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Afinal, como está a economia gaúcha?

Afinal, como está a economia gaúcha?

Economia por RED
10/08/2024 06:46 • Atualizado em 11/08/2024 11:38
Afinal, como está a economia gaúcha?

Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA*

  • Como vai você? Eu preciso saber da sua vida!

No dia 7 de agosto de 2024, o Correio do Povo trouxe a seguinte manchete: ICMS: RS registra salto na arrecadação de julho. Na matéria, o ex-Auditor e ex-Secretário da Fazenda (no Governo Sartori) Luiz Antônio declara:

A arrecadação de julho foi excelente. O comércio vendeu bastante, porque as pessoas compraram para reconstruir. Houve grande demanda no setor de veículos. Acredito que ninguém imaginava esta arrecadação de R$ 4,5 bilhões. São pouco mais de 20% nominais sobre julho de 2023. Tira a inflação, fica um aumento real de pelo menos 15%. … Neste ritmo, vai ultrapassar fácil o número de R$ 47 bilhões que tinha no orçamento. Estimamos que poderá até passar com certa facilidade dos R$ 50 bilhões.

Sim, Bins, creio que parcela não desprezível dos economistas gaúchos apostavam numa arrecadação menor. Mas, por favor, não generalize. Em artigo publicado há 15 dias atrás, escrevi: Aposto que a arrecadação deste ano será superior à de 2023. E o motivo que eu apresentava era exatamente esse que o amigo trouxe na entrevista ao Correio: no pós-crise, a demanda por bens de consumo (móveis, vestuário, eletrodomésticos, etc.) e por bens de investimento (material de construção, veículos automotores, máquinas, etc.) é ampliada de forma explosiva. E essa explosão de demanda movimenta o comércio e, por extensão, a arrecadação fiscal.

Mais: ela movimenta o emprego e a renda das famílias. Ouso fazer uma nova aposta: ao final de 2024 o número de ocupados formais (carteira assinada) e informais (conta própria), bem como o rendimento auferido por ambos, será maior, em termos reais, que foi ao final de 2023. Justamente porque a economia está sendo puxada pela demanda. Esta última foi estimulada pelas perdas derivadas da catástrofe climática. E foi apoiada com os recursos disponibilizados pelo Governo Federal; sejam orçamentários – Auxílio-Reconstrução, Bolsa-Família, Investimentos Extraordinários em saúde, educação, recuperação do sistema logístico; sejam financeiros – disponibilizados a juros subsidiados e canalizados para quem efetivamente precisa e faz uso imediato dos mesmos. Mas o mais importante é o terceiro ponto: o braço produtivo está conseguindo responder à nova pressão de demanda. Vamos analisar essa última dimensão no nosso próximo artigo. Agora cabe observar os efeitos da pressão de demanda. E os números são insofismáveis.

Valores Arrecadados de ICMS entre Janeiro e Julho dos anos de 2023 e 2024 (valores nominais em milhões)
Mês Total ICMS ICMS Indústria de Tranformação
2023 2024 Dif Tx Var 2023 2024 Dif Tx Var
Jan  R$   3.516,04  R$   4.306,47  R$    790,43 22,50%  R$   1.778,57  R$   2.075,20  R$    296,62 16,70%
Fev  R$   2.872,62  R$   3.643,93  R$    771,30 26,90%  R$   1.291,39  R$   1.846,89  R$    555,50 43,00%
Mar  R$   3.076,29  R$   3.801,22  R$    724,93 23,60%  R$   1.393,55  R$   1.945,24  R$    551,69 39,60%
Abr  R$   3.937,50  R$   4.196,15  R$    258,64 6,60%  R$   2.009,94  R$   2.144,38  R$    134,43 6,70%
Mai  R$   3.634,09  R$   3.176,45 -R$    457,64 -12,60%  R$   1.715,88  R$   1.772,40  R$      56,52 3,30%
Jun  R$   3.579,98  R$   3.479,19 -R$    100,79 -2,80%  R$   1.751,69  R$   1.622,51 -R$    129,18 -7,40%
Jul  R$   3.626,08  R$   4.391,60  R$    765,52 21,10%  R$   1.790,95  R$   2.287,74  R$    496,79 27,70%
Tot  R$  24.242,61  R$  26.995,01  R$ 2.752,40 11,40%  R$  11.731,98  R$  13.694,35  R$ 1.962,37 16,70%
Fonte: SEFAZ – RS

De acordo com a Secretaria da Fazenda do RS (veja aqui), a arrecadação de ICMS nos sete primeiros meses de 2024 superou a arrecadação de 2023 em 2,75 bilhões de reais; um crescimento nominal de 11,4% (e 6,3% real, se tomamos por referência a inflação dos últimos 12 meses). Só no mês de julho, o crescimento nominal foi de 21,1% e o crescimento real foi de 16,6%. Mais: a Indústria de Transformação (IT) – que responde por mais de 50% do valor arrecadado pelo Estado – deu uma resposta ainda mais impressionante. Em julho de 2024, a contribuição da IT para o Tesouro do Estado foi de 2,3 bilhões de reais; quase 500 bilhões a mais do que em julho de 2023: um crescimento nominal de 27,7% e real de 21,92%. O que isso significa? Que a economia gaúcha vai muito bem, obrigado? …Vejamos.

  • Começar de novo e contar comigo …

Um trauma, é um trauma, é um trauma, é um trauma. Tanto a economia, quanto a sociedade gaúcha, sofreram um grande trauma. Não há como “estar bem, obrigado” após um evento como a catástrofe climática de maio de 2024. Não obstante, há inúmeras formas de lidar com um trauma. Podemos entrar em depressão, absolutizando e (no limite) cultuando o sofrimento. Podemos recalcar o evento traumático, colocando-o numa espécie de “freezer”, donde ele volta e meia escapa para nos assombrar. Podemos transformar o sofrimento em ira, e responder à violência sofrida com mais violência ainda, distribuindo-a de forma aleatória contra todos aqueles que elegemos como inimigos, do alto de nossa paranoia. E também podemos transformar o trauma em uma mola propulsora para romper com as condições que viabilizaram sua emergência; vale dizer, podemos nos “reinventar”, nos afastar de forma radical das condições do trauma.

Em sua obra maior – Cordélia Brasil -, Antônio Bivar criou um bordão: “O princípio é sempre difícil, Cordélia Brasil: vamos tentar outra vez”. Com o perdão do spoiler, ao final da peça, Cordélia (o) Brasil, se suicida. O que será da “Cordélia Gaúcha”, ainda não sabemos. No plano político, nossos gestores estaduais parecem determinados a trilhar os caminhos menos promissores de resposta ao trauma: o mix de ira e depressão. Estas são as respostas típicas daqueles que, no fundo, se culpam pelo trauma que os atingiu. A vitimização depressiva e a promoção do ódio indiscriminado, sem direção determinada, numa busca desesperada para encontrar culpados e puni-los, são respostas contrário-idênticas. Ao proclamar sua condição de vítima e acusar seus adversários (reais ou fictícios) pelo sofrimento dos gaúchos, Leite, Souza, Melo e aliados políticos procuram ocultar (de si e dos outros) suas próprias consciências culpadas. Não me parece que valha a pena nos debruçarmos sobre esta reação neurótica peculiar (com fortes traços narcisistas e histéricos) a um trauma que, de fato, atingiu a todos nós. Esta reação já vem sendo objeto de crítica e denúncia de muitos. Até mesmo pela grande imprensa gaúcha (veja aqui) já começa a ridicularizar este tipo de resposta. Não há por que dizer mais nada.

De outro lado, a economia vem reagindo de forma muito promissora ao trauma sofrido. Por “economia” entendemos os agentes reais que tomam decisões de consumir e investir após uma catástrofe. E o fazem a despeito de suas circunscrições de renda derivadas da própria catástrofe. Estamos nos referindo aos produtores diretos (trabalhadores) e indiretos (gestores) que tomam a decisão de ofertar e distribuir os produtos demandados a despeito dos riscos e custos maiores associados à produção e comercialização destes bens. Estamos nos referindo a pessoas que insistem em viver; que insistem em ter esperança. Que se endividam para voltar a ter os bens de consumo que consideram básicos para o seu bem-estar. Que tomam financiamento para recompor os equipamentos e os estoques de mercadorias destruídos pelas águas. Que produzem e vendem em consignação (para pagamento posterior), mesmo sabendo que muitos de seus clientes ainda estão passando por dificuldades financeiras.

Essas pessoas, esses indivíduos reais, essas famílias, esses empresários, esses empreendedores audazes, estão se contrapondo, na prática, à estratégia de vitimização (depressiva) e de acusação (irada, violenta) abraçada pelos nossos “gestores estaduais” como (falsa) resposta ao trauma. Essa turma que está movimentando a economia confia no “seu taco”, no seu “mérito”.

O mais importante a entender é que essa turma não é ideologicamente comprometida. A princípio, não é nem de esquerda, nem de direita e não apresenta, necessariamente, vínculo com qualquer partido. Parte dela até tem um perfil mais conservador, e se considera “meritocrata”. Outros tantos se consideram lutadores, batalhadores, insubordinados, no limite, revolucionários. Outros, ainda, acreditam na justiça divina e sabem que se reerguerão com a ajuda do Senhor; desde que sejam merecedores do apoio divino. Mas todos eles têm algo em comum: todos odeiam o coitadismo, odeiam sentir pena de si mesmos, odeiam a postura fácil daqueles que apontam o dedo para os outros para eximir da culpa que sabem também ser sua. Acima de tudo, todos admiram a coragem de assumir suas responsabilidades e voltar à luta cotidiana.

E, a cada dia que passa, esses batalhadores dispostos a “começar de novo”, são mobilizados com as boas notícias, que não cessam. No dia 8 de agosto de 2024, o IBGE lançou a Pesquisa Industrial Mensal com dados que vão até junho. No Boletim da Agência IBGE de Notícias lê-se:

O destaque de junho, tanto em termos absolutos quanto em influência, foi a recuperação da indústria gaúcha (34,9%), eliminando a perda verificada no último mês de maio, causada principalmente pelo volume excessivo de chuva que atingiu o estado. Vários setores contribuíram para esse comportamento positivo da indústria gaúcha, como os de produtos químicos; derivados do petróleo; veículos automotores; máquinas e equipamentos; e metalurgia.

 Vale notar que esses dados são de junho. Nesse mês, a arrecadação de ICMS sobre a IT sofreu uma queda no RS; não uma elevação. Em parte, isso é assim porque a arrecadação de cada mês reflete a produção do mês anterior. Nesse sentido, os dados da Fazenda (de julho) e do IBGE (de junho) se complementam e reforçam um ao outro. Só que a dinâmica econômica comporta dimensões “recursivas”; vale dizer, a elevação da produção e do faturamento em um determinado mês, envolve o pagamento de salários ao final do mesmo mês. Que é demanda no mês subsequente, movimentando comércio mais uma vez. E gerando novas encomendas à indústria.

Não cabe, aqui, detalharmos essa dimensão “recursiva” da dinâmica de curto prazo. Vamos deixar para nosso próximo artigo, quando trataremos da capacidade de resposta da oferta à demanda expandida no pós-catástrofe. Por enquanto só gostaríamos de insistir na mensagem que dirigimos aos nossos dirigentes estaduais e aos seus aliados: para o seu próprio bem, modulem o coitadismo, o denuncismo e a mobilização da ira. É verdade que há um público para isso. E vocês ouvirão aplausos. Mas esse é apenas o público mais conservador, mais intolerante ao governo Lula-Alckmin, o público radicalmente anti-petista, os fãs do “Mito”. …. Mas se enganam os que pensam esse público é majoritário. O DNA gaudério é de revolta, é de protesto, de peleia, trabalho e luta. Mas não é chegado em coitadismo, futrica e mimimi. Menos, please, menos.

*Carlos Águedo Paiva é Economista, Doutor em Economia, especialista em Economia Regional e Planejamento Econômico, Presidente da Paradoxo Consultoria Econômica.

Ilustração: Arquivo.

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