Cultura

Livro Engasgos Será Lançado Nesta Quarta-Feira Em Porto Alegre

Destaque

Livro Engasgos Será Lançado Nesta Quarta-Feira Em Porto Alegre
RED

Nesta quarta, 6 de novembro, às 18 horas, a jornalista, poeta e ativista cultural Melina Guterres – Mel Inquieta autografa ENGASGOS, uma coletânea de poemas de protestos sobre temas da contemporaneidade durante a 70ª Feira do Livro de Porto Alegre. Segundo a psicanalista e escritora Taiasmin Ohnmacht que faz a apresentação do livro, trata-se de uma obra que reúne poemas-denúncia, poemas-manifesto, poemas-políticos, numa tradução sensível  da autora, do tempo vivido e  do que lhe atravessa o corpo. “Engasgo não é um título qualquer, à medida em que vamos avançando na leitura, identificamos em seus versos aquilo que também não pudemos dizer, o que foi chocante demais para escutar, as palavras que faltaram, pois o universo lírico-político que a autora compartilha é matéria comum a nossas existências”, afirma ela. Melina é jornalista e fundadora da Rede Sina.  Recentemente organizou o 1º Prêmio Rede Sina de Poesia, projeto aprovado na Lei Paulo Gustavo do Município de Santa Maria-RS e a parceria com a Editoria Bestiário, fruto de seu trabalho em prol dos escritores, já rendeu oito livros publicados.   Publicado originalmente em  Redesina. Foto de capa: Dartanhan Baldez Figueiredo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Politica

Campos Neto, Pix E Google

Destaque

Campos Neto, Pix E Google
RED

Por PAULO KLIASS*   O processo de financeirização que vem se aprofundando na economia e na sociedade brasileiras ao longo das últimas décadas tem provocado um conjunto amplo de consequências. A dominância do elemento financeiro sobre as demais atividades econômicas é bastante expressiva e termina por esmagar qualquer tentativa de se escapar à lógica das finanças sobre a produção, o comércio, os serviços e a cidadania. Um dos aspectos que derivam de tal movimento é o processo contínuo e robusto de bancarização das pessoas e das empresas. A disseminação das atividades cotidianas envolvendo algum tipo de dependência junto aos bancos ganhou ainda mais fôlego com o avanço da digitalização e do acesso cada vez mais universalizado aos telefones celulares e à rede de informática. As últimas informações divulgadas pelo próprio Banco Central (BC) apontam para uma ampliação crescente do número de pessoas que operam com contas bancárias, índice que atinge por volta de 90% do total de pessoas adultas. Por outro lado, o número de contas bancárias ativas supera a casa de 1,2 bilhão, número esse que engloba também as contas de natureza comercial. Esta tendência tem provocado mudanças significativas nos hábitos culturais e negociais de forma generalizada, com efeitos positivos de inclusão financeira e digital, mas introduzindo também um agravamento da dependência da população de forma geral aos bancos e ao universo do financismo. PIX e inclusão bancária Concomitantemente a tal processo, o BC promoveu uma importante inovação tecnológica, que permitiu uma redução das despesas dos usuários com relação a uma parcela dos serviços prestados pela banca. Trata-se do sistema PIX, que propicia a realização de transferências interbancárias de valores monetários de forma ampla e gratuita.  Afinal, até então os bancos cobravam valores elevados dos clientes para realizar uma modalidade semelhante deste tipo de serviço. A aceitação do novo modelo foi bastante expressiva e segmentos sociais até então bastante marginalizados da esfera bancária passaram a usufruir dos aspectos positivos de tal mecanismo de inclusão. No entanto, o fenômeno não passou desapercebido dos grupos interessados em elevar ainda mais os seus ganhos. Assim, teve início um movimento para eliminar a gratuidade de tais operações. Alguns dirigentes no interior do financismo mal escondem seus desejos para introduzir, de forma descarada, a mercantilização completa também neste segmento. Um ex-presidente do BC, Gustavo Franco, não esconde sua proposta de promover a privatização do modelo PIX. Diz ele: (...) “a gratuidade ajudou muito a disseminação do método. Mas alguém em algum momento vai fazer a conta de quanto vale o PIX e que não pode ser grátis por toda vida. Vai perceber que é uma empresa que vale um ‘dinheirão’ ” (...) Gustavo Franco e a privatização do PIX Mas a intenção de se apropriar de informações relativas às movimentações efetuadas no interior do sistema bancário e financeiro vai muito além. Trata-se de transformar em termos legais e institucionais tudo aquilo que já é efetuado de forma irregular e à margem de uma regulamentação pública inexistente. Refiro-me ao volume impressionante de dados que as grandes empresas do sistema - as chamadas “big techs” - manipulam e comercializam sem qualquer autorização ou conhecimento por parte dos usuários. Com a palavra o próprio banqueiro, que manifesta um sincericídio sem a menor preocupação com a repercussão escandalosa daquilo que termina por expressar na entrevista: (...) “Isso é uma discussão de valor do trabalho parecida com a do começo do século XIX. Ninguém duvida que uma amostra de seu sangue é um dado pessoal seu, um pedaço de seu corpo. Agora os seus dados com seu banco, sua saúde, eles não são parte do seu corpo. É dado transacional, e sua transação bancária é tanto sua como do seu banco” (...) Desta forma, tudo indiuca que esse tipo de concepção parece ter avançado sobre o corpo e a mente do atual Presidente do BC, Roberto Campos Neto. Não satisfeito com os aspectos positivos trazidos pelo modelo do PIX, ele resolveu inovar nos últimos dois meses que ainda lhe restam no cargo. Sob o pretexto de uma suposta modernização do sistema, ele propõe uma mudança radical na concepção do mesmo. Trata-se de introduzir a possibilidade de realizar as transferências pelo processo de aproximação física do telefone celular, sem a necessidade de digitar as informações no aparelho. Até aí, em tese, nada problemático. Afinal, trata-se de promover uma inovação que já existe em outras operações e que viria a facilitar a vida dos cidadãos. Campos Neto e o favorecimento da Google O ponto é que Campos Neto tem anunciado aos quatro ventos que tal novidade vai ser efetuada em uma parceria do BC com uma das gigantes do mundo de dados e do universo digital, a Google. Uma loucura! Imaginem qual seria o valor potencial a ser oferecido de bandeja a uma das maiores empresas do mundo a troco de nada. Tudo indica tratar-se de uma enorme negociata, sempre às custas da grande maioria da população, em benefício da apropriação privada de informações públicas e sigilosas. A decisão de conferir a exclusividade no manuseio e na operação de um sistema que movimenta quase 230 milhões de operações a cada 24 horas é um crime contra a maioria da sociedade. Afinal, segundo as estatísticas divulgadas pelo próprio BC, em apenas um dia o PIX tem movimentado algo que se aproxima a R$ 120 bilhões. Isso significa uma soma mensal superior a R$ 3 trilhões. O nível de escândalo de é de tal ordem que o Presidente do BC deixou para os 45 minutos do segundo tempo de seu mandato à frente do órgão a divulgação de sua intenção de realizar tal falcatrua. Segundo ele, (...) "Não é que vai estar tudo funcionando na semana que vem, porque as pessoas precisam entrar, cadastrar (...) Mas vai estar funcionando muito em breve, ele é implementado meio de forma faseada" (...) O anúncio já foi realizado de forma ampla em um evento com a participação de Campos Neto e Presidente da Google Brasil, Fábio Coelho. As relações incestuosas entre o capital financeiro e uma parcela da alta tecnocracia ocupando cargos estratégicos à frente do Estado é antiga. No entanto, o grau de ousadia que essa gente adota na implementação de arremedos de políticas públicas de modo a favorecer o grande capital é mesmo impressionante. A sociedade brasileira precisa demonstrar, de forma urgente, toda a sua indignação frente a esse tipo de negociata. Com a palavra Gabriel Galípolo, que foi indicado pelo Presidente Lula para substituir Campos Neto à frente do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Ele já teve seu nome sabatinado e aprovado pelo Senado Federal e deve tomar posse no novo cargo a partir de janeiro do ano que vem. O futuro dirigente não pode passar pano para tal medida e precisa urgentemente se posicionar a favor de uma discussão ampla e transparente a respeito de tal favorecimento inexplicável a um dos maiores conglomerados globais.   *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa:  Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

Internacional

A Falência Da Social-Democracia

Destaque

A Falência Da Social-Democracia
RED

Por CELSO JAPIASSU * Com o crescimento da extrema direita na Europa e o recente sucesso eleitoral dos partidos neofascistas, fica no ar a questão do papel que desempenham os partidos sociais-democratas, que sempre procuraram ocupar o centro do espectro político. Eles surgiram como reação aos partidos de esquerda, para fazerem frente principalmente ao movimento comunista que liderava a causa operária e significava uma poderosa força política e social depois da Segunda Guerra. Stalin definiu a social-democracia como a pata esquerda do fascismo. Desde que se organizaram em fins do século XIX nos países da Europa, os sociaisdemocratas têm sofrido altos e baixos e, nos últimos anos, experimentado derrotas expressivas enquanto fornecem eleitores e militantes para o populismo reacionário. Apresentam-se como uma força de centro ou de centro esquerda e procuram ser o fiel da balança entre a esquerda e a direita, que procuram definir como radicalismos. Às vezes torna-se difícil identificá-los à primeira vista quando eles se denominam socialistas ou trabalhistas. Têm sido sempre uma alternativa de poder por contar com o eleitor das classes médias que busca o equilíbrio no panorama político de cada país. Mas na maioria das vezes sua prática é a de somar forças à direita e, dessa forma, contribuir para reforçar a ação da extrema direita. É neles, quer se situem no centro, centro-esquerda ou centro-direita, que se abriga a maioria silenciosa. Fiéis às suas origens históricas, têm representado uma comporta de contenção aos movimentos de esquerda e apresentam a prática de apoiar prioritariamente candidatos conservadores. França e Alemanha Na França, Todas as categoriasabrigam-se principalmente na sigla do Partido Socialista que, sob a liderança de François Miterrand, conheceu nos anos 1980/1990 os seus melhores momentos no passado recente. Em 2012 teve nova vitória com François Hollande mas, a partir daí, começou sua decadência em direção ao ocaso. Em 2017 Hollande desistiu de concorrer a um segundo mandato. O socialista Benoît Hamond teve pouco mais de 6 por cento dos votos e ficou em  quinto lugar entre os candidatos numas eleições que conheceram o crescimento da extrema direita comandada por Marine Le Pen. Atualmente está ocupando um exíguo espaço entre o A República em Marcha, do presidente Emmanuel Macron e a extrema direita representada pelo Reunião Nacional de Le Pen. O PS francês tem tradição de alinhamento à esquerda. Seu congênere alemão SPD-Partido Social-Democrata da Alemanha tem uma história pendular. É um dos partidos mais antigos do país, sofreu dura perseguição do nazismo e foi obrigado a fazer uma fusão com o partido comunista durante o controle soviético. Historicamente o seu maior rival é o CDU, os democratas-cristãos que conduziram os mandatos de Angela Merkel. Faz parte da coalizão que governa a Alemanha e venceu as últimas eleições, confirmando as previsões e as pesquisas, levando ao poder Olaf Scholz como o Chanceler que substituiu Angela Merkel. Suécia e Áustria Na Suécia foram bem-sucedidos nas eleições desde os primeiros anos do Século 20 até a derrota para o conservadorismo da direita. Depois da Segunda Guerra Mundial criaram no país um sistema de bem-estar social tido como modelo, o que lhes garantiu força junto aos eleitores. A partir dos anos 1990, este sistema passou a sofrer cortes sob alegação de que ficara caro demais. Os sociais-democratas começaram a perder votos para os populistas de direita que fazem oposição à política migratória liberal do país e que acabaram por conquistar o poder. No país de Greta Thunberg, os verdes também têm perdido apoio para a extrema direita do SD-Democratas Suecos. O Partido Social-Democrata da Áustria (SPÖ) conheceu sucessos eleitorais até os anos 1990, mas hoje se vê acossado pelos populistas de direita do Partido da Liberdade (FPÖ). Sua história política é marcada pelas coalizões com as forças conservadoras, embora nem sempre em maioria. Esse comportamento faz os sociais-democratas austríacos perguntarem-se sobre a força da sua imagem, se ela não estaria diluída diante do eleitorado por causa de tantas coalizões que podem levar o eleitor a pensar no SPÖ como um simples partido caudatário de outros atores políticos. Reino Unido, Espanha e Portugal No Reino Unido o tradicional Partido Trabalhista foi renovado nos anos 1990 por Tony Blair, mas sua participação na invasão do Iraque sob a falsa alegação da existência de armas de destruição em massa provocou forte perda de prestígio. Depois do errático governo de Boris Johnson, assumiu Liz Truss, líder do Partido Conservador, que foi um fracasso e pretendia espelhar-se em Margareth Tatcher, de triste memória. Há muitos anos na oposição, os trabalhistas acabam de voltar ao poder com Keir Starmer, uma liderança ambígua e contestada pelos militantes históricos do partido. Na Espanha o PSOE venceu as eleições com Pedro Sanchez, com posterior dificuldade para conseguir aprovação do parlamento, ao contrário dos socialistas de Portugal que venceram com alguma folga reelegendo Antônio Costa ao cargo de Primeiro-Ministro e que veio posteriormente a renunciar ao mandato no meio de uma artificial crise política, dando lugar a Luís Montenegro, do Partido Social Democrata. Junto com os democratas-cristãos, os sociais-democratas formam o PPEPartido Popular Europeu, com 265 membros e posições de centro-direita. É o maior bloco político que atua no Parlamento Europeu. A plataforma política que define a ideologia do PPE ressalta valores conservadores como respeito à tradição, economia social de mercado e promoção da família. Promete em seu discurso a defesa da liberdade como direito humano fundamental, melhoria da educação e da saúde e a integração dos imigrantes.   *Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número  (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965). Foto:  Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Internacional

Chamado de fascista por seu ex-chefe de gabinete, Donald Trump ameaça usar o aparato de Estado para perseguir e esmagar adversários políticos

Curtas

Chamado de fascista por seu ex-chefe de gabinete, Donald Trump ameaça usar o aparato de Estado para perseguir e esmagar adversários políticos
RED

Por BERNARDO MELLO FRANCO* Em artigo de opinião publicado no O Globo no domingo, 03 de novembro de 2024, o jornalista Bernardo Mello Franco analisa a possibilidade de Donald Trump vencer as eleições que estão em curso hoje nos Estados Unidos. Donald Trump já avisou: se voltar à Casa Branca, vai usar o aparato do Estado para perseguir e esmagar adversários políticos. Na reta final da campanha, o republicano elevou o tom das ameaças. Disse que o “inimigo interno” ofereceria mais perigo aos Estados Unidos que a Rússia ou a China. O ex-presidente fincou sua nova candidatura numa plataforma de vingança. Quer acertar contas com políticos, militares e servidores que se opuseram a seu projeto autocrático. Nas palavras do general John Kelly, seu ex-chefe de gabinete, Trump deseja retornar com poderes de ditador. “Sem dúvida, ele se enquadra na definição geral de um fascista”, resumiu o militar da reserva. Na terça-feira, os americanos vão às urnas eleger o próximo presidente. Será uma escolha existencial, com consequências para todo o planeta. Nas últimas semanas, a democrata Kamala Harris reforçou os alertas de que a democracia está em jogo. A questão é saber se esse discurso será capaz de sensibilizar eleitores que ainda se dizem indecisos. Há seis dias, o jornal The New York Times publicou uma ampla pesquisa sobre a satisfação dos americanos com o regime democrático. O resultado mostrou um país dividido: 49% concordaram que a democracia representa bem os interesses do povo, mas 45% disseram o contrário. Os pesquisadores do Siena College também mediram o humor dos eleitores com os ocupantes do poder. Para a ampla maioria (62%), o governo só está preocupado em cuidar dos próprios interesses e proteger as elites. Apenas 33% acreditam que o sistema atenda o povo e o país. O mal-estar com a democracia cria terreno fértil para populistas com vocação autoritária. Isso ajuda a entender a força eleitoral de Trump, que se apresenta como um líder capaz de resolver problemas complexos num passe de mágica. Nos últimos dias, sua campanha martelou o mote “Trump will fix it” (“Trump vai consertar isso”). Como a propaganda não explica o que é “isso”, o eleitor pode projetar qualquer coisa que o aflija: a angústia com a inflação, o medo da guerra, o incômodo com a ascensão de negros e latinos. O comício que lotou o Madison Square Garden, domingo passado, foi marcado por cenas de racismo explícito. Um humorista definiu Porto Rico, arquipélago caribenho que exporta mão de obra para os EUA, como uma “ilha flutuante de lixo”. O âncora Tucker Carlson debochou da origem étnica de Kamala, filha de uma indiana e de um negro nascido na Jamaica. Famoso por estimular o ódio contra imigrantes, o ex-presidente voltou a prometer deportações em massa. Ele já acusou estrangeiros de aterrorizarem famílias americanas e “envenenarem o sangue” do país. Qualquer semelhança com a retórica de autocratas da décadas de 1930 não parece ser mera coincidência. Em entrevista à revista The Atlantic, John Kelly disse ter ouvido de Trump que ele gostaria de ter generais “como os de Hitler”. Publicado originalmente n'O Globo do dia 03 de novembro de 2024 Foto da capa: Donald Trump e Kamala Harris/BBC News Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Opinião

O caos dos socorristas no mundo que está acabando

Destaque

O caos dos socorristas no mundo que está acabando
RED

Por MOISÉS MENDES* O governo espanhol enfrenta um desafio inusitado. Autoridades se mobilizam para organizar e até conter a romaria caótica de socorristas voluntários de outras regiões em direção às áreas das cheias que já mataram mais de 200 pessoas. O excesso de gente nas estradas e nas cidades atrapalha o socorro de equipes treinadas para isso. Não são técnicos, é gente comum, inclusive de países vizinhos, com pás, vassouras, baldes, cordas. E aí se apresenta de novo aquela pergunta singela, banal e aparentemente sem sentido: por que o sentimento do coletivo ainda se manifesta nas urgências, se foi desprezado e fragilizado quando de decisões políticas e cotidianas em que prevalece o individualismo, a competição, o interesse particular? Por que o sentimento nessas horas é o de que as pessoas são salvas muito mais por outras pessoas do que pelo Estado? Como aconteceu no Rio Grande do Sul, onde espalharam que até o véio da Havan teria socorrido mais gente em seus helicópteros do que os militares treinados para salvar gente e bichos. Uma abordagem simplificadora informa que o véio da Havan foi apresentado como herói como parte da estratégia do bolsonarismo de exaltar os seus e depreciar o setor público e o ‘sistema’. Os helicópteros dos homens fardados seriam de Lula e deveriam ser diminuídos. Assim como espalharam pelas redes sociais que surfistas brancos de classe média, com imagem vinculada à direita, teriam resgatado o cavalo Caramelo que subiu no telhado. O cavalo foi resgatado por bombeiros e veterinários, por servidores públicos. Mas esses dois exemplos não explicam tudo, mesmo que se saiba da ação organizada do bolsonarismo para capitalizar e lucrar com a propaganda do socorro aos desabrigados e ao mesmo tempo atingir Lula. São incompletas as abordagens sobre os impulsos de gestos grandiosos de benemerência e filantropia, que muitas vezes aplacam falhas pessoais até sob o ponto de vista moral. Na base do eu sou reaça e individualista, mas na hora que precisam eu ajudo os outros. Há muita coisa além do desejo de aparecer bem montado no jet ski no Jornal Nacional. A mobilização que impulsiona as pessoas para a emergência do socorro e dá sentido a uma rede coletiva poderia ser melhor estudada no contexto político e social da gritaria antissistema, anti-instituições, anti-Lula e antitudo. É nesse cenário que avança a pregação de que os esforços pessoais são o que importam. Foi a mensagem da ação e da prosperidade individual que consagrou políticos de direita e extrema direita eleitos em outubro. Foi o que quase levou Pablo Marçal ao segundo turno em São Paulo. Em 2022, o desprezo pelo interesse coletivo quase reelegeu Bolsonaro, que negou vacina e solidariedade na pandemia, estava negando até auxílio financeiro e debochou das mortes por Covid. E mesmo assim continuou com grande apoio popular. E era uma emergência. Dirão que não há como comparar o nosso caso com o da Espanha, mas não é disso que se trata. Estamos apenas observando que a teologia do salve-se quem puder, que prospera em toda parte, inclusive na Europa, é o que contribui para a sabotagem dos direitos e das demandas coletivas das maiorias. As virtudes do egoísmo teriam finalmente vencido? Adeptos da teologia da prosperidade votaram nos deputados que rejeitaram na Câmara a taxação de fortunas. Pobres votaram nos que vão contrariar seus interesses de pobres e defender os ricos. Sempre foi assim? Mas tanto quanto agora? Gente que socorre quem nem conhece, nas emergências climáticas, nega vacinas aos próprios filhos, nega a ciência e nega que a crise do clima provocada por nós mesmos é que mata no Rio Grande do Sul e na Espanha. É gente que vota nos gestores das cidades invadidas pelas águas por omissões e gestão precária, como aconteceu com a reeleição do prefeito Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre. Melo venceu em todas as zonas eleitorais, com o apoio maciço de moradores de áreas alagadas. Solidariedade genuína, altruísmo, heroísmo e benemerência oportunista, tudo se mistura nas incoerências expostas nessas horas. O mundo do individualismo é também o que acolhe gestos de heroísmo público, televisionado e selfiado, porque não são coisas conflitantes e talvez sejam afins e complementares. O heroísmo que assume feições coletivas aparentes é muitas vezes primo do individualismo. Essas mesmas pessoas das vassouras e dos baldes seriam mobilizadas para salvar o mundo, se convocadas hoje em campanha mundial liderada por Ailton Krenak e Greta Thunberg, e não só para fazer faxina de emergência na Terra que todos nós destruímos todos os dias? Parece conversa de autoajuda? É a conversa que parte da esquerda se nega a fazer, porque envolve afetos, emoção, sentimentos, subjetividade, coisas com as quais a direita vem lidando muito bem. E as esquerdas? As esquerdas continuam achando que só irão sobreviver se forem extremamente racionais. *Moisés Mendes é jornalista Foto da capa: Resgate a vítimas no RS - Foto: Reuters/Amanda Perobelli Texto publicado originalmente no Brasil 247 Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Mostrando 6 de 5053 resultados
Carregar mais