Opinião
Presentes em joias, a ponta de um imenso iceberg
Presentes em joias, a ponta de um imenso iceberg
De BENEDITO TADEU CÉSAR*
Os presentes do ditador saudita ao ex-presidente Bolsonaro são 275 vezes mais caros do que a soma de todos os demais presentes por ele recebidos.
Acostumado aos “pequenos” desvios de recursos públicos (verbas de gabinete, passagens, auxílio-moradia usado para “comer mulheres”, rachadinhas) durante sua vida parlamentar, Jair Messias Bolsonaro, além de iniciar e qualificar toda a família nas mesmas práticas (esposa, ex-esposas e filhos), parece, de acordo com investigações em curso, que manteve e aprofundou a prática durante sua estada no Palácio do Planalto.
Cartões corporativos para pagar despesas com motociatas, saques em dinheiro na conta corrente de “amiga da primeira-dama”, sumiço de móveis e apropriação das moedas jogadas no lago do Palácio da Alvorada com morte das carpas presenteadas pelo imperador japonês. Agora, a descoberta de que presentes em joias da grife Chopard, valendo 3 milhões de euros, ou 16,5 milhões de reais ao câmbio de hoje, doados pelo ditador da Arábia Saudita, foram desencaminhados da alfândega e não tombados como patrimônio da União, conforme determina a legislação vigente.
A prática envolveu vários escalões da República. O então ministro de Minas e Energia, Almirante de Esquadra Bento de Albuquerque Júnior, foi o recebedor dos presentes em uma das 151 viagens oficiais realizadas à Arábia Saudita por integrantes do governo Bolsonaro durante os quatro anos de seu mandato, segundo levantamento do jornal Brasil de Fato, utilizando dados do Portal da Transparência. O almirante Ministro encarregou dois de seus auxiliares, entre eles o militar de baixa patente da Marinha Marcos André dos Santos Soeiro, de trazerem nas suas bagagens pessoais os mimos recebidos na visita àquele país.
Os portadores não declararam os objetos à alfândega quando chegaram ao Brasil, no dia 26 de outubro de 2021. Os “presentes para a primeira-dama Michele Bolsonaro”, flagrados pelo Raio X do aeroporto na mochila do militar assessor, foram retidos pela Receita, pois não haviam sido declarados nem como objetos pessoais, nem como presentes oficiais à Presidência da República.
Como os bens não foram declarados, sua retirada exigia o recolhimento do imposto legal, correspondente a 50% do seu valor estimado, acrescido de multa de 25% pela não declaração. A soma de impostos e multa ultrapassa a casa dos 16 milhões de reais.
As oito tentativas de resgate dos mimos sem o cumprimento das exigências legais foram rechaçadas pelos fiscais da Receita, não obstante as pressões que receberam do então Chefe da Receita Federal e do próprio ex-Presidente. Na última tentativa, ocorrida no dia 29 de dezembro de 2022, apenas dois dias antes do término do mandato de Bolsonaro, o sargento encarregado de reaver os bens exibiu uma ordem pessoal do Presidente da República, contida em seu telefone celular.
O segundo conjunto de presentes, com características masculinas e considerado como “presente para o Presidente Bolsonaro”, foi incorporado, sabe-se agora, ao acervo da Presidência da República no dia 29 de novembro de 2022, mais de um ano depois de seu ingresso no país e já nos estertores do governo Bolsonaro, e, no mesmo dia, encaminhado para o então Presidente da República, como atesta um recibo assinado às 15h50. De acordo com declaração do tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente, o estojo está no “acervo privado” de Bolsonaro, segundo noticiou o jornal O Estado de São Paulo.
Somados, os presentes do ditador saudita são 275 vezes mais caros do que a soma de todos os demais presentes recebidos pelo ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro enquanto esteve no exercício do seu mandato presidencial, de acordo com o site Money Times. O presente mais caro até ali vale 60 mil reais. Hoje, as abotoaduras, o relógio, a caneta e a espécie de rosário estão num galpão privado alugado no Brasil, no qual se encontra o acervo pessoal de Bolsonaro, segundo noticiou o jornal O Globo. Diga-se de passagem, o tenente-coronel Mauro Cid declarou àquele veículo de comunicação que não sabe onde se localiza esse depósito.
De acordo com a Lei nº 8.394/1991 e o decreto nº 43.44/2000, todo presente de governo estrangeiro deve ser incorporado ao patrimônio público. Além disso, pelo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), firmado depois dos imbróglios causados pelo ex-Juiz Sérgio Moro com os presentes recebidos pelo ex-Presidente Lula da Silva, apenas “itens de natureza personalíssima” como medalhas e honrarias ou produtos de consumo direto como roupas, alimentos e perfumes podem ser levados pelo presidente ao final de seu mandato.
De acordo com notícia veiculada pelo portal UOL, o militar da Marinha Marcelo da Silva Vieira, chefe do Gabinete Adjunto de Documentação História do Gabinete Pessoal do Presidente da República durante o governo Bolsonaro, “não enviou pedido à Receita Federal para a incorporação das joias apreendidas ao Patrimônio da União”. O militar Marcelo foi exonerado pelo governo atual e, procurado pelo UOL, negou-se, com rispidez, a dar qualquer esclarecimento.
Os presentes milionários podem ser apenas o ponta de um iceberg de corrupção
De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, no mesmo dia 25 de outubro de 2021 e no mesmo momento em que a comitiva do almirante Ministro das Minas e Energia brasileiro recebeu os presentes milionários (depois de quatro dias de reuniões com o príncipe Abdulaziz bin Salman Bin Abdulaziz Al-Saud, Ministro de Energia da Arábia Saudita, e o príncipe Mohammed bin Salman), Jair Messias Bolsonaro almoçava na Embaixada da Arábia Saudita, em Brasília, acompanhado do filho e senador Flávio Bolsonaro e do então Ministro das Relações Exteriores, Carlos França e diplomatas de outros países do Oriente Médio.
Cabe notar que, segundo a agência de jornalismo investigativo Sport Light, é modus operandi de Mohammed Bin Salman, que foi o maior interlocutor de Bolsonaro entre os Chefes de Estado do mundo, dar joias de presente para Chefes de Estado a fim de corrompê-los.
No almoço em Brasília, continua o Estadão, um dos temas tratados foi a venda pela Petrobras da refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada na Bahia. A venda foi concluída em novembro de 2021, por 1,8 bilhão de dólares (10,1 bilhões de reais no câmbio da época). Curiosamente, a empresa foi vendida pela metade do valor anteriormente definido pela Petrobras e que era de 3 bilhões de dólares.
Hoje, corre na imprensa, nos meios e nos órgãos políticos a convicção de que será preciso submeter o governo Jair Messias Bolsonaro a uma ampla investigação, dando-se especial atenção ao período de “quarentena” pós-eleitoral auto imposta pelo ex-presidente quando, sem admitir sua derrota nas urnas, ele se manteve recluso, aparentemente inerte. Que movimentos e agitações se esconderiam por trás da apatia então manifestada? Teriam sido reservados aos preparativos dos atos terroristas de 12 de dezembro e de 8 de janeiro e da minuta de declaração de Estado de Defesa em virtude de suspeição na lisura das eleições ou teriam sido destinados também a tramar providências de cunho pessoal e patrimonial?
Os “pequenos” roubos, ao que parece, cresceram de tamanho. De ladrões vulgares e domésticos que seriam, a se confirmarem os fatos, os Bolsonaros, com o patriarca à frente, tornaram-se grandes e “respeitáveis” ladrões internacionais.
*Cientista político, professor da UFRGS (aposentado), integrante da Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da RED (Rede Estação Democracia).
Imagem em Pixabay.
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