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Opinião

É POSSÍVEL QUALIFICAR O PLANEJAMENTO E A GESTÃO MUNICIPAL?

É POSSÍVEL QUALIFICAR O PLANEJAMENTO E A GESTÃO MUNICIPAL?

Artigo por RED
30/03/2024 05:30 • Atualizado em 02/04/2024 19:34
É POSSÍVEL QUALIFICAR O PLANEJAMENTO E A GESTÃO MUNICIPAL?

De CARLOS ÁGUEDO PAIVA*

No ano de 2022, a Rede Estação Democracia (RED) e o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara (PPGDR-FACCAT) organizaram aquele que, muito provavelmente, foi o maior e mais importante Seminário sobre Desenvolvimento Regional já realizado no Rio Grande do Sul. O tema ordenador dos debates no Seminário de 2022 foi a evolução das desigualdades regionais no RS e as políticas de enfrentamento deste grave problema do Estado ao longo de mais de 50 anos. Foram convidados como expositores pessoas que estiveram à frente das principais políticas de desenvolvimento regional no Rio Grande do Sul. Referimo-nos a pessoas com Joal de Azambuja Rosa (Presidente da Fundação de Economia e Estatística nos Governos Amaral de Souza e Jair Soares), Claudio Accurso (Secretário do Planejamento no Governo Pedro Simon), João Gilberto Coelho (Vice-Governador e Secretário de Ciência e Tecnologia do Governo Alceu Collares), Maria Alice Lahorgue (Secretária Adjunta do Desenvolvimento no Governo Alceu Collares), Vicente Bogo (Vice-Governador no mandato de Antônio Britto), Telmo Rudi Frantz (Secretário de Ciência e Tecnologia do Governo Antônio Britto), João Carlos Brum Torres (Secretário do Planejamento dos Governos Antônio Britto e Germano Rigotto), Carlos Henrique Horn (Presidente do BRDE nos Governos Olívio Dutra e Tarso Genro), Renato de Oliveira (Secretário de Ciência e Tecnologia no Governo Olívio Dutra e Secretário Adjunto do Desenvolvimento Econômico do Governo José Ivo Sartori), Ário Zimmermann (Secretário da Fazenda no Governo Germano Rigotto), Rogério Porto (Secretário Especial de Irrigação no Governo Yeda Crusius), Odir Tonollier (Secretário da Fazenda no Governo Tarso Genro), Sergio Kapron (Diretor da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento no Governo Tarso Genro), Junico Antunes (Secretário Adjunto do Desenvolvimento do Governo Tarso Genro), Jorge Tonetto (Secretário Adjunto da Fazenda no Governo Eduardo Leite) e Antonio Cargnin (Secretário Adjunto do Planejamento no Governo Eduardo Leite). Além dessas pessoas – que nos contemplaram com o registro oral e escrito das políticas de desenvolvimento de cuja formulação participaram ao longo deste largo período – foram convidados pesquisadores e estudiosos do tema do planejamento, que fizeram a avaliação crítica dos programas e planos encetados, salientando seus limites, seus sucessos, seus problemas e suas realizações. O conjunto do Seminário de 2022 encontra-se disponível em vídeo (nos sites da RED e da FACCAT). O Seminário também gerou um livro com a degravação das falas dos palestrantes e com uma avaliação pormenorizada dos principais resultados dos debates. O livro também está disponível para download e leitura dos interessados nos sites das instituições promotoras do evento (aqui e aqui).

O Seminário de 2022 teve por foco uma avaliação crítica das experiências passadas. Dois anos mais tarde, em 2024, a RED e o PPGDR-FACCAT, estão organizando um novo Seminário sobre Desenvolvimento Regional. Mas, à diferença do Seminário de 2022, o foco do Seminário de 2024 será o futuro. Aproveitando o ensejo das eleições municipais desse ano, decidimos tomar como tema uma questão que nos parece ser da maior importância: a contribuição das Ciências Sociais Aplicadas – Economia, Administração, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Direito e Contabilidade – para o Planejamento e a Gestão Municipal. 

Nosso ponto de partida é uma das conclusões do Seminário de 2022: o reconhecimento de que, a despeito de todos os esforços já realizados, ainda há muito o que realizar com vistas a aproximar a produção científica-universitária das práticas de gestão pública e privada. O alerta para este problema esteve no centro da avaliação crítica de diversas iniciativas de promoção do desenvolvimento regional e enfrentamento das desigualdades no Seminário de 2022. Mas, do nosso ponto de vista, quem melhor tratou do problema foi a Professora da UFRGS e ex-Secretária Adjunta do Desenvolvimento do Estado do RS, Maria Alice Lahorgue (sua exposição encontra-se reproduzida a partir da página 136 do e-book). Analisando o papel das Universidades Estaduais no Planejamento Territorial (a partir da constituição dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento no RS) e na Extensão Empresarial (a partir de programas governamentais como os Polos de Modernização Tecnológica, o Porto Alegre Tecnopole, e o Extensão Empresarial), Maria Alice chamou a atenção para a dificuldade das Universidades em responder adequadamente às expectativas e demandas de agentes públicos e privados. Esta dificuldade estaria associada, antes de mais nada, ao fato de que, como regra geral, as demandas das municipalidades e das pequenas e médias empresas são singulares (específicas, diferenciadas) e não podem ser enfrentadas da forma que, teoricamente, seria a mais adequada; pois vêm associadas a sérias circunscrições fiscais, financeiras, culturais, bem como dos limites de qualificação e conhecimento técnico dos recursos humanos das organizações políticas e produtivas. Esta é uma realidade muito distinta da realidade dos laboratórios e centros de pesquisa das Universidades. O que complexifica sobremaneira o diálogo entre as organizações da sociedade civil e as Universidades. 

Não obstante, a avaliação de todos os palestrantes do Seminário de 2022 foi a de que as experiências de Extensão Universitária foram – e continuam sendo – extremamente benéficas, seja para os Conselhos Regionais de Desenvolvimento, seja para as Pequenas e Médias Empresas no RS, que tomam contato com novas tecnologias e padrões de gestão e de planejamento, seja para as próprias Universidades, que passam por um processo de aprendizagem acerca da realidade externa e dos problemas objetivos das firmas e municipalidades. 

Esta avaliação da interação entre Universidades e Organizações da Sociedade Civil parece-me absolutamente correta e pertinente. Falo, agora, como indivíduo. Até aqui, minha exposição tinha um caráter institucional. E explico-a: sou, simultaneamente, professor do PPGDR-FACCAT e contribuinte da RED, seja como associado de sua mantenedora, seja como articulista com publicações quinzenais neste veículo. Fui o Coordenador Técnico do Seminário de 2022 e estou coordenando a estruturação do Seminário de 2024. Mas, para além destas funções e atividades, também sou diretor de uma firma voltada à consultoria econômica, com ênfase no desenvolvimento municipal e regional. Costumo dizer que sou professor por paixão, e consultor por obrigação: tornei-me consultor exatamente pela percepção de que não poderia ensinar meus alunos a “planejarem o desenvolvimento local” sem que eu mesmo tivesse experienciado este desafio. E não me arrependo da decisão. Não sei se aprendi mais com os livros ou com a prática da consultoria. Mas sei, isto sim, que ambos são condição sine qua non da boa gestão. Um exemplo muito simples pode ajudar na compreensão desta questão.

Um tema recorrente nas demandas que recebo como consultor de gestores municipais diz respeito às políticas mais eficazes para ampliar a renda e o emprego no território sob sua jurisdição. O mais interessante é que, como regra geral, os gestores não apenas têm hipóteses sobre o melhor método para alcançar este objetivo, como são bastante apegados às mesmas. Ainda que, também como regra geral, elas sejam profundamente equivocadas. No que diz respeito à geração de postos de trabalho e ampliação da renda, uma hipótese bastante difundida é a de que seria preciso estimular o empreendedorismo através do financiamento (via microcrédito ou similar) para a aquisição de instrumentos de trabalho. Procuro explicar para os gestores municipais que os Micro Empreendimentos Individuais (MEI) voltam-se, como regra geral, ao atendimento do mercado local, do município, e este é um mercado restrito. Exemplo: se, hoje, há 10 vendedores ambulantes de cachorro-quente e/ou sanduiches em um ponto de grande circulação (como a rodoviária ou a praça central da cidade), o fato de que emerjam outros 10 vendedores do mesmo produto (ou de similares: algo para comer) não irá ampliar a demanda por lanches. A única consequência será a queda da quantidade vendida por cada ofertante e o acirramento da concorrência entre cada um dos vendedores. Com o acirramento da concorrência, não haverá apenas queda da quantidade vendida por cada um: os preços também cairão. De forma que, ao fim e ao cabo, o rendimento de cada um dos 20 vendedores será inferior à metade do rendimento dos 10 vendedores que ocupavam o “ponto” inicialmente. 

Diferentemente, existem atividades que podem abrigar um número maior de produtores e, dessa forma, passarem por uma ampliação da quantidade ofertada sem que o mercado seja “saturado”. Quais são essas atividades? Aquelas que se voltam para um mercado maior do que o do próprio município, as atividades nas quais o município é especializado e cuja produção volta-se para outras municipalidades. Esse é o caso, via de regra, da produção agrícola dos pequenos municípios. Um segmento que, normalmente, é percebido como “tradicional, atrasado, e incapaz de alimentar um crescimento sustentável”. O que muitos gestores não se dão conta é que, se a renda dos agricultores familiares crescer, a demanda sobre o comércio local em geral (inclusive de sanduiches e cachorros-quentes) crescerá. Muito mais do que cresceria com uma política de ampliação da oferta de bens comercializáveis e da concorrência entre comerciantes.

Este exemplo é bastante singelo e, acredito, muitos dos leitores desse texto tem domínio desses princípios elementares de teoria econômica. Mas nossa intenção aqui não é fazer uma discussão aprofundada das políticas de mais eficazes de desenvolvimento local. Em outros trabalhos publicados nesse mesmo veículo apresentamos algumas dessas ideias, como, por exemplo, aqui. O que nos interessa, agora, é apenas reafirmar que elementos teóricos que podem ser triviais dentro do debate acadêmico ainda são desconhecidos por parcela não desprezível dos gestores públicos, bem como de candidatos a gestores. Igualmente bem, a Academia tem muito o que aprender num diálogo com gestores municipais. O diálogo entre Universidade e Gestores Municipais apresenta um enorme potencial para a qualificação recíproca, tanto da produção teórica dos centros de docência, pesquisa e extensão, quanto para a qualificação da gestão pública. E essa é exatamente a nossa intenção com o Seminário de 2024: aprofundar este diálogo. 

Para tanto, a RED e a FACCAT estão tentando ampliar a gama de realizadores do Seminário deste ano. Já entramos em contato com a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul, a FAMURS, e estamos avaliando a possibilidade de termos uma reunião formal de representantes da RED e da FACCAT com a diretoria dessa entidade na primeira ou segunda semana de abril. Igualmente bem, entramos em contato com o Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR), da UFRGS, com quem o PPGDR-FACCAT tem um convênio para desenvolvimento de atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão. O PROPUR é o mais antigo Programa de Pós-Graduação com foco no Desenvolvimento Urbano e Territorial do Rio Grande do Sul, e conta com um acervo de pesquisas e conhecimentos inigualável sobre o tema em nosso Estado. 

Com vistas a qualificar nossa proposta de trabalho conjunto, oferecemos uma versão preliminar de temas para o Seminário de 2024. Ele contaria com 10 mesas temáticas, para além das Mesas de Abertura e Encerramento, com os representantes das entidades organizadoras. Os temas de cada mesa (bem como as datas previstas) seriam os seguintes: 

  1. Os municípios podem promover seu desenvolvimento a partir de recursos endógenos? Como enfrentar e superar as circunscrições fiscais? Como gerar emprego e renda? (1º. de julho)
  2. As diferenças de Escala: os desafios específicos na gestão de Municípios Rurais, de Cidades de Porte Médio e das Regiões Metropolitanas (2 de julho)
  3. Política Industrial: atração e/ou incubação de empresas X qualificação técnica e gerencial das empresas já existentes: qual a estratégia mais eficaz? (3 de julho)
  4. O papel dos Serviços e da Economia Criativa no Desenvolvimento das Cidades (8 de julho)
  5. A questão da Educação: a dialética entre educação para a vida e para o trabalho (9 de julho)
  6. “Estratificação socio-territorial & Especulação Imobiliária” X “Planejamento, Integração Social & Mobilidade Urbana” (10 de julho)
  7. A questão da habitação nos municípios brasileiros: segregação e precariedade: há solução? (15 de julho)
  8. Saneamento, Saúde e Sustentabilidade (16 de julho)
  9. Experiências bem sucedidas de promoção do desenvolvimento socioeconômico municipal (17 de julho)
  10. Políticas de Estado: como consolidar projetos e enfrentar as descontinuidades das políticas públicas com a troca de gestores? (18 de julho)

 

Cada uma das mesas contará com 4 ou 5 palestrantes, que terão 15 minutos para suas exposições preliminares. O período restante (de um total de duas horas) será destinado ao debate entre os palestrantes e ao atendimento de perguntas e demandas do público. O Seminário será realizado em plataforma virtual, com a participação de convidados de todo o país e do exterior. Está assegurada a indicação de pelo menos um palestrante para cada uma das entidades organizadoras que, esperamos, sejam a RED, o PPGDR-FACCAT, o PROPUR-UFRGS e a FAMURS. A expectativa é de que os debates gerem contribuições efetivas para a construção de programas de governo para as eleições municipais do ano de 2024 e (vindouros) não apenas no RS, mas no conjunto do país. Com vistas a garantir a preservação da memória desse evento, todas as mesas serão gravadas e ficarão à disposição para audiência nos sites da RED e da FACCAT. Tal como em 2022, as falas serão degravadas e sistematizadas em um e-book que será disponibilizado gratuitamente a todos os interessados. 


*Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica e Professor do PPGDR-Faccat.

Imagem em Pixabay.

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