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Opinião

Bento Gonçalves não recusou o apoio dos baianos

Bento Gonçalves não recusou o apoio dos baianos

Artigo por RED
08/04/2023 05:30 • Atualizado em 09/04/2023 20:25
Bento Gonçalves não recusou o apoio dos baianos

De LUIZ CLAUDIO KNIERIM*

Uma das raízes dos discursos de ódio contra “os lá de cima”, cariocas, nordestinos e baianos, proferidos a todo momento, principalmente nas redes sociais e em tribunas das câmaras de vereadores riograndenses, está alicerçada numa falsa narrativa historiográfica de que a Revolução Farroupilha foi uma Guerra dos Gaúchos contra o resto do Brasil. Essa fantasia maniqueísta difundida principalmente por tradicionalistas nas comemorações do 20 de setembro não tem a mínima sustentação frente aos fatos e a realidade desse período histórico.

Para início de conversa, os Farroupilhas, principalmente as suas lideranças, não eram gaúchos. O Gaúcho, nessa oportunidade, não passava de uma classe social constituída totalmente de excluídos e marginalizados da sociedade. É necessário ressaltar o que as pessoas não sabem. Muitos Farroupilhas que lutaram na revolução não eram nem rio- grandenses ou continentinos, como se auto-definiam na época. Alguns eram cariocas como João Manuel e Mariano de Matos. Os mineiros Domingos José de Almeida e Marciano Ribeiro foram importantes lideranças do movimento; além dos estrangeiros Rosseti, Zambecari e Garibaldi, revolucionários italianos, José Ruedas, um uruguaio, John Grigs, um estadunidense, etc.

Vamos fazer uma contextualização do período. Dom Pedro começa a ter problemas com as elites locais na Côrte do Rio de Janeiro. Havia crise econômica impulsionada pela alta nos impostos e insatisfação política com a monarquia. Nessa conjuntura, os Liberais Exaltados fundam o Partido Farroupilha. Criado no Rio de Janeiro por volta de 1831, seu principal inspirador foi Cipriano Barata, um baiano que foi o criador do jornal Sentinela da Liberdade, editado por muitos anos de dentro da prisão. Todos os Liberais Exaltados, rebeldes contra a monarquia, eram deportados para outras províncias. Foi dessa forma que chegou aqui o carioca Tenente Alpoim. Em 1832, ele reuniu liberais exaltados de tendência radical jacobina e fundou o Partido Farroupilha no Rio grande do Sul.

Então, temos que compreender que a Revolução Farroupilha foi um movimento político com um programa abertamente republicano, abolicionista e federalista e com articulações e relações nacionais e internacionais. Portanto, os pensadores e os militares estrangeiros que estiveram envolvidos com essa revolta sulina eram militantes desse movimento liberal revolucionário engajados nessas causas e nessas lutas pelo mundo. Não eram turistas que visitavam Gramado ou a Serra Gaúcha.

O livro Farrapos & Sabinos (2011) do pesquisador Euclides Torres coloca em xeque algumas verdades assentadas nessa historiografia tradicional. Todas as revoltas que ocorreram no Brasil no século XIX não eram meros surtos revolucionários localizados nas províncias. Havia entre elas ideais e sentimentos comuns e, muitas vezes, conexões objetivas, como ocorreu entre os riograndenses da Revolução Farroupilha e os baianos da Sabinada. Se soubéssemos o que nos revela Euclides Torres não reproduziríamos esses discursos racistas e de xenofobia contra os brasileiros dos outros Estados.

A Sabinada foi uma revolta que aconteceu na província da Bahia entre os anos de 1837 e 1838, durante um período histórico de insurgências e disseminação de ideais libertários e republicanos em todo Brasil. O nome do movimento se deve a seu líder, Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, um médico, jornalista e revolucionário federalista. Dezenas de baianos republicanos derrotados em Salvador escaparam da repressão e barbárie promovida pelo Exército Imperial e refugiaram-se no Rio Grande do Sul. Muitos militares do Exército Imperial que não aceitaram as ordens para queimar as casas dos revoltosos de Salvador, como castigo, foram designados para servir o Exército no Rio Grande do Sul. Aqui chegando, muitos desses desertaram, mas outros se aliaram ao Exército Republicano Farroupilha.

Entre os baianos influentes na organização da Sabinada está o tenente-coronel Francisco José da Rocha, que articulou a fuga de Bento Gonçalves quando o líder farroupilha riograndense esteve preso em Salvador. Ele escondeu Bento Gonçalves em sua casa até a véspera do embarque para o Sul. O Coronel Rocha participou de vários episódios da Revolução Farroupilha, sendo nomeado Comandante do 2⁰ Batalhão de Caçadores do Exército Farroupilha e Chefe Geral da Polícia.

Manoel Gomes Pereira, ourives que financiou a fuga de Bento Gonçalves da prisão no Forte do Mar, assim que ocorreu a derrota da República Bahiense pelo Exército Imperial, foi acolhido pelo governo dos rebeldes farroupilhas do Sul. Chegou a ser promovido ao posto de coronel e ocupou cargos importantes na República Riograndense.

Outros militares baianos envolvidos na Sabinada, e que, em 1839, foram transferidos para a fronteira no Sul, aderiram ao exército Farroupilha. São eles: João Rebelo de Matos, Bento José Raízes, José Pinto Ribeiro, João Francisco Régis, João Rio Ferreira e Daniel Gomes de Freitas, que foi o Ministro da Guerra na Sabinada e mais tarde exerceu funções exponenciais na Revolução Farroupilha, inclusive para a rendição e assinatura do acordo de pacificação dos revoltosos riograndenses.

O relatório de Manoel Gomes Pereira enumera entre os Farroupilhas riograndenses mais de 150 baianos dissidentes da Sabinada e outros 80 oriundos da Cabanagem, revolta ocorrida na província do Pará. Esses baianos que se empenharam pela causa republicana riogransense, especificamente, foram recebidos com simpatia pelos riograndenses.

“Vieram ajudar-nos porque a nossa causa é a mesma dos homens livres daquela Província e são dignos de toda a consideração porque se evadiram da prepotência do tirânico governo do Brasil”, assim está escrito no jornal O Povo de 7 de novembro de 1838. A incorporação dos baianos foi imediata, sendo ordenada a quantia necessária de recursos para a confecção dos uniformes militares dos irmãos baianos. Depois de derrotada a Revolução Farroupilha, muitos desses baianos foram anistiados pela Monarquia e casaram, deixando muitos descendentes de baianos nas terras gaúchas.

Quem sabe um dia, quando os riograndenses tomarem conhecimento desses e outros fatos históricos, eles abandonem esses discursos de xenofobia e ódio contra os outros brasileiros e percebam que “todas as culturas estão envolvidas entre si, nenhuma delas é única e pura, todas são híbridas, heterogêneas” como destaca Peter Burke em seu livro Hibridismo Cultural (2003), citando Edward Said. A cultura gaúcha é uma cultura híbrida. É uma espécie de “caldeirão cultural”, que misturou e “fundiu” elementos diferentes de culturas heterogêneas. O dia que percebermos isso, também vamos nos dar conta de que o Rio Grande do Sul não se resume ao gauchismo, e que ele está crivado de diversidade cultural e brasilidade.


*Professor de História.

Imagem: Uma Batalha da Guerra dos Farrapos – Tela de José Wasth Rodrigues (1937) – Pinacoteca municipal de São Paulo.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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