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Opinião

A maldição da múmia de Brasília

A maldição da múmia de Brasília

Artigo por RED
17/12/2022 04:00 • Atualizado em 18/12/2022 09:08
A maldição da múmia de Brasília

Por WALTER MORALES ARAGÃO*

(…) Seus filhos erravam cegos pelo
continente, /Levavam pedras feito
penitentes/Erguendo estranhas
catedrais.
Chico Buarque. Vai passar. (1984).

Registrou-se faz pouco, em 26 de novembro último, o centenário da abertura da tumba de Tutancamon, no Vale dos Reis, Egito. Divulgada amplamente na época, a descoberta dos tesouros intactos junto à múmia do soberano que morreu há três milênios, aos dezoito ou dezenove anos de idade,– sendo que a máscara de onze quilos de ouro tornou-se talvez a relíquia mais conhecida do Egito Antigo – causou uma repercussão tal que, quando da exposição de parte dos objetos nos Estados Unidos, cerca de seis milhões de pessoas pagaram ingresso para vê-los. E das muitas impressões marcantes no imaginário mundial, destaca-se a conhecida “Maldição do Faraó”. Trata-se de uma inscrição – provavelmente para a intimidação de saqueadores – na porta da câmara do sarcófago que ameaça com a vinda da morte “em asas ligeiras” sobre aquele que perturbar o sono do faraó.

A passagem do centenário pode inspirar à sociedade brasileira atual algumas reflexões. Das diversas possibilidades a partir de material tão sugestivo, uma seria sobre outro sigilo secular, aquele aplicado sobre os gastos domésticos e outras movimentações pessoais do mandatário em final de governo, parece que denominado Bozonazis I, naquela cidade faraônica que é Brasília. Que máscaras de ouro não estarão ali ocultas, talvez advindas dos garimpos mortíferos e ilegais nas terras indígenas da Amazônia?

Tal um morto-vivo político, Bozonazis I recusa-se a aceitar o final de seu governo, o que foi legítima e legalmente definido pela eleição de seu sucessor em 30 de outubro, conforme todos os ritos do TSE – Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da legislação própria. Fascinando milhares de seguidores fanatizados e preocupando a maioria sensata da sociedade, o governante parece desejar a imortalidade política, num processo de realismo fantástico mais latino-americano do século XX do que egípcio antigo. Algo que, se não selado apropriadamente, poderá cavar não um Canal de Suez – tão útil – mas um fosso político alinhado ao abismo existente entre as classes sociais no Brasil. Assim como a máscara do faraó traz os emblemas do falcão e da serpente para mostrar a unidade política e social obtida então entre o alto e o baixo Egito, o governo eleito terá de trabalhar pesadamente pela unidade nacional, política e socialmente. E isso buscando diminuir as diferenças sociais e regionais, como preconiza a Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, descobertas verdadeiramente impactantes têm sido feitas pela Comissão de Transição de Governo. O rombo orçamentário quase trilionário previsto para 2023 é capaz de engolir juntas as pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos. E constituirão para o próximo governo a verdadeira maldição do faraó, ao ameaçar a viabilidade da realização das prioridades acumuladas.

Um papiro descoberto a pouco informa sobre procissões que os egípcios antigos realizavam para completar adequadamente a mumificação. Cremos, também, que a vigilância e as mobilizações da sociedade civil democrática e os dois turnos das eleições de 2022 – as quais movimentaram mais de cem milhões de eleitores – possam fazer com que a vontade da nova maioria eleitoral formada seja realizada da melhor maneira possível. E que o período terrível de Bozonazis I – queiram os deuses, o último – passe a ser um registro nas areias da História. E assim, nas palavras do compositor, vai passar.


*Professor de Filosofia. Possui especialização em História Contemporânea, Mestrado e Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. É participante do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado de Direito.

Imagem em Pixabay.

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