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A dança ideológica

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A dança ideológica
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De SOLON SALDANHA* Precedido por uma intensa publicidade, estará se apresentando em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, entre os dias 26 de abril e 11 de maio, a companhia de dança Shen Yun Performing Arts. O que boa parte das pessoas – encantadas pelo visual de uma coreografia primorosa que antecipam nos anúncios – talvez não saibam é o que está por trás dessa estrutura toda. Este grupo, que faz questão de se autodenominar como “sensação global”, foi criado em 2006, na cidade de Nova Iorque, por imigrantes chineses que são adeptos do Falun Gong. Esta é uma seita que, usando como cartão de visita a arte, ao anunciar o “renascimento da cultura tradicional”, na realidade trabalha pela difusão de valores de uma ideologia extremista. O Falun Gong é um movimento filosófico e religioso fundado em 1998 por Li Hongzhi. Abertamente negacionista, eles se recusam a aceitar, por exemplo, a Teoria da Evolução e quaisquer dos avanços trazidos pela medicina moderna. Combatem o feminismo, acreditam que a homossexualidade se trata de uma aberração, são racistas, misóginos, contrários à democracia e a laicidade do Estado. Ele foi registrado nos EUA como uma organização sem fins lucrativos, tendo uma receita declarada de US$ 8 milhões em 2011. Mas, no ano passado, atingiu quase US$ 230 milhões em ativos, conforme dados oficiais do IRS, que é a Receita Federal daquele país. Além da companhia de dança, que viaja pelo mundo todo abrindo portas para sua pregação, o Falun Gong é dono do jornal The Epoch Times, que foi fundado no ano 2000. Essa empresa de comunicação também registrou crescimento inacreditável, pulando em dois anos, entre 2019 e 2021, de um faturamento de US$ 7 milhões, obtido através da presença online, para US$ 76 milhões. Esses dados foram revelados através de uma reportagem da NBC News. E o jornal New York Times classificou como sendo “misterioso” tal avanço. Parte do lucro gerado foi usado para financiar publicidade favorável a Donald Trump, no Facebook. Ficaram em segundo lugar entre os financiadores, atrás apenas do próprio comitê de Trump. Em nosso país, o jornal também existe oficialmente, desde 2022. Seu capital social é de apenas R$ 1 mil e a sede fica em Curitiba. Consta que o Epoch Times Brasil vive de doações e assinaturas. Por aqui ele tem inclusive uma divisão de documentários, tendo feito alguns alegando fraude nas eleições dos EUA, que a China propagou o vírus da Covid de modo proposital e que vacinas fazem mal para a saúde. Um vídeo especialíssimo afirma que o governo chinês ajudou Lula a se eleger, em 2022. Ou seja, atua como uma central propagadora de fake news e de teorias da conspiração. Voltando às apresentações do Shen Yun, em geral após cada uma delas um grupo de seguidores, com roupas nas cores azul e amarelo, costuma oferecer folhetos e livros com as ideias da seita. Não se sabe se tal fato irá se repetir em alguma ou em todas as três capitais brasileiras incluídas no roteiro. De qualquer modo, o que se precisa evitar é que pessoas de boa fé e desavisadas acreditem que estarão pagando ingressos nada baratos para ver uma simples apresentação de dança. Em Porto Alegre, por exemplo, os preços variam entre R$ 429,00 (estudantes na plateia alta) e R$ 1.028,50 (inteira na plateia baixa). E o produto entregue está mais para gato do que lebre. O bônus do autor é um clipe de dança chinesa (esta é da China mesmo), mostrado em um canal de televisão. Há toda uma história envolvendo cada movimento, sendo a coreografia baseada em parte de um poema escrito por Confúcio, três mil anos atrás. A íntegra do texto aborda o retorno de um soldado aposentado para a sua cidade natal. Neste trecho, ocorre uma demonstração de que mesmo as estradas difíceis que se precisa percorrer na vida têm momentos de leveza. https://www.youtube.com/watch?v=b1TKJUI-l80 *Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Haddad insiste no austericídio

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Haddad insiste no austericídio
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De PAULO KLIASS* A busca daquilo que o mercado financeiro considera uma “meta fiscal responsável” converteu-se em uma verdadeira obsessão para o Ministro da Fazenda desde o início do ano passado. Assim como aconteceu com seus antecessores Antonio Palocci, Joaquim Levy e Paulo Guedes, o atual ocupante do principal posto da política econômica do governo Lula 3.0 mantém uma espécie de profissão de fé em cumprir com os requisitos destruidores da austeridade extremada. A sua declaração mais recente a esse respeito relaciona-se ao pleito dos servidores públicos federais, que pleiteiam medidas para viabilizar o justo e necessário processo de recomposição das perdas salariais verificadas ao longo dos últimos anos. Enquanto a Ministra da Gestão, Esther Dweck, buscava alguma solução para apresentar aos representantes das diferentes categorias da administração púbica federal na Mesa de Negociação, Fernando Haddad fechava as portas para qualquer tipo de entendimento. Ele se saiu com mais uma negativa, pois segundo o Ministro o “Orçamento está fechado” e não haverá nenhum reajuste em 2024. A atual conduta do responsável pela liberação de recursos lembra muito o seu comportamento quando ocupava o cargo de Prefeito de São Paulo. Em 2013 teve início um movimento de protesto contra um reajuste de R$ 0,20 nas tarifas de transporte público municipal, aumento esse que havia sido autorizado por ele. Em seu primeiro ano de mandato, Haddad ignorou o pleito do Movimento Passe Livre, liderado por jovens e estudantes da capital. A recusa do chefe do Executivo funcionou como catalisador da reivindicação e permitiu a generalização da insatisfação, que acabou por desaguar na generalização dos protestos das chamadas jornadas de 2013. A greve dos servidores públicos e a recusa de Haddad Pois agora o seu comportamento em prol do austericídio corre o risco de provocar novamente uma ampliação do movimento liderado pelas associações e sindicatos de servidores. Afinal, é de amplo conhecimento que o titular da Fazenda autorizou e já concedeu aumentos seletivos para determinadas categorias do funcionalismo. Para além de reajustes já recebidos pelos funcionários do Legislativo e do Judiciário, foram autorizadas elevações de vencimentos para Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal, dentre outras.  Assim, a ausência de tratamento isonômico torna ainda mais inaceitável o discurso oficial a respeito de uma suposta “ausência de recursos” como argumento sempre utilizado para não negociar. Ora, a mesma força e determinação com que Haddad recusa qualquer tipo de concessão às reivindicações dos servidores parece estar na base de sua convicção e adesão aos pleitos do financismo. Na mesma planilha com a qual o Ministro exibe sua satisfação com a meta de zerar o déficit primário no presente ano, ali estão também presentes os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Assim, ao longo dos últimos doze meses, o Banco Central nos informa que o governo alocou o total de R$ 747 bilhões a título deste tipo de despesa financeira. Trata-se de um valor recorde na série histórica de tais gastos. Cortes, cortes e mais cortes Isso significa dizer que, ao contrário do que alardeia Haddad todos os dias, os recursos existem e estão à disposição do governo. Tudo depende de qual é a prioridade que o titular da Fazenda concede ao destinatário da despesa pública. Quando se trata de oferecer benesses ao topo do 1% de nossa pirâmide da desigualdade social e econômica, o Ministro não vacila em nenhum instante. A jogadinha malandra no plano da retórica reside no uso do singelo adjetivo “primário”. Como no jargão do financês ele se define como sendo todo gasto não-financeiro, por um expediente tautológico o pagamento de juros não deve entrar no cômputo de tetos, limites ou contingenciamento. Uma loucura! Daí a sua obstinação em promover cortes em áreas como saúde, previdência social, educação, segurança pública, assistência social, saneamento, salários de servidores, investimentos públicos em geral, transportes, entre tantas outras. Às favas com as promessas de Lula durante a campanha eleitoral de 2022 ou com as necessidades do País e da grande maioria da população. Ao que tudo indica aquilo que importa mesmo para Haddad é atender às expectativas e às demandas do povo da Faria Lima. Tanto que, em nenhum momento, ele se preocupou em desmentir as notícias divulgadas por seus assessores e secretários a respeito da “necessidade” de se promover a desvinculação dos pisos constitucionais para saúde e educação. Além disso, o próprio Banco Central se encarrega de nos exibir dados que também desmentem o titular da Fazenda a respeito da suposta indisponibilidade de recursos para colocar o Brasil na trilha do desenvolvimento social e econômico. É o caso da divulgação mais recente dos demonstrativos financeiros do órgão, onde estão exibidos os valores do saldo da Conta Única do Tesouro junto ao Banco. Ali está expresso um saldo credor de R$ 1,7 trilhão. Trata-se de valores à disposição da administração federal justamente para ser utilizado na implementação de programas de governo e no encaminhamento das políticas públicas. Mas o ministro prefere ignorar a realidade e insistir na prática do austericídio. No entanto, Haddad prefere desconhecer tais alternativas. Ele segue focado na rota dos cortes a todo custo, preocupado apenas em cumprir a meta de déficit zero para o presente ano. Apesar de todos saberem ser impossível que tal objetivo seja alcançado sem que sejam sentidos enormes prejuízos na área social, o Ministro segue em frente rumo ao precipício. O dramático desta tragédia auto imposta é que ele leva para tal aventura o destino político e eleitoral do terceiro mandato de Lula. Os recursos existem: R$ 1,7 trilhão na Conta do Tesouro As pesquisas mais recentes de popularidade dão conta de dificuldades crescentes enfrentadas pelo governo no que se refere à opinião pública. Dentre tantos itens apontados nas respostas aos questionários, chamam a atenção os aspectos relacionados à situação econômica do País. O Presidente da República tem encontrado dificuldades em fazer com que os candidatos apoiados por ele às prefeituras estejam em condições de vencer o pleito de outubro. Já é passado o momento para que Lula assuma as rédeas do comando da economia e oriente uma mudança de rumo. Ao final de abril, será ultrapassada a marca de um terço de seu mandato. Para os próximos 32 meses é fundamental acelerar os programas de governo voltados ao crescimento das atividades e à geração de emprego. Mas para tanto, o titular do Planalto precisa se convencer, assim como ocorreu com o Diretório Nacional de seu partido em dezembro passado, de que o austericídio opera com um tiro em seu próprio pé. *Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto Lula Marques/ Agência Brasil. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Condenação da Suíça por Tribunal Europeu atesta que clima saudável é direito fundamental

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Condenação da Suíça por Tribunal Europeu atesta que clima saudável é direito fundamental
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De FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim Na semana passada o Tribunal Europeu para Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, na França, condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes contra as mudanças climáticas em curso no planeta. O processo foi iniciado pela Associação de Senhoras Suíças Idosas sobre o Clima (tradução mais que livre para KlimaSeniorinnen Schweiz) e mais quatro mulheres independentes. A Associação representa cerca de 2.000 idosas com 64 anos ou mais. A decisão dos 17 juízes e juízas do tribunal é bastante complexa. Seu acórdão tem mais de 300 páginas. A sentença recusou a representação das quatro mulheres independentes, alegando que elas não tinham caracterizado suficientemente seu status de vítimas. Entretanto reconheceu esta condição e a representatividade coletiva da Associação. Na sentença, que não é passível de apelação, o tribunal condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes para cumprir seu próprio objetivo de reduzir em 50% as emissões de gás carbônico na atmosfera até 2030, em relação às emissões na última década do século passado. Entre as alegações consta a de que o governo suíço sequer criou um orçamento específico para a questão. Quais serão as consequências da decisão? Eis outra matéria complexa. A Agência Federal de Justiça da Suíça, que representa o governo, afirmou que estudará as medidas necessárias para cumprir a decisão. É complicado, pois em 2021 um plebiscito no país rejeitou as medidas que vinham sendo tomadas, por julgá-las demasiado severas. Por outro lado, caso o governo não tome as medidas necessárias, poderia ser condenado ao pagamento de multas e outras sanções. Espera-se que haja impacto sobre a construção civil, o sistema de transporte, a circulação de veículos e o fornecimento e consumo de energia. Uma porta-voz das “Vovós Suíças”, apelido carinhoso da Associação, afirmou que espera também medidas reguladoras de empresas do sistema financeiro que apoiam atividades danosas ao meio ambiente. Impacto internacional? Como o clima não tem fronteiras, espera-se também que a decisão do Tribunal de Estrasburgo, a primeira no mundo inteiro no gênero, tenha um impacto internacional. Em 2021 uma resolução da ONU reconheceu que um clima saudável é um direito humano universal e inalienável. A Suprema Corte da Índia já tomou uma resolução semelhante, afirmando que faz parte dos direitos da cidadania o de “permanecer livre dos efeitos negativos das mudanças climáticas”. Aliás esta foi a alegação da Associação das Senhoras Suíças, afirmando que as ondas de calor decorrentes dessas mudanças colocam em risco suas vidas devido à sua idade e ao seu gênero. Espera-se também um impacto em outras áreas relativas ao meio ambiente. Por exemplo, há um caso em curso contra uma decisão do governo da Noruega autorizando novas concessões para exploração do petróleo no mar a partir de 2035. Efeitos no Brasil Segundo a agência de notícias Reuters, especialistas europeus afirmaram também que a decisão pode ter efeitos imediatos em outros países, citando, especificamente, a Austrália, o Peru, a Coreia do Sul e… o Brasil. Fica aberto, portanto, o convite para que advogados, juristas, juízes, professores e estudantes de Direito, ONGs do meio ambiente e de direitos humanos, além de demais interessadas e interessados, se debrucem de imediato sobre as implicações da decisão em nosso país. *Jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Publicado anteriormente no portal rfi. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Reflexões sobre o Oriente Médio em crise

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Reflexões sobre o Oriente Médio em crise
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De ALEXANDRE CRUZ* Nos últimos dias, os eventos no Oriente Médio têm provocado reflexões profundas sobre o conceito de legítima defesa e suas implicações em um contexto de crescentes tensões regionais. A embaixada do Irã em Damasco foi alvo de um ataque perpetrado por Israel e, dias depois, os iranianos retaliaram, lançando um contra-ataque contra o país israelense. Esses acontecimentos não só acrescentam mais um capítulo à saga de conflitos e rivalidades na região, como também suscitam questões cruciais sobre a legalidade e a moralidade da legítima defesa em um cenário tão volátil. No âmago dessa questão está o princípio consagrado no direito internacional de que os Estados têm o direito soberano de se defender contra agressões armadas.  O Irã, ao justificar seu ataque como uma medida defensiva, destaca a necessidade premente de proteger seus interesses nacionais e a segurança de seus cidadãos. Além disso, devemos reconhecer que a busca pela legítima defesa muitas vezes é obscurecida por agendas políticas e estratégicas, levando a interpretações divergentes e justificativas questionáveis Como observadores imparciais, é nosso dever desafiar narrativas simplistas e buscar uma compreensão mais profunda dos complexos desafios enfrentados pelo Oriente Médio. Somente através do diálogo aberto, do respeito mútuo e do compromisso com o estado de direito podemos aspirar a um futuro de paz e prosperidade para esta região tão atribulada. Portanto, enquanto refletimos sobre os eventos recentes, insto a meus colegas jornalistas e líderes políticos que exerçam a moderação, a empatia e a sabedoria na abordagem das crises que assolam o Oriente Médio. Somente assim podemos almejar um caminho rumo a um futuro mais seguro e harmonioso para todos os povos desta região conturbada. *Jornalista político. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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