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Por que despatriarcalizar?

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Por que despatriarcalizar?
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Por JANETE SCHUBERT* Este texto se organiza a partir de cortes ou momentos. Primeiramente abordo a metodologia utilizada em pesquisas antropológicas e que utilizei para produzir este texto. Depois conduzo o leitor a um passeio pelos micros espaços sociais cotidianos, atentando para contextos nos quais comportamentos que são naturalizados carregam forte carga simbólica patriarcal. Em um último momento problematizo alguns situações que considero pertinentes. Como pesquisadora decolonial e, dos feminismos decoloniais, tenho refletido sobre a importância de despatriarcalizar as instituições. Temos uma pequena e não expressiva produção teórica sobre estes temas no Brasil e, obviamente, estamos muito longe de práticas que atravessem nosso cotidiano e possam constituir sujeitos “outros”. Ao longo dos meus vinte e cinco anos de trajetória como pesquisadora, adotei muitas posturas e metodologias para compreender e questionar as estruturas que sustentam as desigualdades de gênero. Recentemente, passei a explorar a atitude do flâneur como uma experiência metodológica, que me permitiu revisitar e ressignificar minha própria relação com o objeto de estudo. Essa abordagem se mostrou singularmente reveladora, especialmente por sua capacidade de unir a observação imersiva e a reflexão crítica. A sociedade patriarcal se manifesta de maneiras tão cotidianas quanto insidiosas. Minha experiência como flâneur — ou talvez flâneuse, uma distinção importante em si mesma — foi atravessar os espaços públicos e privados, percebendo como as relações de poder se desdobram em contextos urbanos e sociais. Andar pelas ruas, entrar em praças, observar as dinâmicas de trabalho e consumo, e até mesmo presenciar o uso do silêncio como ferramenta de controle, revelou camadas de uma sociedade que, muitas vezes, naturaliza a opressão. No papel de flâneur, reconheci que não sou uma observadora neutra. Minha posição social, de gênero e história pessoal influenciam profundamente o que vejo e como interpreto as dinâmicas observadas. Essa tomada de consciência transformou o processo de pesquisa em algo mais orgânico e dialógico. O que antes parecia ser apenas uma prática de coleta de dados tornou-se uma experiência de escuta e reflexão sobre a minha própria presença e impacto nos espaços que eu investigava. Ao adotar essa postura, deparei-me com situações que exemplificam as dinâmicas do patriarcado no cotidiano. Em uma tarde, ao observar o movimento em um café urbano, percebi como os gestos e as interações se estruturavam em torno de um padrão invisível, mas opressivo: mulheres frequentemente acomodavam-se em lugares mais discretos, enquanto homens ocupavam espaços centrais e dominavam as conversas. Esses padrões, embora aparentemente banais, revelam como o patriarcado molda até mesmo os menores aspectos da vida pública. E é necessária certa habilidade (no meu caso, anos como pesquisadora) para reconhecer e decodificar estas cenas que num rápido e menos atento olhar, não causam estranheza. A cultura patriarcal se manifesta em comportamentos, falas, ações e implicações que reforçam a ideia de que os homens têm mais poder, autoridade ou direitos do que mulheres ou pessoas de outros gêneros. Exemplos comuns e práticos que ilustram como isto pode ser percebido. No trabalho, nas interrupções ocasionais, em reuniões é comum as mulheres serem interrompidas mais frequentemente do que homens, mesmo quando estão apresentando ideias relevantes. Vamos pensar juntos, quantas vezes uma mulher sugere uma solução e é ignorada, e, momentos depois, a mesma ideia é validada quando repetida por um colega homem? Qual é a ideia que estou problematizando? No discurso macro, é fácil e até mesmo, politicamente correto, afirmar que somos a favor da igualdade de gênero, mas, no nível micro, que é onde a vida acontece, como são nossas ações? Muitas vezes nossas atitudes cotidianas reproduzem padrões patriarcais sem que percebamos ou façamos um mínimo esforço para problematizar. Esse descompasso entre o discurso e a prática ocorre por conta de normas e padrões culturais profundamente enraizadas. Vamos propor algumas situações para exemplificar, como se manifestam estes comportamentos no dia-a-dia e pensarmos de forma crítica. Como se dá a distribuição de tarefas e responsabilidade domésticas na sua casa? Quem faz a lista e as compras no supermercado e quem depois organiza as coisas compradas nos lugares? Quem geralmente faz a higiene e limpeza da casa/apartamento? Como se dá a dinâmica de interação em conversas? Quantas vezes você interrompe a fala de uma mulher? Quantas vezes você explica um assunto em que ela é a especialista? Como você lida com as expectativas preconcebidas a respeito do gênero?  Por exemplo, acreditar que as mulheres priorizam a família sobre a carreira, enquanto os homens são vistos como "provedores naturais". Ou ainda, não considerar uma mulher para uma promoção por suposições de que ela pode "priorizar os filhos" no futuro. Nos papéis de liderança homens são frequentemente percebidos como mais assertivos e adequados para cargos de chefia, enquanto mulheres enfrentam resistência ao serem firmes. Muitas vezes, uma mulher que lidera de forma assertiva é vista como "mandona", enquanto um homem é elogiado como "um líder forte". Nas questões de comportamento e aparência, você já percebeu que as mulheres são frequentemente julgadas por sua aparência, enquanto os homens são avaliados mais pelo que fazem. Supor que as mulheres devem manter um padrão de beleza para serem aceitas, enquanto os homens têm mais liberdade sobre a aparência. Geralmente os homens são desencorajados a expressar emoções como tristeza ou medo, enquanto nas mulheres é visto como "natural" demonstrar empatia e vulnerabilidade. Poderíamos elencar inúmeras situações, mas vamos nos ater a estes parcos exemplos. Passando para nosso terceiro e último momento do texto, quero refletir sobre o abuso, a violência e o feminicídio. O Monitor de feminicídios no Brasil divulgou os dados atualizados de 2024, revelando um aumento alarmante nos casos de feminicídios em todo o país. Enquanto o Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em 2022, ocorreram um estupro a cada 46 minutos no país. Não bastasse estas estatísticas, foi veiculado recentemente que existem páginas incitando ódio e violência contra as mulheres. Do ponto de vista formal, pode-se dizer, que estamos caminhamos rumo a igualdade de direitos, porém no mundo vivido, percebemos que temos um longo e árduo caminho para a igualdade fática entre homens e mulheres.  Face a isto, penso que precisamos realmente despatriarcalizar as instituições, todas, sem exceção.  E para citar apenas um âmbito, eu pensaria na educação, que eu conheço bem. Urge uma educação que desconstrua os papéis de gênero, que naturalize a existência de outros modelos de família, para além da família heteronormativa. E, sobretudo, que possamos construir outras formas de amar, ser e estar no mundo, para além das idealizações do mito do amor romântico. Desta forma, qualquer sistema político cuja proposta vise uma sociedade plural e igualitária, não pode prescindir de uma comprometida, real e profunda despatriarcalização. Dito de outra maneira, um mundo mais diverso, inclusivo, plural e igualitário passa, necessariamente, por uma radical transformação nos papéis de gênero, na forma como se constituem os sujeitos. Enquanto as mulheres foram objetificadas, exploradas, abusadas violadas e mortas, outro mundo não é possível."   *Janete Schubert é Doutora em Sociologia pela UFRGS, Pesquisadora Associada a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.   Foto de capa:  IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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A problemática estrujuntura brasileira

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A problemática estrujuntura brasileira
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Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA* Parte I 1)Introdução Duma certa feita, um querido amigo perguntou-me: - Paiva, tu que és tão rigoroso com dados de História Econômica, me tira uma dúvida, por favor. É verdade que o Brasil foi o país que apresentou as maiores taxas de crescimento em todo o mundo entre 1930 e 1980? Respondi ao amigo: - Médio B superior!” É “médio B” por três motivos. Primeiro porque o ciclo expansivo começou em 1932 (em 1930 e 31, a economia brasileira decresceu). Em segundo lugar, porque a Contabilidade Social estava sendo criada nos anos 30, e só alcança um grau maior de precisão e determinação na segunda metade dos anos 40 (após a criação do FMI e o Banco Mundial). Na verdade, ainda estamos refinando e “menos-piorando” as medidas de PIB e Valor Agregado. A metodologia de cálculo vem mudando a cada década. Quer dizer: não há dados internacionais rigorosamente comparáveis para este longo período. Em terceiro lugar, é muito complicado comparar o desempenho do Brasil com o resto do mundo. Pois ficamos relativamente imunes às inúmeras crises e conflitos bélicos que se sucederam no mundo entre 1929 e 1980. A crise de 1929, que impôs uma queda no PIB e no emprego das principais economias ocidentais (EUA à frente), foi uma “marolinha” no Brasil. Também passamos ilesos pela Segunda Guerra Mundial, que destruiu a Alemanha e o Japão; impôs enormes abalos nas estruturas produtivas de praticamente toda a Europa (da Rússia à Inglaterra), bem como à parcela expressiva da Ásia (China, Indonésia, Malásia etc.). Por fim, o Brasil pouco foi abalado pela chamada “Guerra Fria”. Que só foi Fria nos países centrais. Em quase toda a periferia asiática (Índia, Paquistão, Coreia, Indonésia, Vietnã, Camboja etc.), no Oriente Médio (em conflitos que estão presentes ainda hoje), e na África (com as guerras de libertação do continente, desde a Argélia até a África do Sul) a Guerra Fria foi extraordinariamente quente e destrutiva. Em suma: não há como se fazer uma comparação rigorosa entre os inúmeros países, seja em termos estritamente contábeis, seja em termos das condições de funcionamento das diversas economias ao longo de um período tão vasto. Não obstante, o “médio B” é “superior”; vale dizer, há uma dimensão indubitavelmente verdadeira na assertiva de que o desempenho econômico do Brasil foi extremamente elevado e, senão o maior, sem dúvida um dos maiores do mundo. Entre 1932 e 1980, a o PIB brasileiro cresceu estrondosos 2399,4%; o que implica uma taxa média de crescimento anual de 6,71%. Em nenhum ano deste vasto período o PIB do país decresceu. Ainda mais importante: quem “puxou” o crescimento da economia brasileira nesse período foi a Indústria, que cresceu 5.188,9%, a uma taxa média anual de 8,39% nos 49 anos entre 1932 e 1980. Quando achei que a “consulta” estava dada e o papo-cabeça havia acabado, o amigão lasca mais uma pergunta: - Sei que o nosso desempenho após 1980 piorou bastante. Mas, por vezes, me confundo com tantos elogios e críticas às gestões econômicas desse período. Quão “mal” estamos indo? ... Pediu, levou. Vamos aos dados. Entre 1981 e 2024 temos 43 anos. Nesse período, a economia brasileira cresceu 255,57%, o que implica uma taxa média anual de 2,21%. Hoje, quando crescemos a metade da taxa média anual do período 1932-80 (3,35%) soltamos estrepitosos foguetes. Ao contrário do primeiro período (sem nenhum ano de variação negativa), o PIB brasileiro decresceu em 9 dos últimos 43 anos. Mais: ao contrário do período anterior, o setor que menos cresceu (e que ajudou a derrubar a performance) foi a indústria, que se expandiu apenas 104,85% em 43 anos; taxa média anual de 1,67%. Mais (e pior) ainda! Não há uma única indústria, mas quatro: 1) Ind. de Transformação; 2) Ind. Extrativa Mineral; 3) Serviços Industriais (energia, comunicações, saneamento etc.); e 4) Ind. da Construção Civil. O crescimento da Indústria Total nesse largo período deve-se, na verdade, aos três últimos segmentos industriais. Eles cresceram acima do PIB: 272,49% em 43 anos (taxa média anual de 3,11%). Já a Indústria de Transformação cresceu parcos 43,99%; com uma taxa média anual de 0,89%. Como, nesses 43 anos, a agropecuária cresceu 369,62% (taxa média anual de 3,66%) e os serviços cresceram 327,17% (taxa média anual de 3,43%) chegamos a uma conclusão (NADA) surpreendente: quem puxou para baixo o crescimento do PIB nacional foi a .... Indústria de Transformação. Ela cumpriu, nos últimos 43 anos o papel oposto que cumpriu nos nossos 49 anos dourados. Antes, ela nos propelia; agora nos puxa prá baixo! Em “súmula”: para além das enormes (e óbvias) diferenças conjunturais ao longo destes dois vastos períodos - 1932-1980 x 1981-2024 -, estão postas determinações estruturais que os diferenciam radicalmente. Não será preciso esclarecer a ninguém as diferenças político-ideológicas que separam os governos (e suas políticas de desenvolvimento) de Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. Como não será preciso esclarecer as diferenças de projeto de Economia & Sociedade de João Figueiredo, José Sarney, Collor de Mello, FHC, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Não obstante, a dinâmica econômica efetiva de cada um dos dois períodos é marcada por uma unidade inquestionável. Por mais surpreendente que possa parecer. 2)Amigo é coisa prá se guardar! Adoro Economia e adoro conservar sobre Economia. E amo amigos curiosos e inteligentes. Mas, por vezes, eles superestimam minha saberetice, assim como minha capacidade de explicar, didaticamente, temas mais do que complexos: escabrosos! E me fazem perguntas que vô-ti-contá-prá-ti! ... Foi o que aconteceu! O amigão lascou mais uma: - Então me explica o que mudou e porque estamos neste reme-reme, depois de termos sido (senão “a”, pelo menos) uma das economias mais dinâmicas do mundo! Não há o que não haja! Vinguei-me socraticamente e lhe devolvi a questão (maiêutica é tudibão!) - Diga-me qual é a sua hipótese. E ele respondeu: - Acho que falta “cultura de inovação” à burguesia brasileira. Ela é rentista, oportunista, curto-prazista, não tem preocupação com a sociedade e prefere a especulação ao investimento produtivo! Ai se eu não amasse profundamente os meus amigos e se eu não fosse essa água de poço, esse verdadeiro Buda, essa reencarnação de Sidarta Gutama! Inspirei, respirei e não pirei. Pelo contrário: incorporei o espírito do mestre Shao-Lin de David Carradine. E perguntei: Querido Gafanhoto, a burguesia brasileira sempre teve essas características? Ou ela era inovadora, produtivista e preocupada com a sociedade entre 1932 e 1980, quando o produto industrial crescia a 8,4% a.a.? Teria sido ela assolada por um surto psicótico a partir de 1981? E, se me permites mais uma pergunta, querido Gafanhoto, quando caracterizas a burguesia brasileira como rentista, oportunista e sem “cultura de inovação” estás tomando por referência e medida a burguesia de qual nação? Onde é o paraíso em que viceja esta burguesia preocupada com a sociedade, avessa ao rentismo e à especulação, compulsivamente inovadora e produtivista? Não é só o Sangue de Cristo que tem poder. A maiêutica também tem. Meu amigo calou-se, pensativo. E me respondeu que iria refletir sobre minhas perguntas. Redargui que, enquanto ele refletia, eu iria colocar minhas hipóteses de respostas num texto. Então, senta-te aí, Gafanhoto, que lá vai textão! (Mas não desista antes do tempo, pliss! Me deu muito trabalho! Em prol do amigo, vou dividir o textão em duas partes.) Comecemos (como convém) pelo início. Longe de mim pretender que a burguesia (e o capitalismo) brasileira(o) seja como a de qualquer outro país. Nada mais avesso ao referencial da Economia Política Crítica do que os modelinhos universalistas baseados em abstrações simplórias (do tipo “homem econômico racional”) e no desconhecimento dos componentes sociais, culturais e antropológicos da dinâmica econômica de cada nação. Esse tipo de abstração-simplificadora é, sem sombra de dúvida, o maior equívoco e vício da “Ciência Econômica”. Um equívoco vicioso que transcende (e muito!) aos escaninhos do neoclassicismo e dos economistas liberais “puro sangue”. Este mal viceja – e muito – em searas que se querem heterodoxas. A máxima dos defensores da Modern Monetary Theory (MMT) de que não existe limite para a emissão monetária governamental em “qualquer país de moeda soberana” é a evidência maior do caráter endêmico (e pandêmico) dessa doença que assola os economistas. Não parece lhes ocorrer que, uma queda da taxa de juros no Brasil – ao contrário dos EUA – pode induzir a uma fuga para o dólar e a uma desvalorização do real. Fuga impossível nos EUA; por motivos que (creio) são óbvios. O que implica dizer: não, nem toda a “moeda soberana” é igual. Dólar, Euro, RMB, Real e Peso Argentino são, todas, moedas soberanas. Mas são muito diferentes. Capisce? Posto isto, voltemos à questão das particularidades da nossa burguesia. Sim, ela tem inúmeras particularidades e peculiaridades. Um país de passado (ainda presente) escravista, latifundiário e colonial não é um país qualquer. E as classes sociais que aqui vicejam não vicejam como alhures. Sem dúvida, a burguesia brasileira é particularmente “meritocrática”. Sua falta de sensibilidade social e de empatia com a classe trabalhadora é capaz de dar inveja no brâmane hindu ortodoxo mais avesso a qualquer contato visual com párias intocáveis. Seu liberalismo também é exemplar; único no mundo. Ela tem tanto ódio do “bolsa-família”, quanto tem adoração por subsídios. Ela se escandaliza com o déficit da previdência, mas acha normal que os juros da dívida pública correspondam a três vezes este valor. Ela se revolta com o exorbitante orçamento da saúde (que sustenta o SUS), mas acha normal que o orçamento das Forças Armadas corresponda à metade desse valor. Ela critica o PRONAF e o responsabiliza pelo fato do Plano Safra para a agricultura empresarial (igualmente subsidiado) ficar aquém das “necessidades”. Sim, não há dúvida: a burguesia brasileira - e seus fiéis vassalos na mídia tradicional e na “ciência econômica” – são particularmente disgusting. O Brasil é um caso para Freud! Mas não há só particularidades. Há, sim, dialeticamente, padrões de comportamento, posturas diante da sociedade e “decisões” de investimento e aplicação financeira que são “da ordem do capitalismo”. Quando Marx dizia que o empresário-capitalista é um “servo do capital”, e não um sujeito livre a autônomo (como ele próprio e a ideologia dominante pretende), ele não estava “tergiversando”. Nem precisava olhar muito longe. Bastava observar as decisões tomadas por seu amigo e companheiro Engels. Alguém pode duvidar que Engels defendesse e lutasse pelo fim da ordem burguesa e pelo controle operário dos meios de produção? ... Creio que não. Alguém pode duvidar de que ele pagasse salários similares àqueles pagos por seus concorrentes, que os assalariados de sua firma trabalhassem o mesmo número de horas que nas demais ou que os produtos de sua firma fossem vendidos a preços condizentes com o grau de monopólio da firma e, portanto, capazes de garantir a maximização da taxa de sua taxa de rentabilidade? ... Também, creio que não. Na luta política, Engels era um revolucionário. Enquanto empresário, era um agente (ou seria melhor dizer: um empregado?) do Capital. Neste plano particular – da existência de uma lógica geral de valorização que se sobrepõe à vontade particular e às culturas nacionais – Keynes e Marx são irmão siameses. Segundo Keynes, o empresário-capitalista busca, acima de tudo, a valorização do capital. E o investimento produtivo é mais arriscado (ou, para ser rigoroso: sua rentabilidade comporta um grau de incerteza maior) que a inversão financeira. De sorte que a especulação é a opção que tende a ser privilegiada. Seja o empresário-capitalista um quaker da Nova Inglaterra, seja ele um “meritocrata” do agronegócio brasileiro. Weber e Schumpeter parecem divergir dos dois grandes mestres supracitados. Mas as aparências enganam aos que odeiam e aos que amam. Weber afirma que, em sua origem, a ética capitalista está baseada num princípio a-racional de trabalho e poupança. Mas também afirma que a própria ordem capitalista solapa, gradativamente, esse princípio, alimentando o oportunismo, o rentismo e o privilegiamento do ganho a qualquer custo. Em seu primeiro grande trabalho – a Teoria do Desenvolvimento Econômico - Schumpeter diferencia o capitalista do empresário. E caracteriza este último como “o agente da inovação”, um sujeito que não é, nem capitalista, nem trabalhador. Ele é uma espécie de visionário, de sonhador, que almeja não apenas o lucro, mas a conquista de um poder particular na sociedade, um poder privado sobre pessoas, sejam eles seus empregados, seus concorrentes (menos competentes) e sobre os agentes públicos, que passam a respeitá-lo e a ouvi-lo antes de tomarem decisões de política econômica. O empresário de Schumpeter é um misto do self made man norte-americano e senhor feudal do medievo europeu. E, sem dúvida, ele é um “personagem teórico” de uma cultura peculiar. Mas, tal como Weber, Schumpeter o abandona gradativamente. Em seu (igualmente canônico) Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter substitui o “empresário” pela “firma oligopolista”. E a firma schumpeteriana tem interesses e projetos distintos do seu empresário ideal. Ela é burocrática (no sentido de Weber e de Berle & Means) e busca maximizar os ganhos das inovações pregressas, adiando a introdução de “novas inovações” com vista a ganhar mais ... dinheiro. Em suma: para além das diferenças, há algo que une as economias capitalistas e os grandes pensadores. Marx, Keynes, Weber e Schumpeter convergem e concluem que – a despeito do que pretendem os críticos mais acerbos das (equivocadas) generalizações e abstrações dos economicistas – o capitalismo comporta, sim, muitos elementos de uniformidade. Mas agregam – contra os liberais que anulam as diferenças e naturalizam a Economia – que essa “uniformidade” não tem nada de “benéfica à sociedade”. Deixados por si mesmos, os “diversos” capitalismos levam ao mesmo lugar: à concentração de renda, à concentração da propriedade, ao rentismo, à especulação e à depressão do investimento produtivo. E se há inovação, ela só é introduzida quando rende mais do que explorar a estrutura produtiva já instalada: vale dizer, quando a negação do trabalho compensa as novas inversões. Quando a produtividade do trabalho cresce muito e as demissões da mão-de-obra “pagam a pena”. .... Infelizmente, para a maioria dos economistas, no Brasil a burguesia é atrasada e ainda emprega gente demais. Pois é. 3) Os dois Brasis e suas duas Estrujunturas A questão é, que para além da dialética de universalidade do capitalismo e particularidade histórica, um único e mesmo país – o Brasil – viveu (e vive) duas “estrujunturas” radicalmente distintas. O que significa dizer que, para além daquilo que nos é peculiar, e para além daquilo que nos é universal, dois padrões de reprodução econômica profundamente distintos se impuseram sobre a terra pátria. E estes dois padrões distintos não podem ser explicados, nem a partir das nossas peculiaridades, nem a partir da nossa universalidade. Só a HISTÓRIA pode nos (auto)explicar. Vamos a ela, pois. Começando pela dimensão mais simples: a interna. Entre 1932 e 1980, esse país – hoje, “doente” - foi (senão “o”, pelo menos) um dos que mais cresceu em todo o mundo. E o fez puxado pela Indústria em geral e pela Indústria de Transformação em particular. Depois, passou a andar devagar, quase parando. Justamente no período da Abertura (lenta, gradual e, ainda, restrita) e dos governos democráticos. No período dos governos do Príncipe dos Sociólogos e do PT. Por quê? Um elemento fundamental (ainda que não seja o principal!) da resposta encontra-se justamente na transição política dos anos 80. ... Ops! Calma aí com avaliações precipitadas. ... Não estou pretendendo que a “Democracia” e a “Constituição Cidadã” expliquem a nossa nova “conjuntura estrutural”, a nossa nova “estrujuntura”. Estou apenas dizendo que esta mudança é parte do importante do quadro atual. Senão vejamos. De uma perspectiva apressada (mas não totalmente equivocada!), a principal diferença “interna” entre os dois períodos encontra-se no fato de que, entre 1932 e 1980, o Brasil esteve, durante 30 anos, em regimes de exceção (1932-1945 e 1964-1980), com um curto interregno democrático entre 1945-1963. É preciso olhar esta dimensão de frente, pois é ela que dá a base “racional” para um grave problema político nacional: o saudosismo da ditadura. A verdade é que o acelerado crescimento deste longo período não tem relação com o poder “autocrático” de Getúlio (no período 1932-1945) ou dos Presidentes nomeados pelas Forças Armadas (entre 1964 e 1980). O crescimento da economia brasileira nos 18 anos de “normalidade democrática”, entre 1946 e 1963, foi de 342,38% (média anual de 7,08%); muito similar ao crescimento do país nos 17 anos “áureos” da Ditadura Militar: 357,45% (média anual de 7,78%). E isto apesar da instabilidade política do primeiro período, marcado por inúmeras tentativas de golpe nos governos Vargas e JK; finalmente concretizadas no governo Jango. O que há em comum entre esses dois períodos, então? O poder do Poder Executivo. A despeito de toda a instabilidade política entre 1945 e 1963, o Poder Executivo contava com um conjunto de instrumentos de gestão com os quais ele não conta mais. Desde logo, o órgão que fazia as vezes de Banco Central no período – a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) – era um órgão do Banco do Brasil, sob gestão direta do Banco do Brasil e, por extensão, da Presidência da República. E era a SUMOC que definia a taxa de juros básica, a política de emissão monetária e a estrutura das taxas de câmbio, que eram diferenciadas em função da prioridade das importações. A taxa de câmbio para importação de bens supérfluos e de bens que contavam com produção similar nacionalmente era mais elevada do que a taxa de câmbio para importação de produtos essenciais (bens de capital, petróleo, trigo, etc.). Igualmente bem, a SUMOC diferenciava a taxa de câmbio para exportadores: o câmbio das exportações de café era menor que o câmbio das exportações de bens industriais, por exemplo. O que implicava numa taxação extra sobre o agronegócio e num estímulo à indústria. Além disso, a política monetária e creditícia – sob responsabilidade da SUMOC – era administrada diretamente pelo Poder Executivo, solidarizando-a com a política fiscal e com a política de desenvolvimento e de desenvolvimento industrial. Mais: desde Volta Redonda que o Governo Federal passou a controlar o preço do aço, um dos mais importantes insumos industriais. Com a constituição da Petrobrás e (após a CHESF), da Eletrobrás, o Governo Federal passou a controlar os preços dos derivados do petróleo e da Energia Elétrica. Em suma: ao fim do segundo governo Vargas, o Executivo controlava a taxa de juros, a taxa de câmbio, a taxa de salário (via salário-mínimo), as alíquotas de impostos, a exposição competitiva dos diversos setores (via câmbio e tarifas alfandegárias), a disponibilidade de financiamento para os diversos setores (via BB e BNDES), e o preço dos principais insumos industriais, do aço aos derivados de petróleo, passando pela energia elétrica e motores de combustão interna. “Só isso”. Seu “suicidamento” é indissociável desse “excessivo” controle. E ele garantiu ao Brasil mais 9 anos e meio de democracia com Estado forte. O golpe de 1964 não veio para alterar ou subverter o poder do Estado. Ele veio para colocar este poder “excessivo” em mão “confiáveis”. E ao longo de 17 anos, o Leviatã não parou de crescer e de se impor sobre a economia e a sociedade. Se a burguesia nacional e/ou a internacional ocupava os setores abertos ao ingresso de forma “adequada”, o Estado apoiava a “iniciativa privada” de forma incisiva; com subsídios, crédito preferencial, isenções e tarifas alfandegárias elevadas para impedir a concorrência externa. Mas se, eventualmente, as expectativas não eram contempladas, o Leviatã ingressava nas searas e terrenos ociosos com uma sanha e velocidade desconhecida pelas lideranças mais radicais do Movimento dos Sem Terra. ... A diferença é que o Estado ocupava o espaço para o “bem de todos”. E, oportunamente, retornaria os frutos de sua “invasão” a quem de direito. A democratização – lenta, gradual e ainda restrita – cumpriu esse papel. Na gestão Figueiredo-Delfim da primeira metade dos anos 80, a dívida externa privada foi tornada dívida pública. Com a benção e o aval do FMI. Esta estratégia persistiu nos anos Sarney. Collor deu início ao programa de abertura externa e desestatização. Itamar continuou; mas despacito. Fernando Henrique Cardoso veio com tudo e privatizou as joias da coroa do patrimônio público, construído no interregno Getúlio-Geisel, a preços camaradíssimas! Simultaneamente, a Constituição Cidadã trouxe duas contribuições importantes. Em primeiro lugar – após anos de subserviência do Parlamento ao Executivo -, a nova Constituição outorgou poderes expressivos ao Congresso Nacional. Em especial no que diz respeito ao controle orçamentário. Quero crer que a intenção dos constituintes era a melhor possível. Mas, objetivamente, são esses poderes que, hoje, se expressam em desvios nada republicanos, como as “emendas secretas” e o persistente adiamento da votação da proposta orçamentária do Executivo, que impõe pesadas amarras à ação estatal. Além disso, a Cidadã determinou que o Presidente do Banco Central seria indicado pelo Presidente da República, mas teria que ser aprovado pelo Senado. Ouvida a sociedade, claro. Sociedade, como se sabe, é o outro nome que se dá à Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) em certos ambientes políticos de Brasília. Ufa! Em 2003 o espólio público pode ser entregue aos perigosos petistas devidamente desdentado e desidratado. Com um Banco Central (na prática, já) autônomo, sem Siderbrás, sem Telebrás, sem Vale do Rio Doce, sem Light, sem Gerasul, sem várias subsidiárias da Petrobrás e com os Estados Federados sem os seus bancos públicos. Faltou tempo para privatizar o BB, a CEF, o BNDES e o núcleo da Petrobrás. Mas, enfim, havia a expectativa (que acabou sendo frustrada!) de que os incompetentes petralhas não pudesse governar eficientemente sem os instrumentos que se mostraram tão funcionais ao planejamento público durante décadas. 4) O Plano Real e o componente externo Mas nem só de desidratação do Executivo vive a crise do Planejamento Brasileiro. Na verdade, do nosso ponto de vista, esta é apenas uma das pernas da nossa problemática “estrutujuntura” do período 1980-2024. Há um outro elemento que é, pelo menos, tão importante quanto: a política nacional de combate à inflação instituída desde 1994 e ainda vigente (por mais que os economistas do mainstream pretendam que a política de “metas de inflação” seja radicalmente distinta da política de câmbio fixo dos primeiros quatro anos do Rea! Haja formalismo!). Esta política está ancorada na exposição competitiva da produção nacional tradable (vale dizer: agrícola, extrativa mineral e da indústria de transformação) à concorrência externa via câmbio. Quando a inflação coloca a cabeça de fora, o Banco Central (autônomo desde 1988; independente desde Bolsonaro) eleva a taxa de juros, atrai dólares do exterior e induz à valorização do real. A consequência é a depressão do preço dos importados. Em especial, dos bens da Indústria de Transformação. Tal como anunciamos anteriormente, este texto foi programado para ter duas partes. Vamos deixar essa segunda parte para a próxima publicação. Mas não poderíamos deixar de dar uma breve “palinha” sobre o que virá. Entre 1932 e 1964, houve diversos governos, com inflexões políticas distintas. Dutra e Jânio intentaram introduzir reformas liberalizantes. E, até certo ponto, o fizeram e foram bem-sucedidos. JK impôs inflexões no projeto de desenvolvimento que Vargas havia construído com apoio da CEPAL e do BNDES, ao longo de seu mandato anterior. E essas inflexões não eram menores: elas envolviam um novo padrão de abertura para o capital internacional, com consequências importantes para a dinâmica econômica e política nacional nos anos seguintes. Não obstante, a despeito de todas as inflexões e mudanças, havia algo que era absolutamente nítido e claro para todos os políticos e empresários do país no período 1930-1980: houve, há e continuará havendo escassez de divisas. Vale dizer: o dólar foi, é e continuará sendo caro. E, portanto, não houve, não há e não haverá divisas suficientes para dar conta de todas as necessidades. Não há como importar máquinas, insumos industriais e agrícolas, trigo, petróleo e - ainda por cima - importar tecidos, vestuário, alimentos, móveis, eletrodomésticos, bebidas, equipamentos mais simples (martelos, tornos, enxadas, arados, etc.), ferro, aço, etc. .... Logo, é possível ingressar e permanecer, com grande segurança, nos setores de mais fácil substituição de importação sem que concorrentes externos nos confrontem. Esta – que era a única certeza empresarial num país política e institucionalmente instável – se esboroou nas duas últimas décadas do século XX. Por quê? .... Teu nome é China! O crescimento extraordinário desse país alavancou a demanda por commodities agrícolas e minerais no mundo todo. E o Brasil passou a contar com o que nunca teve: reservas. E passou a poder usar o câmbio para controlar a inflação. A partir de então, a única certeza que se tinha sobre o futuro se esboroou. A partir dos anos 80-90, entramos, definitivamente, na Era da Incerteza. ... Capisce? ... Não? Explicamos no próximo texto.     *Carlos Águedo Paiva é Economista, Doutor em Economia e Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica. Ilustração de capa: Vandré Kramer/Gazeta do Povo com DALL-E Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.            

Cultura

Programas – de 10 a 17 de janeiro

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Programas – de 10 a 17 de janeiro
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* *Morreu esta semana, de um ataque cardíaco fulminante, a mãe do médico palestino, ortopedista e traumatologista Hussam Abu Safiya, de 73 anos, diretor do Hospital Kamal Adwan, em Beit Lahia, norte de Gaza, hoje totalmente destruído. Junto com outros médicos da sua equipe, Safiya foi sequestrado por forças militares de Israel, e o seu paradeiro continua sem confirmação oficial. Como médico de firme renome internacional na Europa e Estados Unidos, a sua prisão tem sido motivo de manifestações de colegas e profissionais da saúde em geral, em vários países – Espanha, EUA e Bélgica, entre eles. *Amanhã, sábado, dia 11/01, será a vez de grande manifestação na Praça da Bastilha, em Paris, às 14.30 horas, com o lema “Liberdade para o Dr. Abu Safiya e para toda a Palestina”. *Informação: durante as festas de Ano Novo 74 crianças de Gaza morreram em ataques terrestres e bombardeios das forças de combate israelenses. *Início de ano tenso, com notícias preocupantes que deixam pouco espaço para programas relaxantes. Na área das redes sociais foi grande a repercussão do discurso da jornalista filipina e Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, alertando o mundo sobre a decisão criminosa e oportunista da Meta de cessar a checagem de fatos (fact-checking): “Momento extremamente perigoso para o jornalismo”. Mark Zuckerberg diz que se trata de liberdade de expressão. É falso. Sua decisão aponta para ganhos de lucro e poder”. *Sobre os safanões que a extrema direita neofascista brasileira continua impondo à população: “Com essa direita, se não estamos com golpes e ditadura é porque ela está sempre preparando golpes e ditadura”, diz o economista e professor da Universidade Estadual de Goiás, Angelo Cavalcante. *E o Ministro Alexandre de Moraes sobre o 8/1: “Erramos ao achar que o golpismo estava vencido. Não estava e não está”. *Instabilidade climática e aquecimento mais que comprovado do planeta Terra. Turistas que atravessaram o Canal da Mancha viajando no Eurostar, esta semana, se mostram estupefatos com a diferença da paisagem que presenciaram, no espaço de cinco horas da viagem: do lado da Europa continental, Amsterdã, inverno branco, cidade inteiramente coberta por neve espessa; do lado britânico, na estação internacional de St. Pancras, em Londres, esplendorosa primavera com sol e céu azul sem nuvens. *A crise dos incêndios florestais descontrolados e intensificada pelos fortes ventos da Califórnia gerou evacuações em massa e destruição. Mais de 30 mil pessoas foram retiradas de suas casas, nos bairros mais ricos de Los Angeles. No grupo de moradores bilionários desabrigados (?), celebridades do mundo cinematográfico. *Amanhã, sábado, (11/01), às 10 horas, no Rio de Janeiro, Praça Lamartine Babo, na Tijuca, defronte do 1º Batalhão de Polícia do Exército e diante da escultura do busto de Rubens Paiva, ato em sua memória e dos que foram mortos no interior do Doi-Codi. Organizado pela Associação Brasileira de Imprensa, pelos grupos Rio da Paz e Tortura Nunca Mais – RJ. Segundo a Comissão Estadual da Verdade, apenas no Rio de Janeiro foram 163 os mortos e os desaparecidos que lutaram contra a ditadura civil-militar de 64. *Mas escreve o escritor Marcelo Rubens Paiva: “Tentaram acabar com o cinema brasileiro e criminalizar leis de incentivo à cultura, mas nós ainda estamos aqui. Eles se vão e a gente fica. Viva Fernanda Torres e Montenegro, Sônia, Marília, Glauber, Nelson, Babenco, Walter, Meirelles, Padilha, Kleber, Karim, Anselmo e tantos”. *Escândalo. Um dia após anunciar o fechamento do Arquivo Público, na Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, com prédio em risco de desabamento e incêndio, o governo estadual voltou atrás, anuncia a Agência Brasil. Segundo nota divulgada no último dia 8 pela Secretaria de Estado da Casa Civil, a decisão de fechar as portas teria sido tomada de forma unilateral pelo diretor do órgão. “O prédio do Arquivo não oferece risco estrutural”, registra a nota. *Com mais de 93 anos de existência, o Arquivo Público é guardião de documentos de diversos gêneros e de objetos relevantes para o estudo da história e da sociedade fluminense. Atenção: o Arquivo guarda, por exemplo, documentos produzidos durante a ditadura militar pelo extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops). *Excelente programa: assistir ao documentário Retomada, inédito na TV, com as histórias da resistência e luta pela conservação de identidade cultural contra os ataques e avanço do agronegócio na região do baixo Tapajós, no Pará. Protagonistas, as corajosas tribos das aldeias Castanhal dos Tupinambá e Açalzal dos Munduruku. No Canal Brasil, amanhã, sábado, dia 11, às 20 horas. O filme é de 2024 e a direção é de Ricardo Martensen. Nele, a história do militante Cristian Arapiun e registros de vídeos realizados pelos moradores locais com seus celulares, e mostrando o bloqueio de máquinas de destruição utilizando seus próprios corpos. *Informação da Editora Tabla: livros na pauta dos seus lançamentos para 2025: Duas mulheres em uma, do Egito, de Nawal El Saadawi, tradução de Beatriz Negreiros Gemignani; Uma girafa insone em Damasco, de Khalil Alrez, tradução de Safa Jubran; Stella Maris de Elias Khoury, tradução também de Safa Jubran; Uma ilha chamada Armênia, de Cassiana Der Haroutiounian, traduzido por Catherine Chahinian. *No Espaço Abu Copacabana, em cartaz a peça Entressafra, até 02 de fevereiro. Direção de Cristina Moura e texto de uma hora de autoria da atriz Isabel Guéron, baseada no livro homônimo lançado em 2021. Atuação de Isabel. A peça retrata com humor os dramas e reflexões de uma atriz durante as entressafras que o ofício lhe impõe. *Filme O Auto da Compadecida 2, com Matheus Nachtergale e Selton Mello, já faturou mais de 44 milhões de reais na boca das bilheterias dos cinemas. *Convite da Editora Garamond e da Casa da Táta para o lançamento do livro de Liszt Vieira A Democracia na Encruzilhada – o Brasil no governo Lula com uma conversa com Luiz Eduardo Soares. No próximo dia 14, terça-feira, às 18h30. No Jardim Botânico, Rua Manoel Ferreira, 89. *Inteligência de Estado, Transição Climática e República Democrática são temas quentes de mais um debate organizado pelo Instituto Novos Paradigmas (INP), na Casa Verso, em Porto Alegre. Com o diretor geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa e o vice-diretor Marco Cepik, e João Carlos Brum Torres, Vicente Trevas e Rualdo Menegat. No próximo dia 15, às 18 horas. “Com chope gelado e empanadas argentinas”, anuncia o animado grupo do INP. *Do jornalista Jamil Chade: “Trump sabe que o mundo está derretendo, aposta no aquecimento global e no derretimento dos polos e faz sua ofensiva sobre a Groenlândia. Uma das suas primeiras medidas deve ser a retirada dos EUA do Acordo de Paris e a aprovação de um desmonte das regulações ambientais em seu país”. *O Parque de Ideias, projeto idealizado pelo documentarista Marcio Debellian, recebe atrações na Biblioteca Parque Estadual, no Centro do Rio de Janeiro. Neste mês, a atriz e diretora Denise Stoklos, o estilista e designer de moda Thomaz Azulay, a jornalista e roteirista Mariana Filgueiras e o diretor teatral e professor Diogo Liberano participam dos encontros com o público. Toda a programação é gratuita. Inscrições através do site. Denise retorna com sua peça Um Fax para Colombo, dia 14, às 18 horas. “Expressão de uma profunda indignação pelas invasões estrangeiras, extermínios dos povos originários, escravidão negra, e opressões sociais e políticas que ainda repercutem em toda a América Latina”, diz ela. *De Ana Luisa Saramago Stern, professora de Direito da PUC-Rio: “Ainda estou aqui, a meu ver, não quis, propositadamente, deter-se em detalhes de um regime específico, de um momento histórico determinado e de personagens bem definidos porque tem o mérito de tratar de um modus operandi característico de qualquer regime autoritário. O silêncio sobre certos detalhes de sua história é a transcendência da história de Eunice Paiva para a possibilidade de repetir-se a mesma história a qualquer Eunice, em qualquer ditadura. A brutalidade do desaparecimento de Rubens Paiva, no silêncio sobre os detalhes de seu personagem, está na mensagem: ‘Qualquer um pode ser um Rubens Paiva em um regime de violência'”.   *Léa Maria Aarão Reis é jornalista.   lustração de capa: Marcos Diniz   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia. (mais…)

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Desperdícios III

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Desperdícios III
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Por ADELI SELL* A cada dia poder-se-ia escrever ou falar de desperdício praticado pelos seres humanos. Já vimos como cascas, folhas de legumes jogadas ao lixo poderiam ser forte fonte de garantia de maior segurança alimentar. Tão simples. Tão banal. Mas continuamos a praticar estupidez. Vimos as toneladas de grãos perdidas da colheita ao destino. Tudo parece tão normal. E o que dizer do desperdício que começa na produção? Vamos pegar a indústria de fármacos. Para quem é feita a receita quilométrica? Papel é feito de madeira, com muito produto químico.... Certo? Por que colocar um tubo de pomada numa caixinha? Para não sujar? Para não contaminar? Para não infringir um processo de deterioração o tubo? Não sei! Você sabe? Gostaria de saber! A pasta dental do mercado vem no tubo e este vem numa caixinha, a esta às vezes, juntam-se mais duas, numa promoção e vem um plástico que as cobre. E tudo isso se coloca num saco plástico para levar. Por que as garrafas de vidro não são mais retornáveis? Por que os presentes sempre tem que vir num invólucro caro? O que importa é o conteúdo ou a forma? E agora vamos à política nacional de resíduos sólidos. A lei existe. Faz mais de uma década do prazo fatal para não haver mais lixões. Até a Rede Globo, preparando a nossa COP, começa uma série de matérias, por sinal a primeira feita por um bom jornalista e com bom conteúdo. Seria bom nas novelas ter alguma ação de boa governança ambiental. Aonde vamos parrar com o desperdício? A falta de uma política de reciclagem é uma forma cruel de desperdício. Somente 8% estaria sendo reciclado no país. Mas o pior é que o desperdício deste material vai poluir mais e mais a Natureza. E, neste verão, não vamos falar do desperdício de água? Vamos! E tem mais....     Leia também Desperdícios II. *Adeli Sell é professor, bacharel em Direito. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.        

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Por que o golpe de Bolsonaro fracassou

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Por que o golpe de Bolsonaro fracassou
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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim Tempos atrás publiquei uma série de artigos sobre a história dos golpes de estado no Brasil. Foram seis artigos reunidos sob o nome de “Golpes e contra-golpes na tradição brasileira”, abrangendo o período entre a Independência e o golpe antecipado que, com base na poluída operação Lava-Jato, impediu a candidatura de Lula em 2018, abrindo o caminho para a vitória de Jair Bolsonaro. Complementou a série um outro artigo, chamado de “O bizarro auto-golpe do candidato a Messias”, publicado em 14/12/2022, dois dias depois das arruaças em Brasília que visavam tumultuar/impedir a diplomação do presidente eleito, o Lula. Agora, à luz das evidências apresentadas pela investigação da Polícia Federal, me disponho a analisar a tentativa de auto-golpe engendrada nos gabinetes do Palácio do Planalto e os motivos que a levaram ao fracasso e ao conturbado fiasco de 8/1/2023, que comemora seu segundo aniversário. Curiosamente começo fazendo referência a um artigo que defende os golpistas, repete seu argumento de que as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro não são confiáveis, denunciando a iniciativa do juiz Alexandre de Moraes e o relatório da Polícia Federal como fraudulentos, motivados sobretudo pela animosidade política do juiz do Supremo contra os denunciados, em particular o ex-presidente. Trata-se do artigo “O golpe impossível”, de J. R. Guzzo, publicado na Revista Oeste on line, edição 245, de 24/11/2024, em inglês como “The Autopsy of a Farce”, publicado em 07/12/2024. O artigo diz que a investigação e o relatório são falsos porque é “inverossímil” que apenas 37 pessoas em gabinetes fechados tenham pretendido arquitetar um golpe. Bem, o artigo tem razão num ponto: tal trama, assim descrita, é inverossímil; embora, digo eu, não impossível, dada a avidez do grupo palaciano por permanecer palaciano. Seguiu esta trama desenhos análogos anteriores, quando um grupo relativamente pequeno de pessoas tentou tramar e executar um golpe de estado, como, para citar alguns exemplos, nos episódios de Aragarças e Jacareacanga, nos anos 50, ou no caso de Sílvio Frota vs. Ernesto Geisel, nos anos 70. Sobreleva o articulista o fato de que as quase quatro dezenas de golpistas do passado governo tentaram articular apoios no país inteiro, a começar no cercadinho do ex-presidente, depois, já em meio ao clima pré- e pós-eleição de 2022, com a pressão dos seus seguidores na porta dos quartéis e as arruaças para impedir a diplomação do presidente eleito, o Lula, tudo culminando na patetada de 8 de janeiro de 2023. Mas é verdade que o golpe tramado tinha tudo para não acontecer, como de fato não aconteceu. O que não quer dizer que não houvesse perigo para a democracia, nem que seus propósitos não fossem dos mais ameaçadores. Um dos fatores impeditivos do golpe esteve no próprio comportamento do núcleo conspirador. Um auto-golpe, como hoje se convenciona chamar um golpe de estado executado por quem já está no poder, deve partir do princípio de que algo põe em risco ou impede quem governe de governar, seja uma suposta conspiração externa ou interna ao próprio governo. Ou seja, é necessário algum argumento muito consistente, pelo menos na aparência, justificando que um governo rompa a ordem institucional em que se apoiou para chegar aonde chegou. A primeira dificuldade neste trajeto estava no próprio grupo palaciano que tramava o golpe. Parece que, a começar pelo seu chefe, o presidente, eles faziam de tudo, menos governar. Formavam um bando de desocupados que só conspiravam, organizavam passeios de jetski ou de motocicletas, intervenções canhestras nos cercadinhos do país. Simplesmente delegaram a tarefa de governar para o Paulo Guedes, que fez o que pôde e não pôde, também o que devia e o que não devia. O tecido social e a credibilidade do país naufragaram, apesar dos esforços da mídia corporativa para demonstrar o contrário. O próprio presidente parecia ser o chefe da vagabundagem, fazendo discursos que oscilavam entre a ameaça e o ridículo, cometendo gafes sem parar, desde comer pizza na rua de Nova Iorque por não querer reconhecer publicamente que se vacinara, embora em segredo tivesse forjado um atestado de vacina para poder entrar nos Estados Unidos, a pisar no pé de Angela Merkel, ouvindo em troca um “só podia ser você”. Em segundo lugar, retroativamente pode-se ver que não havia apenas um golpe sendo arquitetado. Havia pelo menos três. Um, o mais evidente, era o da família real, quer dizer, presidencial. Outro previa, além de impedir que Lula fosse eleito e, se eleito, tomasse posse, que uma junta militar assumisse o governo, destronando o próprio presidente. Ainda outro projeto de golpe, o mais obscuro, abria as portas para que uma liga de milicianos, próceres do crime organizado, evangélicos da direita radical, oficiais de segundo escalão e lava-jatistas sequiosos de poder e/ou dinheiro assaltasse as instituições federais. Imagino que até membros da Opus Dei devem ter se assustado. Em resumo, no fundo, não havia unidade na trama do golpe. Quem seria o capo do golpe depois do golpe? O presidente? Braga Neto? Uma junta militar que não contava com o próprio comando das Forças Armadas? Alguém mais? Ao mesmo tempo, o motivo alegado para o auto-golpe, qual seja, a existência de fraudes no sistema eleitoral, carecia de verossimilhança. Atraiu - melhor que “convenceu” - bandos de fanáticos, de oportunistas no jornalismo e na política que, se eram numerosos, nunca mostraram nem viram uma única evidência consistente. Enfrentaram até mesmo um descrédito internacional para suas denúncias. Governos europeus e dos Estados Unidos reafirmaram sua confiança no nosso sistema eleitoral. Neste ponto deve-se registrar a mudança de comportamento das mais altas autoridades judiciárias do país. O STF acobertou o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff e a exclusão de Lula da eleição de 2018. Algo - não se sabe muito bem o quê - fez que suas lideranças mudassem de posição durante o governo passado. Talvez a consciência de a inundação miliciana do Palácio do Planalto os ameaçava também. Se conceitualmente a articulação do golpe não se sustentava, a não ser para bandos de “crentes” obstinados, sua articulação demonstrou limitações evidentes. Nenhum dos cabeças militares do golpe palaciano tinha comando significativo de tropas, nem de blindados, muito menos de bases aéreas. Conseguiram promover arruaças na capital e alhures; reuniram bandos de “crentes” para pressionar os quartéis, algumas vezes se expondo ao ridículo, como no caso da tentativa de contactar extra-terrestres em frente ao Comando do Exército em Porto Alegre. Demonstraram buscar apoio no baixo e médio clero das Forças Armadas, das polícias militares estaduais, e no comando da Polícia Rodoviária Federal. Foi com estas “armas” a tiracolo que definiram a fragmentada articulação do golpe intramuros do Palácio do Planalto. E só então buscaram a adesão do Comando das Forças Armadas. Este Comando, que já recebera vários recados do governo norte-americano de que não apoiaria o golpe, viu-se diante do que poderia ser considerada uma confusa quebra da hierarquia militar, o que selou o destino da articulação desarticulada. Conseguiram uma vaga possibilidade de apoio através de “blindados da Marinha”. Mas os comandos da Aeronáutica e do Exército recusaram o golpe e parece até que mandaram os golpistas de volta para casa, isto é, o Palácio do Planalto. Para completar o quadro já comprometido, num gesto contraditório, às vésperas da posse do presidente eleito, o presidente-líder da intentona ausentou-se do país. O que esperava ele? Ser chamado triunfalmente de volta para reassumir o comando do país? Fugir de responsabilidades diante do que poderia acontecer? A ambiguidade de seu gesto revelou uma aliança entre fantasia e covardia que não deve ter animado sequer seus cúmplices mais próximos. Deste modo, tudo o que restou aos articuladores do golpe foi promover a arruaça definitiva do oito de janeiro de 23. Apesar dos riscos que continha, da depredação promovida, do apoio protetor encontrado no quartel diante do qual se reuniam antes de avançar para a Praça dos Três Poderes, foram debelados pela PM da capital, providencialmente posta sob novo comando e com a supervisão do então ministro da Justiça recém empossado. Ao mesmo tempo, o novo presidente já obtivera o amplo reconhecimento internacional sobre a legalidade e a legitimada de sua posse. Esta análise das debilidades do golpe tramado não deve contribuir para subestimar os riscos que a democracia correu no país, nem que ainda pode vir a correr. A serpente não está morta. O cenário internacional, hoje mais adverso par a democracia do que há dois anos, continua a cevá-la. Idem, os nervosismos de mercado e mídia corporativa que continuam a investir na deslegitimação do governo legal e legitimamente eleito e empossado, e de seu programa de alcance social. O objetivo destas iniciativas é o de enfraquece-lo para a eleição de 2026. Se este objetivo não for atingido, certamente haverá quem pense em soltar de novo a serpente hoje contida, mas sempre de bote armado.       *Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Foto de capa: Carolina Antunes/PR Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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O copo meio cheio do Governo  Lula: O resultado econômico dos dois primeiros anos

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O copo meio cheio do Governo Lula: O resultado econômico dos dois primeiros anos
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Por CHRISTIAN VELLOSO KUHN*  Com o final do ano de 2024, algumas estatísticas socioeconômicas passaram a ser divulgadas nas redes sociais para a realização de um balanço do segundo ano do governo Lula[1]. Muitos correligionários do PT e simpatizantes do governo comemoraram esses dados e os divulgaram amplamente, como se atestassem uma aprovação do seu desempenho. Não obstante haja uma disputa acirrada entre narrativas pró e contra o governo nas redes sociais, em que por vezes os oposicionistas usem até de fake news para sustentarem suas críticas, uma avaliação mais isenta e menos passional se faz necessária, visando esclarecer como se chegou até esses resultados e a sua sustentação nos próximos dois anos. Em virtude da pandemia da COVID-19 nos anos 2020-2021, entende-se como inadequada a comparação dessas estatísticas com os dois primeiros (ou últimos) anos do Governo Bolsonaro, em que pese a sua inegável culpa por todos os erros e omissões no combate à disseminação do vírus e mortes de centenas de milhares de brasileiros. Todavia, qualquer comparação requereria algum tipo de ponderação e consideração desse fenômeno. Assim, a análise ficará mais restrita ao primeiro biênio do atual Governo Lula (2023-2024), eventualmente sendo relacionada a dados e eventos históricos. OBS.: PIB e IPCA de 2024 são estimativas do Boletim Focus BC (06/01/2025). Começando pelo PIB, possivelmente, é uma das variáveis com melhor resultado nesse início de governo, principalmente considerando a performance recente desde a década passada. Isso porque, nesse ínterim, tivemos uma forte recessão econômica interna (2014-2016) e a pandemia da COVID-19 (2020-2021). Além do patamar mais alto, em termos qualitativos, o desempenho do PIB em 2024 é superior ao do ano anterior. Enquanto em 2023, o PIB foi puxado pela agropecuária (15,1%)[2], no ano passado, os setores mais dinâmicos foram indústria e serviços, com crescimento acumulado nos três primeiros trimestres de 3,5% e 3,8%, respectivamente[3]. Esse bom crescimento contribuiu para a queda da taxa de desemprego, atingindo o menor patamar desde 2012.[4] Inclusive, no trimestre encerrado em novembro de 2024, foi o menor número absoluto de desempregados (6,8 milhões) desde dezembro de 2014[5]. Ainda em relação ao mercado de trabalho, embora o número de desalentados chegue a 3 milhões, é o menor contingente desde abril de 2016[6]. Por outro lado, o percentual de empregados com carteira assinada caiu para 40,6% no terceiro trimestre de 2024 (era 42,9% no mesmo período de 2012)[7]. Com essa queda do desemprego, a massa de salários vem crescendo em termos reais (6,1% em média no biênio 2023-2024). Isso tem contribuído para o aumento da participação das classes C e acima (A e B), que pela primeira vez desde 2015, as três juntas superaram a metade das famílias (50,1%).[8] Todavia, segundo a classificação da Tendências Consultoria, a classe C é formada por famílias que recebem de R$ 3,5 mil a R$ 8 mil, começando a contar a partir daquelas que recebem 2,5 salários mínimos (s.m.), chamados de “´pobres remediados” por Jessé de Souza[9]. Ademais, essa classificação está em desacordo com os critérios do IBGE, que considera somente a partir de famílias com renda de R$ 7,7 mil.[10] Nessa esteira, os indicadores de pobreza e miséria apresentaram os menores índices em 2023 desde início da série histórica em 2012 (27,4% e 4,4%)[11]. Em comparação ao ano anterior, 8,7 milhões de pessoas deixaram a condição de pobreza. Esses números são reflexo do mercado de trabalho e dos programas sociais. Porém, entre os domicílios com menor renda, os rendimentos relativos ao trabalho estão cada vez mais reduzindo sua participação, enquanto os benefícios sociais estão se elevando. Com relação à inflação, vem se mantendo em patamares muito próximos da série histórica dos últimos anos, ligeiramente acima do teto da meta de inflação, mas quase dois pontos percentuais acima do centro da meta. Entretanto, para conter a inflação, o Banco Central recorreu à elevação da taxa de juros SELIC, com uma alta de um ponto percentual na última reunião dos dias 10 e 11/12/2024[12], atingindo um nível em torno de 7% em termos reais (descontada a inflação). E ainda por cima, sujeito a novas elevações, como exposto na última reunião do COPOM: ”Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”. Ou seja, a taxa de juros SELIC pode chegar a 14,25% caso as projeções do comitê sejam confirmadas. Em virtude das recentes especulações, ocorreu uma saída de US$ 87 bilhões do país em 2024 (pior desempenho da história), resultando em um fluxo cambial negativo de US$ 18 bilhões (o maior dos últimos quatro anos)[13]. Com isso, o câmbio sofreu uma forte depreciação, atingindo uma cotação de R$ 6,19 ao final do ano passado, uma maxidesvalorização cambial de quase 28%. Assim, para conter a transmissão dessa desvalorização do câmbio para a inflação (efeito pass-through), o Banco Central recorreu à mesma política econômica de meados dos anos 1990 (a despeito do regime cambial daquela época ser das minibandas cambiais): elevação da taxa de juros SELIC e queima de reservas cambiais (queda de US$ 33 bilhões em 2024). Essa maxidesvalorização não foi suficiente para obtenção de um melhor resultado no saldo das transações correntes, aumentando mais que 1 ponto percentual sobre o PIB. Adicionalmente, pelo lado fiscal, caso as estimativas do governo estejam corretas, deve lograr uma redução do déficit fiscal de 1,75 pontos percentuais de 2023 para 2024[14]. Caso fossem desconsiderados os gastos com a recuperação do RS, esse déficit poderia cair mais 0,27 pontos percentuais, chegando a algo em torno de 0,1% sobre o PIB. Ainda assim, a dívida líquida do setor público deve crescer quase um ponto percentual sobre o PIB. Isso se deve ao efeito da majoração da taxa de juros, que encarece o custo da dívida, atingindo o recorde de R$ 918 bilhões no acumulado até novembro de 2024[15]. Para cumprir (ou chegar o mais perto possível de) a meta de superávit fiscal de 0,5% do PIB para esse ano, o governo lançou um pacote fiscal estimando uma redução nos gastos públicos na ordem de R$ 50 a 60 bilhões em 2025 e 2026, podendo chegar a R$ 327 bilhões até 2030.[16] Considerando o cenário externo de desaquecimento da economia estadunidense, as guerras em curso (Rússia vs Ucrânia, Israel vs Hamas, Síria) e o possível envolvimento em conflitos de outros países em 2025 (Coreia do Sul, Taiwan, China e EUA)[17], a esperada elevação da taxa de juros brasileira e os prováveis impactos recessivos do novo pacote fiscal, dificilmente há de se esperar que os resultados socioeconômicos do Brasil se sustentem esse ano. Mesmo as medidas mais estruturais adotadas pelo governo federal, como o plano Nova Indústria Brasil (NIB), que prevê investimentos de R$ 406 bilhões do governo e R$ 1,7 trilhão do setor privado até 2033, ainda estão no nível de promessas com um horizonte de longo prazo[18]. A austeridade fiscal perseguida pelo atual governo também tende a conter o ritmo desse plano e, consequentemente, retardar os seus efeitos positivos sobre a estrutura produtiva do país. Assim, a celebração do desempenho em estatísticas sociais e econômicas do país pelos simpatizantes da situação não deve se estender em 2025, o que pode alimentar a oposição a atacar ainda mais o governo e buscar enfraquecer o presidente Lula.     [1] Balanço do 2° ano do Governo Lula | Rede Estação Democracia - RED. [2] PIB do Brasil cresce 2,9% em 2023, diz IBGE | Economia | G1. [3] PIB do Brasil cresce 0,9% no 3º trimestre e avança 4% em um ano. [4] Taxa de desemprego fica em 6,1% no trimestre até novembro, a menor da história. [5] Desemprego cai a 6,1% no trimestre terminado em novembro e segue no menor patamar da história, diz IBGE | Economia | G1. [6] Taxa de desemprego no trimestre terminado em outubro. [7] Dados do IBGE. [8] Com ganho de renda e ascensão social, Brasil volta a ser um país de classe média | Rede Estação Democracia - RED. [9] SOUZA, Jessé (2024). Pobre de direita: a vingança dos bastardos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 224 p. [10] Renda familiar de R$ 3,4 mil é sinal de pobreza, não de classe média | Rede Estação Democracia - RED. [11] Miséria e pobreza atingem o menor patamar da História no Brasil, aponta IBGE. [12] Atas do Comitê de Política Monetária - Copom. [13] Brasil tem saída de US$ 18 bilhões em 2024, a maior em quatro anos. [14] Haddad prevê déficit fiscal de 0,1% em 2024 e estima PIB em 3,6%. [15] Gasto com juros tem novo recorde, mas dívida se mantém em 77%. [16] Governo Lula na corda bamba da austeridade fiscal | Rede Estação Democracia - RED. [17] Guerras: como 2024 uniu rivais e criou novos inimigos — e o que esperar de 2025 - BBC News Brasil. [18] Nova Indústria Brasil: programa conta com R$ 405 bi do governo e R$ 1,6 tri do setor privado – Noticias R7. *Christian Velloso Kuhn é Professor e economista do Instituto PROFECOM. Foto de capa:  Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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