?>

Destaque

O Brasil visto por três estrangeiras

O Brasil visto por três estrangeiras

Cultura por RED
17/09/2024 11:30 • Atualizado em 03/09/2024 11:46
O Brasil visto por três estrangeiras

Por NUBIA SILVEIRA*

Jemima Kindersley, Elizabeth Macquarie e Rose Freycinet. As três mulheres – duas inglesas e uma francesa –, esposas de oficiais da Marinha, visitaram o Brasil, acompanhando seus maridos, entre 1764 e 1820. Elas deixaram suas impressões sobre o país, ou melhor, sobre duas cidades, Salvador e Rio de Janeiro, em cartas detalhadas sobre o que viram e viveram. A beleza natural do país sempre é exaltada pelas viajantes, numa época em que os europeus não tinham informações sobre a colônia portuguesa. Os depoimentos destas três visitantes estão reunidos em Mulheres viajantes no Brasil (1764-1820), organizado e apresentado por Jean Marcell Carvalho França e editado pela José Olympo.

Jemima esteve em Salvador nos meses de agosto e setembro de 1764, quando a Coroa portuguesa proibia e entrada de estrangeiros em seus domínios além-mar. Quem conseguia driblar as ordens da Monarquia, como Jemima, esposa do capitão Nathaniel Kindersley, funcionário da Companhia das Índias Orientais de Bengala, tinha seus passos totalmente vigiados. A inglesa conta que as autoridades locais designaram um oficial e um soldado para controlarem seus passos. Reclama por ser seguida até mesmo dentro da casa, em que se hospedou, pertencente a um cirurgião francês, “casado com uma portuguesa nativa”. “Na primeira noite em que dormi em terra, os vigias dormiram no corredor próximo ao meu quarto”, afirma a indignada Jemima.

O relato da senhora Kindersley não é nada simpático ao governo local – “desconfiado e pouco hospitaleiro” – e aos portugueses – “muito reservados e hostis aos estrangeiros”. Para ela, os portugueses que migraram para o Brasil, vieram com “um sentimento muito diferente daquele que tem um inglês quando deixa o seu país para se estabelecer numa colônia”. E explica: “Nós ingleses temos sempre o desejo de voltar para casa, enquanto os portugueses se estabelecem com suas famílias por gerações e passam a ver o lugar como sua casa”. Nas sete cartas, escritas em Salvador, Jemima não deixa de falar o que pensa, tendo sempre um olhar crítico sobre a sociedade tropical. Mas tropeça na última carta, em que desculpa os portugueses de seus tantos vícios: “Os portugueses têm demonstrado grande humanidade e mesmo civilidade no tratamento dos nativos do país, os quais, ainda que conquistados, foram deixados em liberdade”.

A segunda visitante foi, a também inglesa, Elizabeth Macquarie, que chegou ao Rio de Janeiro, um ano após a transferência da família real para o Brasil, abrindo os portos para visitantes e comerciantes estrangeiros. “No dia 6 de agosto de 1809, avistamos terra e, no dia seguinte, lançamos âncora no porto do Rio de Janeiro.” O que ela e os demais tripulantes viram foi uma imagem que encantou a todos: “a tarde estava clara uma brisa constante e suave impulsionava-nos e o sol punha-se atrás do Pão de Açúcar, tornando a cena ainda mais bela e impressionante”.

Como fizera Jemima, 45 anos antes, Elizabeth não fala de sua vida familiar. Restringe-se a escrever sobre as belezas do lugar, as pessoas que conhece, com as quais convive socialmente, os passeios que faz e as dificuldades que enfrenta. Certa feita, ao lado dos capitães Macquaire e Cleaveland, passou por um grande susto: eles saíram a passeio numa “pequena e antiquíssima carruagem”, puxada por duas mulas e “conduzida por um preto com aparência de macaco”, que não falava inglês como eles não falavam português. O cocheiro os levou por um caminho suspeito, onde parou a carruagem. Começou, então, a falar em português e a gesticular, como se estivesse furioso. Uma multidão rodeou os visitantes, que não entendiam o que estava acontecendo. “Incapazes de compreender uma única palavra, ficamos paralisados no lugar onde estávamos, com muito medo.” Elizabeth diz ter pensado que a sorte estava contra eles e “o passeio seria um fiasco”.

A francesa Rose Freycinet, muito mais alegre do que as inglesas, fala até demais sobre o marido Louis, comandante do navio Uranie. Sobre sua chegada ao Rio de Janeiro, em 6 de dezembro de 1817, afirma: “O tempo estava magnífico e pudemos deliciosamente repousar os olhos na bela vegetação desta parte do Novo Mundo”. Um oficial da Casa Real subiu a bordo e comunicou aos viajantes que “o rei acolheria os franceses da melhor maneira possível e providenciaria tudo o que lhes fosse necessário”. Teve mais sorte do que Jamima e Elizabeth.

Rose ficou feliz em encontrar compatriotas, pessoas que a fizeram sentir-se à vontade e bem-vinda. Mas não gostou nada de saber de alguns costumes da terra, como o que mandava qualquer pessoa – “não importando a sua posição social ou idade” – ajoelhar-se, na rua, à passagem do rei, mesmo que fosse na lama, o que ela classificou de “constrangedora cerimônia”. O seu olhar sobre a família real não foi nada positivo. Em companhia de amigos, Rose teve a oportunidade de participar de uma cerimônia religiosa, em que Dom João VI e sua família estiveram presentes. Ela sentou-se em frente à realeza, podendo observá-los e analisá-los por um bom tempo.

“O rei parece estar bem — diz a francesa –, mas é um homem de pouca majestade. O príncipe é alto e bastante bonito, mas suas maneiras são péssimas e a sua pessoa, vulgar. Vestia-se, na ocasião, com um fraque marrom e uma calça de nanquim, traje bastante ridículo para as 8 horas da noite, numa grande festa pública. Ainda que mais simples, o traje do rei era bem melhor; além do mais, ele é um homem de idade, a quem ser permite mais.” Na descrição de Rose, ninguém merece elogios entre os nobres, nem mesmo a princesa austríaca Maria Leopoldina, que desposara Dom Pedro I, em maio de 1817.  “As maneiras da princesa real, a meu ver, em nada lembram a postura nobre e cerimoniosa que se cultiva na corte da Áustria; aqui, ao que parece, a princesa é descuidada tanto com seus trajes quanto com sua aparência.”

As três autoras comparam o Brasil com seus países, em que a terra visitada as encanta por suas belezas naturais. A sociedade, porém, é vista como inferior às da Inglaterra e França. Nos relatos surgem preconceitos em relação aos portugueses, que consideram preguiçosos, sujos e grosseiros. As mulheres são criticadas pelo seu comportamento, dando a entender que são recatadas durante o dia, mas não à noite. Mulheres viajantes no Brasil (1764-1820) é de fácil e agradável leitura. Fica aqui a minha sugestão para quem tem curiosidade sobre o Brasil dos séculos XVIII e XIX.

*Nubia Silveira é jornalista.

Foto da capa: Divulgação.

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Toque novamente para sair.