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Afinal, o que aconteceu na Síria e na Coreia do Sul?

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Afinal, o que aconteceu na Síria e na Coreia do Sul?
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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim   Dois acontecimentos relatados na mídia corporativa internacional como “surpreendentes” marcaram este final de ano: a queda de Bashar al-Assad na Síria e a crise política na Coreia do Sul, deflagrada pela tentativa do hoje presidente suspenso Yoon Suk-yeol de impor a lei marcial no país. A rápida queda de Bashar al-Assad foi de fato surpreendente. Já a crise sul-coreana nem tanto, pelo menos para quem conhece a história do país.   A Síria As Forças Armadas da Síria tinham fama de coesão, disciplina, eficácia e consistência. Com apoio da Rússia e do Irã, enfrentaram com sucesso grupos rebeldes apoiados pela Turquia e pelos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, reunidos na frente do Exército Livre da Síria, e forças do Estado Islâmico desde que a guerra civil começou no país, em 2011/2012. Embora ambos os oponentes do regime de Damasco obtivessem alguns sucessos iniciais, foram contidos e forçados a recuar em vários pontos pelo Exército Sírio, fiel a Bashar al-Assad. Contra os insurgentes pesava o fato de estarem divididos, pois o Estado Islâmico, além de combater o Exército Sírio, combatia também o Exército Livre, enquanto era atacado por forças curdas. Estas eram hostilizadas e fustigadas pela Turquia, por razões internas deste país. Além disto, houve um erro de cálculo por parte dos Estados Unidos, então governado por Barack Obama, e de seus aliados: estimaram que o Exército Sírio se desorganizaria rapidamente, como acontecera com as forças de Muammar Gadafi na Líbia e as de Saddam Hussein no Iraque. Para completar a complexidade do quadro, os Estados Unidos passaram a favorecer os curdos e a atacar posições do Estado Islâmico na Síria e no Iraque vizinho, onde o enfrentamento entre este e os curdos também acontecia. Com seus oponentes fragmentados, o Exército Sírio manteve suas principais posições na defesa de Damasco e o regime de Bashar al- Assad, apesar das oposições internas, se sustentou até este final de 2024. Por isto, quando uma frente rebelde islamista, liderada pela organização Hay’at Tahrir al-Sham, anunciou no final de novembro que recomeçava a ofensiva contra o regime de Assad, tomando Aleppo e atacando outras cidades, o que se esperava é que houvesse uma reação vigorosa, como acontecera antes, por parte do Exército Sírio. Com a tomada de Aleppo e outros avanços, a nova frente rebelde conclamou outras forças rebeldes a juntar-se a ela no ataque contra o regime de Assad, o que de fato aconteceu, inclusive por parte do Exército Livre da Síria. A reação do Exército Sírio não veio; ao contrário, ele derreteu, e a frente ampla rebelde cercou e tomou a capital, Damasco. Assad fugiu apressadamente e asilou-se em Moscou. Ainda é difícil discernir o que exatamente aconteceu para provocar essa rápida queda do regime. Há várias hipóteses levantadas: A oposição interna ao regime de Assad crescera muito nos últimos anos. A prisão de dissidentes do regime se multiplicou, e os cárceres estavam lotados. Esperava-se maior apoio ao regime por parte da Rússia e do Irã, que não veio, pelo menos com a intensidade esperada. Há comentários de que a Rússia está por demais ocupada com guerra na Ucrânia, e que o Irã se viu enfraquecido pela ofensiva israelense na região, que atacou duramente o grupo Hezbollah, também favorável a Assad. O argumento procede, mas não explica tudo. Por alguma razão, Assad perdeu apoio em Moscou e em Teerã. Da mesma forma, o regime de Assad perdeu apoio no Exército Sírio, que deixou de defende-lo, abandonando-o à própria sorte. Desde os anos 60, o regime de Damasco tinha três pilares de suporte: o Partido Baath, descrito como socialista e pró-soviético, de forte influência nas Forças Armadas; o grupo chamado de Alawitas, islâmico, frequentemente descrito como “esotérico”, de onde sairia o pai de Bashar, Hafez al-Assad, que governou o país de 1971 até sua morte, em 2000; e as próprias Forcas Armadas. Lutas internas e a crise dos regimes comunistas no mundo inteiro fizeram com que este conjunto de forças fossem se afastando de seus princípios socialistas e se concentrando em torno da lealdade ao clã dos Assad que, por sua vez, esmerou-se na repressão a grupos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana. É possível que o crescente caráter oligárquico do regime em torno de Assad tenha contribuído para seu isolamento frente ao núcleo das Forças Armadas que o apoiava, transformado no pilar central do regime com o progressivo enfraquecimento do Partido Baath.   O mistério agora é o que acontecerá no país. O grupo Hay’at Tahrir al- Sham foi fundado em 2012 com o nome de al-Nusra e mantinha relação com a Al-Qaïda. Mudou de nome e anunciou desfiliação da Al-Qaïda, mas seu líder, Abu Mohammed al-Jolani é considerado “terrorista” pelos  Estados Unidos, Reino Unido e a própria ONU e segundo a BBC tem sobre sua cabeça  uma recompensa pela sua captura de 10 milhões de dólares. Com apoio da Turquia grupos rebeldes atacam forças curdas perto da fronteira com este país. Em outros pontos do território sírio remanescentes das forcas fiéis a Assad ainda oferecem resistência aos vencedores em Damasco. Estes formaram um governo provisório que promete construir “uma Síria plural”, seja lá o que isto signifique. Ex- ministros do governo de Assad permanecem na capital e afirmam estar colaborando com o novo governo. Israel ataca posições sírias no sul do país alegando, como de costume, “necessidades defensivas”. E a Rússia não demonstra qualquer intenção de abandonar sua base naval junto ao porto de Tartus, nas costa síria do Mediterrâneo. Em resumo, reina ali um grande imbroglio.   A Coreia do Sul A mídia corporativa internacional costuma apresentar a Coreia do Sul como uma democracia historicamente consolidada, em comparação com a Coreia do Norte, sistematicamente descrita como um país dominado por um regime comunista totalitário. Os líderes daquela sempre aparecem com traços de seriedade e trajes ocidentais, enquanto Kim Jong Un, o presidente desta, aparece como um ditador ao mesmo tempo sinistro e ridículo, que veste paramentos militares e tem comportamentos excêntricos, além de um penteado histriônico. Diante deste quadro, que pinta a Coreia do Sul com cores róseas e a Coreia do Norte com cores tétricas ou bufas, é que a crise política de dezembro de 2024 parece um surprendente raio em céu azul. A realidade - tanto histórica quanto recente - é bem outra. A Coreia do Sul foi governada por dois ditadores militares de 1961 a 1987. O primeiro foi Park Chung Hee, assassinado em 1979 pelo chefe do serviço de segurança do país, num episódio cujos motivos até hoje permanecem obscuros. O segundo foi Chung Doo-hwan. Ambos  governaram com apoio em unidades militares bem treinadas em repressão e inteligência. A principal delas é o Comando Especial de Guerra da Coreia do Sul, criado em 1958 e ativo até hoje, com amplo apoio e suporte técnico nos Estados Unidos. Entre 1987 e 1997 os governos sul- coreanos continuaram caracterizados por traços e estilos autoritários. A Coreia do Sul só foi amplamente reconhecida como membro do clube das “democracias modernas ocidentais” em 1997, com a eleição de Kim Dae-jung como presidente, um político do Partido Democrático, até então de oposição. Em 2022 Yoon Suk-yeol, um político extremamente conservador do direitista Partido do Poder Popular, foi eleito contra seus oponentes por uma margem estreita de votos. Em abril de 2024 o Partido Democrático venceu as eleições legislativas e a oposição tornou-se maioria na Assembleia Nacional. Seguindo a hoje cartilha internacional da direita e da extrema=direita, Yoon Suk-yeol passou a denunciar fraudes nesta eleição. Segundo denúncias de membros do PD em setembro deste ano, o presidente começou logo a preparar o decreto que estabeleceria a lei marcial no país, equivalente ao estado de sítio brasileiro. Este decreto veio a público numa mensagem televisiva às 10 e meia da noite de 3 de dezembro. O presidente acusou o Partido Democrático de conivência com a Coreia do Norte, além de outras acusações. Determinou a invasão da Assembleia Nacional por parte do Comando Especial de Guerra, também a da Comissão Eleitoral do país, bem como a prisão de diversas personalidades da oposição e até de seu próprio partido e a repressão sobre sindicatos e outras organizações potencialmente oposicionistas. Apesar do cerco e da invasão da Assembleia, uma maioria expressiva dos 300 parlamentares conseguiu chegar ao plenário, votando por unanimidade a anulação do decreto presidencial. Este movimento provocou uma divisão no aparato militar, com algumas unidades recusando-se a cumprir as ordens do presidente ou retardando sua execução. Por fim, o Comando de Guerra retirou-se da Assembleia Nacional e o presidente revogou seu próprio decreto. A tentativa de aplicação da lei marcial é hoje amplamente descrita como um auto-golpe, no estilo daquele preparado por ocupantes do Palácio do Planalto em Brasília durante o governo passado. Na sequência, depois de uma primeira tentativa fracassada, a Assembleia Nacional votou o impeachment de Yoon Suk-yeol. Na prática, isto significa que ele foi suspenso do cargo até que, com o prazo máximo de seis meses, uma comissão constitucional de alto nível confirme seu afastamento. Mais recentemente, seu substituto interino também foi afastado do cargo pela Assembleia Nacional. A crise, portanto, está longe de ter um fim. Uma hipótese tentadora é a de considerar que, nos bastidores, assim como aconteceu em 2022 no Brasil, os Estados Unidos tenham se negado a apoiar o auto-golpe, o que teria provocado a divisão nas Forças Armadas sul-coreanas.       *Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Foto de capa: Freepik Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Estresse e indignação

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Estresse e indignação
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Por NUBIA SILVEIRA* Sou bombardeada, diariamente, como a maioria dos brasileiros, com notícias verdadeiras e mentirosas. Ambas me deixam estressada e indignada. Passo meus dias pensando qual a saída política para o Brasil, atualmente, entregue aos integrantes do Congresso Nacional, que só pensam em dinheiro e em encaminhá-lo para quem pode garantir que serão eleitos nas próximas eleições. Isto significa, claro, que não teremos mudanças em nenhuma das duas casas – Senado e Congresso. Continuaremos nas mãos de negociadores, que jamais saem do palanque eleitoral. Mal termina uma eleição começam a pensar como obter mais dinheiro do Tesouro Nacional – nosso dinheiro – para satisfazer seus cabos eleitorais e até seus parentes, com recursos para construir, inclusive, estradas que levam a propriedades de seus conhecidos, que assim passam a valer muito mais. Os bilhões de reais – os congressistas falam deles como se estivessem falando apenas de algumas moedas, já difíceis de encontrar –, exigidos por deputados e senadores, afetam as áreas de educação e saúde, sem que eles sintam a menor ponta de remorso por isto. O que os interessa é se manter no poder e satisfazer as elites econômica. O tema desta turma é “muito para mim e os meus” e nada para os que passam fome, os que esperam por uma cirurgia e morrem antes que ela aconteça, e as crianças que, nas escolas, além de aprender a ler e somar, recebem, muitas vezes, a única refeição, que terão no dia. Não entendo – e daí vem a minha grande indignação e estresse – como estas pessoas que prometem mundos e fundos, nas campanhas eleitorais, provam que são mentirosos, no primeiro dia de trabalho no Congresso. São políticos – com raras exceções – que não se importam com os problemas dos menos favorecidos. Não têm um pingo de solidariedade. Não olham para as classes inferiores. Se pensarmos bem, não olham para ninguém a não ser para eles mesmos e como manter-se no poder. Esta é uma triste realidade. Sei que não estou dizendo nada de novo, mas, pelo menos, estou desabafando não apenas por mim, mas por aqueles que não têm meios para mostrar o seu sofrimento. Outra pergunta que me atormenta é onde erramos ao redemocratizar o Brasil. Nos vimos livres de uma ditadura, depois, de 21 anos, e na primeira eleição presidencial livre de censura e outras amarradas, o Brasil elegeu um corrupto. Mas ainda teve forças para tirá-lo do Planalto. Em menos de três décadas, porém, voltamos a cair no fosso da corrupção, do tudo para mim e a minha quadrilha e nada para o outro. Um dia destes ouvi uma cientista social dizer que os eleitores cansaram de governos dedicados apenas às minorias – na verdade, a maioria que sempre foi invisível para estas pessoas – e por isto os eleitores votaram e deram vitória a candidatos da direita. Se isto é uma verdade, vivemos num pais egoísta, interesseiro, indiferente à dor de crianças, jovens, adultos e velhos, que dependem do Estado para viver com alguma dignidade. Minha angústia é a de não saber até quando teremos um país comandado por Liras e Pachecos egocêntricos e sem uma gota sequer de generosidade. Não consigo ver a luz no final do túnel. Para este sentimento colabora também a imprensa, a grande imprensa, que, como alertou Alberto Villas no seu O Sol, não são capazes de dar uma boa notícia, sem acrescer a ela um mas. Isto é bom, mas aquilo é ruim. É triste, dolorido e depressivo se ver sem uma saída para o país.       *Nubia Silveira é jornalista. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.        

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O esquema de orçamento secreto não é um mero desvio moral de um indivíduo corrupto, autoritário e sem escrúpulos, como Arthur Lira.

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O esquema de orçamento secreto não é um mero desvio moral de um indivíduo corrupto, autoritário e sem escrúpulos, como Arthur Lira.
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Por DAVI DECCACHE* É evidente que Lira desempenha um papel central na condução desse mecanismo, mas reduzir o problema ao desvio moral de uma figura individual é ignorar a essência estrutural e política do esquema. O orçamento secreto é uma manifestação do caráter autoritário e corrupto de um projeto neoliberal, sustentado por um movimento mais amplo do capital em sua especificidade neoliberal, que exige retrocessos sociais e econômicos para atender às suas necessidades de reprodução e expansão. Nesse contexto, as classes políticas que assumem o papel de gerentes desse processo, seja no Executivo ou no Legislativo, inevitavelmente se tornam também gestoras desses esquemas, funcionando como engrenagens para a concretização dos interesses do capital. Muitos, inclusive na esquerda, afirmam que a corrupção e os desvios de dinheiro público são o que permitem a imposição da austeridade fiscal. Essa é uma visão de caráter liberal e antimarxista, que confunde essência e aparência. A austeridade não é uma consequência da corrupção; ela é a essência do projeto neoliberal, e implica, invariavelmente, em esquemas de corrupção e espoliação. Esquemas como o orçamento secreto são instrumentos inevitáveis dentro desse modelo, porque viabilizam os ataques necessários para desmontar direitos e serviços públicos. Sempre haverá indivíduos imorais e desonestos – como Arthur Lira – dispostos a conduzir esses esquemas, operando como funcionários do capital que, em troca de benefícios privados, viabilizam os retrocessos e ataques ao povo. Políticas neoliberais dependem da austeridade como instrumento central para desmontar a capacidade do Estado de manter serviços públicos e direitos sociais, visando à mercantilização – por meio de privatizações, concessões, parcerias público-privadas e outros mecanismos – do que deveria ser um direito básico garantido à população. A austeridade não é um mero efeito colateral ou uma consequência indesejada, mas o objetivo central do neoliberalismo, que, para ser implementado, exige constantes ataques aos direitos da classe trabalhadora e ao sistema de proteção social. Nesse sentido, as políticas de austeridade foram o ventre do orçamento secreto por duas vias principais. Primeiro, porque regras fiscais extremamente rígidas, como tetos de gastos e metas de superávit, não apenas legitimam ataques a direitos sociais, mas os tornam matematicamente inevitáveis. Essas regras, propositalmente desenhadas para engessar o orçamento público, criam a necessidade de cortes impopulares em áreas como saúde, educação, previdência e assistência social. Para viabilizar esses ataques, as classes políticas que ocupam o executivo precisam negociar com o Congresso, cujo custo político é alto, pois até mesmo deputados do corrupto Centrão sabem que votar contra os interesses mais essenciais do povo pode resultar em cobranças dos eleitores. Assim, cobram caro por seu apoio, utilizando o orçamento secreto como moeda de troca. Segundo, porque essas mesmas regras fiscais de austeridade demandam furos e manobras frequentes para lidar com suas próprias limitações. Essas flexibilizações, muitas vezes feitas em períodos eleitorais para garantir recuos táticos que beneficiem o governo de ocasião, tornam-se oportunidades para o Legislativo negociar mais emendas secretas, fortalecendo o esquema. Dessa forma, o orçamento secreto não é um acidente de percurso, mas uma engrenagem essencial para sustentar a austeridade e viabilizar a reprodução do capital em um sistema neoliberal que exige cortes, privatizações e mercantilização de serviços básicos. Acredito que certas coisas precisam ser ditas, mesmo que o custo seja altíssimo. O esquema das emendas de orçamento secreto, transformado em um grande mecanismo de desvio de dinheiro público, foi usado para 'comprar' o Congresso e viabilizar ataques diretos ao salário-mínimo, ao BPC (benefício pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza), ao Abono Salarial de trabalhadores que recebem até dois salários-mínimos, ao serviço público e aos servidores, entre outros. Infelizmente, os projetos de lei de austeridade, que compõem o pacote recém-aprovado no parlamento, são de autoria do Executivo, que recorreu às emendas parlamentares como moeda de troca para assegurar sua aprovação. Essas medidas, intrínsecas ao modelo neoliberal, foram implementadas por meio de negociações com o Legislativo, evidenciando a dependência estrutural de esquemas como o orçamento secreto para viabilizar ataques impopulares aos direitos sociais e ao serviço público. Em troca dessa "compra", o Congresso atropelou a democracia. Por meio de um movimento autoritário, suspendeu o devido processo legislativo e eliminou a participação popular em decisões que afetam profundamente as gerações presentes e futuras. Sem tramitar pelas comissões, sem audiências públicas, sem responder a requerimentos de informação, sem qualquer avaliação de impacto social e sem ouvir a academia, movimentos sociais, militantes e técnicos, o Congresso executou um golpe. Esse golpe foi consolidado ao "colar" o texto da PEC 45 de 2024 – que não passou pelas discussões nas comissões, instâncias essenciais para a análise técnica e política de alterações constitucionais – em uma PEC de 2007, que tratava de um tema totalmente distinto e já estava pronta para votação. Além disso, foi reforçado pela aprovação de inconstitucionais regimes de urgência, que não cumpriam os requisitos necessários e que, dado o caráter estrutural das propostas, deveriam obrigatoriamente tramitar nas comissões. O processo foi formalizado quando 17 líderes de bancadas partidárias encaminharam um ofício à Casa Civil do governo federal, oficializando o acordo. Essa dinâmica evidencia como medidas neoliberais, sejam sob governos que se apresentam como "progressistas", sejam sob regimes abertamente autoritários de extrema-direita, são invariavelmente autoritárias. O neoliberalismo não tolera que a democracia interfira no seu objetivo de mercantilizar todas as esferas da vida e comprometer o futuro coletivo. Ignorar a motivação estrutural desse esquema é cientificamente e politicamente equivocado. Como militante e economista que estuda e trabalha com política fiscal, sinto-me na obrigação de me posicionar diante dessa situação. Reduzir o golpe orquestrado por Arthur Lira a uma questão de imoralidade individual é insuficiente e contribui para obscurecer o caráter sistêmico do problema, além de limitar a compreensão da classe trabalhadora sobre suas raízes estruturais. O orçamento secreto, fortalecido desde o governo Bolsonaro, foi mantido e segue funcionando para que o governo federal - seja ele qual for - pague ao Congresso em troca de ataques aos direitos do povo, a serviço dos interesses da Faria Lima. A política econômica neoliberal, por sua natureza, é autoritária e extremamente impopular. Para ser aprovada, recorre a esquemas como o que vimos Lira gerenciar. Algumas medidas são tão prejudiciais à população que até mesmo os deputados do corrupto Centrão sabem que, se votarem a favor, serão cobrados por seus eleitores. Por isso, exigem um alto preço para executar esses ataques. O golpe que presenciamos é a manifestação do que ocorre quando a democracia é subordinada ao capital e transformada em uma mercadoria, cujo preço se traduz no orçamento secreto: decisões são tomadas nas sombras, prejudicando o povo e favorecendo exclusivamente uma elite econômica. *Davi Deccache é doutor em economia pela UnB e assessor técnico na Câmara dos Deputados do Brasil. Ilustração da capa: Redes sociais Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Balanço do 2° ano do Governo Lula

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Balanço do 2° ano do Governo Lula
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Das redes sociais, sem autoria sabida pela compilação* (parte dos dados foi conferida pela Redação da RED) 1. Crescimento do PIB em 2024, entre 3,2% e 3,5%. 2. Taxa de desemprego 6,1%, uma das menores taxas da história. 3. A massa de rendimento real foi novo recorde, chegando a R$ 332,7 bilhões. O rendimento real habitante, de todos os trabalhos (R$ 3.285). 4. Crescimento da indústria de 3,6% em 2024, maior em 10 anos. 5. Crescimento de 75% do emprego na indústria, destes 55% são jovens. 6. Segmentos de alta tecnologia crescem 5%, acima da indústria de transformação, que vai crescer 3,6%. 7. A taxa de investimento como proporção do PIB em 18%. 8. O Brasil se tornou o 2° maior receptor de investimentos estrangeiros diretos do mundo em 2024. 9. Investimento em infraestrutura saiu de R$ 188 bilhões em 2022, para R$ 260 bilhões em 2024. 10. Com o Plano Mais Produção, a Nova Indústria Brasil (NIB) disponibilizou R$ 507 bilhões de crédito para investimentos. BNDES, FINEP, EMBRAPII, CEF, BB, BASA e BNB, estão juntos para estimular uma Indústria Mais Inovadora e Digital, Exportadora, Verde e Competitiva. 11. BNDES aumentou o volume de Desembolso de R$ 98 bilhões em 2022, para R$ 148 bilhões em 2024. O crédito para a indústria cresceu 262% em 2024. 12. Com a Nova Indústria Brasil (NIB), Novo PAC e PTE, o setor privado já anunciou investimentos de R$ 2,3 trilhões. 13. Finep bateu recorde e ultrapassa R$ 10 bi em financiamentos Recursos financeiros liberados pela Finep em 2024 representam o dobro do montante financiado em 2023. O desempenho também representa um crescimento três vezes superior em relação ao resultado de 2022. 14. Com a NIB estimulando a agroindústria, a taxa de crescimento da agroindústria teve o melhor resultado em 14 anos, crescimento de 4,2% em outubro,e 2,7% no acumulado. 15. Linhas branca e marrom, registraram o maior crescimento da produção e vendas nos últimos 10 anos, 25%. 16. Com o Mover, programa da NIB, o setor automotivo bateu recorde nas vendas, crescimento de 15% em 2024. A produção cresceu 11%, maior crescimento dos últimos 10 anos. 17. Máquinas e equipamentos estão puxando o crescimento industrial, crescimento de 8,3% em 2024. 18. O setor de bens de consumo duráveis cresceu 9,8% em 2024. São mais bens como automóveis, geladeiras, TVs, fogões, máquinas de lavar, etc, chegando ao povo. 19. No ranking mundial de produção industrial, o Brasil avançou 30 posições, saltando de 70° para 40°. 20. Varejo chega ao fim do ano com alta de 12,2% nas vendas na comparação com 2023: Entre os itens mais procurados estão: os eletrônicos (alta de 25,9% nas vendas ante 2023); os brinquedos (+24%) e as roupas e os acessórios (+13%). Setor alimentar, 18,4%. 21. Depois de mais 40 anos, foi aprovada a Reforma Tributária, que estimula investimentos e exportações. Estima-se que a reforma gerará um crescimento adicional da economia de 12% a 20% em 15 anos. Hoje, esses 12% representariam R$ 1,2 trilhão a mais no PIB de 2022. 22. Taxa de pobreza caiu para mínima histórica,27,4%. 23. A taxa de miséria caiu para a mínima histórica. Parcela de brasileiros miseráveis caiu para 4,4%. 24. Amazônia tem menor taxa de desmatamento em 9 anos. Taxa de desmatamento caiu 77,2%% no Pantanal e 48,4% no Cerrado. 25. Ponto fundamental: o governo Lula encontrou o país destruído: Entre 2015 e 2022, a taxa média de crescimento do PIB foi 0,4%, com desemprego e pobreza crescentes. Bolsonaro deixou um rombo fiscal: rombo de R$ 800 bilhões em 4 anos, sem jamais cumprir o Teto de Gastos. 26. Estima-se déficit primário de R$ 55,4 bilhões para 2024.Se considerar R$ 20 bilhões de recursos empossados. Mais gastos de R$ 40 bilhões do Perse e Desoneração da Folha, despesas que não foram o governo que criou, mas o congresso, 2024 teria superávit fiscal. 27. Inflação abaixo das expectativas do mercado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) foi de 0,34% em dez. e ficou 0,28% abaixo do resultado de novembro (0,62%). Acumulado de 4,71% em 2024. As expectativas do mercado: alta inflacionária de 0,45% e 4,82%. 28. Foram várias reformas e programas estruturais criados e aprovados pelo governo que garantem ao país crescimento de longo prazo e retomada da indústria: Mercado de carbono, Lei do Hidrogênio de Baixo Carbono, Lei do Combustível do Futuro, Nova Lei de Informática, Programa Brasil Semicondutores, Programa de Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), Marco de Garantias, Regime Especial da Indústria Química (REIq), Brasil Mais Produtivo, Programa Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), Lei do Combustível do Futuro, Plano Mais Produção, Debêntures de Infraestrutura e Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Esses programas são instrumentos de políticas públicas de Estado, para que o país matenha a retomada do crescimento econômico de longo prazo e fortalecimento da indústria. *Os dados foram conferidos pela redação da RED Foto da capa: São Paulo (SP), 18/10/2024 - Vice-Presidente Geraldo Alckmin, presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ministro da Fazendo Fernando Haddad, durante lançamento do programa Acredita - sobre concessão de crédito, renegociação de dívidas, programas setoriais e consultorias. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

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Golpe de Lira vira caso de polícia

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Golpe de Lira vira caso de polícia
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Por BRENO PIRES*, para a Revista Piauí** Flávio Dino manda PF investigar a última manobra do presidente da Câmara para sequestrar a distribuição de emendas - e cita até “malas de dinheiro” no despacho O termo “orçamento secreto” apareceu pela primeira vez em 9 de maio de 2021. Nos três anos e meio que se passaram desde então, essa prática – a distribuição de bilhões de reais em recursos para cidades de todo o Brasil sem o registro dos deputados e senadores por trás de cada indicação – deu potência máxima às máquinas de manutenção de poder na política nacional. Houve uma eleição geral com um índice histórico de reeleição de parlamentares, a recondução de Arthur Lira como presidente da Câmara, as eleições municipais de 2024 com índice incomum de manutenção dos prefeitos em seus cargos. Tudo com a anuência do Executivo – antes Jair Bolsonaro, depois Lula. Foram necessários 1324 dias – e o descumprimento de diversas determinações do Supremo Tribunal Federal para dar transparência a essa distribuição de recursos públicos – para que as manobras do andar de cima do Congresso com o orçamento secreto se tornassem alvo de investigação da Polícia Federal. Na manhã desta segunda-feira, em decisão inédita, o ministro do STF Flávio Dino determinou que a PF abra um inquérito policial sobre as irregularidades na distribuição de emendas. O estopim para a investigação foi a revelação das “emendas de liderança”, em reportagem da Piauí da segunda-feira, 16 de dezembro. Trata-se de uma manobra pela qual Arthur Lira e dezessete líderes partidários tomaram para si a decisão sobre a destinação de verbas, fazendo parecer que estava tudo sendo feito com a anuência das comissões que devem propor a destinação das verbas. Após a reportagem, o STF foi acionado pelos partidos Psol, Novo e as entidades Transparência Brasil, Transparência Internacional Brasil e Instituto Não Aceito Corrupção. Em sua decisão, Flávio Dino não cita o nome de Lira e de outros possíveis investigados, mas há pistas claras sobre os alvos. Ele publicou o link para acesso da reportagem O Sequestrador, da edição de novembro da Piauí, que mostra como Arthur Lira capturou o orçamento secreto em seu favor, ao derrubar verbas para obras de água encanada em um município da Bahia que sofre com a seca. Depois disso, em outra manobra orientada por Lira, os líderes partidários enviaram um ofício ao Executivo com 5.449 indicações de emendas de comissão, totalizando 4,2 bilhões de reais, sem a devida aprovação prévia e registro formal pelas comissões – Alagoas, o Estado que elegeu Lira, foi priorizado na estratégia. “Não é compatível  com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, a continuidade desse ciclo de (i) denúncias, nas tribunas das Casas do Congresso Nacional e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas; (ii) desvios de verbas identificados em auditorias dos Tribunais de Contas e das Controladorias; (iii) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do Ministério Público. Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do Supremo Tribunal Federal”, justificou Flávio Dino na decisão. A entrada da Polícia Federal para investigar as irregularidades no “andar de cima” é inédita e histórica. A decisão de Dino vem depois de mais de três anos e meio de denúncias da imprensa sobre o escândalo do orçamento secreto, a começar pelo jornal O Estado de S. Paulo*, que denunciou a prática e cunhou o termo em maio de 2021. As interferências “de cima” (da Presidência da Câmara e lideranças), para aprovar emendas sem seguir os trâmites previstos foram tema de pronunciamento de parlamentares críticos ao esquema, como Glauber Braga (PSOL-RJ), a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), o deputado José Rocha (União Brasil-BA) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). Este último sugeriu a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI, que tem membros das duas casas do Congresso) para investigar as emendas. O relator Flávio Dino determinou, desde já, a tomada de depoimento desses parlamentares. A investigação da PF deverá: – Apurar a veracidade das denúncias de “apadrinhamento” de emendas e a participação de líderes partidários no esquema. – Identificar os reais beneficiários das emendas de comissão (RP 8) e a destinação dos recursos públicos. – Averiguar a existência de desvios de verbas, obras malfeitas e outras irregularidades na execução do orçamento secreto. – Determinar a responsabilidade criminal de parlamentares, servidores públicos e outros envolvidos em eventuais ilícitos. Até agora, os inquéritos existentes sobre orçamento secreto eram destinados apenas à apuração dos desvios de dinheiro nos locais de destinação, como, por exemplo, prefeituras e estatais como a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) e Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS). Coincidentemente, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram, nesta segunda-feira, a segunda fase da Operação Overclean para desarticular organização criminosa responsável por desvios no DNOCS, com movimentação de recursos de 1,4 bilhão de reais. Foi nesta apuração que a Polícia Federal flagrou a movimentação de mala de dinheiro com mais de 1 milhão de reais, entre um dos investigados, citada por Dino na decisão. Na decisão, Flávio Dino também determinou a suspensão do pagamento das 5.449 emendas de comissão (RP 8) indicadas no Ofício nº 1.4335.458/2024, que totalizam R$ 4,2 bilhões, até que a Câmara cumpra as seguintes determinações: – Publicar em seu site, no prazo de 5 dias corridos, as Atas das reuniões das Comissões Permanentes nas quais as emendas foram aprovadas. Ao lado de cada emenda (RP 8) informada no Ofício nº 1.4335.458/2024, deve ser indicada a Ata exata em que consta a aprovação da emenda, para cotejo. Cada Ata também deve indicar o meio que foi utilizado para a sua publicidade na época de sua produção e aprovação. – Encaminhar à Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Poder Executivo, por ofício, cópia de todas as Atas das reuniões das Comissões Permanentes. A Câmara deve informar nos autos o cumprimento da determinação, com a indicação do link de acesso para as informações e cópia do ofício enviado à SRI, para nova deliberação judicial. O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, declarou em entrevista à GloboNews nesta manhã que o governo cumprirá integralmente o pedido para suspender o pagamento de 4,2 bilhões de reais em emendas. Em seu despacho, Dino enfatizou também que a execução das emendas parlamentares de 2025 só será possível após a conclusão de todas as medidas já ordenadas pelo STF, incluindo a adequação dos portais de transparência e o registro completo das informações sobre as emendas. Nesse ponto, Dino faz uma cobrança não ao Legislativo, mas ao Executivo: o Ministério da Saúde e os municípios devem agir para criar contas bancárias específicas para o repasse das emendas fundo a fundo na saúde. O relator também agendou audiências de conciliação para fevereiro e março de 2025, com o objetivo de promover um diálogo institucional produtivo sobre o tema.   *O jornalista Breno Pires é repórter da Piauí, baseado em Brasília, e autor da primeira reportagem sobre o orçamento secreto no jornal O Estado de S. Paulo **Matéria originalmente publicada na Revista Piauí Foto da capa: O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira - Lula Marques - 24.abr.24/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia

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