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Meio Ambiente Já
Meio Ambiente Já
De MARCIA BARBOSA E PEDRO COSTA*
A Universidade é uma instituição forjada para a construção, sistematização e perpetuação dos conhecimentos. A sua capacidade de ver o quadro geral impõe a responsabilidade de agregar-se aos movimentos de mudança e superação desses conhecimentos. Isso equivale a dizer que nas sociedades contemporâneas só é justificável a existência de universidades se elas também tiverem seu fazer cotidiano ligado a pensar e incidir sobre os modos de vida historicamente construídos. Na condição de universidade pública, se sobrepõem compromissos éticos que orientam esse fazer pelo interesse público, comum, preocupado com o bem estar coletivo, vida digna e justiça. Ela responde a esse compromisso através de um permanente exercício de avaliação crítica desses modos de vida, e também da busca incessante de novas ideias e soluções em todos os campos de conhecimento, e também nas artes e humanidades nela cultivadas. É, dentro deste compromisso, que a Universidade imersa no tecido social foi às ruas contra a Guerra do Vietnã, contra Ditaduras na América Latina e foi protagonista do Diretas Já.
As crises recorrentes de um planeta enfermo e vandalizado por interesses econômicos, como a recente pandemia e as catástrofes climático-sociais, têm convocado a universidade pública uma vez mais a se fazer presente.
Na pandemia da COVID-19, além da presença evidente no campo da atenção à saúde, as universidades públicas foram relevantes em outras frentes, como as ações de extensão e solidariedade; em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e tecnologias suplementares; na organização e logística dos sistemas de saúde e outros apoios; e nas ações de comunicação da própria ciência, em um momento em que o negacionismo científico viveu o seu ápice no Brasil. Os movimentos sociais estavam juntos nestes momentos, mas parte do poder público entendia que terminada a tarefa assistencial, a Universidade deveria voltar para o seu local, a torre de marfim.
Agora é a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul que impele a universidade pública outra vez a disponibilizar todo seu portfólio de conhecimentos e solidariedade à sociedade. Esta primeira camada de ações emergenciais e de socorro revela uma universidade capaz de ser abrigo e mobilizar ações voluntárias que se somam a cuidados multidimensionais de saúde animal e humana, ancorados no saber científico.
Para além do importante momento mobilizador, as necessárias ações de médio prazo podem igualmente se nutrir da relação fecunda com a universidade e com as diversas formas de conhecimento. Há necessidades de reconstrução de cidades, não sem antes passar pela reorganização do uso do próprio espaço, nas cidades e também no campo. Mais do que obras de engenharia, obviamente necessárias, é preciso pensar a organização e distribuição da vida humana, a relação desta com os recursos naturais de forma sustentável e respeitosa. Esta ação só será possível se este diálogo entre os conhecimentos tradicionais e as comunidades for central.
Esta reconstrução para que seja resiliente e eficaz exige que se pense sobre os modelos econômicos, produtivos e energéticos que nos conduziram ao quadro que hoje vivemos. E exige que se reoriente os padrões de organização do Estado e de governos para um diálogo mais próximo com a ciência e com a sociedade em geral, que se afaste do negacionismo climático e das práticas recorrentes de desmonte e esvaziamento das funções públicas em nome de uma suposta – e nunca comprovada – superioridade gerencial de agentes privados que não têm compromisso com os interesses coletivos.
Mas se a universidade é assim, tão virtuosa e capaz, porque a sociedade não lhe dá ouvidos? Por que setores sociais que estão sendo mais afetados não estão nas mesas de negociações para indicar o que faremos com suas casas?
No caso da Universidade podemos começar por uma autocrítica, e admitir que determinadas posturas e práticas universitárias terminam por reforçar uma imagem elitista e hermética, que produz um conhecimento distante das demandas sociais e, por isso mesmo, julgado por vezes irrelevante para vida ao rés do chão e para os problemas concretos vividos no cotidiano das massas.
Talvez também ao nível dos processos educativos que a universidade historicamente vem fazendo, seja necessário fazer mudanças que levam à formação de profissionais e cidadãos comprometidos e compromissados com mudanças realmente importantes, sob a orientação de valores éticos e republicanos sob os quais as justas aspirações pessoais de cada pessoa possam estar conformadas dentro dos limites da vida coletiva.
Mesmo vivendo suas contradições, próprias de um processo histórico vivo, a universidade consegue manter vínculos significativos com a sociedade. O período da pandemia mostrou que o que chamamos de opinião pública, e que remete a uma consciência mais ou menos difusa de compreensão média sobre todas as coisas, reposicionou a ciência e o serviço público, especialmente de saúde, no imaginário geral. De realidades distantes, no caso da ciência, ou de um estigma de ineficácia, no caso do SUS, mesmo a grande mídia tradicional foi obrigada a reconhecer o papel fundamental dessas dinâmicas para salvar vidas, aproximando as universidades, por tabela, de uma avaliação de respeito e consideração.
A tragédia das enchentes no RS – potencializada por práticas governamentais negligentes e irresponsáveis, alimentadas por uma ideologia de estado mínimo para o público e máximo para os mercados – soa como um clamor para que as intervenções não sejam mais pontuais e repetidas, para que não se tente outra vez fazer mais do mesmo e reconduzir a vida para um modo de ser e de agir que seja o prenúncio de uma nova tragédia logo ali na frente.
Se há uma contribuição que a universidade pode e precisa fazer nesse momento é demonstrar o esgotamento das soluções paliativas e a necessidade de renovar paradigmas e propostas de ação, que possam pautar as ações de governos. Queremos a sociedade do nosso lado, colaborando confiando uma vez mais na capacidade da universidade, pois o que temos a oferecer é incômodo para quem deseja continuar se alimentando do caos e perpetuando modos de trabalho e de organização social insustentáveis, no sentido ético da palavra.
Um diálogo potente está sendo desperdiçado, e não há mais tempo a perder. Está na hora da construção de um movimento Meio Ambiente Já.
*Professora do Instituto de Física da UFRGS e Professor da Escola de Administração da UFRGS
Imagem Pixabay
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