Noticia

Comunicação transparente: o desafio de Sidônio

Destaque

Comunicação transparente: o desafio de Sidônio
RED

Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Nas conversas anteriores ao aceite para ser o secretário de Comunicação da Presidência, o publicitário Sidônio Palmeira perguntou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Qual é o seu horizonte na Presidência? Dois anos ou seis?" Se o horizonte for dois anos, ponderou Sidônio, não é preciso fazer nada de novo: dois anos o mandado conquistado já garante. Mas se o horizonte for estar de fato competitivo para um segundo mandato, ponderou, então há diversas coisas a serem mudadas. Sidônio já começou a fazer mudanças na prática. E os vídeos nos quais o próprio Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desmentem taxação do PIX já fazem parte da nova estratégia. Falas claras, dirigidas diretamente às pessoas.   Sem taxa No vídeo de Lula, ele aparece no Palácio do Planalto usando um casaco do Corinthians. Faz, então, um PIX de pouco mais de R$ 1 mil para "ajudar as finanças" do seu time de coração. E demonstra ali, claramente, que nenhuma taxa adicional foi cobrada na operação.   Além do Palácio Há um problema sério, porém, que Sidônio já identificou, como ele mesmo declarou, e precisa resolver. Não é só a comunicação do Planalto que é ruim. É ruim em todo o governo. E se ela não for integrada e aperfeiçoada, o governo seguirá apanhando.   Site de empresa que gere mais de R$ 5 bi é exemplo Na comunicação, empresa de Pimentel é fantasma | Foto: Instagram     Um exemplo veemente dos problemas de comunicação pode ser acessado no endereço emgea.gov.br. Trata-se do site da Empresa Gestora de Ativos (Emgea), presidida pelo ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel e vinculada ao Ministério da Fazenda.Ela gerencia mais de R$ 5 bilhões decorrentes do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS). Além da gestão dos seus próprios ativos, ela também propõe soluções para terceiros. Como a Emgea faz isso? O que ela faz com os recursos que administra? Como isso retorna para a União? As ferramentas de comunicação da empresa estão longe de responder.   Sem contatos A Emgea não tem sequer uma assessoria de comunicação. Se tem, não há nenhum telefone de contato ou e-mail no site. A página tem apenas um e-mail da sua ouvidoria que está desativado. Remete a uma resposta automática que recomenda contato com o Fala.BR.   Sem telefone O único telefone disponível no site é um número de 0800. A última notícia publicada no site data do dia 31 de janeiro de 2023, ou seja de um mês somente depois do início do atual governo. Com uma declaração ainda do presidente anterior, Rodrigo Brandão.   Transparência Tudo parece levar a crer que não há um interesse real em tornar pública e transparente a atividade de uma empresa estatal que gerencia R$ 5 bilhões. Alguém poderia argumentar que a empresa não está interessada nos meios tradicionais de comunicação.   Redes sociais O que já seria um erro. Mas a Emgea não está também nas redes sociais. O Correio Político encontrou apenas um perfil, identificado como "não oficial", no Facebook. Mas nunca foi feita uma postagem sequer nele. No Instagram, é mencionada em outros perfis.       *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade   Publicado originalmente no Correio da Manhã Foto de capa: No lugar de Pimenta, Sidônio terá trabalho |  Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

Artigo

Um ano letal para a atuação do jornalismo

Destaque

Um ano letal para a atuação do jornalismo
RED

Por EDELBERTO BEHS* No Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro passado, a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) anunciava a morte de 104 jornalistas no ano de 2024. Terminado o ano, novo informe teve que ser divulgado, porque em 21 dias de dezembro a lista aumentou mais 18 nomes. O ano concluiu com 122 jornalistas mortos, dentre eles 14 mulheres. O organismo lamenta que 2024 tenha sido um dos anos mais mortíferos para profissionais da imprensa. O relatório teve que ser atualizado com o registro de novas mortes, principalmente no Oriente Médio: nove na Palestina e dois na Síria. No ano, a região acusou a morte de 77 jornalistas. Desde o início da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, o número de jornalistas palestinos mortos chega a 147 casos. Em segundo lugar, na lista macabra, aparece a região da Ásia-Pacífico, com 22 casos, outros dez na África. As Américas tiveram nove casos: cinco no México, dois na Colômbia e dois no Haiti. Como em anos anteriores, assinala a FIJ, jornalistas da região sofrem ameaças, intimidações, sequestros e assassinatos por causa das denúncias sobre o tráfico de drogas. Na Europa, a guerra na Ucrânia fez quatro vítimas no ano que passou. Mas a região continua o continente mais seguro para trabalhadores da imprensa. Em comparação a anos anteriores, o número de jornalistas presos aumentou consideravelmente. Foram 375 em 2022, 427 em 2023 e 516 no ano passado. A China, incluindo Hong Kong, é a maior prisão do mundo para jornalistas, com 135 detidos em 2024, seguido por Israel, com 59 jornalistas palestinos, e de Mianmar, com 44. A América Latina teve apenas um jornalista preso em 2024.       *Edelberto Behs é Jornalista, Coordenador do Curso de Jornalismo da Unisinos durante o período de 2003 a 2020. Foi editor assistente de Geral no Diário do Sul, de Porto Alegre, assessor de imprensa da IECLB, assessor de imprensa do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Porto Alegre, e editor do serviço em português da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC). Foto de capa: iStock/iStock Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

Cultura

No Fio da História: biografia de Leonel Brizola  será lançada em março deste ano

Destaque

No Fio da História: biografia de Leonel Brizola será lançada em março deste ano
RED

Livro do jornalista Cleber Dioni Tentardini é resultado de vinte anos de pesquisas, entrevistas e reportagens. Leonel de Moura Brizola não é uma personalidade que se encaixe nos padrões tradicionais dos políticos. Carismático, arrojado, seria o clássico demagogo, que cativa a massa instintiva e instantaneamente. Mas não era isso. Era um gestor, um planejador, um realizador, tudo isso temperado por uma capacidade de trabalho descomunal e uma refinada sensibilidade para a questão social. Deputado estadual, deputado federal, prefeito de Porto Alegre, governador do Estado, em dez anos – de sua estreia em 1947 à eleição espetacular de 1958. Brizola pagou o preço de permanecer fiel ao povo de onde emergiu. Se o tivessem apanhado nos dias do golpe de 1964, ele teria sido morto. Voltou ao Brasil depois de 15 anos de exílio e perseguições que nunca cessaram, para retomar o fio de sua trajetória. Foi duas vezes governador do Rio de Janeiro, mas as elites mais uma vez o impediram de chegar à presidência da República. Pois, esse personagem fascinante da história do Brasil vai ganhar uma biografia, muito bem ilustrada, resultado de, pelo menos, duas décadas de pesquisas, entrevistas e reportagens feitas pelo jornalista gaúcho Cleber Dioni Tentardini. O lançamento, pela D’fato Editora Jornalística, está previsto para março deste ano. No Fio da História, a vida de Leonel Brizola teve edição minuciosa de João Borges de Souza, a quem é feita uma homenagem a sua memória, e a contribuição decisiva de jornalistas e editores como Elmar Bones da Costa e Fernando Brito. O autor foi a campo vasculhar arquivos históricos, museus, bibliotecas, secretarias de escolas, igrejas e cartórios, até reconstituir a vida dos pais do menino que se tornou Brizola e da região onde nasceu e cresceu no Norte do Rio Grande do Sul. Tentardini foi o único a entrevistar os irmãos de político e a sobrinha, criada como sua irmã. Também encontrou outros familiares, colegas e professores das séries iniciais, amigos de infância, todos já falecidos. Localizou, inclusive, a senhora que trouxe Brizola de trem, aos 14 anos, do Interior para a capital gaúcha. E, recentemente, foi quem trouxe a público, pela primeira vez, parte da história da mais nova e única filha viva do ex-governador, cuja paternidade não foi reconhecida pela Justiça. Outras revelações ficaram reservadas para o livro. A obra está recheada de curiosidades, vitórias, derrotas, decepções, amores, fúrias, perseguições, reconciliações, conchavos, e dezenas de fotos, antigas e atuais, charges e reproduções de jornais, inclusive um achado inédito, guardado em cofre: a histórica metralhadora com que o governador gaúcho se movimentava no Palácio Piratini durante o Movimento da Legalidade, o maior acontecimento político que sacudiu o Brasil após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. O livro remonta cenários e esclarece passagens marcantes da política nacional e internacional através de entrevistas e valiosos trabalhos acadêmicos, divulgados recentemente, e das memórias inabaláveis de jornalistas como Flávio Tavares e Carlos Bastos, e de militares como Emilio Neme e Pedro Alvarez. A obra já está sendo vendida com preço promocional de pré-lançamento, de R$ 80,oo por R$ 65,oo. Informações pelo e-mail dfatoeditora@gmail.com.     Foto de capa: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

Artigo

Trabalho de base nas vilas: algumas perspectivas

Destaque

Trabalho de base nas vilas: algumas perspectivas
RED

Por FABIANO NEGREIROS* "Precisamos transformar os discursos em prática na melhor compreensão da pedagogia do exemplo de Ernesto Che Guevara". Se existe alguma leitura de conjuntura inquestionável é aquela que atesta a crise de representatividade que vive a esquerda no Brasil e no mundo. As causas são inúmeras, e tampouco é minha intenção abordá-las neste breve texto. O que me motiva a escrever essas linhas é justamente sobre o verdadeiro “mantra” que se tornou a questão do trabalho de base, no qual a unanimidade em defender a sua necessidade é inversamente proporcional à sua efetividade a partir de uma proposta minimamente adequada à realidade dos territórios. Se por um lado temos muitos discursos em defesa do trabalho de base, por outro lado pouco se fala sobre como efetivamente fazer e aplicá-lo nos territórios. Logo, é sobre essa perspectiva que procurarei apresentar algumas ideias. Geralmente quando se fala no trabalho de base se parte de uma premissa equivocada, a qual é possível traduzi-la na seguinte reflexão: “precisamos falar sobre política com o povo”. Essa abordagem me parece apresentar uma espécie de equívoco cronológico, ou seja, ignora uma questão fundamental e anterior: como criar as condições objetivas e subjetivas que levem à construção de uma relação de confiança para no momento oportuno tratar de questões de natureza política em seu aspecto amplo, como, por exemplo, a fundamental necessidade de organização do povo pelo próprio povo para ocupar uma posição de protagonismo na luta contra as desigualdades que lhes atingem tão ferozmente. Nesse sentido, as condições objetivas estão representadas pela premissa que me parece elementar: estar fisicamente nos territórios a partir de um verdadeiro sentimento e interesse de vivência e convivência com os moradores das vilas que possibilite uma relação de interação e fraternidade forjada pelos sentimentos mais altruístas possíveis que levará a um reconhecimento mútuo pelo convívio intenso e de longo prazo. Nas palavras de Eduardo Galeano: “Não conheço felicidade maior que a alegria de me reconhecer nos demais”. Em relação às condições subjetivas, temos a perspectiva do conteúdo, ou seja, estando nos territórios, o que fazer lá? Nesse sentido, é decisivo partir de vivências cotidianas e projetos de natureza profundamente significativas para a disputa de sentidos dos moradores, por exemplo, iniciativas voltadas ao esporte, cultura, costura, computação etc. Dessa forma, favorecendo um campo mais fértil para o interesse coletivo de participação nesses projetos. A partir da relação entre essas condições apresentadas, surge a inevitável pergunta: quem são as pessoas dispostas a construir um verdadeiro exército de militantes para conviver e militar nos territórios de forma organizada e articulada? Se pensarmos apenas no número de filiados dos partidos de esquerda em Porto Alegre temos uma possibilidade concreta. Estamos falando de milhares de pessoas com as mais variadas formações cognitivas que representam um imenso potencial para formar esse grande exército de militantes. Os partidos, bem como os movimentos sociais progressistas, têm responsabilidade decisiva para o convencimento e mobilização de seus quadros para uma retomada histórica dos espaços que outrora já foram ocupados e que contribuíram para um momento histórico de significativa organização popular. Não tenho dúvidas de que o trabalho de base precisa ter como marca indelével o protagonismo dos territórios. Todavia, para esse protagonismo é fundamental a construção coletiva com todas e todos que acreditam na possibilidade de construção de um mundo mais igualitário. Obviamente, que esse breve texto não pretende de forma alguma esgotar o assunto, mas trazer algumas perspectivas que ajudem a construir um caminho concreto para a construção do trabalho de base que até o presente momento conta apenas com iniciativas elogiáveis, mas esparsas e desarticuladas entre si, e muito aquém do desafio quantitativo que vivemos na conjuntura política contemporânea. Precisamos transformar os discursos em prática na melhor compreensão da pedagogia do exemplo de Ernesto Che Guevara. Do contrário, seguiremos tergiversando sobre o tema que até o momento não fez outra coisa senão ajudar a direita a seguir inserindo-se cada vez mais nos territórios. Publicado originalmente Brasil de Fatohttps://www.brasildefators.com.br/2024/12/26/trabalho-de-base-nas-vilas-algumas-perspectivas *Fabiano Negreiros é Militante comunitário.   Foto de capa:  Foto: Caroline Ferraz/Sul21 Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Artigo

Flávio Dino e a sucessão (IV)

Destaque

Flávio Dino e a sucessão (IV)
RED

Por J. CARLOS DE ASSIS* O sistema partidário brasileiro é disfuncional. Dividido em 29 partidos legalizados, com bancadas de 513 deputados e 81 senadores no Congresso, não constitui uma base institucional firme para assegurar governabilidade ao País. O presidente Lula teve de fazer uma verdadeira colcha de retalho partidária a fim de estabelecer alianças que lhe assegurassem um mínimo de apoio no Legislativo para governar. Isso não representa nada em termos de um projeto político nacional. Cada ministro constitui um braço independente do Executivo. Responde mais aos interesses de seu partido do que ao interesse geral. E os interesses de seu partido nem sempre são republicanos. No mínimo, são paroquiais. Em geral, o ministro, que é um parlamentar, dedica-se principalmente a sua reeleição. Isso fragmenta a estrutura do governo e sabota o princípio de planejamento único da ação governamental, que é violado sobretudo pelo uso generalizado das emendas parlamentares. O exercício do governo não reflete um consenso nacional de prioridades. São iniciativas picotadas, do Executivo ou do Legislativo, negociadas pontualmente sem um sentido de coerência com um programa comum. Diante de cada projeto de lei os grupos parlamentares avaliam seus interesses fisiológicos e suas alianças na sociedade civil, que estabelecem as decisões majoritárias do parlamento. Ao Executivo cabe aprovar ou vetar, e mesmo seu veto não corresponde a uma decisão definitiva, pois está sujeito à aprovação legislativa. Diante disso é um milagre que haja ainda um resíduo de governabilidade e de funcionalidade governamental no País. Isso se deve quase exclusivamente às qualidades de Lula como negociador. Contudo, a arte da negociação consiste muitas vezes em ceder posições, o que implica sacrificar objetivos e princípios. No limite, é um risco, pois a posição do negociador pode não ser bem compreendida pela opinião pública, e sua credibilidade pode ficar em risco. Esse risco pode ser menor se surgir um líder que assuma valores que não possam ser questionados pelas classes dominantes, pelas elites e pela opinião pública, e cuja defesa seja constatada na ação concreta, e não na retórica. É nesse sentido que vejo no ministro Flávio Dino um candidato viável à Presidência, se Lula não concorrer à reeleição. Ele não está anunciando para o futuro que vai combater a corrupção das emendas parlamentares secretas, que se tornaram odiadas e repudiadas por toda a sociedade. Ele já está combatendo a corrupção parlamentar de público, com ampla cobertura da mídia, atraindo para si uma enorme simpatia. A tradição política brasileira, cujos exemplos mais recentes de políticos que se apresentaram como grandes combatentes contra a corrupção, traz à memória, principalmente, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Uma vez eleitos, revelaram-se notórios corruptos. Não estou garantindo que Dino também não o seja ou venha a ser. Estou dizendo que ele já se apresenta como combatente contra a corrupção de alta credibilidade, não pela retórica ou pela demagogia, mas pela ação. A luta contra uma facção corrupta do Congresso Nacional não é tarefa fácil. Especialmente quando estamos falando de um Congresso que tem maioria absoluta de parlamentares envolvidos direta ou indiretamente na fraude das emendas e pode, portanto, estabelecer emendas constitucionais em seu próprio benefício - como, aliás, tem feito. Vêm aí as eleições gerais de 2026. Nada está garantido em relação à composição do futuro Congresso. Se ficar como está, será ainda pior. Portanto acredito que uma eventual candidatura de Dino à Presidência, ocupando o vazio de lideranças com credibilidade em que nos encontramos, pode ajudar a ampliar uma base de apoio parlamentar ao futuro governo (se ele for eleito), sem os vícios da atual maioria absoluta no Congresso. Para as eleições, isso seria possível uma vez articulada uma base de aliança consistente entre partidos que, sem líderes de expressão, não conseguiriam eleger o presidente sozinhos. Já chamei a atenção para outro aspecto positivo da eventual candidatura de Dino à Presidência. Ele deu mostras de que está a par dos impactos para o mundo e para o Brasil dos desastres climáticos extremos. Esses desastres trarão imensos custos de reconstrução e prevenção que vão repercutir de forma recorrente no “arcabouço fiscal” e na meta fiscal do orçamento. O ministro autorizou o Governo a “furar” essa meta. Com isso, impediu que oportunistas tentem um impeachment contra Lula. Publicado originalmente na “Tribuna da Imprensa” online. Leia também Flávio Dino e a sucessão (II). https://red.org.br/noticia/flavio-dino-e-a-sucessao-iii/   *J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente. Foto de capa: Agência Brasil. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

Artigo

Quando os trabalhadores ocuparam as salas de cinema

Destaque

Quando os trabalhadores ocuparam as salas de cinema
RED

Por MICHEL GOULART DA SILVA* Foi realizado há pouco mais de vinte anos, no final de novembro de 2004, o Festival Latinoamericano de la Clase Obrera (Felco), cujas exibições principais ocorreram na cidade de Buenos Aires. Além de um processo público de seleção, o festival teve exibições públicas realizadas todo o ano, contando com a participação de filmes do Brasil, do Uruguai, da Argentina, da Bolívia e do México. Também estiveram presentes os organizadores do Labour Fest de San Francisco (Estados Unidos) e da Coréia do Sul. Realizaram-se vários debates, acerca de cinema, da situação política da Argentina e dos demais países, da questão da mulher, entre outros. Além disso, após cada exibição os filmes e os temas neles levantados eram debatidos. Houve uma grande participação das populações locais nas exibições feitas pelo país, além de as exibições centrais, em Buenos Aires, terem contado com a presença de cerca de quatro mil pessoas. Um dos membros da organização do festival descreveu, de modo bastante ilustrativo, as exibições em Buenos Aires: “Os cartazes do Felco colados nas avenidas e principalmente nos cinemas da cidade, as dezenas de entrevistas de rádio realizadas por diferentes membros de Ojo Obrero, e a nota de quase uma página na mesma quinta-feira no diário Página/12, deram a este pioneiro evento cultural-militante uma importante difusão e transcendência. (...) Trinta produções de sete países latino-americanos, sem trégua, oito horas por dia e durante três dias, foram um exemplo eloquente da luta dos povos latino-americanos”.[1] O festival, que contou com cerca de quatro mil espetadores, foi idealizado por Ojo Obrero, grupo de produção audiovisual militante existente à época na Argentina. Na sua construção, contou com a participação de diversas outras organizações e cineastas, entre os quais o coletivo de Buenos Aires do Indymedia, caracterizando uma experiência bastante rica no sentido de uma construção coletiva, mesmo partindo de pontos de vista políticos e ideológicos diversos. Como parte das atividades locais do festival, foram realizadas, segundo os organizadores, “reuniões para debater sobre as condições de produção de nosso cinema”.[2] O festival, entre outras coisas, se constituiu em um espaço de discussão sobre políticas e programas para o setor audiovisual argentino, buscando consolidar uma rede de cooperação entre produtores e grupos de cinema militante. Entendia-se que os recursos necessários para subsidiar a produção e exibição deveriam ser arrancados do Estado, por meio do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA). O contexto de organização do FELCO estava marcado por mobilizações em todo o mundo, em um cenário aberto pelas mobilizações de Seattle contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em novembro de 1999. Na América Latina, como em outras partes do mundo, as principais lutas travadas pelos trabalhadores receberam de grupos de cineastas uma especial atenção. Em 2000, o Equador foi abalado por grandes mobilizações de massas, protagonizado pelo Parlamento dos Povos, um amplo e democrático organismo de debates e deliberações, que contava com grande participação da população local. Uma insurreição em 21 de janeiro provocou o desmoronamento do governo nacional, ganhando a adesão inclusive de parte das Forças Armadas. Nesse dia, o Parlamento dos Povos instalou-se no Congresso Nacional e elegeu um novo governo, a Junta de Salvação Nacional, controlada pelo coronel Lucio Gutierrez. Entretanto, alegando respeitar a hierarquia das Forças Armadas, ele entregou o poder ao alto comando das forças militares. Restabelecida a ordem constitucional, Gutierrez seria eleito presidente em 2002, sendo, em seguida, derrubado pelo descontentamento popular. Na mesma época, os estudantes da Universidade Autônoma do México (UNAM) resistiram, por dez meses, em uma greve contra a cobrança de taxas na universidade, sendo vitoriosos em parte de suas reivindicações. Esta greve ganhou o apoio dos trabalhadores mexicanos e a solidariedade em diversas partes do mundo. Na Bolívia, a luta vitoriosa contra o aumento das tarifas de água, em abril de 2000, fez nascer naquele país organismos semelhantes ao Parlamento dos Povos equatoriano, além de postar o Movimento al Socialismo (MAS) e o líder cocalero Evo Morales, eleito presidente em dezembro de 2005, como as principais direções da esquerda do país. A Bolívia também voltou à cena política em 2003, inicialmente com uma série devgreves, inclusive da polícia, mas principalmente com o chamado “Outubro Boliviano”, contra a entrega do controle sobre o gás do país ao capital estrangeiro. Em dezembro de 2001, na Argentina, aconteceu o episódio conhecido como argentinazo, quando o movimento piquetero, em unidade com sindicatos e organizações de esquerda, derrubou o governo de la Rua. Era naquele momento que as Assembleias Populares eram gestadas, e foi ao longo daquelas jornadas que os vários presidentes que assumiram o governo do país foram derrubados pela força que vinha das ruas. Ainda que a derrubada sucessiva de presidentes tenha parado, as lutas no país em nenhum momento deixaram de acontecer, sendo inclusive intensificadas, seja na unidade entre os “ocupados” e os piqueteros, seja nas ocupações de fábricas. Naquele momento, na Venezuela, as insistentes tentativas, por parte dos Estados Unidos, de depor o presidente Hugo Chávez se mostraram infrutíferas, na medida em que a esmagadora maioria da população apoiava o presidente e a chamada Revolução Bolivariana. Esse foi possivelmente o mais importante processo político na época, na região, embora estancado pelos limites de sua direção e pelas pressões do imperialismo. Nesses processos políticos se constituíram grupos de militantes que utilizam câmeras como principais objetos de luta. Alguns dos mais conhecidos integram os coletivos do Indymedia. Esses coletivos estavam presentes não apenas na América Latina, mas também nos Estados Unidos, seu país de origem, e na Europa. Além da cobertura escrita, publicada nos sites ou em espaços impressos, como jornais, também foram realizados relatos audiovisuais dessas lutas. Frequentemente, os coletivos do Indymedia sofreram alguma repressão, sendo evento emblemático o ocorrido em 2004, na Europa, quando foram apreendidos pelo FBI discos rígidos de computador de dois dos provedores do Indymedia. No Brasil, se destacou o trabalho de Carlos Pronzato, argentino radicado na Bahia, que ficou conhecido pela realização de Revolta do Buzu, a respeito da luta dos estudantes baianos contra o aumento das passagens de ônibus em Salvador, em 2003. Pronzato também realizou filmes a propósito das fábricas recuperadas na Argentina, do movimento dos sem-teto no Brasil, das lutas travadas na Bolívia, do contraditório governo de centro-esquerda eleito no Uruguai, entre outros. Contudo, foi na Argentina que se pode observar o principal processo de organização desses grupos. Os vários grupos atuantes (Ojo Obrero, Contraimagen, Indymedia, Cine Insurgente, Argentina Arde, entre muitos outros) eram extremamente heterogêneos. Outro país que se viu marcado por um conjunto de grupos audiovisuais de ativistas foi a Bolívia. O FELCO se constituiu em uma espécie de ápice desse processo de organização de grupos de cinema militante. Um dos encaminhamentos das reuniões realizadas na primeira edição do festival foi construção de uma rede internacional, que abrangesse os países que estavam sendo representados. De um ponto de vista mais político, na declaração final do festival, afirmava-se que a crise vivida pela humanidade era “resultado da decomposição de um regime social esgotado que só encontra na guerra e na opressão dos povos uma saída para sua crise terminal”.[3] Também foi denunciado o papel exercido pelas principais organizações de esquerda, ao resgatarem as instituições contra as quais as mobilizações de massas se colocam contra, como aconteceu na Argentina e na Bolívia. O documento também destacou o papel desempenhado por essa mesma esquerda em países como Brasil e Uruguai, onde desviou para o campo eleitoral o descontentamento dos trabalhadores, dando origem a governos cujas políticas não eram condizentes com os programas dos movimentos sociais que diziam representar, e inclusive colaborando “militarmente com Bush na ocupação do Haiti”.[4] Os cineastas presentes na plenária se pronunciaram “por aprofundar a perspectiva aberta pelas rebeliões populares impulsionando uma mobilização independente”, no sentido de construir a unidade das diversas lutas dos trabalhadores (operários, camponeses, piqueteros, cocaleros, mulheres etc.), buscando “uma saída política própria”.[5] Por fim, definem claramente seu papel nessas lutas: “Consideramos que nossa atividade, o cinema militante, é um aporte concreto ao processo revolucionário. Nossas câmeras devem servir a este objetivo”.[6] Outro fato importante a salientar foi a campanha internacional realizada em apoio ao FELCO, que recebeu a adesão de cerca de trezentas assinaturas de cineastas, intelectuais, organizações políticas e movimentos sociais. Entre outros, assinaram em apoio ao FELCO cineastas argentinos como Fernando Birri e Otavio Getino, além do uruguaio Mario Handler, do brasileiro João Batista de Andrade e do britânico Ken Loach. O Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Brasil, por meio do seu setor de comunicação, também assinou a declaração. Essa campanha exigia, junto ao INCAA, apoio logístico e financeiro para o festival. Depois da grande pressão feita, de atos públicos realizados, de recolhidas as assinaturas, veio com grande atraso a resposta do órgão de cinema do governo argentino, fazendo várias promessas, algumas das quais foram cumpridas. Uma segunda edição do festival foi realizada na Bolívia, no final de outubro de 2005, e a terceira em 2006, no Brasil, com exibições em São Paulo, além da realização de uma edição brasileira do festival. Sob o impacto da Comuna de Oaxaca, os presentes na plenária final afirmavam em dezembro, no documento final da edição de 2006: “[...] Oaxaca mostra-nos que as revoltas populares continuam a varrer a América Latina, unindo camadas cada vez mais amplas da população e apelando aos métodos de ação direta. Enquanto milhões de latino-americanos estão mergulhados na miséria e no desemprego, os trabalhadores saem repetidamente para defender as suas condições de vida, salários, liberdades democráticas, o direito à habitação, à terra, à educação”.[7] Nos anos seguintes, a realização do festival foi realizada de forma irregular, ainda que tenha chegado em sua décima edição, ocorrida na Argentina, em 2016. O enfraquecimento dessa iniciativa está associado, em grande medida, à chamada “onda de governos progressistas”, que marcou a América Latina. Nesse contexto, a própria esquerda denunciada em declarações do festival se tornou governo e, portanto, gestora da crise social e econômica que atravessava o continente. Na convocação da décima edição de 2016, afirmava-se: “As rebeliões populares que varreram o continente no final da década de 1990 e no início da década de 2000, varrendo os apoiadores do ‘neoliberalismo’, não alcançaram o objetivo da independência. Os regimes nacionalistas ou de centro-esquerda que surgiram após estas rebeliões exacerbaram as economias primárias baseadas na pilhagem de recursos naturais, na poluição ambiental e no trabalho precário. Foram a celebração das mineradoras poluidoras, do avanço da soja, da dependência do petróleo e do reconhecimento da dívida”.[8] O FELCO foi produto de uma época de revoltas e rebeliões, mostradas na tela pelos seus próprios participantes. Da revolta anti-imperialista de Seattle, que impulsionou a criação do Indymedia, passando pelas rebeliões no Equador, na Bolívia, na Argentina e em outros países, viu-se uma América Latina rebelde, por meio de imagens captadas por realizadores audiovisuais. Em novembro de 2004, reunidos em Buenos Aires, estes realizadores levaram à tela o que os grandes meios de comunicação e mesmo a esquerda oficial, acomodada em seus cargos de governo, como no Brasil e no Uruguai, procuravam esconder. Essa operação de apagamento ainda permanece nas narrativas oficiais, considerando que se fala mais sobre as coalizões de partidos esquerda com setores da burguesia que subiram ao governo nos diferentes países do que nas rebeliões de trabalhadores ocorridas em todo continente no começo dos anos 2000. Essas imagens, levadas às salas de cinema, são a herança de uma época em que os trabalhadores não apenas tentaram construir seu próprio poder como buscaram captaram essa perspectiva em imagens.     [1] Hernán Vasco. Impactante evento politico y cultural: 4000 personas pasaram por el Felco. Prensa Obrera, Buenos Aires, n. 879, 2 dezembro 2004, p. 8. [2] Ojo Obrero. Se abre camino. Prensa Obrera, Buenos Aires, n. 871, 7 outubro 2004, p. 10. [3] Festival Latinoamericano de la Clase Obrera. Declaracion, nov. 2004. [4] Festival Latinoamericano de la Clase Obrera. Declaracion, nov. 2004. [5] Festival Latinoamericano de la Clase Obrera. Declaracion, nov. 2004. [6] Festival Latinoamericano de la Clase Obrera. Declaracion, nov. 2004. [7] Declaracion del III Festival Latinoamericano de la clase obrera (FELCO), 10 dezembro 2006. [8] Frente de Artistas. Vuelve el Felco. Prensa Obrera, Buenos Aires, n. 1411, 18 maio 2016.   *Michel Goulart da Silva é Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).   Foto de capa: Renato Araujo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Mostrando 6 de 5314 resultados
Carregar mais