A aprovação da PEC 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem, pela Câmara dos Deputados provocou forte reação crítica por parte do jornal O Estado de S. Paulo, tradicional veículo paulista com posturas conservadoras e ideologicamente à direita no espectro político. Em editorial publicado nesta quarta-feira (18), o veículo acusa os parlamentares de promoverem um retrocesso institucional e abrirem espaço para a impunidade e o avanço do crime organizado no Legislativo.
Blindagem contra a Justiça
A proposta, aprovada por ampla maioria, exige autorização prévia da Câmara ou do Senado para que seus membros sejam investigados, processados ou presos em flagrante por crimes inafiançáveis. O modelo resgata uma regra que vigorou entre 1988 e 2001, quando praticamente nenhum parlamentar foi investigado graças ao que o próprio Estadão chamou de “espírito de corpo”.
Desigualdade e risco democrático
O editorial critica duramente a decisão, afirmando que ela fere o princípio da igualdade de todos perante a lei e transforma os mandatos parlamentares em escudos contra a Justiça. Para o jornal, a medida representa um “ataque frontal à democracia representativa” e pode permitir que criminosos usem o cargo público como forma de proteção judicial.
Contexto distorcido
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), alegou que a PEC apenas restaura o texto original da Constituição de 1988. O Estadão rebate, lembrando que o contexto da época era outro — o país saía da ditadura militar e buscava proteger os mandatos de eventuais abusos do Executivo. Hoje, segundo o jornal, o cenário é de democracia consolidada e risco real de infiltração do crime organizado no Congresso.
Facções no Congresso?
Um dos trechos mais contundentes do editorial aponta que a aprovação da PEC incentiva grupos criminosos, como PCC e Comando Vermelho, a financiar candidaturas próprias para garantir imunidade judicial. Com a blindagem, o mandato se tornaria um mecanismo legal de proteção, dispensando intermediários.
Apelo ao Senado
O Estadão conclui com um apelo para que o Senado barre a proposta e evite mais um desgaste institucional. O texto alerta que a democracia brasileira corre risco real caso a Casa Alta confirme a deliberação da Câmara.
Leia a íntegra do editorial do Estadão:
A Câmara esbofeteia o Brasil
Ao aprovar PEC da Blindagem, Câmara transforma mandatos em escudos de impunidade, violenta a Constituição, trai a representação popular e abre as portas do Congresso para o crime organizado.
A Câmara escreveu uma das páginas mais vergonhosas de sua história ao aprovar, no dia 16 passado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, a chamada PEC da Blindagem. Como se sabe, pretende-se tornar deputados e senadores praticamente inimputáveis ao impedir que sejam investigados, processados e até presos em flagrante por crime inafiançável sem que para tanto haja licença prévia de suas respectivas Casas Legislativas. Há poucos dias, o Estadão revelou que entre 1988 e 2001, período em que a licença prévia vigorou no País, só uma mísera vez o Congresso autorizou que um de seus membros fosse investigado pelos crimes de que foi acusado. O que reinou foi o espírito de corpo, quando não o compadrio.
Não satisfeitos em esbofetear a sociedade legislando escancaradamente em causa própria, mais de 340 deputados ainda violentaram a Constituição em seu princípio mais elementar – a igualdade de todos perante a lei. Até para os padrões desta legislatura é espantosa a desfaçatez com que a Câmara traiu sua missão de ser “a tribuna onde a Nação fala”, para lembrar Ruy Barbosa, um gigante do Parlamento brasileiro. Sob a falsa justificativa de proteger o mandato parlamentar de supostos “abusos” e “atropelos” que teriam sido cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os deputados decidiram colocar-se acima da lei, nada menos, furtando-se em responder pelos crimes que vierem a cometer.
Nesse sentido, a PEC da Blindagem, que bem poderia ser chamada de PEC da Impunidade, deve ser vista como um ataque frontal à democracia representativa. Se promulgada, estará criado o ambiente no qual bandidos poderão ficar impunes apenas porque lograram obter um mandato eletivo. Deputados de todos os matizes ideológicos, do governo e da oposição, deram-se as mãos para escarnecer dos eleitores.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), um anão diante da grandeza institucional do seu cargo, abusou da má-fé e afrontou a inteligência alheia em seu discurso em defesa da PEC da Blindagem. Em tom solene que mal escondia a desfaçatez, Motta ignorou a história da Nova República e distorceu o contexto da Assembleia Nacional Constituinte disseminando a lorota de que a Casa, ora vejam, só estaria restaurando o texto original da Carta de 1988. É preciso recordar, então, que o dispositivo da licença prévia, àquela época, era a resposta idealizada a um momento da vida nacional totalmente distinto. O Brasil mal havia saído de uma ditadura militar. Os constituintes originários buscavam proteger o mandato parlamentar de eventuais arbitrariedades em uma transição de regime ainda em andamento.
A realidade hoje é completamente diferente. O regime democrático está consolidado. Parlamentares já têm assegurada pela Lei Maior a inviolabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos. Ademais, há quase 40 anos, o País não estava assolado pela infiltração de organizações criminosas de caráter mafioso no sistema político nem tampouco pela rapinagem de recursos bilionários do Orçamento por meio de emendas parlamentares – é contra a investigação desses desvios que os deputados querem se proteger.
Como se nada disso bastasse, a PEC da Blindagem ainda é um convite para que membros de facções como o PCC e o Comando Vermelho entrem no Congresso pela porta da frente. Se antes as organizações criminosas já exploravam o mandato de maus parlamentares como espécie de casamata em defesa de seus interesses no Legislativo, agora têm o incentivo adicional para financiar candidaturas de seus próprios gângsteres e, assim, blindá-los do alcance da lei sem intermediários. O que a Câmara aprovou, portanto, foi um programa de fomento à criminalidade política no País.
Agora resta torcer para que o Senado se erga como o adulto na sala desta república tão maltratada e enterre de vez a ignomínia que passou na Câmara, resgatando alguma aura de decência para o Congresso perante a opinião pública. A democracia brasileira estará novamente sob risco se a Casa Alta for cúmplice de uma delinquência política, nada menos. Não à toa, a eleição para o Senado no ano que vem tem despertado a atenção de muita gente – não necessariamente gente bem-intencionada.
Foto da capa: Corte da declaração de Nikolas Ferreira durante discussão sobre PEC da Blindagem na Câmara — Foto: Reprodução/Instagram Manuela D´Ávila
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PEC da Blindagem, Congresso Nacional, impunidade, crime organizado, Hugo Motta, Senado Federal, democracia, Legislativo, Brasil





Uma resposta
Atualmente o parlamento, principalmente a Câmara dos deputados, não reflete a real opinião da população. Ao contrário, defende os interesses mesquinhos dos seus agentes!
É um descalabro total!
Devemos lutar por uma reforma política séria urgentemente.