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Sopa de letrinhas (1)
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Por SOLON SALDANHA*
Encontrar alguém que conheça a história da formação, a genealogia, dos partidos políticos brasileiros é achar uma ave rara, destas que só existem mesmo na mitologia. Tivemos, ao longo da nossa história, o surgimento de siglas que não representam ideologia alguma; partidos diferentes que foram fundados por um mesmo grupo político – para dar a impressão de que eram alternativas distintas –; fusões entre legendas que nada tinham em comum umas com as outras; registros sendo cassados; e ainda, nos últimos tempos, alguns que foram fundados apenas com o objetivo de receber recursos do fundo partidário. Mas, nesse emaranhado, vamos ver se é possível acrescentar alguma luz, desatar parte desses nós, a partir de uma pesquisa.
Tomando como partida o ano de 1945, quando foi reaberto o Congresso Nacional depois de oito anos fechado, em função do Estado Novo, três partidos foram criados. Getúlio Vargas e seus aliados foram os pais, ao mesmo tempo, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Social Democrático (PSD). Desejavam ser os únicos na disputa dos votos, mas os opositores fundaram a União Democrática Nacional (UDN). Existia ainda o Partido Comunista do Brasil, na informalidade desde 1922. Este pode ser legalizado também em 1945, mas durou apenas dois anos antes de ser cassado.
Como sempre foi comum por aqui, a oposição não consegue se unir de modo algum. Assim, com apenas um ano de existência surgiram na UDN dissidências: são de 1946 a Esquerda Democrática (ED) e o Partido Social Progressista (PSP). E em 1947 a ED mudou de nome, virando o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Esse quadro perdura até 1964, mas existiram outras siglas nanicas que pouco ou nada representavam de efetivo. Com o golpe de 1964 e acreditando que tinham o apoio da maior parte da população, os militares permitiram que as eleições marcadas para 1965, quando seriam escolhidos governadores, acontecessem. Só que o resultado não foi o esperado por eles, que amargaram derrotas. A resposta foi o Ato Institucional nº 2, fechando todos os partidos, sem exceção.
Depois disso incentivaram a criação de apenas dois, para fazer de conta que existia algum tipo de democracia no país. Para dar apoio formal aos golpistas surgiu a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia em sua maioria ex-integrantes da UDN e do PSD. E a oposição consentida coube ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que foi integrado por membros do PTB e de uma pequena parcela do PSD. A legislação, a bem da verdade, admitia que outros fossem criados, mas exigia como pré-requisito ter o grupo interessado 20 senadores e 120 deputados federais, o que tornava impossível qualquer pretensão.
Outra situação esdrúxula é que governadores e prefeitos de todas as grandes cidades eram indicados, não ocorrendo eleição. E o “presidente” da República, que de fato era um ditador em rodízio, ela referendado por um “Colégio Eleitoral” depois de escolhido dentro das Forças Armadas. Com este quadro, os militares faziam vistas grossas e até entendiam ser importante que o MDB tivesse lideranças ótimas nos discursos, desde que pífias em ações efetivas, ao melhor estilo de Pedro Simon e Paulo Brossard de Souza Pinto, para citar os gaúchos.
Sintetizando, o bipartidarismo perdurou até 1979, quando aprovaram uma emenda à Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Ela extinguiu os dois existentes e permitiu a criação de novos. A Arena se transformou em Partido Democrático Social (PDS) e o MDB virou Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Mas, esse último, que era um imenso guarda-chuva de tendências, cedeu quadros que se somaram a pessoas que antes não estavam militando diretamente. Assim, renasceu o PTB, mas sem os antigos trabalhistas, numa manobra bem sucedida urdida por Golbery do Couto e Silva – estrategista maquiavélico dos interesses dos militares –; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que então de fato representava os herdeiros de Getúlio Vargas e Leonel Brizola; e o Partido dos Trabalhadores (PT).
Em 1984 ocorre um racha dentro do PDS, quando uma ala ainda mais fisiológica do que o padrão da sigla – sempre acostumada com benesses infinitas do poder – se afastou. Esses, no ano seguinte, fundaram o Partido da Frente Liberal (PFL). Também em 1985 ocorreu a eleição de um presidente civil, com Tancredo Neves vencendo Paulo Maluf, mesmo que ainda dentro do famigerado “Colégio Eleitoral”. Em tese chegava ao fim a ditadura militar, mesmo que o vencedor nunca tenha assumido o cargo, pois faleceu antes da posse.
Agora, a explosão da “sopa de letrinhas”, como estou chamando este artigo, de fato foi deflagrada em 1987 e em 1988. No primeiro ano foram registradas nove novas agremiações políticas e no segundo, quando se teve também promulgada a Constituição, outras quatro. Na primeira leva tivemos o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido da Juventude (PJ), o Partido Social Cristão (PSC), o Partido Liberal (PL), o Partido Trabalhista Republicano (PTR), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). No segundo, surgiram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que foi uma dissidência do PMDB, o Partido Verde (PV), o Partido Republicano Progressista (PRP) e o Partido da Mobilização Nacional (PMN).
Agora, em 2024, temos nada menos do que 29 partidos políticos que o Tribunal Superior Eleitoral confirma estarem totalmente regulares. Outros dez pedidos de registro estão em análise. E são incontáveis as negativas nas últimas décadas. Não passaram absurdos como Partido Nacional Corinthiano (PNC), Partido Pirata (PP), Partido da Construção Imperial (PCI) e Partido Militar Brasileiro (PMB), entre outros. Se voltarmos bem mais atrás no tempo, encontraremos alguns que existiram de fato e que parecem ficção e não história. Como o Partido Português, cujo objetivo era tornar o Brasil outra vez uma colônia de Portugal; o Partido Liberal Exaltado – os membros eram conhecidos como jurujubas –; e o Partido Liberal Radical.
Em um próximo texto voltaremos a explicar como surgiram as legendas que disputaram nossos votos nas eleições municipais do último mês de outubro. Ou seja, a linha do tempo terá prosseguimento partindo de 1989. E, podem acreditar, as coisas ficarão muito mais confusas.
*Solon Saldanha é jornalista e blogueiro.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Foto: Divulgação
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