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A Europa prepara-se para a guerra

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A Europa prepara-se para a guerra
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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros. O governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês disponibilizou uma publicação online. Embora o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestrebvcom a Rússia de 1.343 km. Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e Finlândia passaram a integrar.. Tanto na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se proteger caso seja impossível chegar até eles. Logo no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica: “Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em contrário é falsa”. Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de preparação para uma guerra. Para engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras coisas o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN - norteamericanas e outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito. Outras informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes. Para compreender o impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e alguns antecedentes. Concomitante a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk por tropas ucranianas. Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em território russo, em apoio a Moscou. O governo Biden autorizou a utilização pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de levar uma ogiva nuclear, contra seu território. Moscou relaxou as normas para utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O exemplo pode ser seguido por outros países. Os Estados Unidos anunciaram o restabelecimento de mísseis em território europeu. A TV russa divulgou uma reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por mísseis de longo alcance. Não faz muito o governo Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120 mil, maior do que, por exemplo, todo o Exercito do Reino Unido. Autoridades civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra com a Rússia em cinco ou seis anos. Em suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra. Políticos que admitem o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto lembremos que o  currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos. Da Rádio França Internacional especialmente para a Agência Rádio-Web, Flávio Aguiar, direto de Berlim.   *Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). Foto de capa: AFP 2021/Anatolii Stepanov Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Pelo fim do Arcabouço Fiscal!

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Pelo fim do Arcabouço Fiscal!
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Por PAULO KLIASS*    Alguns dos problemas mais graves que vêm afetando a sociedade brasileira ao longo das últimas décadas podem ser condensados em um binômio de natureza bastante perversa: a desindustrialização combinada à financeirização. Ao contrário do que afirmam aqueles que defendem o ocorrido, não se trata de um processo natural e inevitável, decorrente apenas de uma tendência geral observada em quase todos os países do mundo. A forma como o fenômeno tomou corpo no Brasil demonstra que foi algo estimulado e induzido a partir de decisões tomadas no âmbito do aparelho de Estado e que foram implementadas sob a forma intencional de políticas públicas devastadoras. O movimento de redução do espaço do setor que mais produzia valor agregado tornou-se viável a partir da liberalização generalizada das importações, que teve início em 1990 com o governo Collor. A abertura comercial ampla de forma unilateral e sem um programa que estabelecesse a exigência de contrapartida dos países parceiros comprometeu de forma aguda a capacidade de concorrência da indústria brasileira. Além disso, a prática de uma política cambial sem intervenção governamental - a conhecida ilusão neoliberal nas tais das forças de mercado - levou a processos de valorização da moeda brasileira de forma artificial e irrealista, agravando ainda mais a sobrevivência do setor secundário nacional. O processo de aprofundamento da financeirização tem lugar ao longo de período semelhante ao caso anterior. A hegemonia consolidada do sistema financeiro se beneficia também de decisões implementadas no âmbito da institucionalidade da política econômica na administração pública federal. Esse foi o caso da recusa sistemática do Banco Central (BC) em cumprir com suas funções precípuas de órgão responsável pela regulação e fiscalização do sistema bancário e financeiro. Assim, ao longo de décadas a sociedade assistiu de forma passiva à permanência de mecanismos de espoliação da grande maioria da população aos agentes econômicos do financismo, por meio de “spreads” elevadíssimos, de tarifas escorchantes e de práticas de cartel por parte dos grandes bancos. Por outro, a manutenção da taxa oficial de juros em patamares estratosféricos praticamente inviabilizava qualquer empreendimento no campo produtivo. O custo financeiro tornava proibitivo esse tipo de inciativa no setor real da economia. Desindustrialização, financeirização e os riscos do arcabouço fiscal. Os dois casos acima descritos deveriam servir como alerta para que seja construída de forma urgente uma barreira à continuidade de outro processo igualmente prejudicial - a permanência ao longo de décadas de medidas de austeridade fiscal. Esta se apresenta também sob a forma de uma narrativa enganosa, em que haveria uma necessidade inelutável de redução dos níveis de despesa pública observados em nosso País. Seja pelo lado de um combate a um “setor público gastador” por natureza, seja pelo discurso catastrofista de uma quebra iminente do Estado por conta de níveis elevados do déficit e do endividamento, o fato é que a solução sempre se apresenta por meio da faceta reducionista. A saga empreendida pelos representantes do financismo em prol da austeridade fiscal remonta à crise da dívida externa da década de 1980. Ali tem início a implementação de medidas concretas daquilo que depois passou a ser conhecido como Consenso de Washington. A tríade composta por orientação para a liberalização generalizada das economias, propostas de privatização das empresas estatais e medidas de austeridade fiscal atravessa os continentes e fixa raízes profundas também em nossa terra. Ainda que com certo atraso, no ano de 2000 o governo Fernando Henrique Cardoso promove a introdução de uma peça estratégica em nossa estrutura institucional e legal das finanças públicas: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por meio da Lei Complementar nº 101. Os princípios da austeridade passam a fazer parte das regras jurídicas. Mais à frente, em 2016, na sequência do golpeachment perpetrado contra a Presidenta Dilma Roussef, o governo Temer introduz em nossa Constituição o dispositivo do Teto de Gastos, por meio da EC nº 95. Com essa inovação, os propósitos nem sempre transparentes de redução do Estado brasileiro à sua dimensão mínima têm a seu favor o próprio texto constitucional. A intenção explícita da regra austericida era de impedir qualquer crescimento das despesas orçamentárias por longos 20 anos. Mas sua natureza severamente draconiana e impeditiva do crescimento do PIB nos níveis necessários fez que com esse regime fiscal tivesse uma vida mais curta do que o previsto. Revogação do teto de gastos e a armadilha do arcabouço. No período mais recente, em 2023 o Ministro Haddad convence o Presidente Lula a adotar uma estratégia igualmente equivocada no trato da questão fiscal. Tratava-se de substituir o Teto de Gastos por um novo dispositivo de austeridade. Assim, o Brasil passou a contar com a Lei Complementar nº 200, que trata do Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Apesar de não estarem mais inseridos na Constituição, os princípios austericidas seguem orientando as ações da política econômica, promovendo um achatamento relativo dos níveis de despesa orçamentária e impedindo a retomada do protagonismo do Estado e da recuperação de padrões minimamente aceitáveis dos programas de políticas públicas. A concepção do NAF foi articulada pelo Ministro da Fazenda em negociação bastante restrita, envolvendo apenas o Presidente bolsonarista do BC e presidentes de bancos privados. Ao recusar as contribuições e os alertas dos economistas do campo progressista, Haddad convenceu Lula a respeito da necessidade de um dispositivo que atendesse plenamente aos interesses do financismo. Os resultados passaram a ser sentidos no dia seguinte à promulgação da nova lei. Autoridades da área econômica iniciaram um processo de divulgação de propostas visando a flexibilizar as despesas ditas engessadas. A imprensa começou a divulgar diariamente sugestões de retirar os pisos constitucionais para saúde e educação, além de apresentar a ideia de desvincular os benefícios previdenciários do valor do salário-mínimo. Assim, tem sido quase 2 anos com ataques permanentes às conquistas do movimento social cristalizadas na Constituição Federal. Correndo por fora, o Ministério da Fazenda implementa uma política fiscal arrochada, com contingenciamentos, bloqueios e cortes de despesas. Tudo em função da obstinação injustificável de Haddad com uma meta de zerar o déficit primário em um curto prazo de tempo. Para atender a estes dois parâmetros de natureza austericida, o governo termina por não contar com recursos orçamentários para implementar o programa que levou Lula à vitória eleitoral em outubro de 2022. As últimas semanas foram objeto de muita pressão das entidades e forças políticas do campo progressista, de forma que aparentemente as ideias mirabolantes e maximalistas de Haddad não contarão com o aval do Presidência da República. Mas permanece o foco no corte de gastos a qualquer custo e os dias passam para que a equipe apresente o desenho final das propostas contracionistas para o exercício fiscal de 2025. Pelos números até agora divulgados, tudo indica que a montanha realmente pariu um rato, como diz a sabedoria popular. Para quem afirmava com todas as pompas perante a banca privada que haveria medidas estruturais de redução de despesas, o titular vai ter de se contentar com um corte de “apenas” 30 ou 50 bilhões de reais. Lula: não haverá teto de gastos em meu governo. No entanto, há quem considere mais adequada para o caso a analogia com a parábola do “bode na sala”, uma vez que os cortes em sua versão definitiva serão bastante prejudiciais em termos políticos, sociais e mesmo econômicos. Para o momento atual, ao invés de ficar amealhando bilhões aqui e acolá com medidas pontuais e casuísticas de cortes nas despesas, bastaria editar uma Medida Provisória eliminando o absurdo da isenção tributária para lucros e dividendos. Na verdade, é importante lembrar que os governos do PT tiveram desde o dia 1º de janeiro de 2003 para editar tal norma. E nada foi feito até o momento. Da noite para o dia o governo terá sua receita tributária anual elevada em valor superior aos R$ 50 bilhões que tanto esforço está sendo realizado para alcançar. Lula deve ter plena consciência dos efeitos nefastos que tal estratégia de insistir na tese da austeridade fiscal pode provocar para o País e para a avaliação popular da segunda metade de seu terceiro mandato. Tanto é assim que, ao longo da campanha eleitoral de 2022, ele nunca deixou de mencionar sua recusa ao princípio do teto de gastos e sua intenção de abandonar tal restrição. Abaixo seguem algumas das declarações do então candidato a esse respeito durante aquele ano:   (...) “O teto de gastos foi criado para que se evitasse dar aumento na saúde, na educação, no transporte coletivo, na renda das pessoas que trabalham neste país. É importante saber que não é nenhuma bravata. Vocês sabem que eu não sou de fazer bravata, não sou de rasgar nota de dez, não sou de dizer coisas que eu não acredito, mas não terá teto de gastos em lei no nosso país” (...) (GN)   (...) "Vou acabar por que o teto de gastos representa os interesses do setor financeiro" (...) [GN]   (...) "Não vai ter teto de gastos no meu governo. Vamos investir em educação, porque é o que dá mais retorno ao país. O que vai resolver a relação dívida/PIB é o crescimento do PIB" (...) [GN] As pessoas que compartilham de uma maior simpatia ou dose de tolerância por Haddad poderão argumentar: “Ah, Paulo não seja injusto, pois o teto de gastos não existe mais, ele foi substituído pelo NAF”. Na aparência, isso até pode ser verdade. Mas na essência o mecanismo da austeridade não é lá muito diferente. Tanto que a expressão é utilizada pelo próprio Ministro da Fazenda. Veja o que ele afirmou em entrevista recente: (...) O que fizemos? Nós estabelecemos um teto de gastos determinando que a despesa não pode crescer acima de 70% da receita. (...) [GN]   A situação atual até pode ser contornada com a conhecida habilidade de Lula em evitar conflitos e buscar soluções de consenso em que os interesses das classes dominantes e da maioria da população não sejam assim tão prejudicados. Mas o ponto a reter aqui no raciocínio é que a permanência do NAF apenas adia o problema para alguns meses à frente. Isso pelo fato de que a aritmética não permite que o bolo total dos gastos orçamentários cresça tão somente a um ritmo de 70% da elevação das receitas, enquanto rubricas relevantes continuem vinculadas ao total das receitas (saúde e educação) e os benefícios previdenciários cresçam acima da inflação, acompanhando o valor do salário-mínimo. Essa é espada de Dâmocles que permanecerá sobre a cabeça do governo enquanto o NAF não for alterado de forma substancial ou simplesmente abandonado. A cada nova conjuntura voltarão as baterias do financismo e das elites endinheiradas para que as chamadas “medidas estruturais” da austeridade sejam adotadas. E o governo deverá enfrentar uma nova crise política e muito desgaste. Mais uma vez, a palavra final está com Lula, o Presidente da República.   * Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.   *Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. Foto de capa: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Clima: Retrocesso na COP 29

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Clima: Retrocesso na COP 29
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Por LISZT VIEIRA* A Conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas, a COP 29, recém encerrada em Baku, no Azerbaijão, começou sem esperanças e terminou com desilusão. O Presidente do Azerbaijão, país dependente do petróleo, declarou que o petróleo é uma “benção de Deus”. Essa frase deu o tom da COP 29, cuja presidência bloqueou o avanço das negociações. A COP29 aprovou US$ 300 bilhões anuais para financiamento climático. Essa quantia está muito longe do US$ 1,3 trilhão por ano proposto pelas nações em desenvolvimento, com base em valor estimado pela ONU. O valor de 300 bilhões de dólares foi considerado incompatível com a meta de manter os objetivos do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C. Sem financiamento adequado, os cortes de emissões de carbono serão insuficientes. A título de comparação, segundo dados fornecidos pela Reuters/Folha de São Paulo em 24/11 último, em 2023 os governos do mundo todo gastaram cerca de US$ 6,7 bilhões (R$ 38,8 bilhões) por dia em despesas militares, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo. Isso significa que o valor decidido na COP29 equivale a 45 dias de despesas militares globais. Por outro lado, o mercado global de bens de luxo é avaliado em 363 bilhões de euros (US$ 378 bilhões) em 2024, de acordo com a consultoria Bain & Company. Os US$ 300 bilhões equivalem ao custo do petróleo consumido globalmente em pouco mais de 40 dias, com base na demanda diária de 100 milhões de barris e nos preços do petróleo Brent no final de novembro. Segundo a revista Forbes, a fortuna de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, era de US$ 321,7 bilhões (R$ 1,8 trilhão) no final de novembro. E o furacão Katrina, um dos mais devastadores da história dos EUA, causou cerca de US$ 200 bilhões em prejuízos em 2005. Já o furacão Helene, impulsionado pelas mudanças climáticas, pode gerar até US$ 250 bilhões em perdas econômicas nos EUA em 2024, de acordo com estimativas da AccuWeather. Em sinal de protesto, as delegações dos pequenos Estados insulares e dos países menos desenvolvidos chegaram a abandonar temporariamente a reunião com a presidência da COP29. Além da aprovação dos 300 bilhões de dólares, outro ponto de destaque foi a aprovação das regras gerais do mercado de carbono. O objetivo é viabilizar um mercado voluntário para que se possa negociar os créditos de carbono. O mercado de carbono, apresentado como panaceia, não vai ajudar muito a reduzir o aquecimento global, porque o que é reduzido do lado do país vendedor de créditos de carbono será aumentado do lado do país comprador do direito de poluir. A COP 29 não entregou uma decisão para implementar as recomendações do Balanço Global do Acordo de Paris, nem avançou um processo de transição para longe dos combustíveis fósseis. O Comissário Europeu sobre o Clima, Wopke Hoekstra, às vésperas do encerramento da Conferência, declarou “Se olharmos para os aspectos de mitigação (das emissões de gases de efeito estufa, GEE), isso não reflete o que nós próprios prometemos. Não podemos aceitar que atuemos como se a COP anterior não tivesse existido. Este texto vai no sentido oposto”. De repente, no final da Conferência, a memória da anterior COP28, em Dubai, ressurgiu na última arrancada das negociações. Em 2023, as partes conseguiram chegar a acordo para incluir o imperativo de uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”, uma inovação na história e na linguagem da diplomacia climática. Mas a COP 29 deu marcha a ré e não menciona redução dos combustíveis fósseis como imperativo da transição energética para combater a mudança climática. O representante do grupo dos países árabes na COP29, Albara Tawfiq, anunciou no final da Conferência que os países árabes não aceitariam qualquer proposta que contrarie o uso de “energias fósseis” no documento final da COP29. A crise climática pode levar mais 100 milhões de pessoas à pobreza nos próximos cinco anos, e, 10 anos após o Acordo de Paris, “ainda não estamos vendo a ousadia necessária dos líderes políticos para impedir que o aumento das temperaturas produza catástrofes”, disse Hugh Evans, Cofundador e CEO da Global Citizen, uma das maiores organizações em defesa de políticas para o clima e justiça social. Mantidas as condições atuais, com baixa redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) e com a destruição da biodiversidade e dos recursos naturais, caminhamos para um aumento do aquecimento global muito além da meta de 1,5º C estipulado na Conferência de Paris em 2015. Os cientistas já falam em aumento superior a 2º C (em relação aos níveis pré Revolução Industrial) e alguns falam até mesmo em 3º C. Isso seria uma tragédia, uma catástrofe, que iria suprimir boa parte das condições de vida da humanidade no planeta. Já se fala até mesmo em nova extinção de espécies. Impactos enormes na produção agrícola, fome, migração em massa, extinção de milhares de espécies. Segundo a Cop16 da Biodiversidade, recém encerrada na Colômbia, 46.000 espécies correm risco de extinção, incluindo mais de um terço das árvores do planeta. Um ecocídio, fazendo com que a “capacidade de suporte” do planeta seja excedida, levando ao desaparecimento de grande parte da população, Apesar dos apelos dramáticos dos cientistas, dos governos dos países mais vulneráveis e dos representantes da sociedade civil, a COP 29 foi um retrocesso. Metade dos delegados representantes dos Estados Nacionais foram indicados pela indústria do petróleo, sempre presente e com muita força nas reuniões internacionais sobre o clima. Não é de se espantar que o documento final da COP 29 não recomende a redução do uso dos combustíveis fósseis, o grande vilão da emissão de GEE, com exceção de alguns países, como o Brasil, onde o principal responsável pela emissão de GEE é o desmatamento causado principalmente pela agropecuária. Agora a bola está com o Brasil, cuja diplomacia climática é respeitada em todo o mundo. A tarefa é duríssima. Não só recuperar o atraso da COP 29 organizando uma agenda capaz de angariar apoios, como também apresentar programas que possibilitem avanços concretos nas negociações climáticas, sem esquecer a agenda da biodiversidade que tampouco avançou muito na COP 16 recém realizada na Colômbia. A COP 30, a ser realizada em Belém no próximo ano, enfrentará um obstáculo adicional. Ressurgindo das cinzas, o presidente dos EUA, Donald Trump, negacionista que apoia o suicídio climático, vai retirar os EUA do Acordo de Paris e boicotar as discussões e decisões a serem tomadas na COP 30. A bem da verdade, a posição ambígua e contraditória do governo brasileiro em matéria ambiental também pode ser questionada. O Brasil quer ter liderança mundial na questão climática e, ao mesmo tempo, seu Ministério da Energia apoia a exploração de petróleo na foz do Amazonas, seu Ministério do Transporte apoia a pavimentação da rodovia BR 319 que vai cortar e desmatar a Amazônia, e seu Ministério da Agricultura apoia a agropecuária, o maior responsável pelo desmatamento no país. A ganância em busca do lucro no sistema capitalista tem prevalecido sobre o instinto de sobrevivência da espécie humana no planeta. Isso poderá mudar quando a devastação dos eventos climáticos extremos deixarem de atingir principalmente as populações dos países mais pobres e passarem a atingir igualmente as populações dos países mais ricos. Isso já começou a acontecer, em termos de eventos climáticos extremos e de migração ambiental que tende a aumentar muito nos próximos anos. Nesse momento, as utopias hoje consideradas quiméricas, como o ecossocialismo, serão colocadas na mesa e discutidas como a solução possível. A ameaça da crise ecológica, motivada pela destruição da biodiversidade e pela crise das mudanças climáticas, aponta para uma verdadeira crise de civilização, para a necessidade de um novo modo de vida e de produção, ou seja, de uma profunda transformação ecológica para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta.   iszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO. Foto de capa:  STRINGER / AFP Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Não podemos nos calar!

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Não podemos nos calar!
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Por ADELI SELL* Eu não serei cretino de apenas comentar  o que se lê sobre o papel e o dever de um padre. Vou falar do padre indiciado em investigação sobre tentativa de golpe: José Eduardo de Oliveira e Silva, da Diocese de Osasco. Dizem que o papel de um padre é: - evangelizar, celebrar a Eucaristia (missa), ouvir confissões,         ministrar o batismo, o sacramento da cura, abençoar os fiéis,        entre outras funções. O certo e o que se deve falar aqui é sobre “entre outras funções”. Padre deve além de orientar, ajudar, ser solidário, praticar a solidariedade, não é? E o que diz este padre fascista pego em armações contra a vida de irmãos, contra o Estado Democrático de Direito, pela ditadura dos milicos e seus amigos? Ele se encontrou com o ex-presidente e agora indiciado como um dos golpistas de fato para prestar “apoio espiritual”. Mas é uma atitude pouco digna de um católico, sabendo que o tal é evangélico, não frequenta outros credos. .        A relação do dito religioso com o plano golpista foi revelada pelo tenente-coronel Mauro Cid.. Documentos da investigação também registram a entrada do padre no Palácio do Planalto no dia 19 de novembro de 2022, onde teria se reunido com outros indiciados, como Filipi Martins e Amauri Feres Saad. Este padre gosta de palestrar em oposição às questões postas pelo mundo civilizado, polêmico em tudo o que faz, tendo mais de 400 mil seguidores.   Para um padre tem a boca muito suja: “saudades dos tempos em que o banheiro servia só para necessidades fisiológicas”. Tem mais, ele sugeriu que a indústria farmacêutica criasse “um calmante em forma de supositório”. Ele oferece cursos de ensino teológico com valores que ultrapassam R$ 800 por ano e mantém um canal no YouTube com 136 mil inscritos. Ou seja, nada de “voto de pobreza”, olho no dinheiro dos incautos. Você que nos lê e se for católico, cristão de qualquer credo, o que tem a nos dizer deste ser humano?   *Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito. Foto de capa: Freeaik Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.    

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Bolsonaro vai virar um traste histórico

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Bolsonaro vai virar um traste histórico
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Por LAUREZ CERQUEIRA* Estão construindo uma peça jurídica histórica, para condenação dos golpistas. Vai ser devastadora! Servidores públicos civis e militares que participaram da tentativa de golpe vão ser demitidos a bem do serviço público, muitos condenados e presos, e aposentadorias cassadas. É o que diz a lei e os regulamentos disciplinares de militares. Para nunca mais se atreverem a se insurgir contra a ordem constitucional e o Estado democrático de direito. Sem anistia. Vai ser feito o que a Comissão da Anistia não fez. O julgamento dos golpistas vai durar semanas, com câmeras e microfones nas caras dos réus. A sociedade brasileira vai ver com os próprios olhos os criminosos e seus crimes debulhados didaticamente. Bolsonaro está inelegível, indiciado e deve ser preso. Acabou. Já tem outros no lugar dele. Os apoiadores não vão segurar a alça do caixão. Olharam para frente e viram o deserto político se formado. As desistências de segui-lo vão começar a acontecer. Será efeito manada. Bolsonaro vai virar um cão sarnento, como Collor se tornou depois do impeachment. Ficará exposto na galeria dos trastes históricos, onde estão o traidor Calabar, o torturador Brilhante Ustra e todos os demais, o General Castelo Branco e todos os ditadores que participaram do golpe de Estado de 1964. O Brasil tem uma Constituição, leis, regulamentos e instituições sólidas para defender a sociedade da tirania e dos ataques ao Estado democrático de direito.   *Publicado originalmente aqui. Laurez cerqueira é autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real.  Foto de capa: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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