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Nota sobre o ataque especulativo

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Nota sobre o ataque especulativo
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Por JOÃO CARLOS BRUM TORRES* A disparada do dólar é um ataque especulativo do mais poderoso dos atores políticos do Brasil, o partido do mercado, cujo objetivo é impedir que o atual governo venha a haurir qualquer reconhecimento pelo excelente momento da economia Havia afirmado o propósito seguinte: não vou mais incomodar os leitores e os amigos com comentários sobre os impasses econômicos do Brasil. Voltei atrás, porém, ao ver a página de economia do jornal Zero Hora do dia 18 de dezembro de 2024, na qual se encontra não só a entrevista em que o professor Marcelo Portugal tem destacadamente registrada a opinião de que 2025 vai repetir o desastre de 2014, funesto resultado este que “decorre das incertezas acentuadas pelo insuficiente pacote fiscal do governo”, mas também os oportunos e precisos comentários do senhor Alex Agostini, “economista chefe da Austin Rating”. Alex Agostini teve a honestidade de dizer o seguinte: “como a alta do dólar está relacionada à ‘perda de credibilidade’ da política fiscal, não entram na conta do mercado fundamentos macroeconômicos para formação do preço do dólar. O Brasil tem boa solvência e boa capacidade de pagamento em moeda estrangeira. Mas o que pesa mais agora são fatores subjetivos de perda profunda de credibilidade, de confiança.” Pois, muito bem, permitam-me, contudo, a filosofada de quem é professor de filosofia. Se acordo de manhã e vejo uma réstia de sol, formo uma crença: amanheceu e o tempo é bom. No vocabulário da filosofia analítica contemporânea, isso se chama uma “atitude proposicional” de caráter epistêmico, quer dizer, de caráter estritamente cognitivo, cujo fundamento é o registro simplesmente perceptivo de que amanheceu e o dia é claro. Ora, fora de trabalhos científicos de caráter estritamente teórico, atitudes proposicionais epistêmicas raramente vêm sozinhas, o mais comum sendo suas ligações com atitudes proposicionais práticas, como, para ficar com meu exemplo, “hoje vai dar para caminhar no Parcão”. O ponto que distingue o comentário do Sr. Alex Agostini é a honesta franqueza de dizer claramente que estamos diante de um fenômeno econômico desligado de fundamentos macroeconômicos, que estamos diante de uma atitude proposicional de caráter subjetivo, quer dizer: algo cuja base não só não é o registro simples do fato de que o déficit primário não será eliminado rapidamente, mas que é a antecipação de uma deterioração da situação econômico financeira do país para a qual contribuirá, exata e muito potentemente, essa mesma antecipação subjetiva da deterioração das contas públicas. O que é dizer que o mercado trabalha, querendo ou não, para fazer acontecer o desastre. Mas cabe perguntar: a atitude proposicional prática de antecipar o resultado fiscal de 2025 como equivalente ao de 2014 resulta simplesmente do medo de uma quebra da capacidade de pagamento da dívida por parte do governo federal? Ou de que em futuro próximo posições em real só trarão prejuízos? Se as atitudes proposicionais práticas de (i) forçar a elevação da taxa de juros mediante a auto provocada desancoragem das expectativas dos agentes econômicos e (ii) de comprar dólares em grande escala expressassem simplesmente o medo de perda financeira dos detentores de grandes aplicações, deveríamos reconhecer que ela seria moralmente inocente, porque afinal ter medo não é algo que se possa censurar, mesmo quando esse sentimento seja infundado, caso em que o que cabe fazer são ponderações de que não há razão para tanto temor. Ocorre, porém, que nossas condutas práticas não se tornam subjetivamente enviesadas somente em função de nossas emoções, como no exemplo, o medo. Elas se tornam subjetivamente práticas também em função de (i) nossos interesses e de (ii) intenções associadas tanto a (II.i) defesa de tais interesses, quanto a “(II.ii) a promoção de nossos ideais, religiosos, morais ou políticos. É evidente, no entanto, que, no caso da conjuntura político-econômica presente no Brasil, a movimentação do Mercado nestes dias está dirigida em parte a obter ganhos ou evitar perdas financeiras com a instabilidade de preço dos ativos e, por outra parte, com o propósito político de desestabilizar o governo. Essa ação não é a mera agregação atomizada de condutas individuais, mas é estruturada com os grandes investidores dando o rumo dos movimentos de compra e venda de ativos seja por meio do mecanismo indireto e do efeito demonstração da compra de dólares em grande escala, seja de modo explícito por meio de telefonemas, falas de corretores e assessores com seus clientes, os quais, aliás, conforme pesquisa recente, são quase unanimemente posicionados politicamente contra o governo Lula. A esses mecanismos de ordenação serial, próprios da ação de agentes dispersos e que se encontram no ponto exato da passagem das condutas serializadas à ação concertada própria dos grupos, para valer-me aqui das precisas e preciosíssmas análises de Jean-Paul Sartre, agregam-se ainda as entrevistas dadas aos muitos jornalistas que cobrem as ações e reações do mundo financeiro, cujo destaque na mídia é enorme, como se constata nos jornais impressos e televisivos, assim como nas redes sociais. Em resumo, estamos diante de uma crise política criada pelo antagonismo entre o governo que se comprometeu com um ajuste fiscal mais lento e cujos ônus sejam melhor distribuídos e forças sociais hegemônicas que querem um governo menor e que não tenha compromisso com a redução de desigualdades, nem preocupação com o desenvolvimento econômico do país, e para o qual 40 anos de mediocridade de crescimento e desenvolvimento social é indiferente, ou, pelo menos, algo que, deixando o mercado funcionar, acabará ocorrendo, cabendo aos que enquanto isso e desde sempre não vão bem, ter o quê? Paciência, ora bolas, e esforçar-se por si mesmos para vencer suas limitações e carências, não importa com que capital pessoal e social tenham ou deixem de ter. A verdade é que a disparada do dólar é um ataque especulativo do mais poderoso dos atores políticos do Brasil, o partido do mercado, cujo objetivo é impedir que o atual governo venha a haurir qualquer reconhecimento pelo excelente momento da economia – crescimento do PIB, depois de anos, finalmente além de 3%, redução do desemprego, diminuição da pobreza e mesmo aumento na taxa de formação de capital fixo –dados todos que refletem o anseio da sociedade brasileira de voltar a ter um país economicamente dinâmico e capaz de fazer disso o vetor e o motor de nossa passagem a uma fase de maior confiança em nós mesmos, de compromisso com retirar o Brasil do campeonato da maior desigualdade econômica do mundo, e nos devolver a esperança de que nosso país venha estar à altura de suas potencialidades, à altura de si mesmo. *João Carlos Brum Torres é professor aposentado de filosofia na UFRGS. Autor, entre outros livros, de Transcendentalismo e dialética (L&PM). [https://amzn.to/47RXe Foto da capa: Photo: Getty Images/iStockphoto Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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A chantagem do andar de cima

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A chantagem do andar de cima
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Por LEDA MARIA PAULANI* Campos Neto cumpriu com bravura covarde sua missão pusilânime de iniciar o movimento de reversão das expectativas positivas que se desenhavam para o cenário econômico sob o governo Lula. Há exatamente seis meses, em 22 de junho deste ano, publiquei, no site A Terra é Redonda “Labirinto econômico”,artigo em que me perguntava qual era a hecatombe que fizera as tão alvissareiras expectativas sobre nossa economia dos primeiros quatro meses do ano terem se transformado num cenário sombrio, carregado de funestos prognósticos. Na inexistência de qualquer fundamento objetivo capaz de explicar tamanha transmutação (a inflação estava dentro da meta, as expectativas sobre o crescimento do PIB se elevavam, a arrecadação tributária surpreendia, e o desemprego continuava a se reduzir), concluí que a resposta à minha pergunta não era técnica e que quando se trata de analisar os humores do mercado é preciso levar em conta também fatores de outra ordem. Alertei ali que, dada a autonomia do Banco Central, instituída em fevereiro de 2021, e a forma específica em que se estruturam as relações entre o mercado financeiro e a autoridade monetária, além, é claro, do peso superlativo da riqueza financeira, haviam se criado no Brasil condições institucionais para uma espécie de autismo da política monetária, apta a falar só consigo e virar as costas ao país. Decorre daí o poder efetivo que tem o mercado financeiro, e a riqueza financeira de quem é o preposto, de alterar concretamente o comportamento da economia (profecia autorrealizadora é o nome da manobra). Diagnostiquei então o início desse processo de reversão numa fala do presidente do Banco Central, indicado por Jair Bolsonaro, que, em meados de abril, a partir de Washington, onde participava de reunião do FMI, começou a afirmar que havia, naquele momento, “mais insegurança” do que a percebida durante encontro anterior do mesmo organismo. Roberto Campos Neto começava com isso a sinalizar que não seria possível continuar a trajetória de queda da Selic, que, tendo iniciado o governo Lula em 13,75%, experimentara, desde o início de agosto de 2023, um movimento de cortes que a tinha levado a 10,75%, com previsão de manutenção do movimento de baixa. Com a continuidade das ilações infundadas de Campos Neto sobre o futuro da economia, o Comitê de Política Monetária (Copom), na reunião da primeira semana de maio, em decisão dividida, reduziu a Selic em apenas 0,25%, quando a expectativa era de que o corte acompanharia os anteriores, ficando em 0,5%. Àquelas alturas, a previsão do Boletim Focus (relatório de pesquisa periódica realizada pelo Banco Central junto às instituições e consultorias do mercado financeiro) de uma Selic de 9% ao final de 2024 já tinha se alterado para 10,5%. Previa-se, portanto, até o final do ano, um completo estancamento da queda desse preço básico, queda decisiva a fim de consolidar o movimento de retomada da economia, inclusive abrindo espaço para um resgate do protagonismo da indústria alinhado com as demandas impostas pelo necessário processo de transição ecológica. Por mais que já fosse bastante adverso o cenário que então se criara, nada fazia crer, ao final de junho, que terminaríamos o ano com uma Selic de 12,25%, ou seja, mais de três pontos percentuais acima do marco esperado antes de ter início a reviravolta. Me parece lícito fazer aqui, já que o assunto está na ordem do dia, uma analogia com o golpe militar de 1964. Sempre se disse do AI-5, promulgado em dezembro de 1968, que configurou um golpe dentro do golpe, reforçando de modo decisivo o poder dos militares. Pois temos aqui um movimento similar: o tumulto com o câmbio, fazendo com que o preço da divisa fique, desde o início de dezembro, teimosamente acima de R$ 6,00, funciona como um golpe dentro do golpe, evidenciando ostensivamente o poder do mercado financeiro. Iniciada pelo presidente do Banco Central lá atrás, tal operação ardilosa põe agora concretamente em risco a recuperação econômica e as boas perspectivas políticas que iam se desenhando para a continuidade do movimento que brecara a ascensão fascista no país: a escalada do dólar afeta de modo quase imediato os índices de preço e tira a inflação da meta (que aliás é estreita demais, mesmo para padrões internacionais referentes a economias já desenvolvidas, e deveria ser elevada pelo Conselho Monetário Nacional); isso leva a aumentos da taxa básica de juros, que provoca a elevação da razão dívida pública/PIB e a piora ulterior das expectativas, ensejando nova rodada de desvalorização do câmbio com a permanência da pressão sobre os índices de preços e sobre a taxa de juros e assim por diante, num infausto círculo vicioso, que converge para a inevitável redução das perspectivas de crescimento do produto, do emprego e da renda. É legítimo, no entanto, perguntar: mas não existe agora nenhum fator objetivo que justifique a escalada do preço da divisa? É tudo resultado de uma manipulação de interesses mesquinhos e reacionários? Sim, existem alguns fatores objetivos, mas nada que justifique tamanha escalada da taxa de câmbio. Basicamente temos, de um lado, elevação do preço da carne, que, vítima da seca nas regiões produtoras, atravessa ainda um período em que sazonalmente a safra se reduz, e, de outro, aumentos de preços de commodities internacionais como café e petróleo (este último afetado pelo crescimento da tensão no Oriente Médio). Além disso, também tende a subir ao final do ano (outro fator sazonal) a procura por dólares para envio de lucros e dividendos ao exterior, elevando a demanda pela moeda e pressionando seu preço. Por fim, no plano internacional, há uma tendência de fortalecimento do dólar, corroborada com a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, provocando a desvalorização de praticamente todas as moedas de países emergentes (mas que, em média, acumularam no ano depreciação que não chega a 16%, contra quase 28% da moeda brasileira). Ora, se considerarmos que boa parte desses fatores objetivos faz jus ao nome – sazonais, sobra muito pouco deles para explicar o movimento para cima do câmbio, não sendo suficientes, em hipótese alguma, para justificar o preço que o dólar vem alcançando no mercado brasileiro. Repetindo o que escrevi seis meses atrás relativamente à questão análoga, não é técnica a resposta à pergunta sobre as causas da deterioração do Real neste final de 2024. O que nós estamos vivenciando é um golpe dentro do golpe, é o andar de cima empunhando suas armas para impedir a realização de um programa de governo pelo qual não tem a menor simpatia e perante o qual se sente ameaçado em seus privilégios. O tão esperado anúncio do pacote fiscal, feito em 27 de novembro, foi para eles uma decepção, pois, na visão de alguns “especialistas” – desses que o Bacen ouve em suas pesquisas para o Boletim Focus – ao invés de anunciar robustos e efetivos cortes de gastos (os cortes não mexeram, como eles queriam, nas vinculações constitucionais de saúde e educação nem na vinculação do BPC ao salário mínimo), o governo veio com redução de tributos (a proposta de isenção de IR para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais, para eles inaceitável), e ainda por cima anunciando que quem ganha mais, deve pagar mais e vai pagar mais imposto. Em resposta, eles jogaram gasolina na fogueira do câmbio, num movimento de realocação de ativos com fuga constante daqueles denominados em Real. Ademais, o overshutting do preço da divisa promove imensos ganhos para quem aposta contra a moeda brasileira nos mercados futuros, pois quanto mais subir o câmbio, maior o ganho. O descaramento é tão grande que até fake news de supostas falas de Gabriel Galípolo, o próximo presidente do Banco Central, foram espalhadas pelas redes sociais na terça-feira, 17 de dezembro, a fim de aumentar a incerteza e jogar a cotação do dólar ainda mais para o alto. E pra quem acha que tudo isso é mera teoria conspiratória da história, vale prestar atenção no que diz um dos famosos especialistas do mercado financeiro:[i] “Essa queda pontual de hoje, depois da superalta da manhã, [ele se refere ao movimento do câmbio na mesma terça, 17 de dezembro] é mais um recado do mercado, mostrando ao governo que não há espaço para erros; se as reformas não andarem, ele joga o dólar na máxima novamente”. A chantagem está aí configurada com clareza cristalina. E com isso estamos nós presos nessa ardilosa teia de aranha, cuja “racionalidade” é reverberada pela grande mídia, em que a dificuldade em aceitar um déficit primário de pouco mais de R$ 60 bilhões (que alude, em sua maior parte, a gastos sociais) desencadeia um movimento que faz a despesa do governo crescer em mais de R$ 200 bilhões anuais – resultado da elevação de mais de três pontos percentuais na taxa básica de juros em relação ao nível em que ela poderia estar sem a chantagem do andar de cima (sendo que esta última despesa vai toda para os bolsos dos donos da riqueza financeira). Ressalve-se, pra concluir, que mesmo tal resultado primário negativo (indesejável, mas em nada escandaloso comparado ao que ocorre hoje, mesmo nas economias mais desenvolvidas) seria ainda substantivamente menor e ficaria dentro dos parâmetros previstos pelo arcabouço fiscal (resultado primário zero com intervalo de 0,25% para cima e para baixo), não fosse outro fator de enorme importância: a reiterada insistência do Legislativo – a outra cobertura ampla e confortável em que desfila o andar de cima – em não abrir mão dos privilégios fiscais detidos por vários setores, desonerações de folha à frente, e que implicam enorme gasto tributário para o país. Por conta desse poder do Legislativo, alguns analistas políticos dizem que vivemos hoje num sistema semipresidencialista, ou seja, um sistema em que o Executivo tem efetivamente muito menos poder do que parece ter. Olhando para o que aconteceu neste segundo semestre de 2024, somos obrigada a dizer que o Legislativo pratica uma parceria muito harmoniosa com o mercado financeiro, contribuindo ambos, igualmente, para impedir que o resultado das urnas ganhe concretude. Sob o comando desse duplo sequestro, de fato acaba por fazer pouca diferença que partido está no comando do Executivo. A necessidade de dar um cavalo de pau na forma auspiciosa como vinha se desenhando o cenário econômico sob o governo Lula foi o que levou Campos Neto, famigerado entusiasta do bolsonarismo, que via se aproximar o fim de sua gestão à frente do Banco Central, a iniciar o movimento de reversão das expectativas cerca de oito meses atrás. Ele cumpriu com bravura covarde sua missão pusilânime, criando uma situação em que as margens de manobra da nova direção do Banco Central tornaram-se extremamente reduzidas, como o atesta a previsão do último Copom em elevar a Selic em mais dois pontos percentuais até março de 2025. Resta torcer que, mesmo em ambiente tão adverso, os resultados econômicos desta terceira gestão de Lula sejam suficientes para mais uma vez livrar o país do monstro do fascismo, que permanece perigosamente à espreita.     Publicado originalmente em A Terra é Redonda. *Leda Maria Paulani é professora titular sênior da FEA-USP. Autora, entre outros livros, de Modernidade e discurso econômico (Boitempo) [https://amzn.to/3x7mw3t]. Foto de capa: Matteo Basile Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia. 

Opinião

Espelho, espelho meu,  A rede globo é mais doente do que eu?

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Espelho, espelho meu, A rede globo é mais doente do que eu?
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Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA* Eu fui um duro crítico do PT durante 13 anos. Muito duro. Não perdi um único emprego por isso. Minhas críticas à Lava Jato e a Bolsonaro já me tiraram três empregos. Reinaldo de Azevedo em entrevista com o Presidente Lula. Introdução Eu sou um sujeito viciado em vícios. Nem gosto que me apresentem novos, pois me apego com muita facilidade. Os tenho às pencas. Mas creio que o meu vício maior é o da curiosidade. Minha curiosidade é meio sem limite; para mim, o sentido da vida encontra-se em aprender sempre mais e entender o máximo possível sobre o mundo. Leio e escrevo compulsivamente, converso demais (até exaurir os amigos), e sempre que me deparo com um tema instigante, busco ir o mais fundo possível na sua compreensão. Ora, os temas são infinitos e meu tempo é limitado. E tive que achar atalhos para dar conta de atender minimamente minha curiosidade compulsiva. E encontrei três atalhos extraordinariamente úteis e funcionais. Em primeiro lugar, eu aboli a divisão entre “lugar para ler e estudar” e “outros lugares”. Eu leio na fila do banco, no restaurante, na mesa de bar, no ônibus, no avião, na sala de espera, no elevador e até caminhando na rua (a gente só tropeça no início; depois, aprendemos a manter um olho no livro e outro no caminho). O segundo atalho foram as viagens. Tu podes ler 50 livros sobre a China. Se forem livros efetivamente relevantes e minimamente complexos, isto te demandará dois anos de trabalho. Mas se passares um único mês viajando pela China, conversando com as pessoas nas ruas, visitando as Universidades, lendo jornais (há muitos em inglês, don’t worry) e livros que estão “bombando por lá” (há excelentes livrarias), observando as estruturas urbanas, os padrões de interação entre as pessoas, visitando os centros das principais cidades (sem esquecer das periferias), dando a devida atenção às dinâmicas de trabalho, de produção, de comércio e de oração (visitar templos é básico!), tu vais voltar com um conhecimento maior do que tu alcançarias lendo diversos livros no Brasil. Em geral, os livros te oferecem leituras contraditórias sobre o país. Sem que tu saibas qual delas é a mais confiável. Ou melhor: sem que tu contes com a base experiencial para entender as determinações das divergências e tentar articular uma síntese das oposições. Mas, creio eu, o atalho mais importante para se chegar o mais perto possível do impossível - Entender o mundo! - é o atalho que nos foi ensinado por Apolo em Delfos: Conhece-te a ti mesmo! Por quê? Porque os dois primeiros atalhos - ler e estudar em lugares “inusuais” e viajar pelo mundo – só podem trazer conhecimento se pudermos confiar na interpretação que fazemos dos textos lidos e dos registros e interpretações que damos aos eventos observados em outros mundos. ... E como podemos nos asseverar de que estamos vendo “o que é” e não o que “queremos ver?”. A resposta é complexa, claro. Mas ela conta com um excelente ponto de partida: o que é que tu queres ver? Se souberes onde está o teu desejo, fica bem mais fácil de identificar se o que vês corresponde – ou não! – ao que tu queres ver. Se estiveres vendo o que não queres ver, há uma grande probabilidade de estares vendo (parte de) aquilo que é. Quando vês o que não queres ver, o princípio da realidade está se impondo sobre o princípio do prazer. São inúmeros os “cortes epistemológicos” que vivi ao longo de quase quatro décadas de psicanálise. Mas há um momento que tem tudo a ver com o artigo de hoje. Eu vinha enfrentando (só para variar!) alguns problemas no trabalho. Como de praxe, colegas, chefias e avaliadores dos meus artigos tentavam me explicar que meus trabalhos não eram publicados porque eu escrevia demais, não respeitava normas acadêmicas, tergiversava, tratava de assuntos em excesso, usava de ironias e metáforas, enfim, não tinha uma redação científica. Como meus textos eram impublicáveis, minha produção era baixa. E como minha produção era baixa, eu era um péssimo funcionário, com produtividade muito abaixo da “média”. E que eu tinha que me esforçar mais para entrar na “média”. Meu astral não andava nada bom. E este era o tema das sessões. Lá pelas tantas o analista me perguntou: O que tu sentes por estes arautos da “média”? E eu respondi: Pena! Ele redarguiu: Não sentes raiva? E eu retornei: Eu não sinto raiva de ninguém. Muito menos de gente pequena! E o analista me saiu com essa: Para quem faz análise há tantos anos tu te conheces muito pouco, não te parece? Gol do Bangu. A verdade é que eu era um poço de raiva. E não conseguia reconhecer! Chorei. Muito. De tristeza e de alegria. Na verdade, “de epifania”. Me (re)descobri pequeno, passional, comum. Me (re)descobri alguém da “média”. Me (re)descobri humano, demasiado humano. Nas sessões seguintes, o tema passou a ser minha contribuição particular para o conflito no ambiente de trabalho. E descobri que minha tentativa de colocar uma máscara de “pena” na minha raiva aprofundava a distância e a incompreensão recíproca. Mudei. Pelo menos, tentei mudar. Adiantou de algo? Um pouco. Mas muito pouco. E essa foi outra grande epifania: o fato de nos descobrirmos neuróticos e corresponsáveis pelos conflitos torna o fardo da vida um pouco mais leve. Mas – tal como nas relações afetivas – as relações conflitivas envolvem pelo menos duas pessoas. E a neurose dos outros são dos outros. Não temos o poder de mudá-las. A Globo precisa urgentemente de um divã! Na segunda-feira, dia 9 de dezembro de 2024, Lula deu entrada no Hospital Sírio Libanês (HSL) para uma cirurgia de urgência com vistas a retirar uma hemorragia intracraniana que havia se formado em função da queda que sofreu em outubro desse ano. Seis dias depois, no dia 15 de dezembro, Lula teve alta e participou da entrevista concedida pela equipe médica com vistas a agradecer àqueles que o haviam atendido e àqueles que haviam orado por ele. Na sequência, ainda no HSL, Lula concedeu uma entrevista exclusiva para a repórter Sônia Bridi, da Rede Globo de Televisão, que viria a ser veiculada no Fantástico, programa de variedades da emissora no domingo. O que, nem Lula, nem ninguém poderia esperar era que, na segunda metade da entrevista (minuto 13: 50), a Globo fizesse duas inserções criticando e negando afirmações do Presidente. Exatamente quando Lula manifestava seu desejo de que todos os acusados de intentarem um golpe contra a sua pessoa e que, de acordo com o inquérito da Polícia Federal, envolvia o planejamento de seu assassinato, contassem com a presunção de inocência com a qual ele não havia contado. A equipe de reportagem do Fantástico faz, então uma pausa na entrevista, e busca demonstrar que Lula contou com todos os direitos e garantias constitucionais, e que, em momento algum, seu direito de defesa foi contestado. Vou me dar ao direito de cometer mais um dos tantos sincericídios que tanto me caracterizam. Eu não sei o que mais me assusta nessa história. Se é a psicopatia do veículo e de sua equipe de jornalismo, ou a psicopatia do público que, como regra geral, tomou o intermezzo correcional – em que se informava que o Presidente era um MENTIROSO – como algo normal. Do meu ponto de vista, isso é tão assustador que sequer podemos ir ao ponto central com muita pressa. São muitas as camadas da loucura. O melhor é começar pelas beiradas; tal como recomendava o Engenheiro Leonel: mingau quente demais não se ataca pelo centro, pois queima a língua. Comecemos com um exercício de distanciamento. Vamos tomar uma outra entrevista, de um outro veículo, com uma pessoa pública que cometeu algumas “malandragens” em sua história de vida para termos uma referência de “postura respeitosa”. No dia 12 de dezembro de 2024, a Carta Capital entrevistou o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF). Havia dois temas centrais: as relações algo conflituosas dos três poderes da República e a Lava-Jato. Mendes fez uma série de críticas aos abusos cometidos pela falecida “República de Curitiba”, à politização do processo penal e à transformação do mesmo em espetáculo midiático explorado com gosto e gozo pela grande imprensa. E fez a defesa do STF como garantidor das instituições e agente de recuperação da isenção do Judiciário. Mais: com sua proverbial e reconhecida imodéstia, Mendes afirmou ter sido um dos primeiros (senão o primeiro) a perceber que “havia algo de errado” nos procedimentos de Curitiba. E acrescentou que sua sensibilidade para desvios nos devidos processos jurídicos lhe angariou o apelido de “Profeta”. Logo após a entrevista de Mendes à Carta Capital, vieram à luz diversos artigos com críticas à ação do STF durante o período de vigência da Lava-Jato. Veja-se, por exemplo, o excelente artigo do amigo Benedito Tadeu César publicado na RED. O que unifica todas as críticas é a sinalização da irretorquível conivência do STF com os procedimentos da “Quadrilha de Curitiba”, desde a instauração da Lava-Jato, no primeiro mandato de Dilma, até o final do primeiro ano do mandato de Bolsonaro, quando Lula é solto. Desde logo, o STF ignorou o fato do Fórum de Curitiba não ser a alçada pertinente para o julgamento das duas maiores improbidades de Lula: haver visitado um apartamento no Guarujá e se hospedar com alguma frequência no sítio de um amigo em Atibaia. Para piorar, o STF – mais exatamente, o Ministro Gilmar Mendes – ignorou a cautelar interposta pela Advocacia Geral da União com vistas a acelerar o julgamento do “direito” da Presidente Dilma a indicar o ex-Presidente Lula como Chefe da Casa Civil em seu segundo mandato, após Eduardo Cunha haver dado autorização para o início do processo de impeachment em 2016. Gilmar Mendes pediu vistas e “sentou-se” em cima do processo, como que aguardando o escândalo adequado para negar o direito de Dilma indicar quem bem entendesse para o seu Ministério. E o escândalo aconteceu. Moro gravou uma conversa da Presidenta com o ex-Presidente após o término do período autorizado para a realização de grampos e a divulgou em rede nacional. Não era preciso ser “Profeta” de nada para entender que essa decisão era politicamente orientada, ilegal e inconstitucional. Mas, ao invés de punir Moro e de retirar de Curitiba – que nunca foi o Fórum adequado de julgamento do Presidente Lula por suas visitas a Guarujá e a Atibaia - o STF aplaudiu a farsa e impediu Lula de assumir a Casa Civil. Como se isso não bastasse, o STF fez “vista grossa” para a inconstitucionalidade da “Lei da Ficha Limpa”, votada no Congresso com vistas a “combater a corrupção (do PT)”. Só realizou o devido julgamento da constitucionalidade da referida lei após o término das eleições de 2018, com a vitória da “vítima do atentado de Juiz de Fora” (sic, argh, cof, bah!). O STF também pretendeu desconhecer algo que todos os jurisconsultos do país dos Tupis sabiam perfeitamente: que a “República de Curitiba” tinha alta ascendência sobre os impolutos Desembargadores do TRF-4 (a segunda instância pertinente para julgar Lula) em função da filmagem de uma festinha íntima (que ficou conhecida como a “festa da cueca”) onde alguns dos nossos mais aristocráticos e circunspectos tribunos mostravam todos os seus atributos. A imprensa sabia de algo à época? ... Acredito que sim; pois os nudes circulavam amplamente nas redes sociais jurisconsúlticas. Mas, após as denúncias de Tony Garcia em 2023, ninguém mais pode pretender desconhecimento do fato. Anyway, a mim sempre pareceu muito estranho que, já em 2018, NINGUÉM das instâncias superiores do Judiciário (ou da imprensa) questionasse a extraordinária diligência dos desembargadores do TRF-4, que colocaram o processo de Lula à frente de todos os demais, conseguissem julgá-lo em tempo ínfimo e ampliassem a sentença de Moro por unanimidade. Garantindo o período necessário para que, apesar de réu primário, Lula não pudesse cumprir a pena em liberdade no ano das eleições para a Presidência. SANTA COINCIDÊNCIA, BATMAN, BATGIRL E BATDOG! Por fim, o STF ignorou a decisão da Corte de Direitos Humanos da ONU – onde Lula foi representado pelo Conselheiro da Rainha Elisabeth II, Geoffrey Robertson, que: 1) considerou o julgamento de Lula marcado por parcialidades e falta de isenção dos juízes da primeira e da segunda instância; 2) determinava que fosse garantida a liberdade de Lula até o trânsito em julgado; e 3) que ele tivesse seus direitos políticos preservados, incluindo-se o direito de ser candidato à Presidente no pleito de 2018. O STF não se contentou em ignorar as resoluções da Corte da ONU (a despeito do Brasil, por opção, haver reconhecido a soberania do órgão). Influenciado por postagens vindas do alto oficialato do Exército em defesa da luta contra a “corrupção”, o STF manteve a prisão de Lula e foi mais longe: o impediu de dar entrevistas no ano eleitoral. Nem é preciso esclarecer que os dois casos – entrevista de Gilmar Mendes e entrevista do Presidente Lula no HSL – estão intimamente associadas. Mas o que importa resgatar aqui e agora é a alegação feita por Mendes. A alegação de que, tão logo o STF tomou consciência do fato de que a Lava-Jato extrapolava os limites do livre direito de defesa, foram impostos freios aos desatinos da dobradinha Sergio Moro – Deltan Dalagnol. Isso é uma mentira grotesca e aviltante. .... Não obstante, a Carta Capital não abriu um intermezzo na entrevista feita com Gilmar Mendes para “corrigir” as informações do Ministro. Por quê? Porque isso seria ainda mais grotesco e aviltante. Quando se convida alguém para dar uma entrevista, está pressuposto o interesse naquilo que o entrevistado tem a dizer. Não importa se concordamos inteiramente com suas informações. Não importa se ele traz elementos que vão na contramão do que pensamos. Ou, antes: importa. Pois esse “outro lado” é exatamente o que se busca: a informação que não temos, a leitura que não temos. ... É absolutamente cabível e pertinente fazer, a posteriori, uma análise crítica das informações recebidas. Mas esse é um outro momento. Quando interferimos e alteramos a dinâmica do diálogo, introduzindo no meio do mesmo, uma leitura distinta, que o agente dialogante não pode contestar, estamos impondo uma relação discursiva desigual, estamos traindo o princípio do direito de resposta. Vale fazer uma pequena observação lateral. Há alguns anos, a Carta Capital fez uma matéria sobre os negócios e vínculos empresariais do Ministro Gilmar Mendes. O Ministro entrou com um processo por calúnia e difamação. Perdeu nas instâncias iniciais. Mas venceu no Supremo Tribunal de Justiça; justamente aquele onde – de acordo com a revista – Mendes teria maior influência, em função de suas atividades empresariais no Instituto Brasileiro de Direito Público, cujos cursos e palestras contam com a colaboração (muito bem paga) da “nata” dos jurisconsultos tupis. Na entrevista concedida por Mendes ao site da revista, é fácil perceber uma certa “tensão”. O Ministro evita olhar para a câmera, gagueja, tergiversa, mede as palavras. Após tantos anos de análise, ouso pretender que o seu “corpo fala”. E o que ele diz é: - Isso, por acaso, é uma armadilha, uma pegadinha? Não. Não era. Mino Carta é um gentleman, é um lord, seu nome é elegância. Mino Carta tem princípios. A Rede Globo entrevistava o Presidente da República. Ele estava saindo do hospital, após uma cirurgia extremamente delicada. Os médicos recomendaram descanso. Pediram que a entrevista fosse concedida noutro dia. Lula achou por bem mostrar ao Brasil que ele estava bem de saúde e que a cirurgia havia sido um sucesso. E se dispôs a realizar este trabalho. Ao contrário de Gilmar, Lula olhou para a entrevistadora e para a câmera todo o tempo. Falou de forma tranquila, segura, do jeito simples que lhe caracteriza. E manifestou seu desejo de que o Judiciário tratasse os acusados da tentativa de golpe com mais isenção e respeito do que ele mesmo fora tratado. E a Rede Globo resolveu cortar a entrevista ao meio para dizer que o Presidente mentia. Que ele fora tratado com isenção e de acordo com os princípios legais vigentes ao longo do período. Mesmo que, após a prisão de Lula, mesmo que antes de sua eleição, não tivesse ocorrido a VAZA-JATO, mesmo que não tivessem vindo a público as denúncias de Tacla Duran ou de Tony Garcia, a intervenção da Globo, no meio da reprodução da entrevista, produzida ex-post, sem direito de resposta do entrevistado, já seria nojenta, calhorda, doentia. Mas tudo isso já rolou. E todos os jornalistas conhecem as resoluções do STF sobre a parcialidade de Moro, sabem que ele foi Ministro de Bolsonaro e cabo eleitoral do capitão em 2018 e 2022. Provavelmente, já viram os nudes da festa da cueca de Curitiba. Com certeza leram – senão todas, pelo menos parte de – as trocas de mensagem dos procuradores com o juiz Sergio Moro. Sabem que houve combinação. Conhecem a história das “prisões preventivas” de Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro. Sabem que suas “delações premiadas” foram conquistadas a preço de Lula. Mas insistem em dizer que o Presidente – que foi convidado para uma entrevista – mente. Em horário nobre. Para toda a família brasileira reunida. Se isso não é doença, se isso não é (mais que neurose) psicopatia, eu não sei o que seja.     Um país doente Muito se tem falado sobre a crise do ocidente. Ela é evidente. A começar pelos indicadores econômicos. De acordo com o portal de estatísticas do FMI, a China já é a maior economia do mundo quando seu PIB é avaliado por PPP (paridade do poder de compra; por oposição ao câmbio nominal). Os EUA estão em segundo lugar, seguidos por Índia (em terceiro), Rússia (em quarto), Japão (quinto), Alemanha (sexto), Brasil (sétimo), Indonésia (oitavo), França (nono) e Reino-Unido (décimo). Em suma: os Brics são muito maiores do que o G-7. E isso incomoda. Muito. Envelhecer e perder a força e a capacidade de se impor sobre os outros não é muito bom. Especialmente quando (narcísica e neuroticamente) acreditávamos que nossa força, potência e poder era um desdobramento de nossas virtudes e dos defeitos alheios. Quando um outro valor mais alto se alevanta, ao contrário do que pretende Camões, o “normal-neurótico” não é nos calarmos. Mas pretender que os novos líderes, os novos hegêmonas, os jovens titãs, estão mancomunados com o diabo. E lá vai satanização de Putin, Xi, Modi, Lula, dentre outros. Não se trata de pretender que o quarteto em si e por si dos BRICS sejam santos ou anjos. Trata-se apenas de reconhecer que anjos e santos – com a graça dos bons deuses, das boas deusas e d@s excelent@s deus@s – estão pra lá de escassos no mundo atual. Que o digam Trump, Bolsonaro, Von der Leyen, Zelensky, Starmer, Biden, Netanyahu e seus inúmeros amigos. Todos eles adeptos da tese de que “uma guerrinha não dói”. O problema que nos interessa aqui, contudo, não diz respeito diretamente à dinâmica econômica dos países emergentes e decadentes. Mas, isto sim, à forma como a intelligentsia em geral – e a mídia, em particular - analisa, interpreta e difunde uma certa leitura deste processo de revolução na hierarquia das nações. Como regra geral, os países do ocidente em processo de decadência acusam os países emergentes de “práticas econômicas perversas e desumanas”. Toda a mídia europeia e norte-americana produz catilinárias contra os “oligarcas russos”, a superexploração do trabalho na China, a estrutura de castas da Índia, o machismo e a subordinação das mulheres nos países muçulmanos, o terrorismo islâmico, a ausência de liberdade de expressão nas novas potências econômicas internacionais. Escorre sangue e lágrima das páginas dos jornais ocidentais, chocados com a barbárie dos hunos, mongóis, árabes e turcos que assediam o bom, probo, iluminista e cristão ocidente. A reação da periferia é clara. E busca demonstrar – o que, aliás, não é nada difícil – que a mídia ocidental é uma grande farsa. A matéria do New York Times sobre os estupros em massa das mulheres no 7 de outubro é uma vergonha. O tratamento dado pelos jornais ocidentais à Guerra da Ucrânia só não é de chorar, porque é ridículo. A seletividade com que é tratada a condição feminina no Irã (xiita e terrorista, aliado do Hamas e do Hezbollah) e na Arábia Saudita (aliada dos EUA e complacente com Israel) é de gargalhar. E a imprensa periférica denuncia e se revolta. E conquista, cada vez mais, corações e mentes no Ocidente. A ponto de preocupar – e muito – veículos como a BBC. Menos no Brasil. Em nossa terra, não há só palmeiras e sabiás. Somos a terra da jabuticaba. Onde a imprensa incensa o entreguismo, a subserviência e a derrota e desfaz de toda e qualquer conquista. É NÓIS! Não me perguntem o santo, pliss, não me lembro e não vou pesquisar. Conto apenas o milagre. De uma certa feita, um cronista e jornalista brasileiro resolveu investigar por que um país com uma literatura tão vasta e tão expressiva – de Machado de Assis a Guimarães Rosa, passando por Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, Clarisse Lispector, Carlos Drumond de Andrade, Luiz Fernando Carvalho, Chico Buarque (lembrem-se de Bob Dylan!)) dentre outros – nunca conquistou um Nobel em Literatura. A resposta obtida a partir de entrevistas a um grande número de literatos que participaram da eleição dos nobelizados em distintos anos é muito esclarecedora: porque cada vez que emerge um nome brasileiro para a nominata, emergem duzentos críticos brasileiros que se contrapõem à premiação “demonstrando” que o indicado não é merecedor de prêmio algum. É NÓIS! A gente não semu movidu apenas a carnaval e cordialidade. A gente também semu movidu por ódio e inveja! Não se trata de um ódio universal. Não. De forma alguma. É óbvio que Fernando Pessoa, Honoré du Balzac, James Joyce, Marcel Proust e Gore Vidal são magníficos. Afinal, são estrangeiros. O ódio e a inveja são concentrados e direcionados ao conterrâneo, ao vizinho. Especialmente se ele vem de baixo. Se ele invadiu a praia errada. Lula invadiu a praia errada. Não importa se ele é incensado mundo afora pelos maiores líderes políticos e estadistas do planeta. Não importa se Biden e Putin, Xi e Von der Leyen, Sholz e Macron o têm em grande conta. Para a intelligentsia nacional, ele saiu de Garanhuns. Mas Garanhuns nunca saiu dele. Ele não tem o refinamento e o berço necessário para ser presidente. De forma que, não interessa se ele é o Presidente em exercício, não interessa se ele acaba de sair de uma cirurgia, não interessa se a economia brasileira cresceu 3,3% em 2023 e deve crescer 3,5% em 2024, não interessa se a taxa de desemprego atual é a mais baixa da série histórica com informações comparáveis. O que importa é que ele só cursou até a quinta série primária, não tem um dos dedos da mão, comete erros de concordância, foi operário e chegou aonde não deveria ter chegado e onde não deveria estar. E uma pessoa dessa “qualidade” tem que ser monitorada em tudo o que diz e fala. A Globo, ao fazer a intervenção que fez em sua fala, durante sua entrevista, não faz mais do que proteger a boa formação e informação popular. O que ele diz tem que ser avaliado, o tempo todo, e criticado, o tempo todo, por aqueles que sabem, os que nasceram no lugar certo: na Casa Grande. Há uma velha piada. Com certeza, todos conhecem. Mas me dou ao direito de contá-la novamente. Reza a lenda que, quando Deus fez o mundo, ele distribui as benesses e intempéries igualmente. Onde havia abundância de recursos minerais, ele também criava desertos, tundras, geleiras, escarpas e vulcões. Onde havia abundância de alimentos, ele colocava feras, víboras, animais peçonhentos. Onde havia abundância de recursos hídricos, ele colocava terremotos, maremotos e tsunamis. Menos num local: aquele que viria a ser o Brasil. Aqui não haveria terremotos ou vulcões. Não haveria feras terríveis. As terras seriam férteis. Não haveria desertos, geleiras, tsunamis, maremotos ou vulcões. Preocupados com a desigualdade na distribuição de benesses e recursos, os anjos perguntaram: Mas porque tantos privilégios para um lugar só. E Deus respondeu: Quando vocês virem a gentinha que eu vou colocar lá, vocês vão entender.  Pois é. Parece que o criador cumpriu a ameaça. Essa é a nossa sina.     *Carlos Águedo Paiva é Economista, Doutor em Economia e Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica. Ilustração de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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O Pampa não pode ficar só na memória

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O Pampa não pode ficar só na memória
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Por SÍLVIA MARCUZZO* Qual é a paisagem que vem a sua mente quando pensa em Rio Grande do Sul? Para mim, que nasci no meio do Estado, logo me lembro das coxilhas, daquele cheirinho de carqueja invadindo minhas narinas. Daquelas paisagens com diferentes tonalidades de verde e um horizonte a perder de vista. Meu recanto sagrado de carregar as baterias por muito tempo foi no encontro de duas coxilhas, numa matinha ciliar onde uma pequena queda d’água proporciona uma espécie de altar de contemplação à natureza. A água nasce a poucos metros de onde ela cai. Remeto minha memória para esse cenário quando preciso dar uma equilibrada. Todo mundo que tem experiências em lugares como esse pode não saber conscientemente do seu poder simbólico no nosso imaginário. Essa identificação com o campo é tão forte, que talvez seja isso que mova tantos gaúchos e seus descendentes a transformarem ambientes naturais do Cerrado e da Amazônia em campo para criar gado ou plantar. É uma suspeita. Afinal, boa parte dos desmatadores tem origem sulista. Também pode ser que seja essa aura pampeana que faça tanta gente achar que a cultura do ginete, do tiro de laço, das cavalgadas, entre outras atividades, seja uma tradição que mereça ser cultivada em outros pagos. Há muitas possibilidades que merecem ser pesquisadas para entendermos a nossa relação com esse ambiente que se traduz de diversas formas na nossa cultura. No dia 17 de dezembro, comemora-se o Dia Nacional do Pampa. Pois esse dia foi escolhido por ser a data de nascimento de José Lutzenberger. O Lutz também comemorava essa data com festa de aniversário no Rincão Gaia. Lembro que fui algumas vezes com o inesquecível Augusto Carneiro à celebração. Aquele espaço era um desbunde no tempo em que o Lutz era vivo. Tinha uma coleção de espécies de cactos, suculentas e plantas carnívoras de deixar muito apreciador de jardim botânico de queixo caído. Ainda hoje é um lugar maravilhoso para se conhecer. A área do Rincão fica em Rio Pardo, a 120km da Capital. Lá dá para sentir o vento, enxergar o horizonte e as coxilhas desse estimado bioma, que nós, gaúchos, temos o privilégio de desfrutar com exclusividade no Brasil. Só que, apesar de ser o cenário de tantas histórias, de costumes e da cultura perpetuada principalmente em Centros de Tradição Gaúcha (CTGs), o Pampa vem sendo muito mal tratado. Nosso querido e tão aclamado bioma, cantado em versos em tantas músicas e poemas, tem deixado cientistas preocupados. Como ele é formado por ecossistemas distintos, em um Estado densamente ocupado por etnias de vários lugares, onde os descendentes de europeus se acham os descobridores, boa parte do nosso Pampa foi destruído antes mesmo de ser estudado. E a cada ano, novas descobertas são realizadas. No dia 17, o Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre da UFRGS divulgou um estudo que aponta um dado inédito: em um metro quadrado de campo nativo em Jaguarão foram encontradas 64 espécies de plantas. Esse número é algo impressionante, pois em nenhum outro bioma (no Brasil são seis: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa) se encontrou tamanha diversidade! Antes, já tinham encontrado 50 espécies diferentes e já era um achado. Tudo isso denota o quanto ainda precisamos pesquisar, estudar e valorizar esse ambiente que é o menos protegido do Brasil. Mais especificamente por porções de terras protegidas chamadas tecnicamente de Unidades de Conservação (UCs). Não temos um parque nacional, um parque público aberto à visitação com um mínimo de infraestrutura para cumprir suas funções de pesquisa, educação ambiental e entretenimento no Estado. Creio que a maior parte do pessoal que mora no Pampa não tem a menor noção do que a situação dele significa. Pior: acha que pode fazer qualquer coisa, já que “não há desmatamento” e dá para plantar qualquer coisa, de árvore a braquiária. O correto, pela Ciência, é se referir à destruição desse tipo de ambiente como supressão da vegetação campestre. Perdas para todos, ganhos para quem? A porção brasileira do Pampa já perdeu 28% da sua vegetação nativa entre 1985 e 2023, de acordo com os dados mais recentes da Coleção 4 do MapBiomas Pampa Trinacional. O trabalho monitora o uso e a cobertura da terra do bioma no Brasil, Argentina e Uruguai (bem onde se configura a formação da cultura gaudéria). Foi a maior taxa de perda de biodiversidade na comparação entre os três países nesse período.  Proporcionalmente ao seu tamanho, o Pampa brasileiro também foi o que mais perdeu vegetação nativa entre todos os biomas brasileiros desde 1985. A conversão foi impulsionada principalmente pela expansão do cultivo de soja e pelo crescimento da silvicultura, leia-se, cultivo de pinus e eucalipto, principalmente. O impacto ambiental da silvicultura é maior justamente nas regiões com campos nativos: no bioma Pampa e nos Campos de Altitude, um ecossistema associado à Mata Atlântica. Leia a reportagem que fiz sobre a flexibilização da legislação. Isso sem considerar as milhares de viagens de carretas que transitam com toras de madeira diariamente nas famigeradas estradas gaúchas. O crescimento exponencial das áreas de silvicultura aumentou 1600% em 39 anos, passando de 44 mil hectares em 1985 para 773 mil hectares em 2023. Nos últimos dez anos, a perda da vegetação nativa do Pampa tem aumentado muito e deverá continuar ainda mais com a ampliação da produção de celulose da CMPC. Há vários fatores que podem estar nos influenciando no distanciamento dessa riqueza, inclusive de valor intangível, de tudo que o Pampa representa. Arrisco escrever algumas: muitas narrativas mentirosas têm sido espalhadas para que o mercado faça o que bem quiser para exportar matérias-primas produzidas no Pampa (aliás, nem só nesse bioma, né?); a ausência de governança e estratégias de desenvolvimento sobre o uso da água, no manejo do solo etc.; a ideia de que campo é menos importante que floresta; o aumento do preço pago a culturas de curto prazo, como a soja, que vai virar algum insumo para alimentar bichos; a desvalorização da vida no campo etc. Enfim, há muitas outras hipóteses. Para ter uma ideia do quanto estamos descuidando do nosso ambiente, o Rio Grande do Sul, que já foi berço da legislação de proteção ambiental, onde foi criado o primeiro comitê de bacia hidrográfica do País, hoje é o estado mais atrasado na condução do Cadastro Ambiental Rural e dos Programas de Regularização Ambiental.  Será que isso tem a ver com a vontade política do governo do Estado? Saiba mais O Pampa dispõe de 10 sistemas ecológicos (tipos diferentes de paisagens regionais com variações na vegetação nativa), sendo nove campestres e um florestal. A Rede de Campos Sulinos tem feito um trabalho de conscientização sobre a necessidade de preservação do campo nativo. Clique aqui para conferir um dos meus primeiros textos aqui na Sler que foi justamente sobre a Coalizão pelo Pampa, em 2022.  Publicado originalmente em  Sler. *Sílvia Marcuzzo é Jornalista e artivista. Foto de capa: Fabio Olmos. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia. 

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Só um escândalo pode parar farra orçamentária

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Só um escândalo pode parar farra orçamentária
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Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã Brasília Ao final deste ano, o governo terá liberado algo em torno de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares ao orçamento. Tentativas de segurar essa farra orçamentária foram contidas. O Congresso desidratou a regra que permitiria ao governo fazer bloqueio de parte dessas emendas no ano que vem. Boa parte das restrições que o Supremo Tribunal Federal (STF) impunha foram ignoradas nas liberações feitas nos últimos dias para aprovar o pacote de corte de gastos: mais de R$ 7 bilhões. A tendência é que o ano de 2025 acabe com uma liberação de emendas ainda mais alta que a deste ano. A única coisa que talvez consiga segurar esse guloso apetite dos parlamentares pelo dinheiro público que repassam com emendas é um grande escândalo. Overclean É o que já se vê no curso da Operação Overclean, da Polícia Federal. Diversas irregularidades em repasses para o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). A partir de emendas parlamentares. Em vários estados do país, mas especialmente na Bahia. União Uma possibilidade que se ensaia é que detalhes apareçam como resultado da grossa briga no União Brasil. Este ano, ela foi parar nas páginas policiais, após um incêndio na casa do presidente do partido, Antônio Rueda, que ele atribuiu ao antigo presidente, Luciano Bivar. Bivar diz que escândalo envolve a cúpula do União Luciano Bivar detona a cúpula do União Brasil | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil   Bivar não se conforma com a forma como foi defenestrado da presidência do União Brasil. O partido é resultado da fusão do PSL, ex-partido de Jair Bolsonaro, que ele presidia, com o DEM. Bivar inicialmente ficou presidindo a nova sigla. Até a articulação que colocou no comando Rueda, apoiada por nomes como o ex-prefeito de Salvador ACM Neto. Agora, Bivar afirma que a nova cúpula do União está totalmente vinculada ao escândalo. Que envolve também um empresário, Marcos Moura, conhecido pelo no mínimo curioso epíteto de "Rei do Lixo". O neto de Antonio Carlos Magalhães nega qualquer envolvimento. Outros casos O escândalo agora investigado não é o único envolvendo emendas. Um caso, inclusive, envolve um ministro, Juscelino Filho, que já foi, inclusive, indiciado. Outro envolve os deputados - Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE). Crime Pelo menos, em contrapartida, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, em caráter terminativo, na quarta-feira (18), projeto do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que aumenta a pena por desvios de recursos na saúde, educação e seguridade. Covid "Como eu acompanhei na pandemia de covid-19, foram bilhões e bilhões desviados na área de saúde", afirma Vanderlan. "Toda área é prioritária, mas principalmente saúde, educação e assistência social é onde o pessoal mais age, aqueles que cometem esses crimes". Desvios Segundo o Instituto Ética Saúde, cerca de R$ 15 bilhões foram desviados na saúde pública nos últimos anos. Boa parte desses recursos oriundos de emendas. Escondidas. Nada transparentes. E liberadas em valores cada vez mais altos. Numa escala perigosa.   *Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade Publicado originalmente publicado no Correio da Manhã Foto de capa: Recursos foram desviados do DNOCS |  Governo federal necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Cultura

Programas – de 19 a 27 de dezembro

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Programas – de 19 a 27 de dezembro
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* O ex-Ministro da Defesa de Israel, Moshe Ya’alon, denunciando o primeiro ministro Benjamin Netanyahu de praticar limpeza étnica na Faixa de Gaza e cometer crimes de guerra na região. Ya’alon reforça a decisão do Tribunal Penal Internacional de punir o governante de Israel e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, e afirmou em entrevista à mídia israelense que a linha dura do gabinete de extrema-direita de Netanyahu tenta expulsar os palestinos do norte de Gaza para ali restabelecer assentamentos judaicos. ”Sou obrigado a alertar sobre o que está acontecendo lá e que está sendo escondido de nós”, disse Ya’alon à emissora pública Kan, domingo passado. “No final das contas, crimes de guerra estão sendo cometidos”. Sábado, dia 21, grande manifestação convocada para as 14 horas, na Times Square – Rua 42 e Broadway com o grito de Palestina Livre! Embargo de Armas Agora! Leitura para feriadão: A música do fim do mundo, de Maurício Ayer, analisando o cinema de Marguerite Duras, tem como subtítulo, Orquestrações de Literatura, Teatro e Cinema. Trata-se de “uma das mais inovadoras e enigmáticas obras de Marguerite Duras, India Song, analisada em detalhes”, explica a apresentação da obra. Os temas: “O amor e o desejo levados ao paroxismo da loucura; a múltipla e voraz sexualidade feminina; a morte e o crime e seus inabordáveis sentidos; a podridão do poder colonial e a decadência do Ocidente e a inegável morte de um mundo sem que outro pareça despontar no horizonte”. O autor foi curador da mostra de cinema Marguerite Duras: escrever imagens, no Rio de Janeiro, em 2009, e co-organizador de A música do fim do mundo, Colóquio Internacional Centenário de Marguerite Duras, em São Paulo, de 2014. (Ed. Alameda) Mais uma vez candidato a receber prêmio internacional importante, Ainda Estou Aqui acaba de ser indicado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Espanha aos Prêmios Goya, a maior premiação do cinema espanhol. Detalhe: se fosse vivo, no próximo dia 26, Rubens Paiva, ex-deputado cassado e morto durante sessão de tortura dentro de um quartel do exército, no centro do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, faria 94 anos. Imagens do Exílio: Fragmentos de Memória é como se intitula a original exposição de 41 fotos que o cineasta Silvio Tendler, então com 20 anos de idade, produziu no Chile de Allende. No Sesc Copacabana, até o fim de fevereiro, com entrada gratuita, ela é comentada pelos atores Beth Goulart, Eduardo Tornaghi e Júlia Lemmertz. Acompanhando a viagem através das imagens, há música de fundo, poesia, efeitos sonoros e trechos de lembranças de Tendler e de outros exilados, discursos e entrevistas concedidos por Salvador Allende, reportagens de época e documentos da Casa Branca. Na última semana, outra comemoração: a do aniversário de 40 anos da realização do documentário de Tendler, Jango, na Casa de Rui Barbosa. Na mesma ocasião, foi festejado o aniversário do saxofonista Nivaldo Ornellas e os 80 anos de Wagner Tiso. A Academia Brasileira de Cinema abriu inscrições para o Premio Grande Otelo 2025. Vale apresentar séries e filmes lançados entre 01 de janeiro de 2023 e 30 de abril de 2024, até o próximo dia 28 de fevereiro. A premiação se estende por 30 longas-metragens, curtas, séries e melhor filme escolhido por Júri Popular. Regulamento para inscrições no email mailto:producaogp@academiabrasileiradecinema.com.br. Volume comparando a ação política coletiva da França e do Brasil, e uma chave para entender o destino desses dois países tão diversos. O título do livro é Mundialização neoliberal – Mudanças Políticas e Contestações Sociais. Os organizadores são Paul Bouffartigue e Armando Boito, e Sophie Beroud e Andreia Galvão. (Ed. Alameda) Bom programa de fim de semana. Assistir (ou rever) O Processo, excelente documentário de Maria Augusta Ramos que relembra a crise política de 2016, o golpe de impeachment armado contra a Presidente Dilma Rousseff e o consequente colapso das instituições democráticas do Brasil, na época. A presidente foi afastada no dia 31 de agosto daquele ano, três meses depois do processo para derrubá-la começar a tramitar no Senado. Lembrando que o resultado da votação em plenário foi de 61 votos de ilustres senadores a favor do afastamento da Presidente. Vinte foram contra. Religião, política e economia não se misturam? Indaga o texto de apresentação do livro O Partido da Fé Capitalista – Imperialismo Religioso e Dominação de Classe no Brasil, do historiador Rodrigo de Sá Netto. A obra, da DaVinci Livros, acaba de ser lançada em noite de debates do historiador com a colega Virgínia Fontes, também historiadora, na livraria DaVinci, no Rio. Atualmente, Sá Netto pesquisa o imperialismo estadunidense e suas conexões com organizações religiosas conservadoras daquele país; “uma história vastamente documentada sobre as organizações, as estratégias e as ideias que legitimam a dominação de classe através da religião”. Livro Ecossocialismo: para que e porquê acaba de ser lançado na livraria Cirkula, em Porto Alegre. Organizado pela jornalista e socióloga Naia Oliveira, do grupo Rede Brasileira de Ecossocialistas, e com textos de dez militantes, acadêmicos e lideranças políticas, desenvolve temas como racismo ambiental, eco-feminismo, impactos do agronegócio e urbanismo e democracia. O prefácio é do engenheiro e cientista social Cesar Luciano Filomena. Depois de 16 anos do filme O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer, ser indicado para Melhor Filme Internacional do Oscar, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, entrou para a lista oficial de semifinalistas divulgada esta semana. Concorre com 14 filmes pré-selecionados. Autor do livro O Oráculo da Noite, (Cia das Letras, 2019) e cofundador do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, neurocientista Sidarta Ribeiro, é personagem de destaque especial neste fim de ano, como principal âncora da série de cinco episódios, A História de uma Planta, iniciada domingo passado e em exibição do GNT. Nesse documentário, o tema é o debate cada vez mais frequente sobre o uso do canabidiol, medicamento anti-inflamatório, ansiolítico, anticonvulsivante e antitumoral, entre outras funções, originado da cannabis e sem qualquer relação com os efeitos recreativos originados pelo THC (tetra-hidrocanabinol), a substância responsável pelo ‘barato’ da planta. O CBD já é comercializado em várias formas: óleos, extratos, cápsulas, adesivos e outros modos de preparação para uso na pele. Lembrar que o Brasil se destaca na pesquisa com psicodélicos, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Em 2025, o Dia de Martin Luther King será 20 de janeiro – a terceira segunda-feira desse mês. Grandes manifestações populares estão agendadas para defender direitos civis, como de costume, mas também direitos LGBTQ, direitos de imigrantes, de professores, acesso à saúde e fortalecimento de sindicatos. Uma frente se forma para resistir à administração Trump a se iniciar naquele dia, declaram os trabalhadores, com seus direitos sob ataque. Justiça, dignidade e igualdade para todos, é o seu lema. Concentração às 13 horas no Washington Park, de Nova Iorque. Expectativa: chega às telonas, dia 16 de janeiro, o documentário Luiz Melodia – No Coração do Brasil, de Alessandra Dorgan. Conhecido como o “poeta do Estácio”, os versos de suas canções se inserem na poesia informal dos anos 70. O programa para domingo, dia 22, é assistir, na TV Cultura, o excelente filme A Última Floresta, com Davi Kopenawa Yanomami. Às 22h45. Em 12 de janeiro, entra em cartaz nos cinemas o filme representante da Coreia do Sul no Oscar 2025. Chama-se 12.12: O Dia, retrata o golpe militar de 1979 naquele país e faz pensar a recente Lei Marcial decretada (e logo cancelada) há menos de um mês pelo presidente coreano e a tentativa de autogolpe em Seul. *Léa Maria Aarão Reis é jornalista. Ilustração de capa: Marcos Diniz Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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