Do AI-5 ao Tarifaço: ecos de uma história farsesca

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

É necessária uma sátira ao anacronismo anticomunista e à fidelidade canina ao Imperador Donald, trazendo os personagens da “familícia” e seus desatinos. Afinal, ex-militares brasileiros da época Guerra Fria marcham sob os tarifaços do Imperador Donald.

Os militares doutrinados durante o regime ditatorial militar nos quartéis brasileiros, ainda ecoam mentalmente um hino em busca de maior status social com base no anticomunismo eterno. A URSS já caiu há 34 anos, Gorbatchev já virou busto de museu, e até a China virou campeã de exportar carros elétricos e TikTok. Mas, para os doutrinados da extrema direita tropical, o “perigo vermelho” continua tão vivo quanto em 1964.

O que sobrou do ideário? Apenas um anacronismo glorioso: a fidelidade canina a tudo vindo do Império do Norte. Ontem, era o Pentágono; hoje, é o Imperador Donald, sentado em seu trono de magnata do Trump Memecoin – uma criptomoeda representativa do conflito de interesses com seu cargo –, distribuindo tarifas e teorias conspiratórias.

E, como em toda boa farsa em corte imperial, surge lá o filho quinta-coluna do Capachonaro. Este, em sua prisão domiciliar com piscina e todo o conforto doméstico à disposição, descobre uma nova utilidade para a tornozeleira eletrônica: transformá-la em antena de Wi-Fi para transmitir intrigas palacianas diretamente à Casa Branca.

Assim chegou ao Imperador Donald a (falsa) informação bombástica: — “Majestade, o STF brasileiro é comunista! Censura as redes sociais e prende os patriotas por espalharem verdades alternativas!”

Donald, sempre crédulo quando a mentira lhe convém, decretou o Tarifaço da Anistia para Golpistas, 50% sobre café e carne bovina. Afinal, o comunismo se combate não mais com tanques, mas com tabelas de importação.

Enquanto isso, no Brasil, o filho do Capachonaro segue sua rotina doméstica de conspirações, regado a café solúvel ainda estocado com adoçante de fake news. Sua ousadia? Ataca publicamente os julgadores de seu pai golpista e até mesmo a honra pessoal do presidente da República.

Esse feito indireto rendeu ao Capachonaro o título de primeiro conspirador em prisão domiciliar interativa, com direito a videoconferências semanais com a Avenida Paulista e o Império do Norte. É o retrato perfeito do anticomunismo tropical de almanaque velho, misturado à fidelidade submissa ao Imperador estrangeiro, regado por intrigas de WhatsApp e delírios de grandeza.

No fim, a comédia é dupla: de um lado, um filhote da ditadura insistindo em ver “perigo vermelho” onde só há aplicativos chineses; de outro, uma extrema direita transformadora de sua subordinação ao Império estrangeiro em ato de patriotismo.

Se Hannah Arendt ainda estivesse por aqui, anotaria em seu caderno: “no Brasil, a banalidade do mal veste verde e amarelo, mas fala inglês com sotaque do Texas.”

Os “anticomunistas sem comunismo” marcham do porão de torturas ao supermercado ou shopping center. O Imperador Donald se apresenta como um reciclador do lixo da Guerra Fria em Guerra Comercial.

O magnata é um homem de visão, ou melhor, retro visão. Enquanto o mundo anda para frente, ele insiste em engatar a marcha à ré da história.

Para Donald, a Guerra Fria nunca acabou: só trocou de figurino. Sai o muro de Berlim, entram os muros tarifários; sai a corrida espacial, entra a corrida contra os carros elétricos chineses; sai o medo do “perigo vermelho”, entra o pânico com TikTok e semicondutores.

É a Guerra Fria reciclada como Guerra Comercial. Com a mesma retórica de “defender a pátria”, porém, agora com planilhas da OMC e tabelas de tarifas em lugar de tanques e ogivas nucleares. O inimigo continua o mesmo — o “comunismo vindo do Oriente” — só rebatizado como “concorrência desleal”.

Pior dessa reciclagem como farsa histórica é o paralelo com o Capachonaro, reincidente na conspiração golpista.

Como toda boa comédia imperial precisa de figurantes tropicais, entra em cena o Capachonaro. A história é conhecida: expulso do Exército brasileiro nos anos 1980 por conspirar contra seus superiores, reapareceu quatro décadas depois cometendo o mesmo crime em versão 2.0: conspirar contra o resultado das urnas de 2022.

É um reincidente do golpismo, sempre com a melodia repetitiva: — “É fraude contra o meu deus de conveniência, é fraude contra a minha pátria armada, é fraude contra minha familícia”.

O Imperador Donald busca superar a mágoa pela derrota, na sua primeira tentativa de reeleição nos EUA, com tarifaços e conspirações com apoio jurídico. o Capachonaro imaginou ser possível dobrar o tempo e o Judiciário brasileiro com uma punhalada verde-amarela contra a democracia brasileira.

O enredo é idêntico: Donald tenta se eternizar no trono imperial, erguendo tarifas como quem ergue muralhas medievais. Capachonaro tenta se eternizar no Planalto, marchando com tanques esfumaçados e cabos de WhatsApp.

Ambos se vendem — um via Trump Memecoin, outro com “vaquinha milionária de Pix” — como paladinos da liberdade de expressão neofascista e praticam o mesmo esporte: usar as brechas democráticas para destruí-las por dentro. Ambos tratam derrotas eleitorais como conspirações, e conspirações reais como atos patrióticos.

No fim, a cena é tragicômica: de um lado, um Imperador alaranjado (por isso excluindo o suco de laranja do tarifaço de 50%) declara guerra comercial ao mundo como se fosse uma nova Guerra Fria de fast food, ou seja, comercial; do outro, seu escudeiro tropical, punido pelo Exército no século passado e agora punido pela urna no presente. Dois anacrônicos, unidos pela mesma fantasia: reverter a seta do tempo e transformar democracia em obstáculo descartável.

Se Hannah Arendt estivesse viva, anotaria em seu diário: — “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como tarifa. Agora é um pró golpismo tarifado made in USA.”


*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Foto de capa:  Reprodução

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