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O Tempo na tomada de decisão
O Tempo na tomada de decisão
Por LINCOLN PENNA*
Uma decisão implica uma convicção, não importa se tomada individualmente no curso de uma situação emocional, ou quando se se situa na esfera da vida política e institucional de uma nação a respeito de algo que mobiliza essa comunidade nacional. Logo, seja ela uma decisão individual ou que diz respeito a uma coletividade há de se considerar a questão do tempo. Afinal, ele mede o sentido e o efeito de uma decisão. Postergar o tempo é sempre um risco para o acerto de uma decisão.
Dito isso, cabe examinar o que presentemente ocorre no que diz respeito ao denso Relatório da Polícia Federal relativo à trama golpista cogitada e articulada no âmbito do poder executivo durante os últimos e derradeiros meses da presidência de Jair Bolsonaro. Tempo relativamente curto se considerarmos que o objetivo continuísta do então presidente teve início após o resultado da eleição presidencial de 2022. Defensor extremado dos golpistas de 64 seu desejo era ter vivido plenamente aquele período ditatorial.
Quem acompanhou ou passou a reconstituir a trajetória de Bolsonaro antes e durante o seu mandato presidencial tem conhecimento que o objetivo que jamais escondeu sempre fora o de exaltar o golpe de 64 e os seus presidentes-ditadores. Inclusive e especialmente, a turma do porão, isto é, da repressão sistemática movida contra os que se opunham ao regime militar e empresarial, a louvar os torturadores com a ressalva de que melhor seria executar aos que eram opositores da ditadura.
Durante a própria vigência da ditadura, o presidente Ernesto Geisel chegou a dizer que Jair Bolsonaro era um mau soldado, e o fez não apenas por não ter maior apreço por ele, mas em razão de sua conduta indisciplinada. O então tenente feito capitão quando foi instado a ir para a reserva por ter infringido o Regimento Disciplinar do Exército (RDE), uma espécie de constituição para os militares, que atinge também os da reserva, que mesmo assim estão submetidos ao Regimento. Bolsonaro chegou até a recorrer ao Superior Tribunal Militar que surpreendentemente o absolveu e não foi expulso. E ainda ganhou a patente de capitão.
Por sinal, no RDE está previsto que o Comandante-em-chefe das Forças Armadas é o presidente da República em exercício pelo período de seu mandato, juntamente com a autoridade máxima das Forças Armadas, que originalmente era representada pelo ministro da guerra e hoje pelo ministro da defesa ouvido, naturalmente, os comandantes de cada arma.
Sendo assim, o caso em tela, ou seja, o do golpe que se encontrava em fase de preparação baseado no não reconhecimento do resultado eleitoral visando intervir afrontando a Constituição torna passível de o militar da reserva e ex-presidente da República vir a ser enquadrado no dispositivo previsto pelo RDE, sem que aja qualquer truculência ou ação persecutória como dizem os seus defensores, até porque guardadas todas as prerrogativas de ampla defesa do por enquanto indiciado-mor.
Pena que a atitude do presidente Lula, Comandante-em-chefe das Forças Armadas, tenha sido excessivamente cautelosa, quando tomou conhecimento do plano para assassiná-lo e fez uma blague ao dizer que ainda estava vivo, provavelmente para não bulir com os militares e com isso assanhar apetites da camaradagem em prol dos golpistas.
Cumprir o que reza a Constituição e exigir a punição do ex-presidente, bem como dos demais militares, amparado pelo próprio Regimento que como Comandante Supremo e no exercício de seu mandato tem o dever de fazê-lo, sem que seja objeto de críticas fundamentadas, salvo as que seriam endereçadas a ele por conta dos seus opositores bolsonaristas. São os que desejam salvaguardar o ex-presidente, grande beneficiário dessa trama golpista, ao contrário do que disse o seu advogado ao buscar isentá-lo.
O tempo para dar provimento ao processo depende inicialmente do Procurador Geral da República (PRG), mas se essa instância não estiver conectada com os pleitos democráticos poderá frustrar a opinião dos que hoje não têm dúvidas de que os golpistas devem ser enquadrados como réus, e como tal terão a oportunidade de se defender. Jogar para as calendas gregas é ofender o espírito da nossa Carta mais democrática produzida ao longo de nossa história, é dar chance a que a morosidade mesmo em nome da cautela venha a reproduzirmos a velha prática política da conciliação.
*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).
Foto de capa: Divulgação
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