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Cadê o corte nos juros?

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Cadê o corte nos juros?
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vPor PAULO KLIASS*  Muitas vezes na política a sincronicidade de alguns acontecimentos pode ser fatal. O encadeamento recente de fatos, a partir da decisão do governo de anunciar a divulgação das medidas para resolver a suposta dificuldade na questão fiscal, terminou por escancarar os equívocos cometidos desde o começo do terceiro mandato na área econômica. Assim, de trapalhada em trapalhada, de concessão em concessão ao financismo, o governo revelou sua incapacidade em sair por cima da iniciativa política, justamente na semana em que o noticiário estava dominado pelas revelações dos crimes praticados por uma parte da elite das Forças Armadas em sua tentativa golpista em 2022 e mesmo no início de 2023. Após muito tempo de indefinição e indecisão, Lula parece ter se resolvido a não apresentar aquilo que seus assessores da área econômica tentavam empurrar como fato consumado goela abaixo do chefe. Desde o início do ano passado, uma série de assessores e secretários das pastas da Fazenda e do Planejamento anunciavam publicamente a suposta necessidade de serem promovidas medidas para conter as despesas de forma estrutural. Há poucas semanas, Fernando Hadad e Simone Tebet passaram a verbalizar, em nome do governo, tais intenções. Ambos foram explícitos na defesa do fim dos pisos constitucionais para saúde e educação, além da eliminação da paridade entre os benefícios previdenciários em relação ao valor do salário-mínimo. Uma loucura! À medida em que avançava o calendário, tudo indica que Lula tenha se dado conta dos riscos políticos envolvidos em tal aventura irresponsável que seus assessores lhe propunham. Assim, o formato do pacote fiscal que foi finalmente anunciado deixou de fora as mudanças constitucionais, que retirariam a segurança de conquistas que até o momento ainda não haviam sido retiradas da Constituição Federal nem mesmo pelos governos de Temer e Bolsonaro. Ocorre que a lógica de impor sacrifícios à grande maioria da população se mantém nas medidas apresentadas. A estratégia envolveu a separação do conjunto de proposições em 2 trilhas. De um lado, as medidas envolvendo as receitas e de outro lado, aquela destinadas às despesas. Tudo se justifica por uma verdadeira obsessão que acomete, ao longo dos últimos 2 anos, o Ministro da Fazenda. Além de ter convencido o Presidente da necessidade de uma lei complementar tratando do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), Haddad também impôs a meta de zerar o déficit fiscal primário.   As armadilhas de Haddad: arcabouço e zerar o déficit E justamente por ter imposto tal armadilha de zerar o déficit ao governo a curto prazo é que ele está correndo atrás do tempo para propor medidas de corte de gastos a todo o custo. É bem verdade que Lula exigiu a inclusão de uma promessa antiga de elevar a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5.000. E Haddad buscou encontrar uma fórmula para compensar essa perda de arrecadação com uma intenção vaga de uma tributação de IR para quem recebesse acima de R$ 50 mil reais por mês. A intenção é boa, mas ainda não se conhecem os detalhes da medida e se haveria efetiva capacidade de promover a arrecadação desejada. De todo modo, tudo leva a crer que tais proposições só terão impacto econômico a partir de 2026, uma vez que os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não pretendem colocar o assunto em votação ainda em dezembro. Desta forma, as maldades passariam ter validade a partir de 1 de janeiro próximo, ao passo que as medidas que poderiam significar maior justiça tributária ficam para depois. A conhecida tática que muitos pais aplicam aos filhos - “na volta a gente compra”. De qualquer forma, o que temos para o momento são propostas que afetam os mais pobres, a exemplo da redução dos ganhos do abono salarial, o endurecimento das regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as mudanças nas regras do salário-mínimo para reduzir os ganhos reais acima da inflação. A pergunta que não quer calar é: por que Haddad insiste em deixar de lado qualquer inciativa que signifique buscar receita ou reduzir despesas envolvendo os setores do topo de nossa pirâmide da desigualdade? Para cumprir com a meta de zerar o déficit primário, bastaria editar uma Medida Provisória eliminando a aberração da isenção que faz com os beneficiários de lucros e dividendos não sejam atingidos pela tributação de IR, assim como acontece com qualquer assalariado ou aposentado/pensionista. Tal medida foi uma generosidade oferecida por Fernando Henrique Cardoso em 1995 e nenhum governo do PT fez nada esse respeito desde 1 de janeiro de 2003.   Pacote de maldades e explosão de juros Há vários estudos com estimativas a este respeito e todos parecem confluir para conclusões de que esta medida promoveria justiça tributária e asseguraria volume de receitas mais do que suficiente para compensar as perdas decorrentes da elevação do limite de isenção para R$ 5 mil. Outro aspecto seria voltar os holofotes para maior rubrica “gastadora” da estrutura de despesas orçamentárias. Refiro-me à conta de juros da dívida pública. E aqui retomo o início do artigo, comentando a sincronicidade das coisas da política. Isso porque no mesmo dia em que Haddad tentava convencer a sociedade a respeito da inevitabilidade de seu pacote e da justeza do mesmo, o Banco Central (BC) divulgava discretamente em suas páginas o Relatório Mensal das Estatísticas Fiscais. E os dados são impressionantes! Durante o mês de outubro, o Brasil bateu um novo recorde de volume mensal de pagamentos de juros. Foram extraídos do Orçamento Federal um total de R$ 111 bilhões para essa rubrica financeira para serem torrados em apenas 22 dias úteis. Como diria o Presidente Lula, nunca antes há História deste País se gastou tanto em um único intervalo mensal com o direcionamento de recurso públicos para os integrantes do topo da vergonhosa pirâmide da injustiça. A bem da verdade, no recente mês de junho outro recorde havia sido estabelecido, quando foi atingido o montante de R$ 95 bi. Mas, como a metodologia adotada desde sempre (e jamais modificada, nem mesmo com Lula ou Dilma) pela área econômica mantém a lógica do ajuste fiscal exclusivamente “primário”, isso significa deixar de lado do cálculo as despesas não-primárias - entenda-se, as despesas financeiras. Para esses gastos considerados como VIP, não há teto, nem limite, nem contingenciamento.   Juros: R$ 111 bi em outubro. Recorde atrás de recorde Ao analisar a série mais alongada das despesas com juros, chegamos ao volume impressionante de R$ 762 bi apenas para os 10 primeiros meses de 2024. A comparação com os valores do mesmo período janeiro/outubro para os anos anteriores revela que o rentismo permanece intocável e segue sendo privilegiado como sempre. Se a intenção for comparar os valores anuais, envolvendo a totalidade de gastos financeiros realizados em 12 meses, a realidade também segue gritando bem alto. Se considerarmos o período de novembro 2023 a outubro 2024, temos um novo recorde atingido. Foram R$ 869 bi gastos com o pagamento de juros da dívida pública, um crescimento de 21% em relação ao que foram gastos ao longo dos 12 meses do ano passado. É importante registrar que nenhuma outra rubrica orçamentária teve tamanha elevação de valores dispendidos. O gráfico abaixo exibe os números já corrigidos pela inflação para os últimos 4 exercícios. São valores crescentes, em um período em que os gastos da área social e dos investimentos públicos estavam submetidos ao Teto de Gastos de Temer e ao NAF de Haddad mais recentemente. Se a intenção for comparar os valores anuais, envolvendo a totalidade de gastos financeiros realizados em 12 meses, a realidade também segue gritando bem alto. Se considerarmos o período de novembro 2023 a outubro 2024, temos um novo recorde atingido. Foram R$ 869 bi gastos com o pagamento de juros da dívida pública, um crescimento de 21% em relação ao que foram gastos ao longo dos 12 meses do ano passado. É importante registrar que nenhuma outra rubrica orçamentária teve tamanha elevação de valores dispendidos. O gráfico abaixo exibe os números já corrigidos pela inflação para os últimos 4 exercícios. São valores crescentes, em um período em que os gastos da área social e dos investimentos públicos estavam submetidos ao Teto de Gastos de Temer e ao NAF de Haddad mais recentemente. Ora, parece mais do que evidente que os supostos problemas fiscais do Brasil não podem ser atribuídos àquilo que os grandes meios de comunicação chamam de “gastança” destinada aos setores do andar de baixo da sociedade. Afinal, em um único mês o governo gastou apenas com o pagamento de juros mais do que o triplo do que os R$ 31 bi que Haddad pretende economizar ao longo de todo o ano de 2025. E o que é pior: o discurso da Fazenda se assemelha à narrativa das elites da Faria Lima que buscam criminalizar as políticas sociais. Afinal, chamar de “fraude” algumas irregularidades que eventualmente podem ser encontradas em casos de pagamento do BPC é um completo despropósito. Esse benefício destina-se aos mais miseráveis de nossa sociedade. Trata-se de famílias em que um único membro recebe um salário-mínimo para sustentar 4 pessoas. Caso exista uma pessoa no núcleo familiar que seja portador de deficiência ou um idoso que nunca tenha contribuído para previdência social, a família faz jus à “fortuna” de um benefício de valor equivalente a um salário-mínimo.   Austeridade para os mais pobres e facilidades para os ricos Quem conhece minimamente a estrutura de nossas agências do INSS ou dos postos de assistência social conhece bem o drama vivido pelas famílias para levar as pessoas para fins de comprovação da deficiência, para passar por consulta de perícia médica ou mesmo para realizar a tal da prova de vida. Assim, eventuais dificuldades para cumprir com tais exigências são fácil e maldosamente qualificadas como fraude. No entanto, não se vê um esforço similar desenvolvido pelo governo para cobrar as verdadeiras fraudes bilionárias envolvidas nos conhecidos mecanismos de sonegação tributária. Estimativas do instrumento chamado de “sonegômetro”, organizado pelas entidades de servidores da Receita Federal, avaliam que o valor total da sonegação tributária em 2022 teria atingido mais de R$ 626 bi. A prática sistemática da austeridade fiscal remonta há muito tempo. Uma primeira tentativa de sistematização no ordenamento jurídico e de imposição de punição aos agentes públicos veio com a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000. Em seguida o Teto de Gastos de Temer e agora o NAF de Haddad. Ao longo de todo esse período tem imperado a lógica de concentrar o esforço fiscal exclusivamente sobre as contas de natureza social. Assim as próprias estatísticas divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional nos informam de como foram deixadas de lado e beneficiadas as despesas financeiras. Entre janeiro de 1997 (início da série de informações de forma consolidada) e setembro de 2024 foram destinados R$ 10,1 trilhões para o pagamento de juros da dívida pública. Lula costuma chamar a atenção para o fato de que ele considera os valores alocados no orçamento para saúde e educação como investimento e não como despesa corrente. Seria o caso de também chamar a atenção para que seja alterado esse privilégio injustificável para o tratamento da despesa financeira. Enquanto houver austeridade fiscal imperando nas regras das finanças públicas, o dispêndio com juros não pode ficar sem controle, sem teto ou sem limite. Afinal ele é o pior gasto de todos: regressivo, parasita e concentrador de renda.     *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Bem Estar

Sobrecarga de trabalho eleva risco de depressão entre mães cientistas

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Sobrecarga de trabalho eleva risco de depressão entre mães cientistas
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Pesquisa foi apresentada como dissertação de mestrado TÂMARA FREIRE* - Agência Brasil A porcentagem de mães cientistas com sintomas de depressão foi quase o dobro da verificada entre pais com a mesma carreira, segundo pesquisa apresentada como dissertação de mestrado em Ciências Biomédicas da Universidade Federal Fluminense. Entre as mães entrevistadas, 42% apresentaram sinais da doença, em comparação a 22% dos pais. A pesquisadora Sarah Rocha Alves acredita que esse adoecimento está relacionado com a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidado. "Historicamente, as mães têm assumido uma responsabilidade desproporcional na criação dos filhos, e os resultados da pesquisa confirmaram o que já era esperado", avalia. Dados complementares da pesquisa reforçam essa conclusão, ao mostrar, por exemplo, que a proporção de mães solo com sintomas foi cerca de 11 pontos percentuais maior do que a daquelas que dividem a criação dos filhos. A diferença foi semelhante entre as mães sem rede de apoio e as que contam com alguma ajuda. Além disso, quase 60% das mães de crianças com deficiência apresentaram alta probabilidade de ter depressão, assim como mais de 54% das mães negras. De acordo com Sarah, os entrevistados responderam a um questionário chamado PHQ-9, amplamente utilizado para diagnosticar sintomas de depressão. A pesquisa foi realizada em março e junho de 2022, período de arrefecimento da pandemia da covid-19 no Brasil. "Já estávamos no retorno parcial das atividades, mas essas mulheres ainda estavam sobrecarregadas, conciliando trabalho doméstico, cuidados das crianças e atividades acadêmicas, o que acabou sendo mais complicado para elas. Mas a pandemia só exacerbou o que já era esperado", argumenta a pesquisadora. Carreira Além das consequências para a saúde mental, Sarah acredita que essa sobrecarga também impacta a carreira dessas pesquisadoras. "As mulheres são maioria na graduação e pós-graduação, mas a medida que elas vão avançando, têm uma limitação porque elas não têm políticas de apoio para serem aceitas e conquistarem cargos superiores". Levantamento do movimento Parent in Science estima que as mulheres vivenciam uma queda na produtividade que pode durar até 6 anos, após o nascimento dos filhos, o que não acontece com os homens que se tornam pais. Isso provoca um efeito conhecido como "teto de vidro", que descreve a maior dificuldade que as mulheres têm de ascender em suas carreiras. Por isso, a pesquisadora defende mudanças na cultura acadêmica e cita como bons exemplos uma iniciativa da própria Universidade Federal Fluminense, que dá créditos a pessoas com filhos nas suas seleções acadêmicas, e os editais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro exclusivo para cientistas mães. Ela também considera um avanço a lei sancionada em em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que prorroga o prazos de conclusão na educação superior para pessoas que tiverem filhos. *Tâmara Freire é Repórter da Agência Brasil Foto da capa: © Marcelo Camargo/Agência Brasil Publicado originalmente na Agência Brasil  

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Os novos ataques da onda marron

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Os novos ataques da onda marron
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 Por CELSO JAPIASSU*   A Onda Marron, como foram chamados os ataques da extrema direita pelo mundo afora, parece poupar, no momento, apenas as exceções da Colômbia, do Brasil e da Espanha, esta última sob governo dos socialistas. E ameaça transformar-se em tsunami, se os movimentos democráticos de esquerda não contra-atacarem com agilidade, teses e palavras de ordem rejuvenescidas. As lideranças políticas não conseguem explicar o movimento da onda que ninguém parece capaz de deter. As últimas movimentações da extrema direita na Europa são marcadas por seu avanço, especialmente após as eleições para o Parlamento Europeu em 2024. Esse crescimento tem gerado impactos importantes no cenário político do continente. Na França, a União Nacional (RN) de Jordan Bardella e Marine Le Pen obteve uma vitória que já era esperada, superando o partido de Emmanuel Macron. Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AfD) alcançou o segundo lugar, ultrapassando o partido do chanceler Olaf Scholz. Na Hungria, houve uma exceção à tendência, com o enfraquecimento do Fidesz de Viktor Orbán.   Novos grupos   Após as eleições, ocorreram movimentações para a formação de novos grupos no Parlamento Europeu. O grupo "Patriotas pela Europa" reúne partidos como a União Nacional, de Marine Le Pen, o Fidesz de Viktor Orbán e o Vox espanhol. Um novo grupo chamado "Europa das Nações Soberanas" foi formado, liderado pela Alternativa para a Alemanha (AfD) e outros sete partidos de extrema direita. Há uma preocupação crescente sobre como esses partidos podem influenciar as decisões nas instituições europeias em Bruxelas. O avanço da extrema direita gerou algumas consequências. Na França, o presidente Macron dissolveu o parlamento e convocou novas eleições. Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo apresentou sua demissão depois de fraco desempenho eleitoral. Pautas comuns   Apesar das divergências entre si, os partidos de extrema direita compartilham algumas pautas, entre elas oposição à imigração, críticas às políticas ambientais da União Europeia e intransigente defesa de valores tradicionais e nacionalistas. A Onda Marron afeta áreas como políticas de migração, implementação do Pacto Ecológico Europeu, gestão da guerra na Ucrânia e o apoio a países candidatos a fazer parte da UE. Seu avanço representa um desafio para as forças políticas tradicionais e para o projeto de integração europeia. Pode moldar significativamente, dentro dos seus princípios reacionários, o futuro político do continente nos próximos anos. Analistas políticos chamam a atenção para o que parece ter sido a queda das defesas que a sociedade construiu depois da Segunda Guerra Mundial. Uma reunião de cúpula da extrema direita europeia realizada em Madri a 29 de maio convergiu para a defesa do supremacismo branco ocidental ao lado do supremacismo não branco da Índia de Modi e da Rússia de Putin, um supremacismo não ocidental. Com a vitória de Donald Trump, os supremacistas de direita voltam à presidência dos Estados Unidos. Se fossem os democratas a vencer não haveria grande diferença porque nas importantes questões como rearmamento, guerra e mudanças climáticas não há distinção entre os dois partidos majoritários estadunidenses.   O fascismo, suas crenças Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust (https://proust.net.br/) cita Umberto Eco num artigo em que este diz que aspectos fascistas podem ser encontrados desde a Grécia Antiga, mesmo em seu período de democracia (V a.C.). E que no decorrer da História, quer sob a forma imperialista ou nacional, trajando roupagem militar ou civil, o fascismo nos ronda permanentemente. Eco analisa diversos arquétipos fascistas: o culto da tradição; recusa da modernidade; oposição ao iluminismo e à idade da razão; culto da ação pela ação; banimento da crítica, vista como traição; recusa da diversidade; patriotismo; criação de heróis; sexismo e preconceitos; uso de uma linguagem empobrecida. No populismo qualitativo dos fascistas (lembram Eco/Russo) os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum que tem em seu líder o único intérprete. E os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar, não agem mais, sendo chamados exclusivamente para assumirem o papel de “povo de massa”. O populismo qualitativo hoje é disseminado pelas televisões e redes sociais, locais em que a resposta e a participação de um grupo selecionado de “influencers” pode ser apresentada e aceita como “a voz do povo”. O fascismo, em virtude de seu “populismo qualitativo” opõe-se aos “podres partidos parlamentares”. Por isso, cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade democrática, pode-se sentir nele o cheiro do fascismo. O fascismo aproveita-se da frustração individual ou social. A característica dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela falta de representatividade de seus agentes (os políticos), assustadas pela pressão de grupos sociais inferiores. E essa ampla classe média consiste e consistirá na maioria do auditório fascista. O fascista, relembra o artigo de Carlos Russo Jr., deriva a sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí está a origem do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro dos seres imediatamente inferiores ao macho: a mulher.     Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número  (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Foto de capa:  Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Crucifixos e o STF

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Crucifixos e o STF
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Por EMERSON GIUMBELLI* No dia 27 de novembro de 2024, encerrou-se no STF o julgamento de um caso que consagrou a seguinte tese, com repercussão geral: “A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”. O placar foi expressivo: 11 x 0. Ou seja, todos os ministros afirmaram seu acordo com Cristiano Zanin, o relator do caso. Nove deles fizeram acompanhar seu voto de arrazoados. Embora a expressão “símbolos religiosos” seja genérica, a situação envolve fundamentalmente a presença de crucifixos em recintos estatais abertos ao público, tais como plenários das sedes de poderes legislativos e salas de tribunais. O próprio plenário do STF está adornado por um crucifixo, tão visível quanto o brasão da república. Os votos dos ministros, considerados em seu conjunto, passam por várias discussões. Destaco ponto que toma relevância em alguns argumentos: o crucifixo fixado na parede de um tribunal não configuraria uma ação de proselitismo religioso. Dois magistrados lembram que o STF tomou decisões recentes que são contrárias ao uso de recursos públicos para garantir a presença de Bíblias em escolas e bibliotecas públicas, o que, aí sim, seria comprometer o Estado com a propaganda religiosa. Sem dúvida, a distinção é relevante. Faz sentido também afirmar que a existência de um crucifixo não influencia as decisões judiciais, como mostram os casos em que o STF assumiu posições contrárias àquelas mantidas por igrejas cristãs – exemplos são o uso de células tronco em pesquisas e a permissão de aborto em situações de anencefalia. Por outro lado, é difícil negar que a presença de crucifixos implica uma deferência ao símbolo de uma religião específica. Exatamente por isso a tese ganhadora exige que o objeto manifeste “a tradição cultural da sociedade brasileira”. Em consequência, lembrar da participação do catolicismo na formação histórica dessa sociedade é um ponto recorrente nos votos. Contudo, cabe observar que essa participação ocorreu pela própria natureza da colonização, concebida como empreendimento econômico, político e religioso. O Brasil não escolheu ser católico. Foi forjado, inclusive com a ajuda da Inquisição, como Terra da Santa Cruz. Uma vez independente, o Brasil aí sim escolheu estabelecer certos regimes de relação entre Estado e religião. A primeira Constituição optou por manter o regime anterior, apontando o catolicismo como religião oficial. Mas a segunda Constituição, no início da República, aprovou a separação entre Estado e religiões. Ainda que esse regime de separação tenha sido alterado em diversos pontos, não deixou de ser ratificado em todas as constituições republicanas. Crucifixos sempre apareceram como um “detalhe” aparentemente insignificante na ornamentação de tribunais e parlamentos. Mesmo com a mudança republicana, mesmo sem qualquer lei que o obrigasse, continuaram a figurar nas paredes ou a compor os “enxovais” de objetos (ao lado de brasões e bandeiras) para novas edificações. Em outras palavras, predominou o impulso de “deixar tudo como está”, também ratificada pela recente decisão do STF. Em 2007, o Conselho Nacional de Justiça já indicara na mesma direção, em meio a um debate muito mais substantivo do que o atual. Vale observar que a ação do Ministério Público do Estado de São Paulo que originou o caso considerado pelo STF remonta a 2009. Naquele ano, a proposta original para a terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos previa, entre suas ações, “desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União”. Um pouco antes e um pouco depois, diversas demandas foram apresentadas nesse sentido. Entre 2012 e 2016 teve validade uma decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que determinou a retirada de crucifixos e símbolos religiosos dos prédios da Justiça gaúcha. Mas em 2024 temos um outro quadro. Podemos concordar que o STF tem coisas mais importantes para discutir ou que suas preocupações estão tomadas pelas notícias dos planos que arquitetaram um golpe de Estado em 2022. Considerando-se, no entanto, os votos dos ministros no julgamento, parece haver uma dificuldade de confrontar uma situação de privilégio. Note-se que há decisões recentes do próprio STF que estão em sintonia com a valorização do pluralismo religioso. Não apenas a já mencionada oposição à compra de Bíblias para escolas e bibliotecas públicas, mas também a permissão para o abate animal em rituais de religiões de matriz africana e para acomodações destinadas a contemplar preceitos religiosos – como é o caso da recusa de transfusões de sangue reivindicada pelos Testemunhas de Jeová. No entanto, no caso dos símbolos religiosos, predominou o “deixar tudo como está”. A questão é que, enquanto algumas coisas parecem ficar como estão, outras estão mudando. Há demandas sociais – por exemplo aquelas relacionadas aos direitos sexuais – que impõem novos debates. No campo religioso, o catolicismo perde fieis. Um aspecto importante do julgamento sobre os crucifixos foi a participação, como “amiga da corte”, da Associação Nacional de Juristas Evangélicos. A ANAJURE colocou-se a favor da permissão da presença dos crucifixos, mesmo que estes sejam um símbolo mais propriamente católico. A maioria das igrejas evangélicas prefere apenas a cruz como representação do cristianismo. Nesse caso, diferenças religiosas estariam sendo deixadas de lado em prol do argumento, que vem sendo articulado a propósito de outras questões, da “maioria cristã”. Ou será que atores evangélicos, ao apoiar uma causa católica, estariam vislumbrando um benefício mais direto no futuro? Por exemplo, a reconsideração de decisões que envolvem a Bíblia? Em outro cenário, que retomaria as iniciativas que tivemos há cerca de 15 anos, a discussão sobre os crucifixos receberia a devida atenção, tornando-a relevante. Poderia se formar na sociedade brasileira uma opinião consistente de que sua presença em tribunais e parlamentos constitui um desrespeito ao princípio do pluralismo? Já que entramos no terreno das conjecturas, peço licença para apresentar três breves peças de ficção. As personagens e situações são todas inventadas, mas elas colocam em jogo algumas das questões que cercam exatamente a valorização do pluralismo. Espero que as provocações compensem a pobreza da literatura.   O retrato de Mateus A situação o intrigara. Na escrivaninha da mãe, o porta retrato estampava uma foto do irmão. Mateus era temporão. Marcos nascera pouco tempo depois que seus pais haviam se casado. Já Mateus mal conhecera o pai, morto em um acidente quando o caçula tinha apenas dois anos. A mãe não se casara novamente. Dividia o trabalho com a atenção aos filhos. Mateus estava com 12 anos. O irmão tinha 21 anos e ainda morava na casa da família. Durante o almoço, Mateus puxou o assunto: - Mãe, você gosta de mim do mesmo jeito que gosta do Marcos? - Claro! Por que essa pergunta agora? - É que na sua escrivaninha só tem foto do Marcos... - Sério? Nem havia me dado conta... - Sim, acho que já tá lá faz um tempo... - Por favor, Mateus, não se chateie. Nem sei explicar... É uma foto do Marcos quando ele era adolescente, não é? Sei lá, talvez seja um jeito de lembrar dessa fase da vida dele... - Agora eu é que sou adolescente, né mãe? - Meio adolescente, meio criança, né Mateus? - Bom, mas você bem que podia colocar uma foto minha ao lado da foto do Marcos... - É que, se eu colocar mais um porta retrato, vai ficar apertado para eu trabalhar. Sabe como eu preciso espalhar minha papelada... - E se a gente fizesse uma foto juntos, eu e Marcos, para colocar no porta retrato? - Já temos uma foto assim na sala aí do lado, né? É que eu gosto de ter aquela foto por perto, seu irmão na adolescência. Me traz boas lembranças! E não interfere em nada no carinho que eu sinto por você! - Mas é estranho ter só a foto do Marcos perto de você quando trabalha, mãe... - Me desculpe, Mateus, mas não tinha percebido que você podia não achar legal. - Adoro meu irmão, mãe. Mas aquela foto faz parecer que você gosta mais dele do que de mim... - Entendi... Vamos fazer o seguinte, Mateus: vou tirar o porta retrato de minha escrivaninha e guardar a foto na gaveta. A gente escolhe uma outra foto da família e acha um lugar melhor para esse porta retrato. Assim sobra mais espaço para eu trabalhar! Que tal? - Demorô!   Católicos Direitos Mais um dia de trabalho para Justino, juiz de Direito. Em seu gabinete, o juiz recebeu um representante dos Católicos Direitos, grupo que ele desconhecia. - Em que posso ajudá-lo, senhor... - Miguel! Meu grupo pediu que eu conversasse com o senhor. - Pois não, Miguel... - O senhor sabe que há um crucifixo na parede do tribunal onde ocorrem as sessões aqui do juizado... - Sim, tá lá há um bom tempo. Quando cheguei aqui, já o encontrei na parede. - Pois então, sr. Justino, eu e meu grupo gostaríamos que o senhor nos instruísse a fazer uma petição para a retirada do crucifixo da sala do tribunal... - Não estou entendendo... Vocês não são católicos? Vocês não defendem os direitos dos católicos? - Exatamente! Para nós, o crucifixo é um objeto religioso! E aqui não é um ambiente religioso. Meus filhos estudam em uma escola católica e eu até poderia ver se a escola aceitaria receber esse crucifixo aí do tribunal... - Não sei se a coisa é tão fácil... De todo modo, o crucifixo não está aqui no tribunal por ser um objeto de devoção. É mais para sinalizar a formação da sociedade brasileira. Nossa nação começou com uma missa... - Eu e meu grupo sabemos muito bem disso. A par da devoção, valorizamos muito as expressões culturais católicas. Algumas das igrejas aqui da cidade são protegidas pelo patrimônio histórico e achamos isso muito justo. Temos os feriados religiosos, todos estão ligados à nossa religião. A maioria das escolas é católica e ali as crianças aprendem sobre a religião e sua importância cultural. Algumas delas podem vir a ser magistrados, como o senhor... - Realmente, foi o meu caso, estudei a vida toda em escolas católicas. Hoje estou afastado da religião. Mesmo assim, embora eu me oriente pelas leis de nosso país, acredito que a imagem de Jesus até me ilumine em minhas decisões... - Essa iluminação o senhor vai encontrar em uma igreja. Voltando ao aspecto cultural, não vejo bem qual é a importância do crucifixo aí da sala. Ele tem algum valor artístico? Qual a história desse objeto? Para nós, ele tem a mesma aparência de um objeto de devoção, não difere em nada do que vemos em uma igreja. - Atenção, sr. Miguel, tem outros símbolos aqui no tribunal... Tá meio escondida ali na fachada, mas há uma imagem da deusa Têmis, divindade pagã... - Aí é diferente, sr. Justino. Até onde sei, não existe hoje em dia, aqui no Brasil, culto a essa deusa. Se fosse uma imagem de Oxalá, aí sim estaríamos fazendo um paralelo adequado. Nesse caso, como católico, não concordaria em entrar em um tribunal e me deparar com uma imagem de Oxalá. - Ok, sr. Miguel. O problema é que nem sei como orientá-lo... Nunca imaginava que um dia viria alguém aqui, em nome de um grupo católico, para pedir a retirada de um crucifixo. Vou ter que me informar... - Eu lhe agradeço, sr. Justino. É exatamente porque somos católicos que queremos fazer essa petição de retirada. Cada coisa no seu lugar. Aguardamos um retorno de sua parte. Bom trabalho!   Xangô na Assembleia O clima no plenário da Assembleia Legislativa era de expectativa. A ialorixá Ana de Iemanjá era aguardada na cerimônia em sua homenagem, proposta por um dos deputados da casa. As atividades culturais e sociais de seu terreiro, mantidas com regularidade ao longo de décadas, justificavam a iniciativa. Já dirigida a lideranças de outras religiões, a homenagem seria feita pela primeira vez a uma sacerdotisa do candomblé. Com algum atraso, chegou Mãe Ana com sua comitiva. Sua presença era incontornável aos olhos de todos. Paramentada com suas vestes religiosas, seu ojá azul se destacava entre os ternos que a maioria vestia. Não foi sem alguma dificuldade que Mãe Ana atravessou o corredor central do plenário. O motivo: trazia em seus braços uma grande tela com a imagem de Xangô. A tela fora encomendada especialmente para aquela ocasião. Xangô estava representado por um homem negro que demonstrava muita força. Suas vestes eram vermelhas e em suas mãos havia um machado. Os gestos poderiam ser os de um dançarino. Mãe Ana foi se aproximando da tribuna, mas em vez de parar ali seguiu até o fundo da sala. Bem embaixo de onde havia um crucifixo, encostou a tela na parede. O presidente da sessão imediatamente interpelou a ialorixá: Sra. Ana, o que é esse quadro? - É Xangô, sr. deputado! Orixá que se encarrega da justiça. É um presente para a Assembleia. Gostaria que o quadro ficasse ao lado daquela cruz com Jesus. - Como membro da casa, agradeço o presente, Mãe Ana. Mas teremos que discutir onde colocaremos essa tela... - Mas é só o Cristo que pode? - Vou explicar, Mãe Ana: o crucifixo representa a tradição cultural da sociedade brasileira. É uma questão histórica, sobre a formação do Brasil. - Mas minha religião é também parte dessa história! Meus ancestrais foram trazidos à força desde a época dos 1500. Os que sobreviveram não esqueceram de suas tradições. Deram um jeito de mantê-las, mesmo debaixo de proibições. - Claro, Mãe Ana, não queremos desrespeitar sua religião... - Pois bem, então se entenda aí com seus colegas e providencie um lugar digno para o quadro de meu Xangô. Não tenho nada contra o Cristo, desde que não queiram pintá-lo de branco. Tenho estudo e sei que loiro de olhos azuis ele não podia ser. - Esse Cristo nem cor tem... - Alguma cor tem que ter... Olha só o vermelho do Xangô. Vai ficar vistoso nessa parede. Tem bastante espaço aí, sr. deputado. - É que não se pensou em ter outros símbolos em nosso plenário... Como lhe disse, vamos ter que discutir. - Que discutam! Enquanto eu estiver recebendo a homenagem, o quadro fica aqui onde deixei. Estou pronta para começar!   *Emerson Giumbelli é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foto de capa: Marcello Casal JrAgência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Crônica

Meu envelhecimento

Destaque

Meu envelhecimento
RED

Por ADELI SELL* Num passado remoto - ufa - estou nos setenta e poucos, teria dificuldades de falar do meu envelhecimento. Sou de uma geração que sempre teve e ainda tem dificuldades de lidar com o passar do tempo. Somos dos tempos do glamour juvenil do cinema, com Brigitte Bardot, ou de uma Vera Fischer. E as mídias teimam em nos enganar com a eterna juventude, com suas “poções mágicas” dos anunciantes e, agora, vem com a tal de “economia prateada”. E é de Brigitte que tomo a frase - “Se eu aparentasse 30 anos, alguma coisa estaria errada. Eu tenho rugas, sim. E daí?” - para tratar da passagem do Tempo e aceitar o inevitável, a Finitude! Creio que não aceitar o princípio fundamental da finitude é um problema para nós e para os que nos cercam. É óbvio que tremer diante da ideia de nosso fim é normal, mas viver pensando na morte nos tira tempo de viver com totalidade. Veja como a morte de conhecidos e de pessoas da mesma idade trazem sofrimentos e angústias a certas pessoas idosas. Certos credos religiosos por suas posições sobre o ser e a transcendência aumentam estas dores. Em visita à minha mãe, minha esposa perguntou a ela o que queria fazer no Natal, vi seu semblante ficar triste e uma lágrima correr para dizer que não sabia se haveria Natal. E isto que sempre achei que ela lidava bem com as perdas. O livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, de Ana Cláudia Quintana Arantes, indicado por minha sobrinha neta, médica, me abriu os olhos e os caminhos para ver melhor o meu envelhecimento e daqueles que me cercam, e como a finitude fica ali numa curva de nossos caminhos. Puxado por uma amiga dos tempos de juventude, começamos a articular um grupo de pessoas para falar e escrever sobre temas ligados às pessoas idosas.  Daí surgiu “Metamorfose da Vida”, em dezembro de 2023. Devido ao impacto das enchentes de maio de 2024, estive na frente da articulação do livro “Perdi tudo, e agora?” e em novembro de 2024 pudemos entregar aos leitores novo livro coletivo “Metamorfose da Vida, a arte de envelhecer”. Neste ínterim surgiu com vigor o Movimento Sociedade sem Idadismo - MSI. Pois se verificou o crescente problema do preconceito de idade, tanto com jovens como em especial com as pessoas idosas. Estas questões tem me colocado nestes novos coletivos que me cativam, porque saem das bolhas tradicionais, da mesmice, para adentrar o caminho das ações, como é o caso do MSI. Têm surtido grandes efeitos nossas rodas de conversas sobre nossos livros. E cada novo papo verificamos que há outros tantos temas a serem tratados e vamos enfrenta-los. Enquanto isso reflito sobre o meu envelhecimento. Cheguei a Porto Alegre na juventude, há 52 anos, e vi suas mudanças também, sinto que, às vezes, as cidades envelhecem mais do que a gente. Vejo na minha capital mais rugas do que em mim, pelo descuido com ela. Não tenho preocupações com alguma ruga ou outro traço de envelhecimento comigo, pois até meus cabelos grisalhos, quase brancos, me dão certo charme. Sei que minha cidade tem elementos afrontosos às pessoas idosas, com calçadas mal cuidadas, com falta de sinalização nas faixas que deveriam ser dos pedestres. Por isso, em breve vou sair usando minha bengala, um presente de um amigo, aquele que um dia pertenceu ao General Flores da Cunha. E meu recado é o da Simone de Beauvoir:          “Se não foste feliz quando jovem, certamente que tens agora tempo para o ser.”   *Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito. Foto de capa: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Politica

O Tempo na tomada de decisão

Destaque

O Tempo na tomada de decisão
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Por LINCOLN PENNA* Uma decisão implica uma convicção, não importa se tomada individualmente no curso de uma situação emocional, ou quando se se situa na esfera da vida política e institucional de uma nação a respeito de algo que mobiliza essa comunidade nacional. Logo, seja ela uma decisão individual ou que diz respeito a uma coletividade há de se considerar a questão do tempo. Afinal, ele mede o sentido e o efeito de uma decisão. Postergar o tempo é sempre um risco para o acerto de uma decisão. Dito isso, cabe examinar o que presentemente ocorre no que diz respeito ao denso Relatório da Polícia Federal relativo à trama golpista cogitada e articulada no âmbito do poder executivo durante os últimos e derradeiros meses da presidência de Jair Bolsonaro. Tempo relativamente curto se considerarmos que o objetivo continuísta do então presidente teve início após o resultado da eleição presidencial de 2022. Defensor extremado dos golpistas de 64 seu desejo era ter vivido plenamente aquele período ditatorial. Quem acompanhou ou passou a reconstituir a trajetória de Bolsonaro antes e durante o seu mandato presidencial tem conhecimento que o objetivo que jamais escondeu sempre fora o de exaltar o golpe de 64 e os seus presidentes-ditadores. Inclusive e especialmente, a turma do porão, isto é, da repressão sistemática movida contra os que se opunham ao regime militar e empresarial, a louvar os torturadores com a ressalva de que melhor seria executar aos que eram opositores da ditadura. Durante a própria vigência da ditadura, o presidente Ernesto Geisel chegou a dizer que Jair Bolsonaro era um mau soldado, e o fez não apenas por não ter maior apreço por ele, mas em razão de sua conduta indisciplinada. O então tenente feito capitão quando foi instado a ir para a reserva por ter infringido o Regimento Disciplinar do Exército (RDE), uma espécie de constituição para os militares, que atinge também os da reserva, que mesmo assim estão submetidos ao Regimento. Bolsonaro chegou até a recorrer ao Superior Tribunal Militar que surpreendentemente o absolveu e não foi expulso. E ainda ganhou a patente de capitão. Por sinal, no RDE está previsto que o Comandante-em-chefe das Forças Armadas é o presidente da República em exercício pelo período de seu mandato, juntamente com a autoridade máxima das Forças Armadas, que originalmente era representada pelo ministro da guerra e hoje pelo ministro da defesa ouvido, naturalmente, os comandantes de cada arma. Sendo assim, o caso em tela, ou seja, o do golpe que se encontrava em fase de preparação baseado no não reconhecimento do resultado eleitoral visando intervir afrontando a Constituição torna passível de o militar da reserva e ex-presidente da República vir a ser enquadrado no dispositivo previsto pelo RDE, sem que aja qualquer truculência ou ação persecutória como dizem os seus defensores, até porque guardadas todas as prerrogativas de ampla defesa do por enquanto indiciado-mor. Pena que a atitude do presidente Lula, Comandante-em-chefe das Forças Armadas, tenha sido excessivamente cautelosa, quando tomou conhecimento do plano para assassiná-lo e fez uma blague ao dizer que ainda estava vivo, provavelmente para não bulir com os militares e com isso assanhar apetites da camaradagem em prol dos golpistas. Cumprir o que reza a Constituição e exigir a punição do ex-presidente, bem como dos demais militares, amparado pelo próprio Regimento que como Comandante Supremo e no exercício de seu mandato tem o dever de fazê-lo, sem que seja objeto de críticas fundamentadas, salvo as que seriam endereçadas a ele por conta dos seus opositores bolsonaristas. São os que desejam salvaguardar o ex-presidente, grande beneficiário dessa trama golpista, ao contrário do que disse o seu advogado ao buscar isentá-lo. O tempo para dar provimento ao processo depende inicialmente do Procurador Geral da República (PRG), mas se essa instância não estiver conectada com os pleitos democráticos poderá frustrar a opinião dos que hoje não têm dúvidas de que os golpistas devem ser enquadrados como réus, e como tal terão a oportunidade de se defender. Jogar para as calendas gregas é ofender o espírito da nossa Carta mais democrática produzida ao longo de nossa história, é dar chance a que a morosidade mesmo em nome da cautela venha a reproduzirmos a velha prática política da conciliação.   *Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). Foto de capa: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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