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Teu voto pode ser um grito pela democracia

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Teu voto pode ser um grito pela democracia
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Por SILVANA CONTI* O resultado das urnas no primeiro turno das eleições de 2024, consagrou o fortalecimento de partidos de centro, direita e extrema-direita nas capitais. Das 26 capitais que realizaram eleições, 11 definiram prefeitos no primeiro turno. O PSD foi a legenda com mais vitórias, conquistando três prefeituras: no Rio de Janeiro (RJ), em Florianópolis (SC) e em São Luís (MA). O PL elegeu dois prefeitos em capitais no primeiro turno e vai disputar o segundo turno em nove delas. O bolsonarismo sobreviveu ao ganhar em 3 capitais (Rio Branco, Boa Vista e Maceió) e ao enterrar candidatos na reta final da campanha para o 2º turno (Fortaleza, Manaus, Curitiba, Goiânia, João Pessoa e Belo Horizonte). É importante ressaltar que as prefeituras que o centrão ganhou, conta com lideranças vinculadas à base do governo Lula, já que o PSD, PP e União Brasil têm ministros na Esplanada. Isso é relevante porque quanto mais prefeitos/as e vereadores/as eleitos/as, maiores as chances de esses partidos elegerem mais deputados/as e senadores/as em 2026 e, portanto, terem uma maioria no próximo Congresso Nacional. O impacto desse resultado é o aumento do poder de fogo desses campos políticos nas negociações com o governo Lula tanto em relação à agenda econômica quanto na sucessão das Mesas Diretoras do Congresso. O PSD, por exemplo, campeão deste domingo, tem candidato a presidente da Câmara. A médio prazo, esses mesmos partidos ganham poder também em nível nacional nas negociações que Lula pretende fazer para a reforma ministerial que ele cogita realizar no primeiro trimestre de 2025. Mesmo que as eleições municipais sejam centradas no debate local, a correlação entre o número de prefeitos/as e deputados/as é um indício de sua repercussão nacional. Outra questão a ser observada é que a polarização nacional entre o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também esteve presente no debate. Embora a vitória da direita e extrema-direita não signifique um trunfo do bolsonarismo, o resultado das eleições municipais mostra que o país possui hoje uma direita e extrema-direita partidariamente consolidada, além de muito atuante em defesa da agenda neoliberal na economia e da pauta conservadora dos costumes. Por tanto sem dúvidas 2024 é antessala de 2026, e precisamos estar “atentas e fortes” em defesa da democracia, da soberania nacional, lutar por justiça social, por igualdade de direitos e oportunidades para todas, todes e todos, sempre com total conexão e diálogo com o povo, com seus anseios e necessidades reais. Precisamos eleger duas mulheres que representam e vão trabalhar por toda a cidade, serão gestoras responsáveis, presentes, atuantes nos territórios, no centro e em todos os lugares para defender os direitos humanos de toda a população de Porto Alegre. Nos períodos de crises e de problemas graves, é que conhecemos realmente qual projeto de cidade o gestor público tem. A Crise climática e humanitária no período das enchentes, através da não manutenção e falhas dos sistemas de bombeamento e drenagem da cidade, tem sim um responsável, que negou a ciência, os avisos de catástrofe, devido ao seu negacionismo, descaso, descuido com a população, escancarando o projeto de cidade neoliberal que defende. Melo tem sua gestão voltada para uma parcela da cidade, os mais abastados, deixando a classe trabalhadora que é a maioria do povo dos territórios periféricos, na rua da amargura, sem acesso as políticas públicas de qualidade. Muitas pessoas continuam sem casa, sem comida, sem trabalho, sem escola, sem dignidade, sem esperança, enquanto o prefeito não assume a má gestão do governo municipal e seu envolvimento com escândalos que levou a Secretaria de Educação de Porto Alegre as páginas policiais. A operação Capa Dura capitaneada pela Polícia Civil, é mais um passo nas investigações sobre irregularidades em licitações da Smed. Despesas sem comprovação, pagamentos indevidos e descumprimento da norma municipal que pede três orçamentos para contratação de serviços, tudo isso teria resultado num rombo de mais de R$ 173 milhões. O atual prefeito aplicou na Rede Municipal de Ensino em 2023, somente 16,29%dos recursos do FUNDEB, este percentual não atende o previsto em lei: "A Constituição Federal do nosso País determina a aplicação de, no mínimo, de 25% de receita resultante de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino. A falta de vagas para a educação infantil é um desrespeito aos direitos humanos das crianças, adolescentes e mulheres, que necessitam trabalhar para sustentar suas famílias, e não tem onde deixar seus filhos/as em segurança. A Maria sempre foi defensora dos direitos humanos, e por isso vai acabar com a fila para vaga nas creches. Todas as crianças na escola com um projeto pedagógico de qualidade, gestão democrática, formação das professoras/es, segurança, alimentação, alegria de aprender e alegria de ensinar. Por isso é tão importante termos uma prefeita que defenda os Direitos: de morar com dignidade, ter comida na mesa, educação pública, laica, antirracista, inclusiva e de qualidade, DMAE público, Saúde pública e Transporte de qualidade, cultura, segurança, arte e o direito humano de sonhar, amar quem quiser e ser feliz em uma Porto Alegre boa para todas as pessoas. Como a primavera sempre vem, em Porto Alegre, é tempo de esperançar, apostar na tática de Frente Ampla, com mais partidos, com democratas, progressistas, antifascistas, movimentos sociais, amplos setores da sociedade e mais do que nunca uma ampla aliança com o povo. No dia 27/10 votar em Maria e Tamyres é um ato de amor pelo povo e por nossa cidade.   *Presidenta do PCdoB Porto Alegre, professora aposentada da RME, vice-presidenta da CTB-RS. Mestra em Políticas Sociais. Foto: Lula Marques/ Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Eleição municipal: A busca por novos caminhos

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Eleição municipal: A busca por novos caminhos
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Por LISZI VIEIRA* As eleições municipais mostraram a força da reeleição, do Centrão e da direita. A tendência do eleitorado brasileiro à direita é crescente desde 2016 e se consolidou neste ano. São considerados candidatos de direita os que concorrem pelo PL, PRTB, União Brasil, PSD, PP, Avante e Republicanos, sem alianças com as siglas de esquerda ou do centro. O PSD, o MDB, o PP e o União Brasil, que compõem o chamado Centrão, dominaram as eleições municipais, conquistando juntos mais da metade das prefeituras do país. O PL e o Republicanos tiveram os maiores crescimentos e ficaram em quinto e sexto. O Centrão venceu em mais de 50% das cidades. Juntos, PSD, MDB, PP e União Brasil elegeram mais de 3.000 prefeitos no primeiro turno. Isso corresponde a 54% das cidades do país. O destaque no Centrão é o PSD, que elegeu o maior número de prefeitos no país e desbancou o MDB pela primeira vez em mais de duas décadas. O PL, partido de Bolsonaro, cresceu 49% em número de prefeitos. O PL conquistou 510 prefeituras, número superior ao de 2010, quando venceu em 354 municípios. Mas ficou longe da meta de 1.500 prefeituras anunciada pelo seu presidente, Valdemar Costa Neto. O PT também cresceu, mas ficou em nono lugar. O PT aumentou seu número de prefeitos em 39%, revertendo parte da queda que registrava desde a Lava Jato. Foram eleitos 252 prefeitos petistas no primeiro turno de 2024, colocando a sigla em nono no ranking de partidos. As vitórias mais importantes da sigla foram em Contagem e Juiz de Fora, ambas em Minas. O PT também vai disputar 13 segundos turnos — o segundo maior número, só atrás do PL. Entre as capitais, Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá. O candidato do PSOL a Prefeito do Rio de Janeiro, Tarcísio Motta, teve menos votos para Prefeito (129.344) em 2024 do que para deputado federal em 2022 (159.928). Boa parte da esquerda fez voto útil no Prefeito Eduardo Paes para combater o candidato da extrema direita, Alexandre Ramagem. Em São Paulo, Boulos salvou toda a esquerda de uma derrota trágica. A direita e a extrema direita (Nunes, Marçal e Marina Helena) conquistaram 59% dos votos válidos em São Paulo. Se Boulos vencer em São Paulo, essa vitória compensa em boa parte as derrotas da esquerda na maioria do país. A grande novidade em São Paulo foi a emergência de um novo candidato de extrema direita, Pablo Marçal, que usou o discurso anti “sistema” para crescer e conquistar os votos bolsonaristas. Afinal, Bolsonaro hoje é parte do “sistema”. Como Lula agora é O “sistema”, agravado por seus acordos com a direita, em nome da governabilidade, e Bolsonaro também virou “sistema”, o campo está aberto para um outsider fazer um discurso agressivo contra as instituições e a democracia. É o que vimos em São Paulo que, no passado, já elegeu Cacareco e Tiririca. O candidato Pablo Marçal, ao divulgar na véspera da eleição um documento falso acusando Boulos de uso de drogas, errou a mão, perdeu a eleição e vai pagar por isso na Justiça. Ele se inspirou nos antecedentes de documentos falsos como o Plano Cohen, inventado pelos militares para justificar o golpe do Estado Novo em 1937, e a Carta Brandi, divulgada na TV às vésperas da eleição pelo deputado Carlos Lacerda, com o apoio dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa, para incriminar João Goulart e impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955. Esse discurso agressivo é um discurso contra tudo e não é a favor de nada. Encontra terreno fértil nos excluídos. Excluídos da renda, da educação, da cultura, do trabalho fixo e digno. Esses desesperados são massa de manobra dos poderosos que apoiam o fascismo para tirar proveitos econômicos. No fundo, temos mais uma vez o conflito entre a civilização e a barbárie, entre a democracia e a ditadura. Nos bastidores, o neoliberalismo atua fortemente para financiar um regime de extrema direita que assegure a continuidade de sua dominação econômica e financeira. O primeiro turno da eleição de 2024 indicou um crescimento da direita, mas não necessariamente da direita bolsonarista. Na grande maioria das cidades prevaleceu a discussão sobre as questões locais. Lula e Bolsonaro não tiveram a influência que se imaginava, mas, no caso de São Paulo, o apoio de Lula a Boulos é decisivo. Em São Paulo temos polarização política, ausente na maioria dos municípios. Como lembra o jornalista Mauricio Thuswohl, em seu excelente artigo na Carta Capital, não se deve desprezar o poder da máquina pública e o maior tempo de propaganda no rádio e na TV.  Candidatos considerados péssimos Prefeitos chegaram no segundo turno, como, por exemplo, Sebastião Melo, em Porto Alegre, e Fuad Noman, em Belo Horizonte. Não há uma relação direta entre voto e bom governo, ou entre voto e bons resultados na economia. Um bom exemplo é o ex candidato Biden que iria perder fragorosamente para Trump, apesar dos bons índices econômicos do país. O caso de Sebastião Melo, em Porto Alegre, é escandaloso. Desviou toda a verba de manutenção do sistema de proteção das enchentes, foi considerado o maior culpado pelas enchentes, com enormes prejuízos à cidade e seus habitantes, e chegou ao segundo turno em primeiro lugar, com reais chances de vitória. O PSD conquistou o maior número de prefeituras em todo o País, o que pode assegurar ao partido comandado por Gilberto Kassab um papel ainda mais relevante na política nacional. “O PSD não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, costuma dizer Kassab. O discurso do prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, após a vitória no primeiro turno, condenando a polarização, ao lado de políticos de direita e de esquerda, é um bom exemplo da “geleia geral” do PSD. Os candidatos vencedores geralmente foram aqueles que moderaram o discurso ideológico e se apresentaram como gestor. A direita ideológica vai se manter como uma força importante, mas minoritária. A grande maioria da direita é fisiológica, apoia quem está no poder em troca de vantagens. O crescimento do PSD é um dos fatos relevantes destas eleições. Ele se torna um fator importante no cenário político de 2026, e por isso deve ganhar mais espaço no governo Lula. Mas o oportunismo do PSD não constrói uma opção política nacional. Serve principalmente para Kassab vender mais caro seu apoio em 2026. Segundo o cientista político Claudio Couto, o PSD é um partido-ônibus, como o PMDB no passado. Para ele, não há mais uma onda de direita, mas uma direita já estabelecida. Segundo ele, hoje, em qualquer pesquisa, a direita aparece com 35% a 40% e a esquerda com 20%. No Congresso, 60% dos parlamentares são de direita, assim como metade dos governadores eleitos em 2022 (Carta Capital, 3/10/2024). Desde 2012, quando elegeu 27% dos prefeitos do Brasil, a esquerda vem caindo. Em 2020, elegeu apenas 15%. Isso tem a ver com a queda sistemática do PT nos municípios, sobretudo nas capitais, onde elegeu nove prefeitos em 2004 e em 2020 não elegeu nenhum. Este ano, o PT disputa o segundo turno em Porto Alegre, Natal, Fortaleza e Cuiabá. Em nome de futuras alianças para a eleição presidencial, o PT abriu mão de lançar candidatos próprios em diversas capitais e seu eleitorado se dispersou. Isso tinha sentido na fase inicial de crescimento do partido. Era necessário fazer alianças porque o PT, em seus anos iniciais, não tinha força eleitoral. Hoje, o apoio a candidatos de outros partidos leva ao sumiço do PT em muitos Estados e municípios. O fortalecimento do partido em eleição presidencial, devido principalmente, mas não exclusivamente, à liderança de Lula, é acompanhado do enfraquecimento do PT no plano regional e municipal. Tudo em nome de futuras alianças que, em política, nunca são certas. O cumprimento de uma promessa política vai depender da situação futura. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, por exemplo, prometeu não sair candidato a Governador em 2026 e continuar Prefeito, mas ninguém acredita nisso. DESEMPENHO DA ESQUERDA Enfim, o resultado das eleições municipais foi muito ruim para os partidos de esquerda no Brasil. Na maioria, venceu a direita, que se fortaleceu no plano nacional. Mesmo nos casos de vitória da esquerda, é preciso reconhecer que muitos prefeitos eleitos pelo PT não têm compromisso político com o programa do partido. Com a maioria dos municípios nas mãos da direita, o Governo Lula vai provavelmente abrir mais espaço para o Centrão em nome da governabilidade, uma tática que vem dando mais prejuízos do que acertos. Se é certo que a direita se fortaleceu nesse primeiro turno, o mesmo não se pode dizer em relação à extrema direita. Há sinais de que a extrema direita pode ter se enfraquecido, em termos nacionais, a depender dos resultados do segundo turno. Para a eleição presidencial de 2026, Lula tem apoios importantes no Recife, no RJ e em SP, mesmo que Boulos não vença no segundo turno. Ele se tornou uma liderança nacional, com possibilidades de vir a ser até mesmo candidato a presidente se Lula não quiser. Outro líder que se projeta para o futuro, com um perfil de centro esquerda, é o Prefeito João Campos, de Recife. No Norte e Centro Oeste, a disputa é entre a direita e a extrema direita. No Nordeste, sempre fiel a Lula, a esquerda só venceu em Recife e disputa segundo turno em Fortaleza e Natal, havendo perdido nas outras capitais. O Sul é tradicionalmente conservador e o Sudeste, dividido. A hora é de refletir. Um exemplo interessante é o caso do vereador eleito pelo PSOL do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, inteiramente desconhecido nos círculos tradicionais da esquerda. Ele foi o 12º mais votado e fez uma campanha pelas suas redes sociais, com mais de 100 mil seguidores, defendendo a redução da jornada de trabalho, na linha da esquerda europeia de que há vida além do trabalho. Como o PT e os demais partidos de esquerda passaram a existir quase que exclusivamente em função da política institucional, tendo as eleições como bússola, muitas vozes se levantam hoje pregando o retorno às bases, que vêm sendo assediadas pela direita. O Congresso movimenta hoje cerca de 50 bilhões de reais em emendas e a maioria desse dinheiro está na mão da direita, e a esquerda não dá mostras de crescimento significativo. Com exceção da eleição polarizada em São Paulo, a grande maioria dos eleitos não apresenta um perfil político definido. O PT desaparece no plano regional e local e joga todas as suas cartas nas alianças para a futura eleição presidencial de 2026. E, em geral, faz alianças cada vez mais à direita para combater a extrema direita. Nesse passo, os programas de esquerda, mesmo com o fortalecimento do Lulismo, tendem a desaparecer da realidade política brasileira. Já é hora de os partidos de esquerda buscarem novos caminhos e mostrarem a cara, revelando sua verdadeira identidade.   *Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO. Foto:  Fernando Frazão/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Austeridade e popularidade.

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Austeridade e popularidade.
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Por PAULO KLIASS* A proximidade do processo das eleições municipais acabou por deixar um pouco à margem nos grandes meios de comunicação o debate a respeito da perda de popularidade do Presidente Lula e da avaliação de seu governo. É compreensível que a emergência e a polarização do pleito nas mais de 5.700 cidades terminem por colocar essa questão em segundo plano na agenda política. No entanto, como haverá segundo turno em menos de 100 destes locais, é provável que o debate a respeito da contradição entre a realidade exibida pelas estatísticas oficiais de economia e a popularidade em queda passe a merecer mais espaço na imprensa. A dúvida que se coloca é a respeito de quais são as razões que poderiam explicar a incapacidade de as pesquisas de opinião pública captarem algum sentimento mais efetivo de melhora da percepção da maioria da população quanto aos aspectos supostamente positivos da política econômica comandada por Fernando Haddad. Afinal, os números de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 superaram - e muito! - as expectativas apresentadas pela Pesquisa Focus encomendada pelo Banco Central (BC). O problema é que ali são representadas as opiniões de apenas 171 presidentes e dirigentes de empresas do financismo, todos eles criteriosa e rigorosamente selecionados para responder ao questionário do órgão encarregado pela fiscalização e pela regulamentação do próprio sistema financeiro. O resultado é um misto de torcida uniformizada com chantagem contra propostas que possam contrariar os interesses do setor. No começo do ano passado, esse pessoal dizia que o PIB não iria crescer mais do que 0,8% ao longo dos 12 meses. Como sempre, a nata da banca privada confundia mais uma vez seus desejos contra o governo que havia derrotado o candidato apoiado por eles nas eleições de outubro de 2022 com algum lampejo de análise objetiva da realidade econômica. Com isso, eles foram mais uma vez desmoralizados com a divulgação do resultado oficial do IBGE, que registrou um crescimento de 2,9% no PIB para o ano passado. Um dos fatores que contribuíram para esse quadro foram as despesas públicas e os investimentos estatais garantidos pela negociação da PEC da Transição, quando o novo governo conseguiu recursos orçamentários para executar parte de seus compromissos anunciados durante a campanha eleitoral. Ou seja, exatamente o oposto da austeridade fiscal burra e cega que os representantes da banca propõem o tempo todo. Haddad: insistência cega na austeridade fiscal Para o ano atual há uma tendência de manutenção do mesmo ritmo de elevação do PIB. Ao longo dos meses o governo e os próprios representantes do assim chamado “mercado” foram elevando suas projeções. Nos primeiros meses, estes últimos projetavam uma elevação de apenas 1,60% para o final do presente ano. Mas o povo da Faria Lima terminou por aceitar a realidade e reajustou suas projeções. Atualmente, o próprio Ministério da Fazenda refez seus cálculos e passou a trabalhar com uma expectativa de 3,2% para o encerramento de 2024. Para tentar surfar nessa onda de boas novidades para o chefe, o pessoal da área da economia tenta emplacar a narrativa de que tais resultados só estão surgindo por conta da rigidez com que Haddad vem tratando a questão da austeridade fiscal. Ocorre que a verdade é bem oposta: essa melhoria está ocorrendo apesar das regras da austeridade. Na área do emprego as informações divulgadas pelos órgãos governamentais também apresentam um quadro interessante. Confirma-se uma tendência de redução do desemprego, que atingiu seu nível histórico mais baixo segundo os dados do IBGE. No segundo trimestre deste ano a chamada taxa de desocupação atingiu 6,8% do total da população economicamente ativa (PEA). Trata-se da menor taxa jamais registrada para esse período nos últimos 10 anos. Ocorre que há problemas associados à metodologia utilizada pelo órgão. O questionário pergunta se o indivíduo procurou emprego durante os últimos 30 dias. Como há muita gente desempregada por um período mais longo de tempo e que desistiu de procurar um posto de trabalho, geralmente os dados são subdimensionados. Inflação e precariedade no emprego: popularidade de Lula em baixa Esse é o fenômeno que gera um contingente conhecido como “população desalentada”. Afinal, procurar emprego, particularmente em cidades com características metropolitanas, custa dinheiro. E as pessoas terminam desistindo depois de muitas tentativas infrutíferas. Esta é a razão pela qual os indicadores de entidades como o DIEESE, por exemplo, apontam taxas de desemprego bem mais elevadas do que a oficial. Na pesquisa que a entidade mantida pelo movimento sindical realiza para o DF, por exemplo, o desemprego se aproxima de 15% da PEA. Além disso, os dados do IBGE apontam um crescimento da informalidade nas posições ocupadas. As sucessivas mudanças introduzidas na legislação trabalhista nos governos Temer e Bolsonaro, com vistas a retirar direitos dos assalariados, mascaram a realidade do mercado de trabalho. As pessoas estão empregadas, mas em condições de elevada precariedade e, por vezes, recebendo até mesmo uma remuneração mensal inferior a um salário mínimo. Esse fato pode ser captado também pelo contingente da população subutilizada. São 18,5 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar mais horas do que estão conseguindo atualmente em sua jornada laboral. Outro aspecto que poderia eventualmente contribuir para melhorar a avaliação do governo refere-se à redução da taxa de crescimento dos preços. Em 2022, o IPCA registrou um acumulado de 5,6%. Em 2023, a inflação oficial registrou 4,6%. Atualmente, o acumulado de 12 meses até agosto aponta 4,2% e uma projeção para encerramento do ano em um patamar ainda mais elevado. Por outro lado, a desagregação dos preços em grupos aponta para crescimento acima da média em itens de maior sensibilidade, tais como alimentação (4,59%), transportes (4,53%), saúde (5,70%), despesas pessoais (4,45%) e educação (6,91%). Isso significa que todo o esforço realizado pelo arrocho monetário não tem conseguido reduzir de forma significativa a inflação para a meta claramente irrealizável de 3% ao ano. Por isso teria sido fundamental o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter se rendido às evidências da realidade e ter promovido uma alteração na meta oficial para o crescimento dos preços. Mas Fernando Haddad se opôs radicalmente a tal inciativa. Povo não come PIB! Ora, tudo leva crer que a combinação oferecida por um crescimento não expressivo do PIB e uma inflação persistente em setores que mais pesam no bolso da população de baixa renda não tem logrado arrefecer o descontentamento com a situação de dificuldades vivenciadas nos setores da base de nossa pirâmide da desigualdade. Afinal, ao longo da última década, o crescimento do Produto Interno foi pífio. Entre 2015 e 2024 registrou-se um índice acumulado de 5,7% - o que corresponde a pouco mais de 0,5% por ano. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, o crescimento populacional observado ao longo dos mesmos 10 anos foi de 4,4%. Na verdade, foi uma década de semi-estagnação da economia de forma geral. Ou seja, por mais que neste mesmo intervalo de tempo tenha havido 6 anos entre Temer e Bolsonaro, o fato é que existe um limite de aceitação de situações de infortúnio por parte da maioria da população. O resultado do primeiro turno das eleições municipais pode ser analisado também por essa ótica. Como dizia a querida e saudosa mestra, a professora e economista Maria Conceição Tavares, o povo não come PIB. Isso significa que, com toda a certeza, as políticas de austeridade fiscal e de arrocho monetário levadas a cabo pela área econômica não têm contribuído para que o eleitorado avalie de forma positiva ou compreensiva o governo. Pelo contrário, o que as pesquisas de opinião têm demonstrado é uma insatisfação com o desempenho de Lula e de seu governo. Lula precisa redefinir os rumos de seu governo Estamos nos aproximando da metade de seu terceiro mandato. Ainda existe tempo para que o Presidente opere uma mudança de linha e de rota com vistas a recuperar a credibilidade da maioria da população e prepare as forças progressistas para o grande embate eleitoral que deverá ocorrer em 2026. Caso ele opte pela manutenção do “mais do mesmo” no que se refere à condução da política econômica pautada pela austeridade fiscal é bem provável que assistamos a um aumento das dificuldades políticas para sua própria reeleição. Afinal, a experiência tem comprovado que os resultados sociais e políticos provocados pela combinação austericida de juros elevados com estrangulamento orçamentário só beneficia os setores do parasitismo financeiro. Para recuperar as bases de uma popularidade de seu segundo mandato, quando encerrou o governo com índices superiores a 80%, Lula precisará realizar mudanças que podem até desagradar parte das elites do financismo. Mas quem decide as eleições são as dezenas de milhões de cidadãos que aguardam os efeitos positivos de um governo desenvolvimentista e comprometido com programas sociais voltados à maioria. *Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto: Dream Time Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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A guerra e a procura da paz

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A guerra e a procura da paz
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Por CELSO JAPIASSU* Berço de civilizações e palco de tantas guerras, a Europa pretendeu atingir, com a criação da União Europeia, um novo patamar de paz e bem-estar social baseado na solidariedade e ajuda mútua entre os Estados. Mas é hoje um projeto ameaçado pelos mesmos sentimentos nacionais e pela forte competição, causas dos desencontros que no passado desembocaram nas históricas e sangrentas guerras entre nações. Sem mencionar todos os conflitos anteriores, desde o Século 18, quando se deu a chegada do Iluminismo e, portanto, o chamado império da razão, sem contar a guerra da Ucrânia que hoje se desenrola sem que se aviste o seu final, pelo menos vinte grandes guerras assolaram o território europeu. A maior delas foi a de 1914 a 1918, que veio a se desdobrar na outra que durou de 1939 a 1945. Juntas, foram responsáveis por 105 milhões de mortos. Alguns historiadores estão convencidos de que se tratou de um único conflito com uma trégua de 21 anos. As guerras mundiais, que destroçaram as nações, acabaram com o sistema colonial, desorganizaram as sociedades, liquidaram as economias e deram outra configuração ao mapa do continente.   A busca da paz Ao fim da Segunda Guerra foi dado um primeiro passo para a criação do que alguns líderes visionários viam como uma comunidade de países capaz de promover mútuo desenvolvimento econômico e solidariedade num continente tão castigado por embates sangrentos. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi o passo inicial, em 1950, e o Mercado Comum, em 1957, significou o avanço que veio a dar numa moeda única, quando o euro passou a regular as economias. A ideia original era de que a cooperação econômica e as relações comerciais fariam os países dependentes entre si e diminuiriam assim os riscos de novos conflitos. Com a morte de Franco, em 1975, encerrou-se a última ditadura de direita na Europa, as regiões mais pobres começaram a receber incentivos para a geração de empregos e bem-estar social e o Parlamento Europeu passa ser um ator importante na uniformidade das leis e cooperação entre os países. A União Europeia, formada hoje, depois do Brexit, por 27 países que representam grande parte do continente, recebeu em 2012 o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao papel que tem desempenhado na busca da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.   As divergências São principalmente os movimentos de direita e extrema-direita nazifascista que hoje contestam a validade da União Europeia e os seus princípios de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Aproveitam-se das inquietações da opinião pública para reeditarem os discursos de forte nacionalismo, protecionismo econômico e controle das fronteiras. Os partidos de extrema direita têm sido quase sempre derrotados nas eleições, mas é inquietante o seu crescimento. Na França, Marine Le Pen faz parte do movimento anti-União Europeia e ficou em segundo lugar na disputa pela presidência da República. Na Alemanha, o AfD (Alternative für Deutschland), de extrema direita, tornou-se a terceira força política no parlamento e nos Países Baixos o Partido pela Liberdade (PVV), também de extrema direita de tons fascistas, ficou em segundo lugar nas eleições. Na Áustria, a extrema direita acaba de ganhar as eleições. Polônia e Hungria têm governos de extrema direita e na Grécia o Aurora Dourada, embora não tenha conseguido os 3 por cento dos votos para ter representação no parlamento, é um partido declaradamente neonazista. E na Itália o neofascismo está no poder com Giorgia Meloni. O Chega! em Portugal, extremista de direita, ocupa hoje o terceiro lugar como força política, quatro anos depois da sua fundação em Lisboa.   As causas O aumento do desemprego, a queda no padrão de vida e o aumento da imigração provocada pela crise humanitária nos países do Médio Oriente e da África: são estas as principais causas apontadas para o fortalecimento das ideologias de extrema direita na Europa. Um radical nacionalismo ligado à ideia de pátria fomenta a xenofobia e o racismo face a outros povos além de fortalecer as noções de defesa das fronteiras e dos territórios. São estes os fatores explorados pelos políticos oportunistas ligados às ideologias de extrema direita. As redes sociais têm dado forte contribuição ao fortalecimento dos partidos de direita posicionados contra a União Europeia – os eurocéticos. Através delas são disseminadas informações falsas e mesmo verdadeiras que são bloqueadas pela mídia tradicional. Conteúdos violentos e discriminatórios são normalmente evitados pelos veículos estabelecidos, mas circulam com facilidade pelas redes baseadas na internet. A manipulação da opinião pública pelas fake news tem sido um instrumento criminoso fortemente explorado  pelos movimentos políticos radicais. O jornalista Mattew D’ancona diz em seu livro “Pós verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake News” que 2016 foi um ano que assistiu ao início do que ele chama de era da pós verdade. Define como um momento em que os fatos começam a perder importância para dar lugar ao fortalecimento de crenças e paixões. Isto tem até definido eleições, como aconteceu no Brasil e nos EUA, com Bolsonaro e Trump, além de ameaçar também, junto com outros fatores, a própria existência da União Europeia. Foi um recurso largamente usado na campanha do plebiscito que fez o Reino Unido decidir pelo Brexit. Relembro o que disse François Miterrand, num célebre discurso no Parlamento Europeu em 17 de janeiro de 1995: “Temos de vencer esses preconceitos. O que vos estou a pedir é quase impossível, porque temos de vencer o nosso passado. Porém, se não o derrotarmos, temos de saber que uma regra triunfará, senhoras e senhores. Nacionalismo significa guerra.”   *Poeta, articulista, jornalista e publicitário Imagem em: Kleber Salles/Editoria de Arte/CB Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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Eleições 2024: o “centro” de negócios e a direita avançam e a esquerda encolhe

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Eleições 2024: o “centro” de negócios e a direita avançam e a esquerda encolhe
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Por BENEDITO TADEU CÉSAR* Os grandes vencedores das eleições deste domingo "em todo o Brasil foram os partidos e candidatos ditos de “centro” ou, sendo mais precisos, aqueles que se apresentam como “isentos de ideologias” e congregam políticos mais comprometidos com os “negócios” e as “oportunidades” do mundo político do que com qualquer convicção doutrinária. Ainda que se apresentem como “não ideológicos”, esses partidos e candidatos inclinam-se, quase sempre, para a direita e flertam, muitas vezes, com a extrema-direita, mas, a rigor, ficam onde estão as “melhores ofertas” que, hoje, estão à direita do espectro partidário, no comando dos orçamentos públicos. Depois deles, os grandes vitoriosos foram os partidos e candidatos de extrema direita, que se apresentam em geral com a bandeira da antipolítica, e aparentemente negando todas as ideologias, ou afirmando-se com orgulho como os candidatos da direita “verdadeira”. Em ambas as posições, são os representantes do autoritarismo, da repressão e da intolerância política. As esquerdas e seus candidatos ficaram por último, não obstante os pequenos crescimentos das Prefeituras conquistadas pelo PSB e o PT. O primeiro, passou de 258 para 311 Prefeituras, com um crescimento de 21%, e o segundo saiu de 183 e chegou a 251, com um crescimento de 37%, evidenciando uma pequena reação ao desmonte provocado pela Operação Lava-Jato e a perseguição a que foram submetidas as suas lideranças, militantes e até simpatizantes nas eleições de 2016 e 2020. Ao lado do desempenho acanhado do PT, a vitória do PSDB em apenas 273 Prefeituras, numa queda de 49% frente à eleição de 2020, explicita outra consequência importante destas eleições: o claro desmonte do sistema de concorrência partidária vigente até 2014, no qual PT e PSDB disputavam votos e se revezavam na preferência dos eleitores no plano federal, o que se refletia nos planos estaduais e municipais, ainda que em menor escala. Este sistema foi sepultado. Veja abaixo a evolução dos 11 partidos com mais Prefeituras neste primeiro turno, em comparação a 2020, calculada segundo os dados oficiais do TSE: – PSD: de 662 para 888, — aumento de 34%; – MDB: de 797 para 865 — aumento de 7%; – PP: de 701 para 752 — aumento de 7%; – União Brasil: de 568 para 589 — aumento de 3%; – PL: de 349 para 523 — aumento de 50%; – Republicanos: de 216 para 439 — aumento de 103%; – PSB: de 258 para 311 — aumento de 21%; – PSDB: de 531 para 273 — queda de 49; – PT: de 183 para 251 — aumento de 37%; – PDT: de 318 para 150 — queda de 53%; – Avante: de 81 para 136 — aumento de 67%; Para comprovar o crescimento do “centro de negócios” e da direita tradicional, façamos uma conta simples. Somados, PSD (888) e MDB (865), posicionados no “centro”, conquistaram 1753 Prefeituras das 5.569 existentes no país (excetuando-se o Distrito Federal e Fernando de Noronha, que não realizam eleições municipais). PP (752) e União (589), conformando a direita tradicional, conquistaram 1.341 Prefeituras. Juntos, conquistaram 55,5% dos municípios brasileiros. À esquerda do espectro ideológico partidário, PSB (312), PT (253), PDT (151), PCdoB (19), PV (14) e Rede (4), somados, conquistaram 753 Prefeituras, o que significa 13,5% dos municípios brasileiros, 24,5% das Prefeituras obtidas pelo “centro” e a direita tradicional, e, de maneira ainda mais contundente, menos 135 do total de municípios que o PSD, considerado isoladamente, conquistou. Na outra ponta, o PL do ex-Presidente Bolsonaro, que lidera os partidos de extrema-direita, saiu extremamente fortalecido. Ainda que não tenha atingido os 1.500 municípios a que tinha se proposto, ficando com apenas 1/3 da meta estabelecida, o PL elegeu sozinho, até aqui, 523 Prefeituras (e disputa o segundo turno em outros 23 grandes municípios). Comparativamente ao PT do atual Presidente Lula, que lidera os partidos de esquerda e centro-esquerda (e que disputa o segundo turno em apenas 13 municípios), o PL saiu vitorioso com o dobro de Prefeituras conquistadas. O que teria levado a essa situação? O cansaço e a insatisfação com a política e com os políticos e também com o Estado, amplamente desacreditados pelos grandes meios de comunicação desde a operação Lava Jato e considerados incapazes de responder às demandas sociais acumuladas, criaram as condições para o fortalecimento dos partidos e políticos “de negócios”, distribuidores de recursos para obras em suas bases políticas, os quais já vinham crescendo desde as eleições de 2016 e 2020 e que agora conseguiram seus melhores resultados. Para a distribuição de recursos aos municípios e aos cabos eleitorais de sua base, além dos vultuosos recursos do Fundo Partidário, que é repartido proporcionalmente ao número de parlamentares de cada partido, os partidos de “negócios” e a direita tradicional, que mais cresceram nestas eleições, contaram com o avanço sobre o orçamento público federal realizado pelos partidos e políticos integrantes do chamado “Centrão” na Câmara Federal e no Senado da República durante o governo Bolsonaro, com a criação do “Orçamento Secreto” e das “Emendas Pix”, que garantiu polpudos repasses de verbas para os municípios “da base” desses políticos e um imenso volume de recursos para suas campanhas eleitorais e as de seus apoiadores. Em minoria no Congresso Nacional, com os partidos integrante de sua base política fiel detendo apenas cerca de 1/3 das cadeiras na Câmara e pouco mais de 1/5 no Senado, o governo Lula não teve forças para reverter esse quadro e o controle dos recursos orçamentários e suas benesses continua sob o controle do conjunto do “centro” de negócios, da direita tradicional e da extrema direita. O cenário geral de cansaço com a política deu espaço para o surgimento e o crescimento de candidatos como Pablo Marçal ou Alexandre Ramagem, que se assumem como “idiotas políticos” (autodefinição assumida por Ramagem) e que canalizam os votos daqueles que consideram a política, o Estado e o conjunto de suas instituições como desprezíveis. Se a política é a expressão e a prática da escória social, por que não votar logo no pior dos políticos, que se apresenta como o antipolítico? Aparentemente de forma contraditória, os três grandes vencedores pessoais nestas eleições foram, de um lado, Pablo Marçal, em São Paulo, e Eduardo Paes, na cidade do Rio de Janeiro e João Campos, em Recife. Se o primeiro, como foi dito acima, sintetizou a idiotia extremada dos que desacreditam a tal ponto da política, das instituições públicas e do Estado, que decidiram escolher o pior dentre todos os candidatos possíveis, os segundos sintetizaram a percepção de que a única maneira de enfrentar e vencer o desencanto que gera a idiotia política e possibilita o crescimento dos políticos que visam “oportunidades e negócios”, e dos fascistas, que se alimentam de ressentimentos e ódios, é a construção de frentes tão amplas a ponto de agregar a esquerda, o centro e até mesmo setores da direita democrática. Marçal, ainda que tenha sido eliminado no primeiro turno, pautou a eleição na cidade de São Paulo e foi notícia em todo o país e, com isso, tendo saído do nada, construiu um capital político que lhe garantirá força para influir no espaço político e que lhe renderá frutos eleitorais em eleições futuras. João Campos e Eduardo Paes, capitaneando frentes amplas que agregaram partidos tão díspares quanto PSB / PC do B / PT / PV / UNIÃO / REPUBLICANOS / MDB / SOLIDARIEDADE / AVANTE / DC / AGIR / PMB, por parte de Campos, e PODE / PRD / DC / AGIR / SOLIDARIEDADE / AVANTE / PSB / PDT / PC do B / PT / PV / PSD, por parte de Paes. Ambos venceram a eleição no primeiro turno, sendo que Paes o fez no berço político de Bolsonaro, conquistando 60,47% dos votos válidos e, mesmo que o seu adversário de extrema direita tenha conseguido afirmar a força eleitoral bolsonarista, obtendo 30,81% dos votos, lhe impôs uma fragorosa e humilhante derrota. *Benedito Tadeu César é cientista político, professor universitário e integrante das coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED Rede Estação Democracia Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Com o mesmo enfoque deste artigo, veja o vídeo de Bob Fernandes: https://youtu.be/k1SrwV7RU_w?si=WR-DLA_XzTwF-AOg Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Constituição, 36 anos: defender a democracia

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Constituição, 36 anos: defender a democracia
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Por TÂNIA MARIA SARAIVA DE OLIVEIRA* As regras formais postas no ordenamento precisam que os atores as conheçam, respeitem e defendam "A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito. Mudar para vencer. Muda, Brasil!".   O Brasil de 1988 que ouviu essas palavras da boca do então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, ao promulgar a nova Constituição brasileira, conhecida como a "Constituição Cidadã", era um país de fato em mudança, no qual a nova Carta tornou-se o símbolo da redemocratização do país após décadas de uma ditadura militar que ceifou vidas e impôs o silêncio dos quartéis. Não sem resistência, por óbvio. As conquistas de direitos sociais em áreas como educação, inclusão e saúde, aliadas à liberdade de pensamento e de crença, uniram-se aos desafios de implementar e aperfeiçoar o Estado Democrático de Direito. Evidente que, como a história não é linear, o processo de transição democrática do país foi tenso e com descontinuidades, apresentando avanços e retrocessos, o mesmo em relação ao texto constitucional, que desde sua publicação esteve em disputa, operando perdas e reconquistas dentro do projeto de sociedade buscado pelos grupos sociais em ação. A Constituição Federal do Brasil completa 36 anos na véspera do dia em que as pessoas vão às urnas eleger seus representantes nas prefeituras e nas câmaras de vereadores, em um país altamente polarizado, não necessariamente entre projetos para as cidades. As campanhas nos grandes centros foram marcadas por comportamentos altamente desrespeitosos, ataques pessoais e atos de violência que, na prática, tornam impossível a visualização pelos eleitores das diferenças entre os projetos para a coletividade. Nas últimas quatro décadas, as mudanças históricas tiveram um ritmo muito mais acelerado que outrora, provocadas em larga medida pelas novas formas de comunicação, com o surgimento da internet e das redes sociais que, por um lado quebraram o monopólio do discurso dos grandes conglomerados, mudando a forma que as pessoas produzem e compartilham conteúdos e interagem em comunidade e, por outro, privatizaram a produção e a circulação de conceitos e narrativas, tirando dos armários criaturas que, antes, eram contidas pela simples existência de uma esfera pública. A elaboração e disseminação de notícias falsas, sobremaneira com intuito de destruir reputações, tornou o ambiente virtual tóxico e carente de regulamentação. O crescimento da extrema direita no mundo não poupou o Brasil. Há cerca de uma década passamos a conviver com uma polarização em que o espaço do outro não mais pode ser tolerado, a ouvir discursos que equivocadamente nos pareciam superados, de xenofobia, machismo, racismo, negacionismo climático, ambiental e científico, em uma retórica de ódio camuflada por valores supostamente morais, um entrelaçamento entre religião e Estado, falsos enunciados sobre ética, com acusações em que corrupto é sempre o outro, seu inimigo. Aliás, os adversários políticos se transformaram em inimigos. O acirramento se deu de tal forma que famílias e amizades foram desfeitas em decorrência da intolerância e do alinhamento com pessoas públicas e pensamentos distintos. Com a ascensão de um líder populista de extrema direita, amargamos quatro anos de um governo que promoveu o desmonte dos serviços públicos essenciais, para bancar seu projeto político-ideológico de enfraquecimento do Estado, reduzindo direitos para a maioria e aumentando privilégios para minorias. Nesse cenário, a Constituição Federal, como um texto que se compromete com a busca da superação de desigualdades, que se coloca como base normativa para a realização de projetos de vida com expectativa humanista e solidária sofreu grandes derrotas, não apenas no plano prático de destruição por dentro, como as reformas trabalhista e previdenciária, que transferiram ativos e reorientaram o orçamento público de financiamento de políticas sociais para subsidiar a lucratividade financeira, mas também com o uso artificial e deturpado de seu texto. É assim com o discurso que defende "liberdade de expressão" para praticar crimes contra as instituições e a própria democracia, em evidente tentativa de captura de um direito fundamental como absoluto, como se proclamasse uma espécie de vale tudo. As famosas "quatro linhas" postas nas falas de Jair Bolsonaro (PL) e seus asseclas certamente não comportam os direitos fundamentais e os princípios que informam a vida política e social. Ao oposto, são apenas emblemáticas de busca do uso de mecanismos legais com o objetivo de eliminação do adversário. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018 e a tentativa de impedimento do ministro do STF Alexandre de Morais na atualidade são exemplos cabais de como a democracia no Brasil assumiu contornos de um combate que não observa o regramento nem a tolerância exigida pela institucionalidade. O uso do Direito como arma política, conhecido como lawfare, virou regra nas mãos daqueles que não aceitam o jogo na arena correta das disputas legitimas. No mesmo sentido, a tentativa de usurpação do texto constitucional por aqueles que a descumprem diuturnamente evidencia que uma Constituição, qualquer que seja ela em qualquer parte do mundo, não é suficiente para sustentar um regime democrático pleno. São as práticas político-institucionais que sustentam seus mecanismos de controle, responsabilização e organização dos instrumentos e órgãos dentro dos poderes instituídos. Dito de outro modo, as regras formais postas no ordenamento precisam que os atores as conheçam, respeitem e defendam em suas práticas políticas. Nossa balzaquiana Constituição, portanto, segue necessitando que a defendamos, que a fortaleçamos e a tenhamos como norte não apenas pelo seu conteúdo, mas no sentido de seu aperfeiçoamento e do fortalecimento de condições político-institucionais que evitem a derrocada da democracia.   *Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Governo Federal. Foto:  FLickr/ Agência Senado Publicado originalmente em Brasil de Fato. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.        

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