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Notícia crime contra Sebastião Melo

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Notícia crime contra Sebastião Melo
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Na tarde de ontem (07.01), realizou-se importante reunião para aprovar NOTÍCIA CRIME a ser encaminhada ao Ministério Público Federal, denunciando o pronunciamento antidemocrático do Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, por ocasião da posse dos vereadores de Porto Alegre. A qualificada peça jurídica, elaborada pela Dra. Antônia Mara Loguercio, Dra. Christine Rondon e o Dr. Ramiro Goulart - com a contribuição de outras importantes lideranças jurídicas, sociais e políticas - foi aprovada por unanimidade, com alguns aperfeiçoamentos. Além da AEPPP-RS e do MJDH, que convocaram a reunião, estiveram representadas diversas entidades jurídicas e de Direitos Humanos - como a ADJC, AJD, ACESSO, AGETRA, FJ-RS, ANADEP, AMPD, ReBEDH-RS, Inst. Est. Pol. Mário Alves - e cinco partidos políticos, PT, PDT, PCdoB, PSOL e REDE. A referida NOTÍCIA CRIME será protocolada hoje, 8 de janeiro - data da fracassada tentativa de golpe, em 2023, contra a Democracia brasileira -, às 15h, no Ministério Público Federal, Sito à Av. Otávio Caruso da Rocha, 700, sala 505. Convidamos a todos e todas que puderem estar presentes para prestigiarem esse ato cívico em defesa da democracia e em repúdio à apologia dos regimes ditatoriais! DITADURA NUNCA MAIS! Sérgio Bittencourt, Presidente AEPPP-RS Jair Krischke, Presidente MJDH Júlio Alt, Presidente CEDH Cristiaine Johann, AMPD e REBEDH-RS Foto: Prefeito reeleito da capital gaúcha defendeu que apoiadores da ditadura ou mesmo do comunismo ou socialismo não devem ser processados. (Foto: Johan de Carvalho/CMPA) Copyright © 2025, Gazeta do Povo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Brasil de  classe média? Que país é esse?

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Brasil de classe média? Que país é esse?
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Por PAULO KLIASS* A divulgação de uma pesquisa da Consultoria Tendências a respeito da distribuição da população brasileira em faixas de renda tem merecido um debate a respeito de temas importantes, a exemplo de políticas de distribuição de renda e padrões de consumo em nosso País. A primeira iniciativa coube aos defensores obnubilados do governo Lula, que viram nas manchetes reproduzidas pela grande imprensa uma oportunidade ímpar de tirar uma casquinha nos resultados preliminares apresentados. O mote para uma leitura com tal viés tem sido a apropriação indevida do conceito de “classe média”. A exemplo do que já havia ocorrido em outros momentos depois da vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002, tem início agora um novo debate a respeito do tema. O foco reside na interpretação das pesquisas elaboradas por órgãos públicos e por institutos privados onde se busca identificar a evolução dos perfis de renda da população brasileira. E, assim, surgem os enquadramentos nas conhecidas faixas ou classes A, B, C, D e E. Parece óbvio que tudo passa a depender dos critérios utilizados para definir os limites de cada um destes patamares. A primeira abordagem para utilizar o conceito de “classe média” segundo tal metologia é quase tautológica. Como existiria uma “classe alta” e uma “classe baixa”, os setores que se situam nas faixas intermediárias seriam os que compõem a chamada “classe média”. Ou seja, nem os de cima, nem os de baixo – mas os do meio (sic). A falta de rigor para tal classificação é quase evidente e torna bastante complexo o recurso a tal ferramenta para fins de análise social ou mesmo de política pública. O Brasil e a classe média. Ao longo dos dois primeiros mandatos de Lula, o Brasil experimentou um importante processo de melhoria na distribuição de renda e na redução das desigualdades sociais e econômicas. Para tanto foram importantes um conjunto de medidas de ampliação e aprofundamento das políticas assistenciais (Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada - BPC, por exemplo), bem como a política de valorização real do salário-mínimo. Esse quadro foi bastante potencializado, além disso, pelo crescimento das atividades econômicas de forma generalizada e pela redução do nível de desemprego. Datam deste período as primeiras incursões na narrativa apelando para o conceito de “classe média”. É interessante observar que, mesmo sendo uma coalização dirigida por uma agremiação que traz por título Partido dos Trabalhadores, o governo introduziu o elemento que privilegia a condição de classe média no debate, não se contentando com os aspectos de evolução bastante positiva das condições de vida, de melhoria nos salários e no acesso a padrões de consumo como nunca havia ocorrido anteriormente. Não, o importante era mencionar que boa parte da população agora fazia parte da “classe média”. Fosse lá o que isso significasse. Infelizmente, o que se percebeu menos de duas décadas mais tarde é que essa narrativa, na verdade, cimentava o caminho para a consolidação de um discurso de conteúdo bastante conservador, a favor do empreendedorismo, mesmo entre os muito pobres e os miseráveis. Todos queriam pertencer à classe média e não mais terem um emprego “tradicional” – com horário a cumprir, patrão e normas a obedecer. Há vários registros de um intenso debate realizado a esse respeito, com diversos enfoques e focos de análise. O IPEA foi uma das instituições públicas em que tal discussão se realizou de forma organizada e onde um conjunto de publicações deixaram apontados aspectos relevantes de tal debate. A própria realização de eventos, seminário s e debates no interior do órgão foi fundamental para a localização de alguns nós envolvendo a questão da “classe média” ou da “nova classe média”, como muitos autores reivindicaram a classificação da suposta “novidade”, à época. Classe média: vários conceitos, muita polêmica. Agora, no momento atual, a propaganda oficial e ufanista retoma a tecla de que que o Brasil teria voltado a ser um “País de classe média”. As pessoas continuam a reproduzir de forma acrítica a mensagem, provavelmente sem se dar conta da falta de sentido daquilo que divulgam. Em seu afã compreensível de buscar boas notícias relativas ao desempenho de Lula em seu terceiro mandato, uma parte de sua base de apoio se sai com essa. Mas, afinal, o que significa ser um “País de classe média”? Para os mais cautelosos, aqueles que foram verificar a informação antes de sair compartilhando pelo mundo afora, o que se pode concluir é que se trata de uma mudança marginal, pouco significativa, no padrão verificado nos anos anteriores.   Brasil - Distribuição da Renda Domiciliar - 2010/2024   Fonte: Poder 360     A metodologia pressupõe que um coletivo nacional e/ou social se transforma em “País de classe média” quando mais de 50% de sua população puder ser enquadrada nas chamadas “classes” A, B e C de renda. E os dados da pesquisa da Consultoria Tendências apontam que em 2024, ufa!, passamos raspando a trave para os sensacionais 50,1% (sic). Assim, se somarmos os 31% da classe C, com os 14,8% da classe B e ainda com os 4,3% da classe A chegaremos à brilhante conclusão de que não somos mais um País de pobres. Mas será que isso merece mesmo tanta comemoração? Tudo indica que os dados sugerem um pouco mais de cautela. Mas isso pouco importa, pois o que vale espalhar é que somos agora um País de “classe média”. E ponto final! Se formos analisar com um pouco mais atenção os números por trás dos gráficos, o que se percebe é que metade dos domicílios contam com uma renda mensal inferior a R$ 3.400. Afinal, este é o limite para o enquadramento dos pobres (classes D e E). Ora como a média de membros dos domicílios para essa faixa de renda é superior à média nacional de 2,97 pessoas, não estaremos longe de uma renda mensal per capita entre R$850 e R$ 1.100. Ou seja, metade da população do País ainda vive sob tais condições terríveis de remuneração. Ora, uma parcela considerável da famosa “classe C” tampouco pode ser classificada como tendo um padrão de vida e de consumo típico de “classe média”, por mais idealizado que seja o procedimento metodológico realizado. Imaginemos uma família de 4 pessoas, sendo 2 adultos e 2 crianças. Se cada um dos adultos recebesse o equivalente a dois salários-mínimos por mês em 2024, a renda domiciliar seria de pouco mais de R$ 5.600 mensais. Ora, como o próprio intervalo da classe C desta pesquisa varia entre R$ 3.400 e R$ 8.100, percebe-se que esse universo abarca um contingente de domicílios/famílias/pessoas que estão muito longe de qualquer imaginário edílico de pertencimento à “classe média”. Para tanto, basta imaginar o padrão de vida e de consumo deste suposto núcleo familiar com tal rendimento mensal. Após a realização dos gastos mais do que básicos com alimentação, habitação e transporte, que parcela da renda sobraria para a satisfação de itens como saúde, educação, cultura e lazer? As pessoas podem até não serem assalariadas e trabalharem em atividades como motorista de aplicativo ou vendedor ambulante. Trata-se de categorias que o IBGE classifica como “trabalhadores por conta própria”. No entanto, as condições objetivas das respectivas vidas está muito distante de qualquer padrão das chamadas “camadas médias urbanas”, adicionados ao fato de que algumas pesquisas revelam um desejo de seus integrantes de formalizarem suas relações trabalhistas. Ou seja, é bem possível que uma parcela expressiva daqueles que tenham migrado para o modelo o tenham feito por falta de opção. Desta forma, o que se pode concluir é que estamos muito distantes de uma sociedade que possa ser caracterizada como “País de classe média”. Quer seja pela inserção das classes sociais no processo produtivo e de geração. Quer seja pelo nível de remuneração mensal dos agentes sociais envolvidos. Quer seja pelo padrão de consumo e de acesso a bens e serviços públicos essenciais. Quer seja pela proporção dos setores miseráveis e muito pobres no conjunto da população.   Que País é este? As melhorias efetivamente verificadas ao longo do período recente em todos estes quesitos apontam para necessidade de acelerar e aprofundar esse padrão de redução das desigualdades. Mas não basta apenas comemorar de forma irresponsável as mudanças marginais como sendo o coroamento de um processo de ingresso em um outro patamar de uma nova forma de concertação social, onde a generalização do conceito de “classe média” apontasse para uma mudança efetiva e duradoura na qualidade das relações sociais de produção. Afinal, ainda não recuperamos nem mesmo os tempos dos primeiros mandatos de Lula, período em que setores de nossa elite se sentiam incomodados com a ascensão de camadas de baixo da nossa pirâmide da desigualdade. Esse era a época em que se reclamava que os aeroportos estavam lotados, parecendo mesmo rodoviárias. Ou então que a simbologia das cenas e relatos onde trabalhadoras domésticas conseguiam acesso e condições para viajarem para o exterior - os parques da Disney nos Estados Unidos eram os destinos mais procurados. Enfim, independentemente das críticas que se possam fazer aos critérios de definição do conceito ou mesmo de sua utilização para o nosso caso, o fato concreto é que o Brasil de hoje está muito distante de ser um “País de classe média”.     *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa: Reprodução/Exame Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.            

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Brasil e EUA e suas democracias ameaçadas

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Brasil e EUA e suas democracias ameaçadas
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã No prefácio especial que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram para a edição brasileira do seu segundo livro, Como Salvar a Democracia, os dois cientistas políticas observam que Brasil e Estados Unidos teriam tratado de maneira diferente os seus momentos de clímax à ameaça de ruptura da democracia. No caso do Brasil, o 8 de janeiro de 2023, a invasão do prédio dos três poderes. No caso dos Estados Unidos, o 6 de janeiro de 2021, a invasão do Capitólio, a sede do poder Legislativo. Levitsky e Ziblatt avaliam que as instituições brasileiras, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), atuaram fortemente para punir os responsáveis. Os Estados Unidos, ao contrário, tratam até hoje de minimizar o que aconteceu.       Pesquisa Esses desdobramentos por aqui do 8 de janeiro certamente ajudam a explicar a altíssima rejeição para o que houve registrada na pesquisa que o Instituto Quaest divulgou na segunda-feira (6): 86% dos entrevistados reprovam o que aconteceu naquele dia.   Bolsonaristas Impressiona que é praticamente o mesmo o percentual de pessoas que declararam ter votado em 2022 em Jair Bolsonaro que rejeitam os atos de 8 de janeiro: 85%. Nos Estados Unidos, o presidente eleito Donald Trump trata o que houve como "um ato de amor".   Investigações sobre papel de Trump foram arquivadas Instituições brasileiras se uniram pela democracia | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil     No caso brasileiro, as investigações que se seguiram ao 8 de janeiro atingiram diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu núcleo mais direto. Seu candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Netto, está preso. Bolsonaro está indiciado, deve ser denunciado este ano pela Procuradoria-Geral da República. Nos EUA, o processo que apurava a responsabilidade direta de Donald Trump sobre o que aconteceu foi arquivado em novembro do ano passado. Se comenta agora que, após tomar posse, Trump também passe a conceder perdão e atenuar a situação dos mais de mil processados pela invasão.   Minorias Em Como Salvar a Democracia, livro que continua o que Levitsky e Ziblatt trataram em Como as Democracias Morrem, grande parte da análise avalia a quantidade de regras contramajoritárias que existem nos EUA, que estariam fazendo o país ser governado pela minoria.   Eleições Os modelos contramajoritários começam pelas próprias eleições. Os EUA têm um modelo de Colégio Eleitoral que permite a um presidente que não tem a maioria acabe eleito. Em 2016, Trump venceu as eleições sobre Hillary Clinton tendo 3 milhões de votos a menos.   Senado Mas o grande instrumento contramajoritário é a capacidade de o Senado fazer obstrução. Ou, como dizem, "filibuster". Lá, para interromper um pronunciamento, é necessário o voto de 60 senadores em 100. Como o Senado é dividido pela metade, a obstrução é regra.   Corte Assim, nada que o Partido Republicano não queira avança, mesmo que a sociedade queira. O problema cresce com a posição da Suprema Corte americana. Hoje, são seis ministros conservadores, contra três de posição mais liberal. Trump poderá até ampliar a situação.       *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade       Publicado originalmente no Correio da Manhã Foto de capa: Bolsonaro e Trump: diferenças nos dois países |  Alan Santos/Agência Brasil   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia         (mais…)

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Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média

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Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média
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Classe Média ou Pobreza? A Controversa Definição da Tendências Consultoria Um estudo recente da Tendências Consultoria, uma empresa ligada aos economistas Mailson da Nóbrega e Gustavo Loyola, concluiu que, em 2024, o Brasil teria se tornado majoritariamente um país de classe média. Essa afirmação é baseada no critério adotado pelos autores, que considera uma família com renda mensal de R$ 3,4 mil como pertencente a esse segmento social. No entanto, a definição utilizada pela consultoria diverge significativamente da do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o IBGE, uma família típica de quatro pessoas só seria classificada como classe média se sua renda mensal atingisse R$ 7,7 mil, o equivalente a uma renda per capita superior a R$ 1.926. A metodologia da Tendências Consultoria, ao reduzir esse patamar pela metade, considera como classe média uma família em que cada membro vive com apenas R$ 850 mensais. Essa redefinição, além de estar em desacordo com critérios oficiais, gera críticas por mascarar a realidade econômica do país. Classificar uma renda de R$ 3,4 mil como característica da classe média, para muitos especialistas, é ignorar as condições econômicas reais enfrentadas pelas famílias, que ainda se enquadram em um cenário de pobreza. Embora o estudo tenha apontado que o número de famílias com renda superior a R$ 3,4 mil cresceu de 49,6% em 2023 para 50,1% em 2024, esse aumento não reflete necessariamente uma melhoria significativa na qualidade de vida. O progresso social e econômico não pode ser avaliado apenas pelo cumprimento de metas ajustadas para tornar a realidade mais favorável no papel. Contraste com a Realidade Social Um levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traz uma perspectiva alarmante. Segundo o estudo, a população em situação de rua aumentou 25% em 2024, somando 327.925 pessoas a mais vivendo sem moradia. Isso reflete a incapacidade de muitas famílias de pagar até mesmo o aluguel, um indicativo de que o cenário econômico permanece adverso para grande parte dos brasileiros. Critérios Rebaixados, Resultados Artificialmente Positivos A prática de redefinir padrões para criar uma falsa sensação de progresso é uma crítica recorrente a estudos realizados no contexto neoliberal. Segundo analistas, essas metodologias não buscam resolver problemas estruturais, mas sim criar narrativas que desmobilizem a sociedade e reduzam expectativas por mudanças reais. Crescimento Econômico Limitado e Estagnação Social Os críticos do neoliberalismo argumentam que políticas que priorizam a estabilidade econômica em detrimento do crescimento real acabam perpetuando as desigualdades. Ao limitar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a valores modestos, sob a justificativa de conter a inflação e evitar desequilíbrios fiscais, essas estratégias restringem avanços significativos na melhoria da renda e na qualidade de vida da população. Conclusão A análise da Tendências Consultoria não reflete a realidade vivida pela maioria dos brasileiros. Classificar famílias com rendas insuficientes como parte da classe média é mais uma estratégia para maquiar a situação socioeconômica e evitar mudanças profundas no sistema. Para muitos, a verdadeira saída para o Brasil está em políticas que promovam crescimento econômico robusto, distribuição de renda e oportunidades reais de ascensão social.   Com informações do Hora do Povo. Foto de capa: Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Soberania Digital: Economia Solidária, Software Livre e Cultura Digital na Construção do Cooperativismo de Plataformas

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Soberania Digital: Economia Solidária, Software Livre e Cultura Digital na Construção do Cooperativismo de Plataformas
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  Por EVERTON RODRIGUES* A memória das experiências passadas é a semente do presente, orientando-nos a projetar e colher um futuro justo. Refletir sobre nossas vivências anteriores nos oferece a oportunidade de aprender com elas, reconhecer limites, erros e acertos, além de sistematizar esse conhecimento para construir um futuro mais consciente e planejado. No limiar do século XXI, durante o 1º Fórum Internacional de Software Livre (2000) e o 1º Fórum Social Mundial (2001), emergiu no Brasil o debate sobre a soberania na produção e no uso de tecnologias livres, em oposição aos monopólios e às patentes de grandes corporações nacionais e transnacionais. Este debate foi impulsionado pelo movimento do software livre, com o objetivo de reduzir a dependência tecnológica e superar o controle exercido por grandes corporações, como Microsoft e Apple. Esse ambiente de produção de ideias e tecnologias foi nutrido e potencializado pelas experiências dos Governos Populares em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, que projetaram para o mundo a perspectiva da participação popular na gestão pública, especialmente por meio da experiência do Orçamento Participativo. A intersecção entre os movimentos do Fórum Internacional de Software Livre e do Fórum Social Mundial, acompanhado de um ambiente de governança participativa, possibilitou a adoção do software livre em todas as esferas da gestão pública na cidade de Porto Alegre e no Estado do Rio Grande do Sul. Em 2002, com a eleição de Lula para a Presidência da República, a experiência construída nos governos populares de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul ganhou escala nacional, com a adoção do software livre nas instituições do Estado brasileiro. Essa iniciativa transformou-se em uma referência mundial na criação e no uso de tecnologias livres, softwares públicos e na gestão segura de dados e informações. No 6º Fórum Internacional de Software Livre, realizado em 2005, foi estabelecida uma associação entre o movimento de software livre e o movimento das sementes crioulas, com base no diagnóstico de que ambos os movimentos lutam contra o monopólio de patentes exercido pelas grandes corporações (seja no campo da informação ou no agronegócio). Ambos defendem a diversidade, a autonomia e o conhecimento livre e acessível a todos os povos. Enquanto o movimento de software livre busca garantir a liberdade no uso, compartilhamento e reconhecimento dos verdadeiros autores dos códigos, enfrentando o sistema de propriedade intelectual e de patentes que beneficia apenas alguns, o movimento das sementes crioulas combate a apropriação privada da vida por meio de modificações genéticas, que transformaram as sementes em patentes das corporações transnacionais. A síntese que unificou essas lutas foi a percepção de que as corporações da área da tecnologia da informação manipulam o bit na criação de softwares proprietários, enquanto as corporações do agronegócio manipulam o gene para se apropriar da reprodução das sementes e da vida. Como símbolo dessa integração de lutas, foi distribuído um quilo de arroz Oryza glaberrima (uma variedade africana trazida pelos negros escravizados como forma de resistência e soberania alimentar), produzido por agricultores quilombolas do Rio Grande do Sul. Com o avançar das edições dos Fóruns Sociais Mundiais, consolidou-se uma importante aliança entre o movimento de software livre e os princípios da economia solidária. Identificou-se a necessidade de construir sistemas associativos, cooperativos e autogestionários para a defesa do conhecimento livre. Nesse contexto, foram estabelecidas parcerias criadores de plataformas de software livre para o desenvolvimento de sistemas de comércio eletrônico voltado aos empreendimentos da economia solidária. Esse ambiente também fomentou o surgimento das primeiras cooperativas de tecnologia da informação no Brasil, que passaram a oferecer suporte e a desenvolver plataformas livres para a difusão de informações e para o comércio eletrônico. Embora muitas iniciativas de comércio eletrônico tenham surgido e ainda funcionem, é evidente que enfrentam diversas dificuldades. Entre elas, destaca-se a falta de conscientização sobre a importância de consumir produtos oriundos de economias sustentáveis e a carência de criação e suporte em tecnologias livres voltadas para o e-commerce. Além disso, pesam a inexistência de uma legislação específica para a Economia Solidária, as elevadas cargas tributárias e a complexidade envolvida na gestão administrativa e financeira de cooperativas no Brasil. Diferentemente de grandes empresas capitalistas, que priorizam o lucro e frequentemente usufruem de isenções fiscais concedidas pelo governo, as cooperativas solidárias, infelizmente, não recebem nenhum tipo de benefício tributário. Neste período, também percebemos o crescimento e a consolidação dos sistemas produtivos e de comercialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com mais de 40 anos de existência, o movimento está presente em 24 estados brasileiros, organizando 185 cooperativas, 1.900 associações e 120 agroindústrias, sendo uma das principais forças da agroecologia e do cooperativismo solidário no Brasil. Atualmente, o MST organiza cerca de 400 mil famílias assentadas e outras 70 mil em acampamentos. Essas famílias fazem sua produção chegar aos grandes mercados consumidores por meio de feiras, das compras públicas realizadas por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), de uma potente rede de Armazéns do Campo espalhados pelo Brasil, de uma série de lojas virtuais e do abastecimento a cozinhas solidárias e comunitárias. O MST tornou-se uma importante referência na construção de sistemas agroalimentares agroecológicos, fundamentados na produção e comercialização associativa e solidária. A primeira década do século XXI também viu nascer outras experiências importantes, baseadas na economia solidária e que integraram o software livre como fundamento da sua organização tecnológica. Como exemplos, destacam-se o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, fundado em 2005 no âmbito do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, e a Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente – GiraSol, fundada em 2006. Ambas as experiências tiveram origem nas práticas de democracia participativa e no Fórum Social Mundial.   O Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo foi gestado, em Porto Alegre, a partir de uma ampla parceria entre a OSCIP Guayí, o Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal (SINTRAJUFE), o Clube de Mães do Bairro Cristal, lideranças comunitárias e os Orçamentos Participativos dos Bairros Cristal e Cruzeiro. Desde sua concepção, o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo assumiu a Economia Solidária e o Software Livre como princípios organizadores de sua prática. O Ponto de Cultura concebeu desde o início sua estruturação como Incubadora Cultural e Tecnológica de empreendimentos e iniciativas do território e funciona até hoje como espaço de difusão do software livre em todos os processos produtivos e de fruição. Tornou-se referência nacional como espaço que interconecta, em todas as suas iniciativas, os princípios da economia solidária, do software livre, da cultura digital, da permacultura e da gestão democrática e compartilhada para o desenvolvimento do território. Esta experiência foi projetada e ampliada entre 2006 e 2010 com a implantação dos projetos Casa Brasil, uma iniciativa do Governo Federal que, em parceria com a Secretaria Nacional de Economia Solidária, fortaleceu a integração da economia solidária com o software livre. As ações das Casas Brasil promoveram formações, debates, cursos online e presenciais, encontros e conferências durante as feiras de economia solidária, além de reflexões nos Fóruns de Software Livre e nos Fóruns Sociais Mundiais. Também foi o berço para a organização da Rede dos Pontos de Cultura no Rio Grande do Sul, na qual o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo teve forte protagonismo, desempenhando o papel de coordenação da Rede por muitos anos. A Cooperativa GiraSol, por sua vez, foi criada por um conjunto de ativistas sociais que vivenciaram as experiências da gestão pública nos governos populares em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, sindicalistas, servidores públicos e profissionais liberais que queriam construir uma ferramenta de consumo de alimentos saudáveis que conectasse produtores e consumidores. Ao buscar a superação dos monopólios de produção e comercialização das grandes corporações e cadeias de supermercados, a Cooperativa GiraSol assumiu a economia solidária, a agroecologia, o conhecimento livre, a luta contra a transgenia e os agrotóxicos como princípios de sua experiência. Em 2017, a Cooperativa iniciou uma experiência bem-sucedida de criação de uma loja virtual, ancorada nas plataformas livres WooCommerce e WordPress, a partir de uma parceria com ativistas do software livre. Essa experiência permitiu que a Cooperativa fosse pioneira e uma das principais operadoras da alimentação saudável em Porto Alegre durante a pandemia de Covid-19. Nove dias após o decreto de isolamento social, a GiraSol ampliou a loja virtual para atender toda a cidade de Porto Alegre. Entre março de 2020 e dezembro de 2023, a loja virtual da GiraSol processou 21.240 pedidos com entrega domiciliar, comercializando mais de 150 toneladas de alimentos agroecológicos oriundos da reforma agrária e da agricultura familiar. Neste mesmo período, a loja física da GiraSol realizou 56.100 operações de venda, comercializando mais de 260 toneladas de alimentos agroecológicos. Somando os dois canais de venda, foram comercializadas mais de 400 toneladas de alimentos agroecológicos provenientes da reforma agrária e da agricultura familiar. Além dos processos comerciais, a Cooperativa GiraSol executou dois importantes programas de ajuda humanitária, com doação de cestas básicas de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar. Em 2021, durante a pandemia, foram entregues 4.300 cestas, totalizando 98,9 toneladas. Em 2024, durante o período mais intenso das enchentes no Rio Grande do Sul, a Cooperativa GiraSol entregou 1.700 cestas de alimentos, totalizando 42,5 toneladas. Juntando as duas ações, a GiraSol comprou da reforma agrária e da agricultura familiar mais 140 toneladas de alimentos saudáveis e fez a doação para mais de 6.000 famílias em situação de vulnerabilidade.   Desde 2020, a Cooperativa GiraSol adquiriu e distribuiu quase 600 toneladas de alimentos agroecológicos provenientes da agricultura familiar e da reforma agrária. A partir das políticas públicas da SENAES de fomento às Redes de Cooperação Solidária, o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo e a Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente – GiraSol se uniram à construção da Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), que, desde 2012, vem articulando mais de 300 empreendimentos econômicos solidários, organizados em 24 redes locais distribuídas por 11 estados brasileiros, incluindo Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Pará. Essa articulação em rede possibilitou a replicação da experiência da loja virtual da Cooperativa GiraSol para a Rede Xique Xique de Comercialização, no Rio Grande do Norte. Em 2017, a RESF iniciou o debate sobre a necessidade de articular as diferentes experiências de lojas virtuais e físicas organizadas pela rede em um ambiente de marketplace. Esse desejo, no entanto, não prosperou devido à extinção da política pública de economia solidária pelo governo Bolsonaro. Esta exitosa jornada de parceria entre o movimento de software livre e o movimento da economia solidária sofreu importantes retrocessos nos últimos anos. Mesmo com experiências bem-sucedidas de comércio eletrônico, no desenvolvimento de produtos e serviços baseados em conhecimentos livres, e na organização de redes de cooperação solidária, essa perspectiva não avançou de forma ampla, devido à falta de uma política pública robusta que coloque a tecnologia livre no centro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e solidário. O desenvolvimento de tecnologias livres para dar suporte às diferentes redes, cadeias produtivas e empreendimentos econômicos deve ser articulado com o desenvolvimento de uma tecnociência solidária, capaz de impulsionar novos arranjos produtivos e de serviços mediados por códigos-fonte livres de monopólios. Nessa perspectiva, a retomada dos Programas Nacionais de Incubadoras Populares e Tecnológicas e o fortalecimento da economia solidária nos Institutos Federais de Educação podem representar um espaço importante para a retomada da aliança entre economia solidária e software livre, visando o desenvolvimento de tecnologias livres para o fomento ao cooperativismo. Nos últimos anos, o debate sobre a conexão entre tecnologia e cooperativismo vem ganhando notoriedade, especialmente pelas experiências do cooperativismo de plataforma, no segmento de transporte, com a criação de aplicativos para motoristas, mototaxistas e cicloentregadores. No entanto, a maior parte dessas experiências carece do cuidado elementar em relação à propriedade dos códigos-fonte desses aplicativos. Torna-se urgente a retomada do debate e da aliança entre a economia solidária e o software livre para o desenvolvimento de plataformas livres dos monopólios das grandes corporações, sob o risco de cooptação e apropriação de nossas iniciativas pelo capital. O grande desafio da atualidade é superar a "servidão aos algoritmos", onde plataformas digitais baseadas em Inteligência Artificial se transformaram em verdadeiras instituições intocáveis, que destroem as instituições públicas, controlam horários, tarefas e avaliações, condicionam subjetividades, manipulam entendimentos e promovem desinformação, tudo isso sem transparência ou fiscalização e com amplo apoio social. O  livro "Tecno-feudalismo: O que matou o capitalismo" de Yanis Varoufakis apresenta uma análise crítica da transformação do capitalismo contemporâneo, sugerindo que ele evoluiu para um sistema denominado "tecno-feudalismo". Varoufakis argumenta que as grandes corporações de tecnologia substituíram os pilares tradicionais do capitalismo mercados e lucros por plataformas digitais e rendas passivas, criando uma nova forma - o feudalismo digital. Varoufakis argumenta que, ao contrário das expectativas de que as inovações tecnológicas levariam a um avanço progressivo, elas resultaram em um sistema econômico mais desigual e dependente, caracterizado por uma nova forma de feudalismo digital. Ele sugere que as grandes corporações de tecnologia atuam como novos senhores feudais, controlando recursos, dados e as vidas cotidianas dos usuários. Varoufakis destaca que os usuários se tornam "servos digitais", fornecendo dados pessoais em troca de acesso a serviços digitais essenciais. Ele observa que essa transformação resulta em uma concentração de poder e riqueza nas mãos de poucas corporações tecnológicas, ameaçando a democracia e exacerbando as desigualdades sociais. Varoufakis alerta que o tecno-feudalismo dificulta a ação coletiva necessária para enfrentar desafios globais, como a crise climática, e propõe a necessidade de uma nova abordagem econômica que promova a solidariedade e a justiça social. A proposta de Varoufakis destaca a importância da solidariedade e da ação coletiva na luta contra as desigualdades exacerbadas pelo avanço tecnológico. Ao enfatizar a necessidade de uma coalizão ampla, ele sugere que somente por meio da união de diversos setores da sociedade será possível enfrentar eficazmente os desafios impostos pelo tecno-feudalismo. “Servos da nuvem, proletários da nuvem e vassalos da nuvem do mundo, unam-se.” Diante de tudo isso, temos uma oportunidade promissora e desafiadora de promover a convergência e integrar diversas iniciativas produtivas e de consumo de produtos e serviços. Isso pode ser alcançado criando sinergias entre Economia Solidária, Software Livre, Cultura Digital, Cooperativas de Transporte, Cooperativas de Logística, Cooperativas de Consumo, que se articulem com Cooperativas da Reforma Agrária, da Agricultura Familiar e com a Agroecologia. Presupõe-se o fortalecimento de sistemas e conhecimentos como a permacultura, a bioconstrução, a produção de bioinsumos, a difusão das sementes crioulas (sementes livres) e o Biohacking. Essa integração permitirá oferecer alternativas poderosas por meio das diversas interfaces do cooperativismo de plataformas, utilizando plataformas digitais com governança coletiva, em contraste com o modelo tecno-feudalismo de concentração de poder e lucros dominado por grandes corporações. As tecnologias livres, a cultura digital e a economia solidária desempenham um papel crucial no enfrentamento das mudanças climáticas, oferecendo soluções acessíveis, transparentes e adaptáveis que podem ser implementadas por comunidades e organizações em todo o mundo. A integração e interconexão de todas as iniciativas por meio do cooperativismo de plataformas livres pode criar poderosas cadeias produtivas e promover autonomia, colaboração, democratização da ciência e da cultura, consciência social e política, além de democratizar a economia, produzindo as bases para o bem viver. Os princípios de todas os movimentos e iniciativas que promovem envolvimento local, compartilhamento de saberes, conhecimentos e gestão compartilahda e democratica, são essenciais para enfrentar os monopólios que priorizam apenas o lucro e o poder, cujos resultados, que incluem devastação e perda de vidas, estão nítidos diante de nós. Por exemplo, basta olhar para os crimes em Mariana (MG), Brumadinho (MG), São Sebastião (SP) e Rio Grande do Sul, ocorridos em 2015, 2019, 2023 e 2024, respectivamente. Em Mariana, o rompimento da barragem da Samarco causou a morte de 19 pessoas e o despejo de milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, afetando comunidades e ecossistemas locais. Em Brumadinho, o rompimento da barragem da Vale resultou na morte de 272 pessoas e em danos ambientais significativos. Além disso, em fevereiro de 2023, São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, enfrentou deslizamentos de terra que resultaram em 65 mortes, evidenciando os impactos devastadores de desastres naturais exacerbados por ações humanas. As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 resultaram em 183 mortes, 27 desaparecidos e cerca de 806 feridos, atingindo 470 cidades, sobrecarregando as bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí. Esses crimes ambientais evidenciam que é uma questão de vida ou morte promover mudanças nos processos econômicos, culturais e políticos que ampliem a transparência, o compartilhamento de saberes, o envolvimento territorial e a gestão democrática na produção e consumo de produtos e serviços, resultantes do "Trabalho Justo, Digno, Solidário, Saudável e Seguro", com proteção das terras, das águas, do ar, das florestas e de todos os biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampa e marinho, permitindo-nos agir de forma mais racional e sustentável. Ao integrar essas iniciativas, o cooperativismo de plataformas com tecnologias sociais e livres, vai desempenhar um papel crucial na construção de uma sociedade mais justa, sustentável e resiliente, capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e promover o bem-estar coletivo. O matemático John Nash, ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1994, superou as ideias de Adam Smith ao demonstrar que a cooperação é mais eficaz do que o individualismo e a competição. Nash introduziu o conceito de que um indivíduo maximiza seus ganhos quando age em benefício próprio e, simultaneamente, em benefício coletivo, considerando as ações das demais pessoas. Essa perspectiva reforça a viabilidade de modelos colaborativos e cooperativos, como a economia solidária e o software livre, que se mostram mais sustentáveis em comparação às estruturas empresariais tradicionais. Ao combinar tecnologias digitais transparentes com práticas cooperativas, essas abordagens promovem uma economia baseada em autogestão, sustentabilidade e democracia no ambiente de trabalho. O conceito de Equilíbrio de Nash, da teoria dos jogos, ilustra como a cooperação estratégica pode gerar resultados vantajosos para todos os envolvidos, superando a competição individualista e favorecendo resultados coletivos. O Equilíbrio de Nash descreve uma situação em que, em um jogo finito, todos os jogadores alcançam um resultado estável e mutuamente satisfatório, levando em conta as decisões dos demais participantes. Nesse contexto, nenhum jogador pode melhorar seu resultado individual ao alterar unilateralmente sua estratégia, desde que as escolhas dos outros permaneçam as mesmas. Por outro lado, quando cada pessoa age de forma individualista e unilateral, buscando maximizar exclusivamente seus interesses sem considerar os impactos sobre os demais, o resultado frequentemente é desequilibrado: muitos acabam perdendo, enquanto apenas poucos obtém ganhos significativos, como ocorre nos modelos de concorrência extrema. O livro "Economia Solidária Digital" (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Agosto/mte-apoia-livro-sobre-politicas-sociais-de-economia-solidaria-digital/livro_economia_digital_solidaria_v2_comprimido.pdf) é uma publicação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes), do Laboratório de Pesquisa DigiLabour e da Fundação Rosa Luxemburgo. Lançado em agosto de 2024, o livro aborda as possibilidades de articulação entre software livre, economia solidária e economia digital, apresentando exemplos práticos em linguagem acessível. A obra destaca iniciativas que promovem governança democrática, o uso de dados para o bem comum e tecnologias livres geridas por comunidades, aplicáveis em setores como transporte, cultura, tecnologia, cuidados e agricultura familiar. O principal objetivo desta publicação é servir como material de formação para trabalhadores, servidores públicos e agentes da economia popular e solidária que desejam se atualizar sobre o tema. Além disso, busca fomentar o debate sobre a construção de alternativas no âmbito da economia digital, enfatizando a importância de modelos que priorizem dignidade, sustentabilidade e colaboração. O esforço da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária em debater como as tecnologias livres podem potencializar a economia solidária demonstra o compromisso do Governo Lula em transformar o Brasil em uma referência global em Economia Solidária Digital. Diante disso, é fundamental avançar na constituição de um Grupo de Trabalho entre a SENAES, ativistas e organizações que atuam no movimento de software livre, trabalhadores, empreendimentos, redes e cooperativas de plataforma, a fim de formular uma estratégia para o desenvolvimento de políticas públicas para a Economia Solidária Digital com potencial emancipatório.     *Everton Rodrigues é integrante do Movimento ANTIfascismo e do Time Lula. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Discurso, transparência e mediocridade: Lacan e o zelador mentiroso

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Discurso, transparência e mediocridade: Lacan e o zelador mentiroso
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  Por SANDRA BITENCOURT GENRO* Aa pessoas sofrem. A sua existência lhes interroga permanentemente. É preciso dar rumo aos desejos e solucionar paradoxos. Mas há sempre algo de enigmático nas relações humanas e na linguagem da qual essas relações se valem. É uma característica especificamente humana o habitar uma linguagem polissêmica, ou seja, da qual podem emanar vários sentidos. Não há possibilidade de dialogar com total transparência, sem qualquer filtro ou censura, em forma e conteúdo. É impraticável não omitir rigorosamente nada. Qualquer relação humana submetida a essa forma de falar simplesmente explodiria, não apenas com relação ao outro, mas com relação a si próprio, às contradições de cada um e aos desejos inconfessáveis, incongruentes que cada um carrega. Imaginem um regime social em que o inconsciente violento é acessado permanentemente. Em que se pode manifestar tudo, sem limites. Talvez nenhuma outra área tenha sido tão afetada pelas mudanças tecnológicas e comportamentais como a comunicação. Essa sensação de caos e loucura nos leva a nos aproximar da psicanálise, campo que pratica um tipo de escuta impossível em qualquer outro ambiente. A psicanálise, segundo Lacan, é uma experiência de fala e operação no registro simbólico, que também inclui o silêncio. Ela nos socorre para tentar compreender os desejos, as condutas, os sentidos e posicionamentos que tanta estranheza causam. Não faltam exemplos de coisas bizarras que espantam e que hoje compõe o repertório do debate público. E que arrecadam cliques ou, pior dos horrores, juntam votos. Lacan distinguiu três registros da realidade humana e da prática analítica: o imaginário, o simbólico e o real. A linguagem pertence à ordem simbólica e é a que permite as trocas humanas, como o pacto, a traição, a política, a vida familiar, a academia, o trabalho remunerado etc. Para o psicanalista francês do início do século passado, a verdade é o significado mestre do seu ensino, mas ela não tem nada a ver com a exatidão. A verdade não é dizer o que é, não é a adequação da palavra e da coisa, a verdade depende do discurso, nos diz Lacan. E, portanto, estamos nesta quadra da história numa experiência coletiva de manipulação da verdade, com discursos medonhos, comportamentos bárbaros e violência permanente. Tudo se admite, adquire sentidos que alimentam os apetites pornográficos do capital e dos grupos sociais sem honra e sem vergonha da ostentação. Mesmo as guerras, as chacinas de crianças, o extermínio de povos e etnias adquirem justificativa. Há um discurso e há verdades fabricadas para isso. Dane-se a exatidão dos fatos e o descarte de valores básicos. Como também apontou Lacan, é muito curioso que não se saiba que a palavra serve igualmente para a verdade e para a mentira. E é muito possível que sirvam para a mentira com mais frequência do que para a verdade. Mas as mentiras vão sendo moldadas justamente com a falta de exatidão. Vamos a alguns exemplos recentes aqui na nossa província. Que não padece de uma guerra, mas nem por isso não conte escombros e não colecione manipulações. No primeiro dia do ano de 2025, Porto Alegre viu tomar posse um dos principais responsáveis pela extensão da destruição que os fenômenos climáticos causaram na cidade. Essa posse se deu sem luz e sob alagamento. Quase uma ironia simbólica para a data, não fosse o fato que com qualquer chuva, em qualquer dia, as ruas enchem e falta luz. Uma nova realidade, que conforme fomos catequisados, não devemos cobrar responsáveis, nem olhar para trás. O valente prefeito, zelador servil das corporações donas da cidade, fez o que? Discursou em defesa do direito a atacar a democracia, coisa que chamou de liberdade. Qual foi a manchete do outrora principal jornal da região? Digo outrora por que agora dá preferência a pequenos textos opinativos e de autoajuda, com um espaço reduzido para notícias e jornalismo. Bem, qual a manchete? “É um prefeito mais casca dura”. A defesa da ditadura ou do direito a defendê-la foi notícia nacional. Francamente a tal controvérsia até me parece manobra retórica para ocultar de fato o que deveria causar choque: a cidade segue alagando, às escuras, e há uma deliberada ação para erodir as capacidades estatais e assim vender (ou doar) o exemplar sistema público de água e esgotos para a iniciativa privada. O jornal reagiu com editorial contundente, dois dias depois. Clamando respostas mais rápidas da administração, disse que a posse foi no mínimo constrangedora para o novo mandato e que não é mais admissível a velha enxurrada de desculpas. Uma semana depois, na versão digital, por ocasião do Globo de Ouro conquistado pela atriz Fernanda Torres com o filme Ainda estou aqui, novo editorial em que sem mencionar a fala do prefeito diz “o reconhecimento é oportuno num momento em que muitos brasileiros, por ignorância ou radicalismo político, continuam flertando com o autoritarismo sob a falsa premissa de que “naquela época era melhor. Não era”. Já é um começo. Devemos saudar quando a palavra busca a verdade e se baseia em maior exatidão. Confesso que muitas vezes padeço da tentação de eliminar filtros e dizer exatamente o que penso de um prefeito que pratica o negacionismo sanitário e climático. Mas compreendo que é recomendável frear impulsos, suspender o bizarro, evitar palavrões e democraticamente dizer apenas que é criminoso o discurso antidemocrático e inaceitável o abandono da cidade.       *Sandra Bitencourt Genro é Doutora em comunicação e informação, jornalista, pesquisadora e professora universitária. Foto de capa: IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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