Heroísmo e Vilania

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Por MANUEL DOMINGOS NETO*

No bombardeio sofrido por Alexandre de Moraes, uma paráfrase de Malu Gaspar me intrigou: “a democracia não precisa de heróis”.

Por que maltratar assim Bertold Brecht e negar elementaridades do jogo político? Quando e onde sistemas políticos e instituições públicas prescindem de ícones?

Não há sociedades sem heróis e vilões. Figuras paradigmáticas são construídas para sinalizar o que deve ser rejeitado ou enaltecido. Heróis e vilões simbolizam o justo e o injusto, o honrado e o abjeto. Criancinhas aprendem a distinguir o bonzinho do malvado.

Essas noções estão no palco político. Independentemente de seu desejo, o político é candidato à herói: sagra-se quando a maioria percebe seu oponente como inferior. Preferentemente, como vilão.

A guerra, forma extrema da política, é o mais fértil berço de heróis. Excetuados os mercenários e tarados, guerreiros são reverenciados porque, em defesa de sua gente, matam ou dão-se à morte. Daí Platão ter destacado o guardião perfeito ao escrever seu tratado político, concluindo que ninguém deve negar beijo ao guerreiro retornado do combate.

Por muito séculos a história foi escrita como obra de homens extraordinários. Nem Marx, que destacou o embate de classes sociais, negou relevância aos que protagonizam vontades coletivas.

Brecht, marxista alemão, não minimizou a importância do herói. Ao pôr na boca de Galileu a frase “infeliz a terra que precisa de heróis”, denunciou a perseguição da Igreja Católica ao cientista heroico. Essa peça teatral foi escrita em 1937/1938, no auge do poder de Hitler, para alimentar a luta contra o obscurantismo nazista.

Não sei se a jornalista conhece a obra de Brecht, mas sua manipulação boba remete à outra frase do dramaturgo: “O que não sabe é um ignorante, mas o que sabe e nada diz é um criminoso”.

As mazelas do Judiciário brasileiro são conhecidas. Nem são exóticas. A literatura universal descreveu a falsa moralidade dos tribunais. Há inclusive, um aforismo irônico, atribuído a Brecht, crítico mordaz do Estado moderno: “muitos juízes são absolutamente incorruptíveis: ninguém consegue induzi-los a fazer justiça”. Em senso de humor, Brecht não perdia para nosso Barão de Itararé.

O Judiciário brasileiro tem contas a prestar à história e precisa ser reformado, assim como os quartéis, delegacias, hospitais, parlamentos, universidades… Mas, nas circunstâncias que atravessamos, não tem cabimento ignorar a relevância de Alexandre de Moraes na sustentação da democracia.

A imprensa que tenta desacreditá-lo sabe o valor de ícones no jogo político. Ao longo das últimas décadas, fabricou heróis em série: Castello Branco, Médici, Collor, Moro…

Estivesse preocupada com justiça e democracia, voltaria suas baterias contra o juiz que, inspirado por estrangeiros, bagunçou a institucionalidade, prendeu Lula, prejudicou o desenvolvimento e turbinou o avanço da extrema direita.

O quartel melhorou sua imagem com a prisão de alguns generais. O mesmo ocorreria com o tribunal, se algumas figuras de Curitiba entrarem em cana.

Quando Malu Gaspar e seus colegas alvejam Alexandre de Moraes sem argumento rigorosamente irretorquível, descredenciam o Supremo. Em consequência, protegem Sérgio Moro, o herói que ajudaram a construir. A súcia golpista agradece.


*Manuel Domingos Neto é Doutor em História pela Universidade de Paris, escreveu O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional.

Foto de capa: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Poder Judiciário é um dos três poderes do sistema polític

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Uma resposta

  1. Irretocável o artigo de Domingos Neto.
    Esta senhora jornalista, não se destaca por ser uma contestaria independente, ela segue a risca a linha editorial do seu patrão, tanto é que agora participa ativamente da globo news, um canal de notícias, onde não à contraditório, é um canal de comentaristas onde supostamente se comentan “democraticamente” as notícias, e os convidados estão na simpatia dá emissora.
    Ao final tem que “contrabalançar” o héroe Moro, que eles criaram e não deu certo.
    Que o judiciário tem que passar por reformas democráticas, não há dúvidas, minha opinião é, só vá começar a mudar alguma coisa, o dia em que meia dúzia de juízes forem pra cadeia, e acho excelente a idéia de começar pelo Paraná.

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