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‘Agente do Mal’: União Europeia Aperta o cerco contra Elon Musk com Medida Similar à de Moraes

Curtas

‘Agente do Mal’: União Europeia Aperta o cerco contra Elon Musk com Medida Similar à de Moraes
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A União Europeia (UE) está ameaçando incluir as receitas de outras empresas de Elon Musk no cálculo de multas contra a rede social X, em função de violações às regras de moderação de conteúdo. A medida, similar à adotada pelo ministro Alexandre de Moraes no Brasil, baseia-se na Lei de Serviços Digitais da UE, que permite penalidades de até 6% da receita global anual de plataformas que descumprem essas normas. Em meio a esses desafios, Musk também foi alvo de críticas por parte de Vera Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para Valores e Transparência, que o chamou de "agente do mal". Jourová afirmou em entrevista ao site Politico que Musk "não consegue distinguir o bem do mal", intensificando a pressão sobre o bilionário. As tensões ocorrem em uma semana de reveses para Musk, que também perdeu uma batalha judicial contra o Supremo Tribunal brasileiro. Poucos dias após o X resolver questões judiciais no Brasil e ser desbloqueado no país, a União Europeia demonstra impaciência com Elon Musk. O bloco notificou a plataforma sobre a possibilidade de incluir as receitas de outras empresas do bilionário, como SpaceX, Neuralink, xAI e Boring Company, no cálculo de multas contra o X, responsabilizando diretamente Musk. A informação foi divulgada pela Bloomberg. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma medida semelhante ao transferir 18,3 milhões de reais das contas da Starlink para a União devido ao descumprimento de ordens judiciais relacionadas ao X. Com a regularização, a plataforma voltou ao ar após quase 40 dias de suspensão no país. Musk, no entanto, continua a desafiar outros países em nome da "liberdade de expressão". Em julho, a Comissão Europeia concluiu que o X violou a legislação ao não remover conteúdos ilegais, falsos ou desinformativos e por "enganar usuários" com a reformulação dos perfis verificados. O regulador europeu afirmou que a forma como o X opera o sistema de contas verificadas com o selo azul "engana os usuários" e que indivíduos mal-intencionados abusam desse status para ludibriar os demais. Apesar das infrações, a plataforma ainda não foi penalizada, e os valores das multas seguem em discussão. A empresa, por sua vez, contestou a inclusão das receitas da SpaceX e de outras empresas de Musk no cálculo das sanções, alegando que as atividades do X e da SpaceX são independentes. Elon Musk também prometeu, caso seja multado, "uma batalha pública na Justiça para que o povo da Europa saiba a verdade". Desde que adquiriu o antigo Twitter, Musk tem sido alvo de críticas de autoridades europeias, como Vera Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para Valores e Transparência. Ela classificou Musk como "agente do mal" e expressou preocupação com o poder das big techs em "mãos erradas", afirmando que o X se tornou um dos principais disseminadores de antissemitismo.   Com informações do UOL. Foto: T=Elon Musk (foto: Elon Musk via X) Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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As drogas venceram a guerra

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As drogas venceram a guerra
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Por CELSO JAPIASSU* O dinheiro do narcotráfico, uma vez lavado, entra no mercado financeiro internacional. Sustenta bancos e mercados, suborna poderes políticos e policiais, o que torna muito difícil o combate a esse tipo de crime, pois são muitos e variados os interesses que representa, promovendo o sustento de aparatos policiais, jurídicos e políticos. A legalização das drogas, entregando ao Estado o comércio e o controle, não interessa à complexa organização montada para combatê-las. Uma mercadoria detém o poder da sua procura. Enquanto houver grupos dispostos a comprá-la haverá sempre alguém para vender e nem a lei ou os costumes são capazes de enfrentar a força de uma mercadoria. Por Celso Japiassu Desde milênios o homem tem procurado escapar da realidade ingerindo substâncias de química tóxica que lhe alteram a percepção. Fazem-no sonhar e pensar que é feliz, criam ilusão de onipotência, melhoram a sua forma de divertir-se e, por fim, matam-no. Ao mesmo tempo as drogas financiam grupos criminosos cuja violência aterroriza e intimida, tornando insuportáveis as várias cidades do mundo em que se abrigam. O narcotráfico, um negócio multinacional que fatura anualmente, em cálculos imprecisos, em torno de 320 bilhões de dólares, é o principal negócio do crime organizado. Ao lado da falsificação de mercadorias e do tráfico humano, do tráfico de petróleo ilegal e do tráfico de vida selvagem, que perfazem os cinco maiores negócios do crime e movimentam 2 trilhões de dólares, pelos cálculos do Escritório da ONU contra Drogas e Crimes. O equivalente a quatro vezes o PIB da Argentina e quase dez vezes o da Colômbia. Não estão incluídos o tráfico de órgãos humanos e o roubo de obras de arte, outros grandes negócios do crime. A cannabis é a droga mais consumida na Europa, com 38% do mercado de varejo e o valor de 9,3 bilhões de euros por ano. Em seguida encontra-se a heroína, com 6,8 bilhões de euros de faturamento, a responsabilidade pelo maior número de mortes e elevados custos sociais. A cocaína está na terceira posição com 5,7 bilhões de euros e o Brasil como um dos maiores fornecedores. Os estimulantes sintéticos anfetamina, metanfetamina e MDMA, este último mais conhecido como ecstasy, respondem por 1,8 bilhões de euros por ano. Além dessas, mais de 560 novas substâncias foram notificadas desde 2015. A lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais é também um negócio de enormes proporções, responsável pela introdução de mais de US$1 trilhão anuais nos sistemas financeiros, segundo o Fórum Econômico Mundial. O dinheiro do narcotráfico, uma vez lavado, entra no mercado financeiro internacional. Sustenta bancos e mercados, suborna poderes políticos e policiais, o que torna muito difícil o combate a esse tipo de crime, pois são muitos e variados os interesses que representa, promovendo o sustento de aparatos policiais, jurídicos e políticos. A legalização das drogas, entregando ao Estado o seu comércio e controle, não interessa à complexa organização montada para combatê-las. Uma mercadoria detém o poder da sua procura. Enquanto houver grupos dispostos a comprá-la haverá sempre alguém para vender e nem a lei ou os costumes são capazes de enfrentar a força de uma mercadoria. Só a Europa gasta o que foi estimado em 31 bilhões de euros para comprar drogas ilícitas. Um dossiê organizado pelo governo da Holanda afirma que circulam no país 6,7 bilhões de euros em transações criminosas, a maior parte proveniente do narcotráfico. Amsterdam é um entreposto internacional das drogas. As autoridades dizem que a economia gerada pelo crime organizado tem se tornado incontrolável, cada vez movimenta mais dinheiro e atrai “um exército de jovens delinquentes”, dispostos a praticar assassinatos em troca de alguns milhares de euros. Acrescentam que a cidade está perdendo a luta contra o crime organizado. O confinamento determinado pela pandemia do coronavírus acusou uma escassez da oferta das drogas mais populares e o encarecimento dos preços no mercado varejista. A venda online passou a ser usada mais intensamente e os grupos criminosos adaptaram-se rapidamente ao momento de crise. Ao invés do tráfico de rua, promoveram a venda dos seus produtos nas redes sociais e na darknet, com maior utilização dos serviços de entrega ao domicílio. Com as ruas desertas e as fronteiras fechadas, a qualidade da droga oferecida aos consumidores diminuiu para fazê-la render mais, o que fez com que se verificasse um aumento no número de mortes por overdoses. Heroína e cocaína são importadas pela Europa. Com a escassez provocada pelo confinamento, as autoridades revelaram que o fentanil, um opióide sintético de 50 a 100 vezes mais poderoso do que a heroína e que responde pela grande maioria de mortes por overdose nos Estados Unidos, tornou-se popular na Europa. Começou a ser produzido, segundo a polícia, em países do Leste europeu. A darknet A polícia da União Europeia, Europol, denuncia que o uso da darknet é uma das principais manifestações da crescente, sofisticada e complexa natureza do crime transnacional no continente. Este uso da internet para fins criminosos conheceu o seu início e se organizou a partir de 2010 e evoluiu ao sabor da melhoria da qualidade das comunicações e das tecnologias de encriptação de dados. Os mercados estabelecidos na darknet, também conhecidos como cryptomarkets, proporcionam uma abrangente e anônima plataforma ao comércio de produtos e serviços ilícitos. Todos os tipos de drogas, inclusive as novas substâncias psicoativas, encontram-se disponíveis mediante alguns cliques para quem tenha um conhecimento técnico básico. Os websites da darknet são muito semelhantes aos ambientes legais, como eBay e Amazon, por exemplo. A diferença é que são anônimos e utilizam atualizados programas de encriptação. A maioria deles é acessível pelo navegador anônimo Tor e as transações são realizadas em Bitcoin. A polícia conseguiu desmantelar o Alphabay e o Hansa, dois dos maiores mercados virtuais da darknet para a negociação da oferta e da procura dos produtos originados no crime. Comercializavam desde drogas e armas a pornografia e órgãos humanos. Eram também os sites preferenciais das organizações terroristas. O Alphabay Market foi fechado pelo Departamento de Justiça estadunidense em colaboração com as polícias do Canadá e da Tailândia. Seu fundador, o canadense Alexandre Cazes, de 26 anos, suicidou-se na prisão. Já o Hansa Market foi descoberto numa investigação da polícia da Holanda e fechado pela Operação Bayonet, formada em colaboração com as polícias de vários outros países. Um dos pioneiros e dos mais conhecidos foi o Silk Road Market, lançado em 2011 e fechado pela ação do FBI dos Estados Unidos em 2013, mas logo em seguida foi criado o Silk Market 2.0. Desde então houve a proliferação de sites para esse tipo de comércio com o lançamento de mais de uma centena de novos mercados virtuais à disposição dos negócios do crime. Um recente relatório da Europol assinala uma crescente complexidade técnica e de organização, assim como a interligação entre os grupos criminosos com especialização cada vez maior. Além disso, a globalização e a tecnologia estão a acelerar o ritmo da evolução e o crescimento cada vez maior do mercado de drogas não só na Europa, mas também em todo o mundo.   *Poeta, articulista, jornalista e publicitário Imagem: Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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VÍDEO: Al Jazeera expõe crimes de guerra filmados pelos soldados israelenses em Gaza; legendas em português

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VÍDEO: Al Jazeera expõe crimes de guerra filmados pelos soldados israelenses em Gaza; legendas em português
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Da Redação do VIOMUNDO A Al Jazeera lançou no início de outubro o documentário Investigating war crimes in Gaza. Foi feito por sua Unidade Investigativa (I-Unit, por suas iniciais em inglês), tendo por base milhares de vídeos e fotos que os soldados israelenses filmaram e postaram em suas redes sociais. A Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) legendou-o em português. https://youtu.be/i4t_-0NImVM?si=hC5SJINlzunZWBOR Está na íntegra acima. Aqui, está o vídeo original publicado pela Al Jazeera em seu canal. Ao comentar o documentário, a  Fepal destaca: Expõe os crimes de guerra israelenses na Faixa de Gaza através de publicações dos próprios soldados israelitas durante o genocídio que já dura um ano. O material revela uma série de atividades ilegais, desde destruição e saques até a demolição de bairros inteiros e assassinatos. O filme também conta a história da guerra pelos olhares de jornalistas palestinos, defensores dos direitos humanos e residentes comuns em Gaza. E expõe a cumplicidade dos governos ocidentais. “O Ocidente não pode se esconder, não pode alegar ignorância. Ninguém pode dizer que não sabia”, diz a escritora palestina Susan Abulhawa. O documentário dura 1 hora, 20 minutos e 59 segundos. São chocantes as imagens dos soldados israelenses celebrando as suas atrocidades. A Unidade Investigativa da Al Jazeera identificou muitos deles. Procurou-os para que se manifestassem. Nenhum deu retorno. Fizemos os prints de algumas cenas, que ajudam a dar uma ideia do horror. [caption id="attachment_16143" align="aligncenter" width="1400"] Maus-tratos e humilhação a palestinos detidos: muitos despidos e com olhos vendados; um, com as mãos e pés amarrados, foi arrastado pelo chão; outro teve a estrela de Davi esculpida nas costas.[/caption] [caption id="attachment_16144" align="aligncenter" width="1400"] Terra arrasada: edifícios, hospitais, casas e tudo o que tinham dentro destruídos arbitrária, intencional e ilegalmente. Pertences dos palestinos também foram saqueados[/caption] [caption id="attachment_16145" align="aligncenter" width="2048"] Israel está usando a fome como arma de guerra, o que é crime de guerra. As vítimas são principalmente crianças[/caption] [caption id="attachment_16146" align="aligncenter" width="1400"] Entre muitos soldados israelenses, parece haver uma estranha obsessão com as roupas íntimas femininas[/caption] **** A Al Jazeera News tratou do documentário na matéria abaixo, que mostra como a investigação foi conduzida e o que descobriu.  O que a investigação da Al Jazeera sobre os crimes de guerra israelenses em Gaza revelou? A I-Unit investigou milhares de vídeos e fotos postados nas redes sociais por soldados israelenses Por Richard Sanders e Unidade Investigativa da Al Jazeera Quando entraram em Gaza em 27 de outubro de 2023, três semanas depois dos bombardeios aéreos que se seguiram ao ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, os integrantes das tropas israelenses levaram seus iPhones. “Vivemos em uma era de tecnologia, e isso foi descrito como o primeiro genocídio transmitido ao vivo na história”, disse a romancista palestina Susan Abulhawa à Unidade Investigativa (I-Unit, por suas iniciais em inglês) da Al Jazeera. No ano seguinte, soldados israelenses postaram milhares de vídeos e fotos no Instagram, Facebook, TikTok e YouTube. Esses vídeos e fotos integram a base do novo filme da I-Unit, que investiga crimes de guerra israelenses principalmente por meio das evidências fornecidas pelos próprios soldados israelenses. É, de acordo com Rodney Dixon, um especialista em direito internacional que aparece no filme, “um tesouro que raramente se encontra… algo que acho deixará os promotores com água na boca”. Como essa investigação foi conduzida? Enquanto jornalistas no Ocidente tentavam retratar a guerra em Gaza como complexa e cheia de nuances, uma enxurrada de postagens de soldados israelenses nas redes sociais sugeria que eles a consideravam tudo menos isso. A I-Unit decidiu investigar essas postagens. A expectativa é que tivesse que investir recursos consideráveis em geolocalização – uso de mapas de satélite e outras fontes para identificar locais específicos – e software de reconhecimento facial para uma varredura na Internet a fim de reconhecer os soldados que apareciam nas fotos e nos vídeos. O que se descobriu, no entanto, foi que, em sua maioria, os soldados publicaram material em seus próprios nomes em plataformas acessíveis ao público e, muitas vezes, forneceram detalhes de quando e onde os incidentes retratados ocorreram. A I-Unit começou a coletar esses vídeos e fotos, compilando um banco de dados de mais de 2.500 contas em mídias sociais. A I-Unit mostrou então as imagens de vídeo a uma série de especialistas militares e em direitos humanos, incluindo Rodney Dixon, Charlie Herbert, major-general aposentado do Exército Britânico, e Bill Van Esveld, diretor associado para o Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch. Também empregou equipes no local para filmar o depoimento de testemunhas e utilizou imagens de drones israelenses coletadas pela Al Jazeera Arabic. O que a investigação descobriu? O comportamento exibido nas fotos e nos vídeos varia de piadas grosseiras e soldados vasculhando gavetas de roupas íntimas femininas até o que parece ser o assassinato de civis desarmados. Caberá aos promotores decidir sobre a culpa ou não dos soldados, mas tanto Dixon quanto Van Esveld disseram à Al Jazeera que vários dos incidentes documentados mereciam investigação por investigadores internacionais. A maioria das fotos e vídeos se enquadrava em uma das três categorias: destruição arbitrária, maus-tratos a detidos e uso de escudos humanos. Todas as três podem ser violações do Direito Internacional Humanitário (IHL, nas iniciais em inglês) e crimes de guerra, de acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Destruição arbitrária Os vídeos frequentemente mostram soldados destruindo propriedades e posses. Outros mostram casas sendo incendiadas. A característica mais recorrente era a detonação de prédios. “O fato de eles terem conseguido colocar explosivos nesses edifícios mostra muito claramente que não há nenhuma ameaça atual vinda desses prédios”, disse Herbert à Al Jazeera. “Não há justificativa para destruir uma estrutura se o inimigo não estiver nela”, disse Van Esveld. “Você não pode sair por aí destruindo desnecessária e arbitrariamente … propriedade civil… É proibido”, ele acrescentou. “E se você fizer bastante isso, é um crime de guerra.” O que o IHL diz sobre a destruição de propriedade? O Artigo 8(2)(a)(iv) do Estatuto de Roma proíbe a “destruição e apropriação extensiva de propriedade, não justificada por necessidade militar e realizada de forma ilegal e arbitrária”. [caption id="attachment_16147" align="aligncenter" width="1400"] Soldados israelenses postaram muitos vídeos em redes sociais mostrando-os destruindo edifícios em Gaza. Foto: Al Jazeera[/caption] Maus-tratos a detidos Alguns dos vídeos mostram um grande número de prisioneiros despidos, apenas de cueca, em posições de estresse e ridicularizados por terem se sujado. Um deles mostra detentos nus e quase nus, amarrados e vendados, sendo chutados e arrastados pelo chão. Em um vídeo, um soldado franco-israelense, que filma um detento sendo puxado na traseira de um caminhão, diz: “Olha, vou mostrar as costas dele. Você vai rir disso. Ele foi torturado”. “A tortura é um dos crimes internacionais mais sérios…Muitas vezes, porém, é difícil obter evidências… Este tipo de material, onde você tem pessoas filmadas admitindo que participaram de tortura, seria muito útil para qualquer investigador ou promotor”, disse Dixon à Al Jazeera. Os vídeos dos soldados são complementados por depoimentos de testemunhas coletados pela equipe da I-Unit em Gaza. O filme inclui três relatos de espancamento e abuso. “Eles levaram meu filho, o mais velho, que tinha acabado de se casar”, disse Abu Amer. “Ele foi torturado. Eu podia ouvir seus gritos enquanto o sufocavam e o espancavam na sala ao lado. Não havia nada que pudéssemos fazer com armas apontadas para nossas cabeças. Não podíamos nos mexer.” Abu Amer diz que um soldado disse ao seu filho: “Nada nos impede de matá-los. Poderíamos simplesmente matar todos vocês. Isso é normal. Ninguém nos deterá, ninguém nos chamará para prestar contas”. As mulheres também sofreram abusos. Hadeel Dahdouh disse que um soldado a chutou no estômago. “Ele me bateu nas costas com a arma e na cabeça com um pedaço de metal. Eu disse a ele: ‘afrouxe a algema’, mas ele só a apertava ainda mais”. Outro palestino de Gaza, Fadi Bakr, disse que foi forçado a deitar sobre um cadáver em decomposição por um soldado que ameaçou executá-lo. Mais tarde, no centro de detenção de Sde Teiman, no sul de Israel, ele disse ter visto guardas usando um cachorro para estuprar um jovem preso. O que o IHL diz sobre os maus-tratos aos detidos? O artigo 8.º (2)(a)(ii) do Estatuto de Roma proíbe “a tortura ou o tratamento desumano, incluindo experiências biológicas”; enquanto o artigo 8.º (2)(b)(xxi) proíbe “ultrajes à dignidade pessoal, em particular tratamento humilhante e degradante”. Our feature length investigation exposes Israeli war crimes in the Gaza Strip through the medium of photos and videos posted online by Israeli soldiers themselves during the year-long conflict. Full film available to watch now. #GazaCrimes https://t.co/dnZLfySp3N — Al Jazeera Investigations (@AJIunit) October 3, 2024 Escudos humanos A I-Unit entrevistou seis pessoas que testemunharam terem sido usadas como escudos humanos pelas tropas israelenses. Abu Amer descreveu como, durante os confrontos entre soldados israelenses e combatentes palestinos, os soldados israelenses “nos pegaram, os homens, e nos colocaram perto da sacada. Eles colocaram suas armas acima de nossas cabeças e dispararam contra os jovens do outro lado.” Ele diz que foi forçado a inspecionar prédios em busca de armadilhas e emboscadas, enquanto um soldado o monitorava de uma sacada com uma metralhadora. “Ele disse: ‘tente qualquer coisa e eu atiro em você'”. As imagens coletadas pela Al Jazeera Arabic corroboram esse fato. Elas mostram um detento sendo forçado a inspecionar prédios vazios enquanto é monitorado por um drone. Uma outra filmagem mostra detentos ensanguentados equipados com câmeras para que possam entrar em prédios que as tropas ainda não protegeram. Uma foto tirada por um soldado israelense na cidade de Gaza em novembro – e publicada online – mostra dois detidos caminhando na frente de um tanque com um soldado atrás deles. Em uma entrevista, um dos homens descreveu mais tarde como eles foram coagidos e usados como escudos humanos. No Hospital Nasser, em Khan Younis, em fevereiro, um jovem foi forçado a agir pelos israelenses como mensageiro, ordenando que os deslocados evacuassem o prédio. Em seguida, o homem foi morto a tiros por um atirador na frente de sua mãe. Usar pessoas para executar tarefas militares é “em muitos aspectos a definição de usar pessoas como escudo humano”, explicou Dixon. [caption id="attachment_16150" align="aligncenter" width="1400"] A I-Unit obteve video de palestino sendo usado como escudo humano. Foto: Al Jazeera[/caption] A I-Unit entrevistou a mãe da vítima e outra testemunha. O que o IHL diz sobre o uso de escudos humanos? O artigo 8.º (2)(b)(xxiii) do Estatuto de Roma proíbe “a utilização da presença de um civil ou de outra pessoa protegida para tornar certos pontos, áreas ou forças militares imunes a operações militares”. Há alguma unidade específica que aparece com destaque nas fotos e nos vídeos? O Batalhão de Engenharia de Combate 8219  – também conhecido como Comando Gadhan – aparece com destaque em vídeos postados online. Ele destruiu centenas de edifícios na cidade de Gaza e depois avançou para o sul da Faixa de Gaza, onde, entre 28 de dezembro e 9 de junho, destruiu completamente Khirbet Khuza’a, uma cidade de 13 mil habitantes próxima à cerca que separa Gaza de Israel. “Nós… destruímos uma vila inteira como vingança pelo que fizeram ao Kibutz Nir Oz em 7/10”, escreveu o capitão Chai Roe Cohen, da Companhia C do batalhão 8219, em uma postagem no Instagram em 7 de janeiro. Nir Oz fica do outro lado da cerca de Khirbet Khuza’a e foi atacada em 7 de outubro; aproximadamente um quarto de seus moradores foram mortos ou feitos prisioneiros. “A retórica de vingança que ouvimos de alguns soldados israelenses (…) é perturbadora. Atrocidades não justificam atrocidades”, Van Esveld disse à Al Jazeera. O 8219 foi comandado durante suas operações em Gaza pelo tenente-coronel Meir Duvdevani. “O Tribunal Penal Internacional irá (…) procurar aqueles que estão no topo da cadeia de comando … e as evidências vindas diretamente dos comandantes sobre as ordens que eles deram e a maneira como eles comandam e controlam as tropas seriam provas vitais”, disse Dixon. A I-Unit também examinou um vídeo colocado online por um soldado chamado Shalom Gilbert, membro do 202º Batalhão de Paraquedistas. O vídeo mostra três homens desarmados sendo mortos por atiradores de elite. "Só porque um civil está andando em uma área onde o combate está acontecendo não o torna um alvo justo… Se ele se envolver em hostilidades em um momento específico, sim, ele perde o status de civil. Eles podem ser alvos. Mas então você tem que mostrar as evidências de que eles estão representando uma ameaça a você… É potencialmente uma questão que o Tribunal Penal Internacional gostaria de analisar”, disse Dixon. O 202 tinha uma equipe de atiradores de elite, conhecida como Unidade Fantasma, composta por 21 indivíduos. Cumplicidade ocidental Atualmente, o governo israelense está sendo investigado por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça. Isso levanta a possibilidade de que qualquer país que tenha prestado assistência ao esforço de guerra de Israel também esteja sujeito a acusações. Entre 2019 e 2023, 69% das importações de armas israelenses vieram dos Estados Unidos e 30% da Alemanha. Ambos continuaram a fornecer armamento durante todo o conflito, embora os suprimentos alemães tenham diminuído desde o início deste ano. O filme apresenta reportagem do Declassified UK, que mostra o papel central desempenhado pela base britânica da RAF Akrotiri, na ilha de Chipre. Os britânicos têm feito voos de vigilância sobre Gaza desde o início de dezembro, supostamente para facilitar o resgate de prisioneiros israelenses. No filme, Matt Kennard, do Declassified, argumentou que isso “não explica” os voos. Havia “apenas dois reféns britânicos em Gaza… Em março, havia até 1.000 horas de filmagem [de vigilância].” Os aviões Shadow R1 usados pelos britânicos têm capacidade de aquisição de alvos. And it also exposes the complicity of Western governments – in particular the use of RAF Akrotiri in Cyprus as a base for British surveillance flights over Gaza. #GazaCrimes pic.twitter.com/Xhh3bnbSPK — Al Jazeera Investigations (@AJIunit) October 3, 2024 “Quando você começa a atuar em um conflito a ponto de as pessoas que estão lutando no terreno usarem suas informações enquanto lutam”, você pode se tornar ‘uma parte do conflito’”, explicou Van Esveld. “Se você continuar a saber e continuar a fornecer armas e informações de alvos, apesar de saber qual é o resultado, e o resultado for uma violação grosseira dos direitos humanos, então você também se torna cúmplice. Portanto, a negação de que você está profundamente envolvido no que está acontecendo em Gaza começa a evaporar”, ele acrescentou. A I-Unit perguntou ao governo do Reino Unido sobre seus voos de vigilância. Ele nos disse: “O Reino Unido não participa do conflito entre Israel e o Hamas … Por uma questão de princípio, só fornecemos inteligência aos nossos aliados quando estamos convencidos de que ela será usada de acordo com o Direito Internacional Humanitário … Somente informações relacionadas ao resgate de reféns são passadas às autoridades israelenses”. Acrescentou: “Nossa prioridade continua sendo um cessar-fogo em Gaza para que os reféns possam ser libertados, os civis protegidos e a ajuda liberada”. PS do Viomundo: Jair de Souza também legendou o documentário da Al Jazeera em português. A versão dele pode ser assistida aqui ou no Dailymotion. Veja também Jair de Souza: Lições de nazismo cruelmente absorvidas e praticadas de novo. VÍDEO Publicado originalmente no portal do VioMundo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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CORREIO POLÍTICO | Quem é o dono do apagão em São Paulo?

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CORREIO POLÍTICO | Quem é o dono do apagão em São Paulo?
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Brasília A pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (17) mostrou o prefeito Ricardo Nunes (MDB) caindo quatro pontos com relação à rodada anterior. Uma queda significativa, acima da margem de erro, que é de três pontos percentuais. Atribuiu-se à queda ao apagão de energia em São Paulo. Apenas este ano, já foi a terceira vez que a cidade ficou sem luz. A irritação das pessoas atingiu a performance de Nunes, mas não melhorou a de seu adversário, Guilherme Boulos (Psol), que permaneceu com os mesmos 33%. O apagão virou o grande tema da reta final da campanha em São Paulo. Mas, como o contrato da Enel é com o estado, e a responsabilidade, então, não é diretamente do município, a culpa pelo apagão virou um jogo de empurra. Ministro No fim de semana, São Paulo apareceu tomada por faixas que empurram a responsabilidade pelo apagão para o colo do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. "Fora Enel! Fora Alexandre! Se concorda, buzine!" Um vídeo mostra buzinaço embaixo de um viaduto. Aneel O empurra para Silveira faz algum sentido. A Aneel tem a responsabilidade de regular o setor. Se a Enel não faz bem o seu trabalho, é responsabilidade da agência. A Aneel tem seu grau de independência, mas é vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Sem dono claro, apagão pouco altera o quadro Apagão virou tema do debate entre Boulos e Nunes | Foto: Reprodução TV   Assim, a verdade é que, sem dono claro, com responsabilidades que podem ser distribuídas para todos os entes da Federação, o apagão aparentemente não influirá no resultado da eleição de forma significativa a ponto de virar uma disputa que hoje, de acordo com as pesquisas, parece mais favorável à reeleição de Ricardo Nunes. Se ele não fez as podas em árvores e outros serviços de manutenção da cidade que lhe caberiam, o governo de São Paulo aparentemente não vinha também cobrando as responsabilidades da Enel em seu contrato. E a Aneel também não exerceu com maior dureza seu papel regulador. Lula Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu intensificar sua presença como cabo eleitoral nas disputas em que o PT e seus aliados estão no segundo turno. Há uma avaliação no Planalto de que Lula entrou tarde na campanha. Delicado Todo movimento, porém, é delicado. Lula pode atrapalhar às vezes mais do que ajudar. Essa é a avaliação, por exemplo, sobre Cuiabá (MT), onde o petista Lúdio Cabral disputa com o deputado federal Abílio Brunini (PL). O estado é muito bolsonarista. Ideia ali é não federalizar. São Paulo Lula foi a Natal, apoiar Natália Bonavides (PT), que disputa com Paulinho Freire (União Brasil). E andou por São Paulo. O PT está muito preocupado com a possibilidade de perder a influência que sempre teve no ABC paulista, berço do seu nascimento. Rússia Esta semana, Lula esfria a participação na campanha. Iria à Rússia na terça-feira (22) para a reunião do Brics. Mas levou uma queda, machucou a cabeça e foi aconselhado pelos médicos a não viajar. Agora, é saber se conseguirá participar do final da campanha de Boulos.   *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Artigo originalmente publicado no Correio da Manhã / Brasília Foto: Sobrou para o ministro o apagão em São Paulo | Foto: Correio da Manhã Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Entrevista: Boulos paga o preço da ‘esquerda legal’ que discute gênero e raça e deixou pobres na direita, diz Jessé Souza

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Entrevista: Boulos paga o preço da ‘esquerda legal’ que discute gênero e raça e deixou pobres na direita, diz Jessé Souza
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Crítico do protagonismo das pautas identitárias, sociólogo diz que campo progressista terá que lutar para reconquistar o eleitor pobre, que se sente valorizado pelo bolsonarismo Por EDUARDO GRAÇA no O Globo A entrevista com o sociólogo Jessé Souza, publicada pelo O GLOBO, traz uma análise crítica sobre o papel da esquerda nas eleições municipais e o crescimento do "pobre de direita". Jessé, conhecido por suas obras como "A Elite do Atraso" e "A Ralé Brasileira", destaca que os mais pobres foram seduzidos pela narrativa neoliberal e religiosa das igrejas evangélicas e pela "Teologia da Prosperidade", que oferece aos indivíduos uma esperança de ascensão pessoal, ao invés de discutir as questões estruturais da desigualdade. Ele critica a esquerda por não conseguir se comunicar com esse eleitorado, deixando de disputar o campo político e social nas periferias, principalmente em áreas com forte presença evangélica. Para Jessé, essa inação deixou um vácuo que foi preenchido pela direita, que construiu uma relação de identificação e pertencimento com os eleitores mais pobres, em particular nas regiões Sul e Sudeste. Segundo ele, o bolsonarismo e, mais recentemente, figuras como Pablo Marçal, capitalizam o ressentimento, a raiva e a busca por reconhecimento social de uma massa de eleitores que antes se sentia desvalorizada. Além disso, o sociólogo identifica um erro na priorização das pautas identitárias pela esquerda. Embora sejam fundamentais, ele argumenta que essas discussões não são suficientes para reconquistar os eleitores pobres, que se sentem desamparados diante da desigualdade material e da falta de políticas públicas eficazes que toquem diretamente suas vidas. Jessé sugere que a esquerda deveria aprender com Getúlio Vargas, que validou as classes trabalhadoras e criou um senso de pertencimento, algo que a direita tem feito, mesmo de maneira distorcida. Ele conclui que, se a esquerda não voltar a disputar o voto dos pobres, explicando de forma clara as injustiças sociais e estruturais, corre o risco de perder relevância, assim como aconteceu com o PSDB. O sociólogo enfatiza que o eleitorado pobre não se mobiliza apenas por questões econômicas, mas também por uma necessidade de valorização moral e social, algo que a direita tem conseguido oferecer, enquanto a esquerda fica restrita a um discurso "legal" e desconectado das reais angústias das classes populares. Leia, abaixo, a íntegra da matéria de O Globo. Em “O pobre de direita — a vingança dos bastardos”, o sociólogo Jessé Souza, 64 anos, autor de, entre outros, “A elite do atraso”, “A ralé brasileira” e “A classe média no espelho”, defende ser impossível entender o apelo do bolsonarismo aos menos privilegiados sem levar em conta dois fatores: de um lado, o racismo regional no país, com a enorme identificação “dos pobres brancos do sul e de São Paulo” com o ex-presidente Jair Bolsonaro; de outro, a inação da esquerda, “que nem mais tenta disputar áreas periféricas com grande presença das igrejas evangélicas”. Eleições 2024: Número de prefeituras da esquerda despenca em 12 anos e desafia partidos Prévias da direita: Governadores a herdeiros de Bolsonaro testam seus cacifes no segundo turno Voz destacada da esquerda na academia e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no governo Dilma Rousseff (PT), Souza critica o protagonismo dado pelos partidos de esquerda às pautas identitárias. Para o professor da Universidade Federal do ABC, este foi um “erro completo” e uma das razões pelas quais Guilherme Boulos (PSOL) teve muito menos votos no domingo do que a soma do prefeito Ricardo Nunes (MDB), dono da máquina municipal, e de Pablo Marçal (PRTB), em franjas da cidade nas zonas Sul (Paralheiros, Grajaú), Norte (Brasilândia, Lauzane Paulista), Leste (Sapopemba e Vila Prudente) e até Oeste (Lapa). Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o GLOBO: Nunes e Marçal chegaram na frente em áreas periféricas nas zonas Sul, Norte e Leste em São Paulo. Foi o voto do “pobre de direita”? Sem dúvida. Passamos por um processo de idiotização das pessoas e de inação dos que deveriam fazer um trabalho de base de qualidade. Quando comecei a entrevistar, para o livro, há alguns anos, pessoas das periferias de São Paulo, me desesperei. O quadro já era o de “tá dominado” pela Teologia da Prosperidade, neoliberal e reacionária. O Datafolha mostra que 84% dos eleitores de Marçal devem migrar para Nunes no segundo turno. O quão ideológico é esse voto? O pastor evangélico é uma espécie de coach e Marçal escancarou a faceta neoliberal do neopentecostalismo, com a ética da prosperidade e o culto vazio à capacidade do indivíduo. A esquerda até pode reconquistar esse eleitor, mas, para isso, precisará mostrar a ele que as limitações estruturais do empreendedorismo popular estão ligadas à retenção do capital na Faria Lima. Marçal é um “Coringa” (referência ao personagem dos quadrinhos), mimetiza os anseios do pobre remediado que sonha com o apagamento mágico, por ele prometido, da pobreza. É um “político Bets”, que soube interpretar anseios dos pobres de direita. Esses eleitores identificaram nele a raiva e o ressentimento, mesmo sem que lhes fosse dada explicação alguma sobre as razões dessa injustiça social. Candidatos similares a Marçal se multiplicarão? Marçal se tornou referência nacional e me chamou atenção a irmandade de sua visão de mundo com a da Faria Lima, uma aliança extremamente perigosa ao unir muito dinheiro a muita penetração popular. Ele será a cara do Brasil em um futuro próximo se nada for feito institucionalmente para garantir o cumprimento das regras democráticas. Marçal precisa ser considerado inelegível após o que fez. Isso não evitará que outros candidatos sigam sua cartilha, mas eles precisarão serem mais cuidadosos, menos ameaçadores. E, com sorte, comunicadores com menos domínio do público. A esquerda foi incapaz de conversar com o “pobre de direita” nas eleições municipais? Foi. A esquerda errou, e muito. Não procurou, com louváveis exceções, conquistar os corações e as mentes dos mais pobres. Se você não apresenta nada minimamente organizado e sequer tenta ir às periferias urbanas e rurais, o trabalho das igrejas evangélicas, marcado pelo anti-esquerdismo, ganha sentido político ainda mais explícito. No vazio que foi criado pela falta de mobilização e disputa de narrativas, a esquerda perdeu campo. Não estou otimista, creio que isso se aprofundará mais. Nesse sentido, o senhor escreve que se criou um eleitorado cativo entre os pobres que, apesar de não conseguirem nenhuma mudança econômica prática com seu voto, vivem a violência da extrema direita como expressão de suas angústias e ressentimentos… A chave, para a direita, é a de fazer com que o pobre se acredite valorizado, respeitado, quando antes era permanentemente humilhado, vinte e quatro horas por dia. Muitas vezes, literalmente, sem nem o nome do pai na certidão de nascimento. Ele aceita assim como possibilidade de salvação ser celebrado e reconhecido por ser honesto, “de bem”, poder vencer por conta própria. No balanço, é uma reação muito mais moral do que econômica, ainda que passe pelo material. As igrejas evangélicas ofereceram a doutrina, montaram a solidariedade interna e a base social para se enfrentar a injustiça social. Porém, e aí está a chave para a esquerda, repito: jamais é objeto de discussão os porquês da injustiça. A meritocracia dos coaches responde que é culpa de sua própria incompetência… Como se viu com Marçal. Uma explicação que não é real, mas de fácil entendimento. Em nenhum estrato sócio-econômico a meritocracia é tão entranhada quanto entre os mais pobres. A aposta na direita passa pela aceitação da culpabilidade da vítima. Esquece-se a falta de acesso à Educação e à Saúde, e, tão ou mais importante, a herança da escravização. O senhor identifica componente racial regional no voto do pobre de direita, que teria sido fértil para o bolsonarismo… O pobre de direita de São Paulo ao Rio Grande do Sul vê no ex-presidente Jair Bolsonaro um semelhante. Nestes estados, a maioria das pessoas se identifica como branca. Já no restante do país, com maioria de pobres mestiços e pretos, a identificação não é tão direta. Bolsonaro consegue expressar o sentimento social do branco que trabalha duro e crê estar bancando o outro pobre, o do norte, o menos branco, com assistencialismo, com o Bolsa Família. No caso dos pobres de direita negros e evangélicos do Sudeste e do Sul, há o imenso desejo de embranquecer. Sem exceção, nas entrevistas com os pobres de direita, me deparei com o racismo entranhado. Eu, que sou potiguar, ouvi seguidamente que “nordestino é preguiçoso”. Bolsonaro é traduzido no livro como a expressão atual deste pobre de direita. Mas o avanço de Marçal não sinaliza fratura no bolsonarismo neste estrato? Não. O racismo reprimido seguirá guiando este voto para o bolsonarismo, com sua arminha voltada para o jovem preto, a partir da pauta da segurança, tão cara a esses eleitores. Os pobres são os que mais sofrem com os preconceitos que a elite criou para oprimi-los. Ele acredita que é um incapaz. E aí ou ele usa essa "faca envenenada” nele mesmo ou no “outro pobre”. Esse “outro pobre” é o maconheiro, o macumbeiro, o LGBTQUIA+, o nordestino, o que vota no PT, o bandido, cabe tudo naquele que é percebido como transgressor. O lulismo ainda consegue tocar o eleitorado pobre acima de São Paulo, mais mestiço, que foi crucial para derrotar Bolsonaro em 2022. Mas esse voto passa por um processo de criminalização. De que modo? Esse eleitor sofre, desde a Lava-Jato, com a pecha de ser cúmplice da corrupção. E o pobre prefere morrer a ser corrupto. O voto na esquerda teria sido uma burrice, mais uma prova da incapacidade do andar de baixo. Isso está entranhado em muitos pobres de direita hoje. O senhor critica o protagonismo das pautas ditas identitárias pela esquerda. Isso a teria distanciado ainda mais dos eleitores mais pobres? Sim. Foi um erro completo. E Boulos está pagando o preço desse equívoco agora em São Paulo. Não basta essa esquerda “legal”, que discute gênero e raça. Ainda importa contar ao eleitor por que um cidadão ganha R$ 100 mil enquanto outro R$ 100, porque há pessoas tão diferentemente aparelhadas para a competição social, para além das diferenças de gênero e raça. Se não perceber isso logo, a esquerda deixar este pobre na direita. O identitarismo ecoa na classe média e na elite, não no pobre, jogado na lata de lixo pelo preconceito racial e agora vítima de racismo cultural. Não se ganha eleição no Brasil sem o voto da maioria pobre e a esquerda precisa pelo menos tentar voltar a disputar este voto. Sei que vou levar cacetada, mas está na hora de o PT aprender com Getúlio Vargas. O senhor defende um encontro do PT com o varguismo? Sim. Validar esse pobre é importante. É o que Getúlio fez, inclusive do ponto de vista racial. Para redimir o humilhado, é preciso celebrar suas virtudes, afirmar que eles não são lixo, o que a direita faz hoje, ainda que de modo enviesado. O PT nasceu dando de ombros para a herança getulista, opondo o sindicato livre ao peleguismo trabalhista. Tudo bem. Mas, sendo simplista, PT e PSDB são mais parecidos do que imaginamos, nascidos de braços diversos da mesma elite paulista com pendores social-democratas. Quem ofereceu a face popular ao PT foi o Lula. Depois dele, o PT pode estar destinado à mesma — pouca — relevância do PSDB hoje. A não ser que volte a conversar com os pobres. E não só pela ótica econômica. Como assim? É ilusão o governo Lula achar que as pessoas irão espontaneamente, em 2024, identificar no aumento real do salário-mínimo um projeto do PT. Não é assim que funciona a cabeça humana na sociedade contemporânea, e muito menos a transmissão de ideias e de informação. A esquerda precisa fazer o que fiz ao escrever este livro: ir à periferia e se desesperar. O Bolsa Família foi importantíssimo, mas a esquerda não ofereceu o escape da humilhação que é estar na posição de delinquente no mundo de hoje. O pobre que ganha R$ 4 mil criminaliza o “nordestino miserável que mama no Bolsa Família” e crê de fato que o sustenta. Friso, só há um jeito de se sair da armadilha do pobre de direita e disputar de verdade seu voto: explicar a ele as razões das injustiças sociais e de sua escolha momentânea equivocada por um moralismo repressor. Artigo publicado originalmente em O Globo. Foto da capa: Fórum Nacional/INAE- Instituto de Altos Estudos Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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O cinismo do capitão

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O cinismo do capitão
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Por EDELBERTO BEHS* Num vídeo que circula pelo Youtube, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro aparece em Ji-Paraná com uma criança no colo e rodeado de outras cinco mais, para criticar o STF que condenou o pai da prole, um tal de Ezequiel, “um trabalhador honrado que nunca se meteu em confusão”, mas que participou da tentativa de golpe de estado do dia 8 de janeiro, em Brasília. E o culpado pela sentença de 17 anos de prisão proferida contra Ezequiel é o STF, que, pergunta Bolsonaro, se os ministros não têm coração ao condenarem um pai e deixar as crianças como “órfãs de pais vivos”. É uma “grande injustiça feita contra o Ezequiel”, que deve estar foragido no Brasil ou na vizinha Argentina, onde o próprio ex-presidente citou o paradeiro de mais de 200 condenados. O Brasil era até ontem um país democrático, hoje “é censura para tudo quanto é lado”, definiu Bolsonaro. Ele apelou aos ministros do Supremo para pensarem nessas crianças, “não em mim”. O cinismo de Bolsonaro vai ao extremo. Ele, um agitador por trás dos panos do golpe, fugitivo, recolhido nos Estados Unidos para tirar, agora, o corpo fora dos acontecimentos do dia 8 de janeiro pois, afinal de contas, ele sequer estava no país. Mas o capitão insuflou gente como o Ezequiel a servir de bucha de canhão em Brasília, enquanto se refestelava nos States. E agora responsabiliza o STF pela “orfandade” das seis crianças! O Ezequiel foi um pai responsável ao deixar seis crianças aos cuidados da mãe para se aventurar em Brasília e questionar o processo eletivo do Brasil? Até o fiel escudeiro do ex-presidente, o pastor Silas Malafaia, admitiu, em entrevista para Mônica Bergamo, que Bolsonaro é um omisso e covarde. E o apelo dele, a partir de Ji-Paraná, rodeado de crianças, reforça essa constatação. Seria honesto o messias admitir que a responsabilidade por essas crianças sentirem a ausência do pai cabe mais a ele!   O vídeo do apelo patético: https://youtu.be/xAA0EmuZGSs?si=lsf4G_4Ws7AJwn_F   *Edelberto Behs é Jornalista, Coordenador do Curso de Jornalismo da Unisinos durante o período de 2003 a 2020. Foi editor assistente de Geral no Diário do Sul, de Porto Alegre, assessor de imprensa da IECLB, assessor de imprensa do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Porto Alegre, e editor do serviço em português da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC).   Foto:  Reuters/Adriano Machado/Diretos Reservados   Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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