dos comunistas: “Essa inflação galopante era deliberadamente feita pelo governo deposto, para levar você ao desespero e à adesão às violências do comunismo. Os comunistas que dominavam o governo criavam situações de medo e insegurança no país, a fim de levar o Brasil à miséria e ao caos e, assim, imporem a sua ditadura contra o nosso Deus e a nossa liberdade”, alertou o novo e depurado jornal de Ary de Carvalho. Um editorial de jornal pode se perder no tempo ou pode ganhar a eternidade. Pela irrelevância, vira pó ou papel de embrulho. Pela importância, vira história e ganha o sentido das coisas imanentes. Foi o que aconteceu com um humilde jornaleiro do Tennessee, nascido em meados do Século 19 em Ohio, nos Estados Unidos. Adolph Simon Ochs virou boy, aprendiz de impressor, compositor tipográfico e, por fim, editor do Chattanooga Times, um matutino diário. Aos 20 anos tornou-se dono do jornal. Descendente de judeus alemães emigrados da Bavária, Ochs era filho de um professor culto, fluente em seis idiomas, que apoiou a União na Guerra Civil Americana (1861-1865). Em 1896, aos 38 anos, Ochs foi alertado por um repórter de Nova Iorque que um jornal em decadência da cidade, o quarto em importância na mídia local, estava em crise e poderia ser comprado a preço baixo. Ele conseguiu 75 mil dólares emprestados e comprou o The New York Times, que vendia 9 mil exemplares por dia. Jornal sem medo ou favor Com foco na credibilidade, contrariando o tom partidário e o “jornalismo marrom” dos concorrentes, que vendiam reportagens sensacionalistas, o NYT de Ochs apostava nos textos sóbrios e objetivos da Associated Press. A compostura estava expressa desde o início no lema que ele cravou no cabeçalho do jornal: All the News That’s Fit to Print (Todas as notícias que merecem ser impressas). A seriedade venceu e, já na virada do século, o jornal vendia dez vezes mais, com tiragem de 90 mil exemplares. Na década de 1930, quando o país emergia da Grande Depressão, o NYT rodava 466 mil exemplares diários e, aos domingos, 730 mil. Hoje, a aposta do velho Ochs tornou-se o mais importante e influente jornal do mundo, com 876 mil exemplares impressos na semana e 1,3 milhão aos domingos – o segundo maior dos Estados Unidos, atrás apenas do The Wall Street Journal – e 10 milhões de assinaturas digitais. Seu site na internet, com 20 milhões de usuários/mês, é o mais popular dos EUA. Toda essa história de sucesso do NYT, ao contrário de Zero Hora, começa com um editorial, marca de caráter e integridade que define a determinação e a consistência de um grande jornal. Ao assumir o New York Times em 1896, aos 38 anos, Ochs escreveu um pequeno editorial, Business Announcement, publicado na página 4 da edição de quarta-feira, 19 de agosto, com valores que mantêm o brilho permanente de um farol para guiar a imprensa de qualidade e relevância de todos os tempos: “Será meu sincero objetivo que o The New York Times dê as notícias, todas as notícias, de forma concisa e atraente, numa linguagem que seja parlamentar na boa sociedade, e as divulgue o mais cedo, se não antes, do que for possível. aprendido através de qualquer outro meio confiável; dar a notícia com imparcialidade, sem medo ou favor, independentemente de partido, seita ou interesses envolvidos; fazer das colunas do The New York Times  um fórum para a consideração de todas as questões de importância pública e, para esse fim, convidar à discussão inteligente de todos os matizes de opinião”, estabeleceu Adolph Ochs, com a aguda percepção do papel do jornalista na sociedade. Sem medo ou favor, o NYT decidiu em 1971 confrontar as duas entidades mais poderosas dos Estados Unidos: a Casa Branca do abusivo presidente Richard Nixon e a elite militar do Pentágono, publicando um documento ultrasecreto de 47 volumes, 14 mil páginas que reconheciam os desvios de conduta do governo de Washington e confirmavam as mentiras continuadas de vários presidentes entre 1945 e 1967 sobre a Guerra do Vietnã. Furioso, Nixon mandou bloquear a publicação na justiça e o caso acabou na Suprema Corte, com uma decisão histórica: por 6 votos a 3, os juízes aprovaram a publicação dos Pentagon Papers, baseados na Primeira Emenda da Constituição que garante a liberdade de expressão. Sem medo ou favor. Um mandamento de dignidade perene, desde sua origem, que mantém uma distância abissal do abjeto editorial de lançamento da ZH,  em maio de 1964, quando o jornal nasceu  – com medo e prestando favores – para agradar com lisonja o poder militar imposto ao país naqueles dias para derrubar o presidente e a democracia. O foco no jornalismo, meta de toda empresa séria de comunicação, justifica o sucesso consistente do NYT e explica os números nem sempre positivos do confuso projeto empresarial da superestrutura que cerca a ZH com a moldura da RBS. O extravagante projeto de “TikTokation  da informação”, revelado por Nelson Sirotsky na sua entrevista para a Coonline, mostra que a organização dos Sirotsky tem soluços conceituais que repercutem gravemente nos resultados. A raça arrogante dos influencers Em agosto de 2022, em outra conversa na Coonline, daquela vez não gravada, Nelson Sirotsky apresentou números que mostravam alguma coisa errada. Num Estado com 11 milhões de habitantes como o Rio Grande do Sul, ele tinha como meta 1 milhão de assinantes, um número dez vezes maior do que os 100 mil subscritores que possuía o jornal naquela época. Difícil imaginar que a ZH, favorecida por um surto de súbita relevância jornalística, conseguisse de repente arrebatar 10% da população gaúcha como assinante. O modelo de referência de Sirotsky, então, era o caso de sucesso do New York Times, que no segundo trimestre de 2022 tinha atingido a marca dos 10 milhões de assinaturas digitais – um aumento de 2,5 milhões de assinantes em relação ao mesmo período de 2021.   Ou seja, o jornal americano aumentara duas vezes e meia, num único ano, o total de signatários que Nelson imaginava arrebatar, a pau e corda, no mirrado cenário jornalístico dos pampas. Mergulhado em sua mandrágora mercadológica, Nelson se atrevia a comparar Porto Alegre e Nova Iorque. A capital gaúcha é apenas a 12ª mais populosa do país, com pouco mais de 1,3 milhão de habitantes. A capital de Nova Iorque, centro financeiro mais rico do país mais abonado do mundo (PIB per capita de quase 63 mil dólares), é a cidade mais povoada dos Estados Unidos, com mais de 8 milhões de habitantes – quase alcançando os 11 milhões de todo o Estado do Rio Grande – e mais de 20 milhões de pessoas na região metropolitana da Big Apple. Mergulhado no coração do capitalismo mais resplandecente do planeta, o NYT já ostentava 10 milhões de assinantes, ou seja, 100 vezes mais do que o portfólio da ZH anunciado por Nelson. Cobrado em 2024 por Vieira da Cunha – o moderador da Coonline – pela meta milionária de assinantes que previa em 2022, Nelson fez uma correção importante. “Dois anos atrás eu falei em 1 milhão de assinantes, mas era para a plataforma digital GZH, que engloba tudo – a Zero Hora digital, a rádio Gaúcha, o streaming e outros conteúdos, muitos de jornalismo… Mas estamos longe daquela meta: temos hoje 130 mil assinantes digitais”.  A edição impressa de ZH, que ele chama de print, chegou a ter 200 mil assinantes no início da década de 1990, e hoje resfolega com 40 mil. Naquele primeiro encontro com a Coonline, Nelson confessou sua fascinação pelo chamados influencers: “Eu quero ter todos os influencers possíveis comigo”, disse Nelson, sem medo ou favor. Era puro deslumbramento por aquela bizarra raça de gente presunçosa, convencida, arrogante, gabola, que se apresenta como pretensa sumidade gerada no berço sem pai nem mãe da internet e se arroga o papel de suposto influenciador pela fama adquirida com a bovina reação de manada das redes sociais. Nelson se mostrava mais interessado em influencers do que em jornalistas, apresentando então os primeiros sintomas alarmantes de contaminação pelo TikTtokation. Na matemática ofuscante desse mundo apalermado, um mega influencer  tem pelo menos um milhão de seguidores. Quando o influencer  atinge a marca dos 10 milhões ganha a auréola quase santificada de celebrity.  A maior celebridade no Brasil dessa bizarra confraria de fictícios indutores do comportamento das massas é Neymar Júnior, um jogador bissexto atualmente menos conhecido pelos gols e pelos dribles e mais notório pelas baladas, pelas colunas de fofocas, pelas lesões frequentes e pelos filhos que gera em namoradas variadas de sua festiva agenda nas redes sociais. Está ausente dos campos de futebol há um ano, desde uma grave lesão no joelho esquerdo. Apesar da notoriedade ruim que pouco tem a ver com o esporte, Neymar é um ídolo de pé (quebrado) de barro incomparável, com seus 221 milhões de seguidores no Instagram, 63 milhões no Twitter (atual X) e 32 milhões no TikTok – nem todos imbecis, nem sempre idiotas. O vice-campeão desta lista extravagante de falso resplendor é um certo Whinderson Nunes Batista, que aos 29 anos virou uma eclética e desconcertante mistura de comediante, cantor, ator, rapper, youtuber e pugilista (?). Apesar de sua improvável salada de talentos, Whinderson magnetiza uma bovina legião de 44 milhões de seguidores em seu canal do YouTube. É difícil imaginar que espécie de exemplo, conteúdo ou ensinamento positivo gente controversa e desqualificada como Neymar ou Whinderson – tipos consagrados que Nelson Sirotsky admira – podem transmitir ou repassar para seus influenciáveis admiradores. São astros improváveis e ídolos sublimados daqueles idiotas da aldeia que se amontoaram nas legiões de imbecis  e invadiram nossas mesas e vidas, no diagnóstico preciso feito em tempos menos amesquinhados por Umberto Ecco e Millôr Fernandes. Em outras eras, não tão avançadas na tecnologia e sem a praga das ubíquas redes sociais, o mundo vivia sob a influência legítima de gente de conteúdo, mensagem, discurso, pensamento, exemplo e reflexão atemporal como Mahatma Gandhi, Winston Churchill, Martin Luther King ou Nelson Mandela. Rebaixadas e aliciadas agora pela instantânea ninharia da hiper e frívola conexão de bilhões de pessoas em torno do nada, como Neymar e Whinderson, as legiões se deixam cativar pelo vazio de falsos heróis de baladas, tolas colunas sociais, palcos impregnados de música mesmerizada, ringues de boxe de fancaria, comediantes sem graça e quetais. É o mundo feérico e irrisório do TikTokation, que fascina até gente inteligente e madura como o septuagenário Nelson Sirotsky. A grosseria histórica de Zero Hora Antes de perder tempo com irrelevâncias como TikTok, Nelson faria melhor se cuidasse dos bons modos e dos pequenos gestos de elegância que fazem a história e compõem a rotina civilizada até de um pequeno jornal como Zero Hora. O que não aconteceu, por exemplo, na quinta-feira, no último 26 de setembro. Nesse dia, o jornal prestou uma merecida homenagem ao veterano jornalista esportivo Ruy Carlos Ostermann, que naquele dia completava 90 anos. Dono de um dos mais elegantes textos da crônica de futebol do país, Ruy tem o apelido de “professor”, graças ao texto impecável e o raciocínio treinado de um intelectual que exerceu o magistério com formação em Filosofia pela UFRGS, a universidade federal gaúcha. Autor de dez livros, Ruy teve um abalo sério na saúde com um AVC em 2023. Na mesma edição de quinta-feira ZH abriu espaço para uma história inusitada de um aposentado de 60 anos, Luís Carlei dos Santos, que no curto espaço de 14 anos sobreviveu a seis acidentes vasculares cerebrais (AVC), três acidentes isquêmicos transitórios (AIT) e duas convulsões. Com tanta história de sobrevivência, Carlei escreveu um livro, Uma Segunda Chance. Zero Hora fez muito bem em registrar, naquele dia, as histórias edificantes de Carlei e Ruy Ostermann. Mas errou feio, e cometeu uma grosseira descortesia, ao ignorar o outro aniversariante daquela magna quinta-feira, por acaso também sobrevivente de um AVC e igualmente autor de livros. Não um, nem dez, mas 84 livros. O porto-alegrense Luís Fernando Verissimo completou 88 anos naquele ilustre 26 de setembro, que ZH ignorou vergonhosamente, embora tenha lembrado a data pelos 90 anos de Ruy Ostermann. Maior intelectual vivo do Rio Grande do Sul, filho de Erico, Luís Fernando Veríssimo é um nome respeitado no país pelo múltiplo talento como escritor, humorista, cartunista, tradutor, autor de teatro e romancista. Ganhou a imortalidade ao criar personagens inesquecíveis na crônica e no cartum, como a Velhinha de Taubaté, o Analista de Bagé, As Cobras, Ed Mort, a Família Brasil e Dora Avante. E ainda toca saxofone, fazendo parte do Jazz 6, “o menor sexteto do mundo”, com apenas cinco integrantes.  Em 1997 ganhou o Prêmio Juca Pato como Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores. Em 1967, aos 31 anos, LFV começou a trabalhar em jornal, justamente na esquecida Zero Hora, no posto de copy desk, ou revisor de texto. Saiu do jornal em 1970 mas voltou em 1975 para a ZH, pela qual cobriu cinco Copas do Mundo, entre os mundiais de 1990 e 2006. Como Carlei e Ruy, LFV sobreviveu a um AVC em janeiro de 2021. As dificuldades motoras o fizeram interromper as crônicas que escrevia também para O Globo e O Estado de S.Paulo. LFV ainda integra formalmente a equipe de Zero Hora: é um dos 81 colunistas do plantel do jornal, mas relegado a uma foto e uma nota de frieza glacial: “Luís Fernando Veríssimo. Escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e romancista. Deixou de escrever neste espaço em 2017, quando se afastou por problemas de saúde”. Nada disso justifica o cruel esquecimento do jornal na data de seu aniversário, seja por mera incompetência, grave falha editorial ou imperdoável birra pessoal com um funcionário ilustre da RBS e glória da cultura gaúcha e brasileira. Uma falha imperdoável, Nelson, que não sobrevive ao TikTokation, nem cabe numa explicação rápida, sucinta e objetiva… Na longa e esclarecedora entrevista à Coonline, Nelson deve ter notado o ensurdecedor silêncio dos dois mais veteranos jornalistas da bancada de perguntadores: Carlos Bastos, 90 anos, e Elmar Bones, 80, são nomes lendários da imprensa gaúcha e brasileira. No início da década de 1970, Bastos era o chefe de redação da Zero Hora, num tempo em que o jornal dava mais espaço e atribuía mais importância a jornalistas do que a colunistas. Bones, membro da equipe fundadora da revista Veja, foi o talentoso editor do bravo Coojornal, o mensário da Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre que sucumbiu à pressão dos generais da ditadura, no início da década de 1980. Um e outro, estranhamente, permaneceram calados durante a hora e meia de conversa com o dono da RBS, certamente desconcertados com a exótica visão TikTokation de jornalismo exibida pelo mais poderoso executivo de comunicação do sul do país. Bastos e Bones – que são jornalistas, não colunistas – não se dignaram a uma única pergunta – e o problema, ali, não era dos perguntadores, mas do perguntado. Vendo e revendo o vídeo da Coonline e lendo este texto, agora, ambos também devem concordar num ponto inquestionável: Nelson Pacheco Sirotsky é, de fato, uma grande figura humana!   *LUIZ CLÁUDIO CUNHA, jornalista, autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura (ed. L&PM, 2008), foi consultor da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014}.   E-mail: cunha.luizclaudio@gmail.com Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. 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