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Opinião

As medidas impopulares de Guedes para um segundo mandato de Bolsonaro

As medidas impopulares de Guedes para um segundo mandato de Bolsonaro

Artigo por RED
26/10/2022 05:15 • Atualizado em 27/10/2022 15:58
As medidas impopulares de Guedes para um segundo mandato de Bolsonaro

De CHRISTIAN VELLOSO KUHN*

Na contramão das medidas eleitoreiras recentemente implantadas pelo governo para auxiliar na reeleição de Bolsonaro (analisadas no artigo anterior de minha autoria na RED), o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe parecem querer atacá-lo com fogo amigo. Com o anúncio da desindexação do salário mínimo com a inflação e, depois, sua equipe defender o fim de deduções do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) com despesas de saúde e educação, resta aguardar qual será o efeito sobre as próximas pesquisas eleitorais para a presidência da república.

Atualmente, a regra de reposicionamento do salário mínimo de aposentados e pensionistas é a correção pelo índice do ano anterior. A troca do indicador INPC pelo IPCA significa substituir um indexador que é apurado com base no orçamento de famílias com vencimento mensal de 1 a 5 salários mínimos (S.M.) – o INPC – para outro que é calculado considerando ganhos de 1 a 40 S.M. por mês – o IPCA. Obviamente, por considerar o orçamento familiar mais próximo de quem ganha pouco acima de um salário mínimo e próximo da renda média (R$ 2.548), o INPC é metodologicamente mais apropriado, pois não estará sujeito a variações de itens de despesas que possuem maior peso nos gastos de famílias de classes sociais mais altas. Além disso, como bem destaca o professor André Roncaglia no seu perfil no Twitter, o IPCA é “normalmente mais baixo do que o INPC”, demonstrando que a motivação real dessa troca de indexador é muito mais fiscalista do que socialmente justa ou adequada metodologicamente.

Porém, a justificativa de desindexar para melhorar o resultado das contas públicas não se sustenta. Conforme o secretário da Fazenda e do Planejamento do Estado de São Paulo, Felipe Salto, não é suficiente estabilizar o nível da dívida pública sobre o PIB com um custo desse endividamento alto devido ao nível da taxa de juros, em torno de 8% em termos reais. É preciso que o PIB cresça mais para que as receitas tributárias gerem um superávit primário, atenuando ou revertendo o resultado operacional com o serviço da dívida.

Outro aspecto relevante é que ao invés de utilizar a inflação passada, do ano anterior, Guedes propõe o uso da inflação esperada, calculada pelo Banco Central. Como se bem sabe, a inflação esperada é publicada no Boletim Focus, cuja pesquisa é aplicada sobre 140 instituições cadastradas (bancos, gestoras de recursos e consultorias), apurada pela mediana das expectativas desses agentes. Ou seja, no lugar do salário mínimo ser reajustado pela inflação realizada, seria reposicionado pelas expectativas de agentes do mercado financeiro, que por sua vez possuem interesses díspares e dissociados dos aposentados e pensionistas que recebem ligeiramente acima de um salário mínimo e próximo da renda média.

Tanto André Roncaglia como o professor José Oreiro associam a proposta de Guedes para o salário mínimo ao arrocho salarial promovido pelo Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) no início da ditadura civil-militar, no governo Castello Branco (1964-1967). André Roncaglia lembra que no PAEG, a fórmula idealizada na época por Mário Henrique Simonsen continha três componentes: i) o salário real médio dos últimos 24 meses; ii) índice de produtividade; e iii) resíduo inflacionário. O primeiro componente, de acordo com Roncaglia, tendia a reajustar o salário abaixo da média. Já o segundo era discricionário, também abaixo da variação real da produtividade. E o terceiro que corrigia os salários pela metade da inflação projetada para o ano posterior.

De acordo com o MADE (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), caso tivesse sido aplicada a regra de correção pela meta desde 2002, o salário mínimo cairia dos atuais R$ 1.212 para R$ 502, uma redução de 59%. Roncaglia bem avalia essa proposta de Guedes, que assim como no PAEG, trata-se de um “arrocho salarial desenvergonhado”. De acordo com o professor Oreiro, “uma regra de reajuste do mínimo que não preveja crescimento real é uma grande injustiça com os trabalhadores, porque os ganhos de produtividade não vão ser apropriados pelos salários, mas vão ser apropriados pelos lucros”.

Quanto ao fim da dedução de despesas com saúde e educação do IRPF, segundo os técnicos do governo, repercutiria numa redução de R$ 30 bilhões nas contas públicas. Novamente, a intenção remete muito mais ao fiscalismo do que justiça tributária. Segundo o jornalista Fábio Pupo, da Folha de São Paulo, com base em dados da Receita Federal, enquanto a alíquota efetiva do IRPF daqueles que recebem de 200 a 300 mil por ano chega a 11,13%, os ultrarricos com rendimento anual acima de R$ 400 milhões pagam apenas 3,67%. Portanto, a proposta de fim das deduções piora ainda mais a disparidade de alíquotas do IRPF entre a classe média e os mais ricos, recrudescendo a injustiça tributária brasileira.

Essas propostas vão ao encontro da orientação de Guedes na condução da política econômica do Governo Bolsonaro, visando geralmente beneficiar ou preservar os mais ricos, em detrimento da classe média e dos mais pobres. De qualquer forma, essas duas medidas bastante impopulares revelam muito do elitismo e aporofobia dos membros do governo Bolsonaro, sobretudo Guedes e sua equipe econômica. Mais um bom motivo para se desejar seu término a partir do próximo domingo, no dia 30 de outubro desse ano.


*Mestre e Doutor em Economia, autor de livros como Governo Figueiredo (1979-1985): política econômica e ciclo político-eleitoral. 

Foto de Paulo Guedes, Ministro da Economia de Bolsonaro – Fotos Públicas.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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