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“Empreendedor Carente” e “Empreendedor Moderno”: Pequenas Empresas, Grande Exploração (de si próprio!)

“Empreendedor Carente” e “Empreendedor Moderno”: Pequenas Empresas, Grande Exploração (de si próprio!)

Economia por RED
07/11/2024 08:30 • Atualizado em 06/11/2024 15:40
“Empreendedor Carente” e “Empreendedor Moderno”: Pequenas Empresas, Grande Exploração (de si próprio!)

Por LUIZ ABERTO DE VARGAS*

Segundo estudos do Sebrae, 4,63 milhões de beneficiários do Bolsa-Família, que estão do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), têm CNPJ como Microempreendedor Individual (MEI). Isso representa cerca de 30% dos cadastros de MEI. São os “empreendedores carentes”.

Mais: 19 milhões que estão no Bolsa-Família se identificam como empreendedores informais. São o alvo dos programas de regularização previstos na Lei Complementar nº 128, de 2008 (conhecida como Lei do Empreendedor Individual), que consistem na inclusão social e o reconhecimento de microempreendedores de baixa renda e seus negócios, com a cobertura de direitos como previdência, incentivos governamentais, entre outros. São os candidatos a sair da informalidade e a ascender, pelo menos, a uma melhor condição de “empreendedores carentes”.

De acordo com o IBGE, 30% das MEI não resistem após cinco anos. O estudo “Sobrevivência das empresas” do Sebrae aponta, como um dos motivos para tão alta de mortalidade, o fato de que boa parte dos microempreendedores individuais (42%) terem aberto a empresa por estarem desempregados, sem capacitação suficiente; nem conhecimento, nem experiências anteriores no ramo que escolheram – o que afeta diretamente a sobrevivência do negócio. Muitos abriram o negócio por necesside- e não por oportunidade – e deixarão a vida empresarial sem terem efetivamente a oportunidade de deixarem de ser carentes.

Conforme o estudo “Informalidade e Microempreendedor Individual (MEI): Caminhos para a construção de uma cultura empreendedora justa e inclusiva” (Empreender 360)[1], menos de 10% dos empreendedores informais são classificados como “potencialmente produtivos” (dispõem-se a e/ou tem, efetivamente, condições de aproveitar a oportunidade de formalização como uma ferramenta de prosperidade). A maior parte ou subestima a importância da regularização ou vê grandes dificuldades para que seu próprio negócio vá além de um meio de mera sobrevivência. As formalizações sobre os microempreendedores (73,5%) ocorrem pela necessidade de “estar regularizado” – e não por uma efetiva estratégia de prosperidade. Assim, o estudo levanta a hipótese de um “impacto limitado, e até mesmo negativo, para negócios de baixa capacidade produtiva e empreendedores de baixa renda, especialmente os mais pobres”. Em geral, eles não estão maduros e em condições de arcar com os custos para manter o CNPJ:

“Na hora de colocar na balança, fica a sensação de que somente a política pública, sem capacitação, informação, capital semente e outros tipos de apoio não é suficiente para diminuir a informalidade e desenvolver pequenos negócios que começaram por necessidade”.

Uma das principais razões para o insucesso das políticas de formalização, é o “desfoco do público-alvo representado pela “pejotização” de trabalhadores celetistas – o que reduz o desempenho da política do MEI: uma política desenhada para gerar benefício para trabalhadores não-contributivos mostra-se insuficiente para regularizar os mais pobres (informais) e distorciva para trabalhadores já formalizados, que passam a contribuir menos, comprometendo uma melhor aposentadoria futura. São os “modernos empreendedores” terceirizados ou que, independentemente do objeto social de suas empresas, adotam novas formas de divisão do trabalho.

Em relação a trabalhadores de baixa renda, há evidente pressão das empresas para substituir contratos celetistas por contratos terceirizados, transferindo o custo trabalhista ao prestador, mais frágil economicamente em uma deliberada política de redução de custos pela precarização do trabalho – algo facilmente constatável em processos trabalhistas e que passa desapercebido nas reclamações constitucionais do STF. O futuro provável de boa parte desses “empreendedores carentes” é não sobreviver mais que cinco anos e retornar ao desemprego.

Mas a tendência precarizante atinge também trabalhadores de renda mais alta. No teto de faturamento anual do MEI (R$ 81 mil por ano), pode-se pensar na “transformação empreendedora” de um contrato de emprego celetista com um salário entre R$6 mil e R$7 mil para uma “relação de prestação de serviço” com a produtiva desoneração do empresário com todos os custos operacionais, trabalhistas, fiscais e previdenciários. Assim, cada vez mais assistimos médicos, advogados, bancários, vendedores, caminhoneiros e todo tipo de trabalhadores empregados com renda mais alta “livremente optarem” por adentrarem ao mundo empresarial como condição de sobrevivência. O futuro provável de boa parte desses “empreendedores modernos”, se sobreviver aos fatídicos cinco anos, será comprometer a aposentadoria que garantiria sua velhice.

Para os empregadores, libertados da “interferência do Estado” nas relações de trabalho, trata-se de um “negócio da China”, com significativa redução de custos indiretos com o trabalho.

Os “novos ocupados” (empreendedores carentes) e os “novos liberados da submissão ao contrato de emprego” (empreendedores modernos), agora dedicados a explorarem a si próprios, não têm mais o quê, nem para quem reclamar. Na ótica dos “adeptos do mercado” que monopolizam a opinião pública, são “o Brasil que deu certo”… e são integralmente responsáveis por radioso futuro ou por um (mais previsível) fracasso, já que tudo supostamente dependerá apenas de sua competência e esforço.

Para o Brasil, a “estratégia pejotizante” mostra-se um sucesso aparente (78% das empresas criadas em 2023 eram MEI), mas um desastre real (a queda da arrecadação tributária e a queda da produtividade são fatores ocultos que não aparecem nas análises triunfalistas dos “economistas de mercado”) que, logo, será inevitavelmente visível até para quem não vê (ou não quer ver) as consequências sociais das decisões econômicas, jurídicas e políticas.

Mas a grande bomba-relógio da verdadeira questão previdenciária (o desmonte do financiamento da Seguridade Social), que passa ao largo de todas as análises, somente explodirá dentro de alguns anos, comprometendo irremediavelmente o futuro do país.
Admirável mundo novo!
Ainda é tempo de despertar.

 

*Luiz Aberto de Vargas é Desembargador do Trabalho.

Foto de capa:  Divulgação

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