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Em áudio, deputado gaúcho Busato reclama de propina parcelada em 30 vezes

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Em áudio, deputado gaúcho Busato reclama de propina parcelada em 30 vezes
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O deputado federal Luiz Carlos Busato (União-RS), ex-prefeito de Canoas, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, é citado em uma delação sob suspeita de ter recebido propina em contratos na área de saúde firmados pelo município em sua gestão (2017-2020). Em áudios apresentados pelo delator —- um médico que estava à frente de uma organização social que prestava serviços à prefeitura na área da saúde —- o então prefeito negocia os valores, reclama de atrasos e pressiona seu interlocutor. Em um dos áudios, o então prefeito cobra o médico depois de aumentar os repasses à organização social GAMP (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva): "Bom, então se estamos aumentando R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, acho que tem condições de o GAMP pegar uma parte e acertar conosco." Faz pressão para o dinheiro ser pago sempre na mesma data: "(...) Isso é religioso. Não vai mais ter problema daqui pra frente, ok? Seja 700, 800, é o do mês. Depende do quanto entrar. 15 dias após fechar o mês. Combinado é combinado." Reclama do que seria uma proposta indecorosa, o parcelamento dos pagamentos atrasados do esquema: "(...) Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (...) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio." Dá uma bronca por causa de nova interrupção de pagamentos: "O que me interessa é o nosso acordo. (...) não podemos ficar indefinidamente na esperança de "ah, agora tem a Polícia Federal, tem, não sei o que que vai acontecer (...) Porra, se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)", diz o prefeito. Por fim, Busato reclama que não pode ficar um ano sem receber "a cada peido da Polícia Federal". Cássio Souto dos Santos é o médico que estava à frente da administração do GAMP (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva). Em 2018, ele chegou a ficar preso preventivamente no âmbito de uma operação sobre os desvios na saúde de Canoas. Em 2020, ele fez um acordo de delação premiada e entregou os áudios aos investigadores. Os áudios em que a voz de Busato aparece foram gravados pelo próprio Cássio, durante encontros com o então prefeito, enquanto o esquema funcionava na cidade. Procurado pelo UOL, o ex-prefeito nega a autenticidade dos áudios e diz que não cometeu nenhuma irregularidade. "Desconheço o assunto mencionado e nunca fui notificado sobre o tema em questão. Além disso, reitero que os áudios que estão circulando não são verdadeiros." Prejuízo de R$ 22 milhões Busato ocupou o cargo de prefeito de 2017 a 2020. Em 2018, o MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) apontou que haveria superfaturamento e sobrepreço (orçamento acima do preço de mercado) nos contratos da saúde do município com o GAMP. Essa organização recebia mais de R$ 10 milhões por mês para administrar contratos diversos na área de saúde, como prestação de serviços médicos, compra de medicamentos e equipamentos. Em dezembro de 2018, foram presas preventivamente três pessoas ligadas ao GAMP, Souto dos Santos entre elas, suspeitas de peculato e lavagem de dinheiro. O prejuízo apontado pelos promotores estaduais aos cofres públicos foi de R$ 22,8 milhões. Em seguida, o MPF (Ministério Público Federal) acabou assumindo o caso, já que havia o uso de verbas federais da saúde nesses contratos. A delação de Cássio Santos Souto foi feita na PGR (Procuradoria-Geral da República) por envolver um político com foro em Brasília — uma das gravações apresentadas pelo delator faz menção ao atual presidente do TCE-RS (Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul), Marcos Peixoto, e ao conselheiro Alexandre Postal. Segundo o delator, o prefeito teria pressionado o GAMP a contratar a empresa do filho de Peixoto, Gustavo Peixoto, a P&B Engenharia, para fazer uma reforma em um hospital. Foi fechado um contrato de R$ 1,8 milhão em agosto de 2017. A delação do médico foi homologada pela ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2022. Os procuradores passaram então a investigar o "núcleo político" que se beneficiaria do esquema. Foram abertos 46 inquéritos, todos sigilosos, dos quais 17 já viraram ações penais. As investigações envolvem tanto políticos como empresários. Segundo a delação de Souto dos Santos, haveria uma taxa de propina de 3,5% nos contratos fechados pelo GAMP. O então prefeito receberia 50% desse valor; Germano Dalla Valentina, seu chefe de gabinete na época, ficaria com 30%, e os 20% restantes seriam repartidos entre outros funcionários da prefeitura. Germano disse, através de seu advogado, que "sempre atuou na gestão pública com respeito à legalidade" e "nunca recebeu qualquer valor ilícito". "Trata-se de uma imputação totalmente descabida." "No período que esteve vinculado ao gabinete do prefeito na Prefeitura de Canoas (RS), trabalhou com lisura e buscou o melhor para o município." Os conselheiros do TCE-RS, Marcos Peixoto e Alexandre Postal, foram procurados através da assessoria do tribunal na quarta-feira passada (16), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. Souto dos Santos entregou à PGR dois áudios de conversas com o então prefeito, datadas de 2018, quando o GAMP prestava serviços à prefeitura. Em um deles, Busato cobra a retomada dos pagamentos ao núcleo político do esquema. Ele diz que, em troca de aumentar o valor do contrato da prefeitura com o GAMP, seria preciso "pegar uma parte e acertar conosco". "Eu quero que o GAMP cumpra o compromisso conosco. Aumentamos de R$ 16,5 milhões pra R$ 20 milhões? Bom, então se estamos aumentando R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, acho que tem condições de o GAMP pegar uma parte e acertar conosco. Ficou acertado isso que estou te falando aqui, na boa. E toca o barco." Cássio Souto dos Santos argumenta que tinha dívidas da OS para pagar naquele momento. O prefeito diz, então, que a prioridade é o "acerto" entre eles. "Tu tá falando em pagar dívida. Não foi isso que eu acertei com o Germano (Dalla Valentina), não foi isso que eu mandei acertar com vocês." "Eu autorizei aumentar para que vocês tivessem um fôlego, parasse o problema, porque o que atinge vocês atinge nós. Nós somos parceiros, somos dois irmãos siameses. Os caras te cravam um prego no ombro, dói em mim também no meu." O prefeito continua (16:30): "O que o Xaxá (Alexandre Bittencourt, seu secretário) e o Germano vieram me trazer: o Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (...) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio." "Tem problemas, 'como é que eu retiro o dinheiro', não sei quê. Não sei. Tem que achar uma maneira", afirma o então prefeito ao representante da OS, segundo o áudio. "O que eu combinei com o Germano é em cima dos 21 (milhões)." Souto dos Santos afirma que, diante de outras operações na região contra desvios na saúde, tinha dificuldade em entregar os valores combinados. "(Eu disse ao) Germano, eu não tenho condições de trazer pra você R$ 2 milhões por mês. Primeiro, pela dificuldade. Olha o que aconteceu em Guaíba (operação do MP-RS em 2018). Das sete empresas, a única que saiu ilesa fomos nós, e olha que grampearam mais de 40 pessoas." Greve dos caminhoneiros No momento da gravação dos áudios, estava em andamento a greve dos caminhoneiros de 2018, dificultando o transporte interestadual. No segundo áudio apresentado pelo delator, o prefeito diz que Souto dos Santos deveria trazer os valores de propina de avião, se fosse necessário. Germano Dalla Valentina também participa dessa conversa. "O que me interessa é o nosso acordo. Eu sou parceiro, e acho que o Germano também, mas não podemos ficar indefinidamente na esperança de "ah, agora tem a Polícia Federal, tem nao sei o que que vai acontecer." P*rra, se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)", diz o prefeito. É neste diálogo que Busato reclama que não pode ficar sem receber "a cada peido da Polícia Federal". Cássio argumenta de volta que o caminho para os desvios deve ser "através de terceiros", contratados com verba de saúde municipal, ou "através de compras", já que seria arriscado trazer dinheiro de outros estados. "Nós temos que ter uma segurança. Eu estou assustado (...) Tá muito complicado. Imagina botar R$ 800 mil dentro de um avião, nego me pega com avião, tô desgraçado. Não tem cabimento. (...) Eu pego avião de amigo, eu alugo. O caminho é através de terceiros ou através de compras", afirma. O filho de Luiz Carlos Busato, Rodrigo Busato, é candidato a vice-prefeito de Canoas neste ano, na chapa de Airton Souza (PL). Ele disputa o segundo turno contra Jairo Jorge (PSD).   Com informações do UOL. Foto: Luiz Carlos Busato (PTB) concedeu entrevista ao Jornal do Almoço (Foto: Reprodução/RBS TV) As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.  

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Direita é hegemônica em cerca de 5 mil Câmaras Municipais

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Direita é hegemônica em cerca de 5 mil Câmaras Municipais
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Por FÁBIO VASCONCELLOS, no X* No esforço de entender as eleições de 2024, apresento agora a "Taxa de Hegemonia Política", uma elaboração própria para olhar os legislativos locais, onde as políticas nas cidades serão discutidas a partir de 2025. Vamos começar pela taxa. Ela varia de 0 (hegemonia à esquerda) e 1 (hegemonia à direita). A taxa consiste na proporção de vereadores eleitos por partidos de esquerda e direita. Taxas próximas de 0,5 indicam legislativos locais mais equilibrados entre os dois campos. O que esse mapa mostra é o que já tínhamos observado. A expansão de prefeituras do campo da direita em 24 repercutiu nas Câmaras. Cada cidade no mapa apresenta a cor da taxa de hegemonia nas câmaras. Ou seja, os legislativos locais terão maioria à direita a partir de 25. Quando compararmos a taxa por região, temos essa distribuição: o Centro-Oeste apresenta maior mediana (1). Isso significa que, na maioria das câmaras dessa região, nenhum vereador de partido de esquerda foi eleito. Em segundo lugar está o Sudeste, com taxa mediana de 0,91 e o Norte, com 0,91. Na sequência vem o Sul, com 0,89 e, por último, o Nordeste (0,78). Esta última, é onde o campo da direita menos elegeu vereadores, mesmo assim, ela é, na média, majoritária nas câmaras municipais. Em números absolutos, considerando as classes da Taxa de Hegemonia Política, outra forma de olhar esses dados, podemos ver a força do campo da direita. Se somarmos as classes acima de de 61%, temos que o campo da direita "dominará" 4,8 mil câmaras municipais a partir de 2025. Quando controlamos as classes das taxas pelo total de eleitores nas cidades, vemos que o campo da direita será hegemônico em municípios que somam cerca de 142 milhões de eleitores Esses dados, antes que escandalizem, espelham o que já era sabido. Partidos do campo da direita (direita, centro-direita e extrema-direita) já eram majoritários nos executivos locais. A disputa de 24 confirmou isso e a eleição das câmaras refletiu esse comportamento. Importante observar que o campo da direita é composto por muitos partidos do chamado Centrão. Essa é uma direita de máquina, pode tanto pender para a esquerda como para a direita, a depender dos ganhos imediatos nas discussões locais. Como sempre me perguntam, utilizo como referência de classificação dos partidos o trabalho de Bolognesi, Ribeiro e Codato, meus colegas no pós-doc do INCT UFPR, onde venho desenvolvendo análises de conjuntura https://scielo.br/j/dados/a/zzyM3gzHD4P45WWdytXjZWg/?format=pdf Publicado originalmente no perfil do autor no X *Fábio Vasconcellos é jornalista de dados, professor adjunto do Departamento de Jornalismo da UERJ e da ESPM-RJ, mestre em Comunicação e doutor em Ciência Política Ilustração da capa: Redes sociais divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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CORREIO POLÍTICO | Valdemar vendo filme que PSL tinha visto

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CORREIO POLÍTICO | Valdemar vendo filme que PSL tinha visto
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Brasília Quando em 2019 o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro deixou o PSL foi numa disputa pelo comando do partido com o deputado Luciano Bivar. Bolsonaro depois tentou criar seu próprio partido, não conseguiu. E Bivar uniu o PSL ao Democratas para criar o União Brasil. Hoje, Bivar está envolvido lá em outra briga pelo comando partidário, com Antônio Rueda. Agora, o filme está passando de novo em outras salas, estas localizadas no Edifício Brasil 21, em Brasília, onde fica a sede do PL. Segundo integrantes do partido, Valdemar está agora sofrendo imensa pressão da família Bolsonaro para entregar o trono que ocupa no PL há 24 anos, quando morreu Alvaro Valle. Os bons resultados eleitores do PL só fizeram aumentar a pressão. Radicais O problema para Valdemar da entrega do comando é ela levar a uma guinada radical, reduzindo o modelo mais maleável que ele exerce há anos, no melhor estilo Centrão. Agora mesmo, Valdemar já se viu obrigado a expulsar o deputado federal cearense Junior Mano. Curitiba Os defensores de Valdemar rebatem dizendo que, se ele fosse rigoroso, teria que expulsar o próprio Bolsonaro. Afinal, o PL tem o candidato a vice de Eduardo Pimentel (PSD) em Curitiba, e Bolsonaro resolveu apoiar a candidata do PMDB, a jornalista Cristina Graeml. Houve avanço sobre a própria presidência do PL Junior Mano foi expulso do PL por apoiar petista | Foto: Mario Agra/Câmara dos Deputados Antes do primeiro turno, chegou a haver uma pressão sobre Valdemar inclusive para que ele entregasse a presidência do PL para o deputado Eduardo Bolsonaro (SP). E o próprio Valdemar chegou a ventilar a possibilidade. Depois, recuou fortemente. Não pretende entregar o partido. Agora, a pressão é sobre a Fundação Álvaro Valle, que administra cerca de 20% dos recursos do fundo partidário. Novamente, Valdemar não quer ceder. Mas, dentro do PL, já há quem avalie que ele acabará obrigado a entregar alguma coisa. Nas reuniões internas, ele já vem sofrendo pressão intensa dos nomes mais radicais. Ele cogita dar a área internacional. Vereadores Se o PSD foi o partido que elegeu maior número de prefeitos, o PL foi o que elegeu mais vereadores. Foi também o que teve mais votos, por conta de alguns fenômenos, como Lucas Pavanato, em São Paulo. Pode sair do segundo turno como o que fez mais capitais. Pressão Tal situação aumenta a pressão quanto ao controle do partido. A família Bolsonaro entende que é a responsável pelo desempenho. Já Valdemar considera que é a forma como concilia a extrema direita com a parcela mais moderada. A queda de braço intensificou-se. Ordem Junior Mano afirma que ele foi expulso por ordem de Bolsonaro. No caso, parece haver sentido, porque ele apoia o petista Evandro Leitão e o PL tem candidato do segundo turno, André Fernandes. Mas Valdemar resiste a esses processos, porque eles reduzem a bancada. Cursos Mas os Bolsonaros querem uma área que tenha recursos. A Fundação Álvaro Valle daria a possibilidade de comercialização de cursos. No caso, mira-se no sucesso que teve Pablo Marçal (PRTB). Turbinadas as redes sociais, isso poderia virar excelente fonte de receita. *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Artigo originalmente publicado no Correio da Manhã / Brasília Foto: Bolsonaro pressiona Valdemar por comando | Foto: Beto Barata/PL Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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A VIDA NUMA CARTA

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A VIDA NUMA CARTA
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Por NUBIA SILVEIRA* Ocean Vuong, poeta norte-americano, nascido no Vietnã, onde viveu poucos anos, lançou o seu primeiro interessante e comovente romance, em 2020. Sobre a terra somos belos por um instante (Editora Rocco, 219 páginas) foi escrito em forma de carta. Uma carta endereçada à sua mãe, Rose, que jamais a leria. Ajudado pela ficção, Vuong conta como ele, sua mãe e avó materna, Lan, viveram nos Estados Unidos, aonde chegaram, vindos de um campo de refugiados nas Filipinas. Lan casara com um soldado norte-americano, durante a guerra. Os dois se encontraram em Saigon. Paul não falava vietnamita, sabia apenas algumas palavras, o mesmo acontecia com Lan, que não sabia nada de inglês. Vuong explica a atração de um pelo outro, por serem ambos naturais de áreas rurais em seus países. Viveram felizes até Paul receber uma carta da família, informando que a sua mãe estava muito doente. Um inocentão, Paul caiu nas armadilhas da mãe e do irmão. Foi ficando nos Estados Unidos. Os anos passaram, a guerra terminou e ele não pode voltar para a sua família mista. Com a tomada de Saigon pelos vietcongs e vietnamitas do Norte, Lan, as filhas, o genro e o neto precisaram abandonar o país. Rose, filha de um estrangeiro, era mais clara que seus compatriotas. Por isto, chamada de menina-fantasma. As crianças da aldeia corriam atrás dela, gritando: “Tirem o branco dela”. Fugiram com a ajuda da Cruz Vermelha, que deu notícias deles a Paul, já casado com outra mulher havia oito anos. Vuong apresenta-se para mãe, na longa carta que lhe escreve: “Eu tenho vinte e oito anos, 1m62 de altura, 51 quilos. Sou bonito de exatamente três ângulos e horrível de todos os outros. Estou escrevendo para você de dentro de um corpo que era teu. O que é o mesmo que dizer: estou escrevendo como um filho”. A família vietnamita se instalou num bairro pobre de Hartford, em Connecticut. Aos seis anos, Vuong começou a frequentar a aula de inglês para estrangeiros. Com seu pobre vocabulário vietnamita e o inglês rudimentar passou a exercer a função de intérprete da mãe e da avó. O pai abandonou-os. Quando não entendia o que elas queriam, inventava histórias. Estava acostumado a ouvir as que Lan lhe contava sobre a guerra, os costumes vietnamitas e a vida numa aldeia rural, em que plantavam e colhiam arroz, a base da alimentação do povo. Um determinado dia, Vuong e Rose foram à loja de departamentos da Sears. Uma funcionária loira, achando que sua mãe era norte-americana, branca e linda, perguntou-lhe se o menino era seu filho ou adotado. Rose, com seu “inglês mutilado”, não conseguiu se comunicar. Vuong, sentindo que dominava o idioma, respondeu: - Não senhora. Esta é a minha mãe. Eu saí da bunda dela e eu amo muito ela. Eu tenho sete anos. Ano que vem vou fazer oito. Eu estou bem, e você? Feliz Natal Bom Ano Novo. O escritor explica que, nas conversas entre mães vietnamitas e seus filhos, sobre o nascimento deles, jamais referem os genitais femininos. Por causa deste tabu, Rose sempre lhe dizia que ele havia sido do seu ânus. Ao nascer, no interior do Vietnã, Vuong recebeu do xamã, que lhe deu o primeiro banho, o nome que deveria carregar por toda a vida. Um nome que significava Líder Patriótico da Nação. Anos mais tarde, nos Estados Unidos, Rose decidiu mudar o nome do filho para Ocean, ao descobrir o oceano, uma imensidão de água. Durante a infância ele foi chamado de Cachorrinho. Supersticiosa, a avó lhe dera este apelido. “Os espíritos malignos, vagando pelo local em busca de crianças saudáveis, bonitas, ouviriam o nome de algo medonho sendo chamado para o jantar e passariam por cima da casa, poupando a criança. Amar algo, portanto, é dar a ela o nome de algo tão sem valor que pode ser deixado incólume – e vivo. Um nome, tênue como o ar, pode também ser um escudo. Um escudo de Cachorrinho.” O choque entre culturas, a comunicação truncada pelo não domínio do idioma provocavam situações hilárias, confusas e surpreendentes. Vuong, ao longo do texto, fala com sua mãe. Conta-lhe o que acontece no presente. Recorda-a de fatos passados, como os tapas que ela costumava lhe dar e o bule de cerâmica que jogou contra ele. Também, recorda o conselho que lhe repetia toda vez que saiam à rua: “Lembre-se, não chame a atenção dos outros para você. Já basta você ser vietnamita”. Aos 14 anos, Vuong conseguiu seu primeiro emprego, numa fazenda de tabaco. Não contou para a mãe, porque precisava pedalar por uma hora para chegar ao local de trabalho. Lá conheceu imigrantes ilegais e legalizados e fez amizade com Trevor, filho de Buford, dono das terras. A forte relação entre os dois percorre o livro até o final, quando Paul, Rose e Ocean viajam ao Vietnã para enterrar as cinzas de Lan em sua aldeia Go Cong. Quando tinha 15 anos, Trevor fraturou o tornozelo. Para combater a dor que sentia, lhe deram oxicodona, que o tornou um dependente químico. Vuong não se omite e denuncia: “A oxicodona, produzida em escala comercial pela primeira vez pela Purdue Pharma, em 1996, é um opioide, basicamente heroína em forma de comprimidos. (...) Desenvolvida inicialmente como analgésico para pacientes com câncer passando por quimioterapia, a oxicodona, tanto a original quanto as genéricas, logo passou a ser receitada para todo tipo de dor no corpo: artrite, espasmos musculares e enxaquecas”. Ocean Vuong escreve com a delicadeza de um poeta. Inclusive as cenas doloridas, como a morte de sua avó, são descritas de uma forma suave, que não agride o leitor. Em um momento apenas, precisei parar para repensar o que ele estava contando. Fiquei chocada com a cena descrita. Não pelas palavras usadas, mas pela ação, comum entre os vietnamitas. Outras cenas fortes, ao contrário de me impactar, me sensibilizaram. Uma delas foi a da troca de segredos entre mãe e filho. Sobre a terra somos belos por um instante é um livro comovente, que nos leva por dois mundos diferentes. Nos mostra a realidade de um país em guerra e a pobreza e o preconceito existentes num país rico e desenvolvido. *Jprmaçista Foto: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Determinantes do voto em Melo – ELEIÇOES MUNICIPAIS 2024 – REGIÃO HUMAITÁ / VILA FARRAPOS

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Determinantes do voto em Melo – ELEIÇOES MUNICIPAIS 2024 – REGIÃO HUMAITÁ / VILA FARRAPOS
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Por ADRIANA PAZ LAMEIRÃO* Para apreender o que passa na cabeça de um eleitor da Região do Humaitá e Vila Farrapos, fortemente atingida pela enchente de 2024, conduzi uma entrevista não estruturada com uma eleitora de Melo com forte vivência comunitária, orientando a conversa através da pergunta aberta "por que a região inundada deu vitória ao Melo no 1° turno?", permitindo à entrevistada responder livremente sobre o tema e fazendo perguntas para aprofundar o entendimento das respostas e, assim, poder extrair conteúdo pertinente à análise do comportamento eleitoral. Para melhor compreensão dos determinantes do voto desse eleitorado, é preciso dividir os eventos em dois momentos: durante e pós a enchente. DURANTE - Ausência da esquerda no território (direita presente realizando resgates, fornecendo marmitas, ranchos), em que pese vários setores da esquerda terem ajudado com, por exemplo, cozinhas comunitárias, mas montadas longe dos territórios inundados, e com arrecadação de donativos - A ação da esquerda que mais se sobressaiu não foi a atitude prática, mas a exploração política do evento climático contra Melo, substanciada nos protestos em redes sociais PÓS INUNDAÇÃO - Rede da direita formada por vereadores com mandato, candidatos à vereança e empresários/empresas de direita ajudando na reconstrução da vida das pessoas e dos espaços da comunidade (igreja, CTG) através de: - Limpeza dos imóveis (trabalho braçal) - Arrecadação e doação de móveis e eletrodomésticos - Doação de material de construção para reforma dos imóveis atingidos - Igreja arrecadando e doando móveis e eletrodomésticos para montar novamente os lares dos atingidos (capital social, de Putnam) Cabe ressaltar que dentre os candidatos à vereança presentes no território somente um se elegeu (ficou de fora, inclusive o candidato à reeleição, associado à Maria do Rosário por seu partido compor a Frente Ampla) No entanto, a forte presença da direita e a ausência da esquerda no território contribuiu para o sentimento do eleitor de abandono por parte da esquerda porto-alegrense e, no tocante ao governo federal, de ter feito o mínimo e tê-lo deixado à própria sorte com suas perdas e necessidades prementes. São falas recorrentes na comunidade: "Pô, votei no Lula e ninguém deles tá aqui. Nunca mais voto na esquerda." "Antes ficar como está do que colocar a esquerda que dá 5 mil e deu." Sobressai, dessa percepção do eleitorado, a incapacidade de o governo federal - e a esquerda local - tornar amplamente conhecidas pela população todas as ações e programas de ajuda aos atingidos pela inundação e de reconstrução do RS. IMPORTANTE! Enquanto a esquerda bradava contra o Melo e sua irresponsabilidade quanto ao sistema de proteção contra as cheias, a prioridade do eleitor atingido pela inundação era de outra ordem: poder voltar ao seu lar, equipá-lo e retomar a sua vida dentro da normalidade. Portanto há uma dissonância entre o que a esquerda considerou como crítico e altamente prioritário e o eleitor que perdeu tudo estabeleceu como a prioridade do presente. A melhoria do sistema de proteção contra as cheias, para esse eleitor, foi estabelecida como prioridade futura. Para as pessoas que não tiveram as suas casas inundadas, a enchente é passado. Para as atingidas, é o presente com o qual ainda estão tendo que lidar. No presente, é o materialismo histórico (Marx) que importa! A título de exemplo, somente na semana anterior ao primeiro turno uma senhora da Vila Farrapos conseguiu a doação de uma geladeira, através dos laços de solidariedade construídos na Igreja. Ela não recebeu o Auxílio Reconstrução por não ter realizado o cadastro online, em função de suas dificuldades com informática e internet. A Prefeitura cadastrou às pressas quem estava nos abrigos e quem procurou a SMDS, mas aos demais indicou o cadastro online. No pós-enchente quem se fez fortemente presente no território foi o Executivo Municipal através de seus órgãos como Defesa Civil, DEMHAB e FASE (para cadastrar as famílias com direito ao benefício federal de novas moradias, especialmente o Compra Assistida e ao programa municipal Estadia Solidária), mas também o próprio Melo e seus Secretários Municipais conversando diretamente com os atingidos, dando explicações e prometendo que não ficariam desamparados. Para a comunidade, é Melo quem está se importando com eles e não o governo federal, Lula, quem, realmente, está aportando bilhões para o RS. Mas, não só isso! A Prefeitura também está executando programas sociais próprios como o Estadia Solidária e dando suprimentos. Novamente, aqui há uma divisão entre presente e futuro: enquanto o Estadia Solidária é presente, o Compra Assistida é futuro. Portanto, quem está fazendo algo agora é o Melo, não o PT e o Lula da candidata @⁨Maria do Rosario. Nesse contexto, o discurso da candidatura de esquerda de que o Melo não fez nada, de que foge de sua responsabilidade, destoa da realidade vivida por essa comunidade. Tudo isso mais a estratégia de Melo de corresponsabilização de todos os prefeitos que o antecederam quanto à manutenção do sistema de proteção contra as cheias neutralizaram o efeito negativo da inundação sobre a sua candidatura à reeleição. Leia o contraponto deste texto: Por que os inundados não votaram no PT. *Adriana Paz Lameirão, Cientista Social e Mestre em Ciência Política pela UFRGS Foto da capa: Bairro Humaitá e Arena do Grêmio, Porto Alegre durante a enchente de 2024 / AFP Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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